— Christine! – Madame Giry exclamou, ao ver a menina a quem criara, já quase pronta para o casamento, em seu belo vestido de noiva. A jovem se levantou da penteadeira e correu em abraçar sua mãe adotiva, com uma exclamação de alegria:

— Madame Giry! – elas se abraçaram, mas o aperto dos braços da mulher mais velha fez arder todos os machucados nas costas e ombros da garota, que deu um gemido estrangulado, esforçando-se para não demonstrar a dor que sentia. A senhora, porém, conhecia a menina muito bem, e perguntou:

— O que houve?

— Nada. – mentiu a jovem, com um sorriso. Feliz, puxou a senhora consigo e a fez se sentar na cama, ao seu lado. – Senti tantas saudades! Por que não me respondeu as cartas que enviei?

— Cartas? – perguntou a senhora, confusa – menina, a única carta que recebi foi de Raoul, convidando-me a seu casamento...

— Mas eu as dava a Raoul para que... – de imediato a moça compreendeu – Ele não as enviou... – mesmo tentando se conter, a raiva foi maior do que as forças dela, e a soprano se levantou e bateu num travesseiro, com raiva. – Aquele cretino!

Madame Giry estreitou os olhos, desconfiando da situação ali presente, e se levantou, segurando Christine pelos ombros e obrigando-a a encará-la:

— Menina, não minta para mim. O que está havendo entre você e Raoul?

Naquele momento, a soprano não conseguiu mais fingir, e começou a soluçar nos braços da senhora. Comovida com o desespero da moça, a mulher se sentou no leito, abraçando-a, enquanto a jovem escorregava para o chão, até ter a cabeça deitada no colo da outra.

— Ah, mãe! – assim Christine tratava Antoinette Giry, quando estavam a sós – Cometi o maior erro de minha vida, aceitando me casar com ele! – ela ergueu os olhos cheios de lágrimas – ele me prende aqui. Não posso sair sem companhia, não posso cantar, tocar ou ouvir música... Ele está paranoico de ciúmes, crente de que o abandonaria para me juntar ao Anjo, se ele se descuidar. Faz de minha vida um inferno, é grosseiro e destrata-me na frente de todos, se ajo de modo que o desagrade... – as lágrimas que escorriam sem parar borraram a maquiagem, revelando o machucado vermelho na bochecha. Ao ver aquilo, Antoinette limpou cuidadosamente o rosto de sua filha, e sua expressão encheu-se de fúria ao ver a marca deixada:

— Ele BATEU em você?!

— psiu! Fale baixo, pelo amor de Deus, ou nem sei o que ele fará! – pediu a moça, apavorada.

— Christine, ele a tem surrado? – insistiu Madame. Sem saída, a moça abriu os botões da gola alta do vestido, e expôs os próprios ombros, mostrando as contusões deixadas pelo chicote.

— Ontem eu o mandei ir ao inferno, disse que não aguentava mais, e que fora uma tola em pensar que o amava... Ele pegou o chicote de montaria e... E... – ela começou a soluçar de novo. – Não quero me casar com ele, mãe, mas não tenho escolha!

— É claro que tem! – disse Antoinette, furiosa com Raoul – olhe para mim, menina: não pode se casar com este homem! Ele a feriu horrivelmente enquanto ainda são noivos, o que não fará quando forem um casal, e a lei lhe permitir fazer o que bem entender?

— Como posso fugir, mãe? – perguntou a moça, controlando-se e tentando reter as lágrimas – não tenho para onde ir, não tenho o que fazer, já que a Ópera só reabrirá em um ano... Como vou viver?

— Viverá em minha casa, assim como Meg, é claro! Enquanto a Ópera não reabre, Meg e eu estamos trabalhando nu conservatório, como professoras, e também você poderá fazê-lo. Morará conosco, e se livrará deste monstro.

— Tenho medo dele... O que Raoul não fará, se eu me recusar ao casamento, e logo agora, com todos os convidados chegando e...

— Ele não fará nada. Você irá embora comigo, agora. – Antoinette pegou a filha pela mão, e ia puxando-a consigo quando a porta se abriu, e Marian entrou. A criada fez cara feia ao ver Madame Giry ali, mas tudo o que disse foi:

— Só aguardam pela senhorita, Mademoiselle Daae. O Visconde disse que tem cinco minutos para estar lá em baixo, ou ele virá busca-la.

— Só um instante, Marian. – pediu a jovem – preciso terminar a maquiagem, e pôr o véu! Diga a ele que estou quase pronta, mas o nervosismo deixa minha mãos trêmulas, e tornou difícil me maquiar!

A criada anuiu e saiu; ao ver o medo nos olhos de sua menina, Antoinette sentiu uma dor sem igual, e culpou-se: sabia que Raoul não faria Christine feliz, mas não interviera quando a menina fizera a pior escolha de sua vida... E agora arrependia-se amargamente por não ter impedido aquela decisão absurda, ao ver sua menina tão quebrada e assustada. Indignou-se ao ver a soprano obedecer prontamente, refazendo a maquiagem que as lágrimas borraram e pondo o véu sobre a cabeça, prendendo-o com pequenos grampos. A senhora sentia seu coração doer, e não tinha certeza de que sua filha teria coragem para desertar daquele casamento absurdo! Ah, ela não permitiria que aquilo acontecesse! Se Christine dissesse sim no altar, ela se levantaria e diria TODOS os motivos pelos quais aquele casamento não deveria ocorrer!

Com um abraço de aconchego e conforto, ofereceu o braço a sua filha adotiva, e juntas desceram as escadas em direção ao andar inferior, e ao jardim, onde ocorreria o matrimônio.

POV Christine

Eu estava com medo... Não, estava absolutamente apavorada! Não queria me casar, não PODIA me casar com Raoul... Mas como eu poderia simplesmente dizer que não iria mais me casar com ele? Ele me mataria! Ah, céus ele me mataria, certamente!

Foi o tio de Raoul, o Sr. Georges de Chagny, quem me levou até o altar... Eu preferia que houvesse sido Madame Giry, mas ela tinha um rosto de tão pouco amigos, que seria capaz de esmurrar Raoul – e seria bem-feito. Mas não protestei... Na verdade, creio que os últimos meses, e especialmente o dia anterior, quebraram minha vontade quase completamente. Não tenho vontade própria. Não faço o que me dá prazer, e sim, o que me é ordenado. Não me sinto feliz, não tenho iniciativas... Sou a sombra do que já fui, um dia, e talvez nem mesmo isso. Sou uma boneca: um brinquedo que Raoul veste, exibe e trata como bem deseja. Esses eram meus pensamentos, enquanto caminhava até o altar montado no jardim, onde meu algoz e futuro marido me aguardava.

Ele me recebeu com um beijo na mão, mostrando-se carinhoso, gentil e amável diante de todos... Só eu sabia a máscara que ele usava. Máscara... Erik usava uma máscara para esconder um rosto deformado, o qual, por sua vez, escondia uma alma torturada. A máscara de Raoul era muito pior: uma máscara abstrata, de comportamentos falsos e sorrisos fingidos, que o faziam se passar por cavalheiro quando, na verdade, era um monstro! Oh, céus, e eu estava prestes a me casar com ele! Como eu poderia aceitar aquelas correntes, que poriam fim definitivo a qualquer esperança de alegria e liberdade que pudesse haver? Tive de me conter para não começar a chorar de novo, mas certamente minha expressão não era a que se esperava de uma noiva...

Fiquei ali, em pé ao lado de Raoul, apavorada, vendo se aproximar uma onda da qual não conseguia fugir. O que eu poderia fazer?! Se eu dissesse não, ele me mataria! Certamente ele me mataria, com a fúria que demonstrara ontem, apenas por eu haver cantado... O que não faria se eu o humilhasse publicamente?!

- Christine Daae, você aceita Raoul de Chagny como seu legítimo esposo, para amar, servir e respeitar na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?

Ouvindo aquelas palavras, olhei para o padre, e então para Raoul. Eu não podia fazer isso. Não podia abrir mão de mim mesma daquela forma! Servir? Servir Raoul era tudo o que eu vinha fazendo, e isso estava me destruindo! A cada dia ele me destruía um pouco mais, e me moldava ao que ele queria que eu fosse... E se eu aceitasse, estaria assassinando a mim mesma, pois minha alma morreria! Não! De que servia viver, se estivesse morta por dentro?

- Christine – ele apertou meu braço discretamente, mas com força – o padre lhe perguntou algo.

Eu me virei para trás, olhei para Madame GIry, que tinha Meg ao seu lado; minha mãe adotiva me fez um gesto com a cabeça, e isso me deu forças que eu não sabia ainda existirem em mim... Não importavam as consequências, eu NÃO SERIA a escrava de Raoul, pelo resto de meus dias! Ouvi o padre repetir a pergunta, quando o encarei, e então fitei meu noivo... sentia dentro de mim chamas que pensava há meses terem se apagado, e respondi, em alto e bom som:

- Não.

Uma exclamação de surpresa foi emitida pela maioria dos convidados... Raoul me olhou com perplexidade, como se pensasse ter ouvido errado, então, resolvi deixar que o circo se incendiasse de vez, e lancei tudo o que estava guardado em mim, sufocando-me:

- Não vou me casar com um homem que me trata como a uma prisioneira. Não vou me casar com alguém que me prende, que reprime minha alma, que me proíbe de ser o que sou. Não vou me casar com um homem que ME ESPANCOU ÀS VÉSPERAS DE NOSSO CASAMENTO, APENAS PORQUE ME ATREVI A CANTAR! – pronto, estava dito. A fúria nos olhos de Raoul, o ódio em seu rosto... Eu me assustei, mas estava cansada de me acovardar diante dele, e fazer tudo o que me dizia. Fora essa atitude de obedecê-lo cegamente que destruíra a confiança do Anjo em mim, e que quase destruíra minha própria alma! Ele ergueu a mão para me bater, mas eu segurei seu punho, o qual ele baixou com a surpresa – Não ouse me bater de novo, Raoul; não sou mais sua noiva, nem sua esposa. Não vai mais me engaiolar. Vou pegar minhas coisas, e antes do anoitecer sairei para sempre de sua vida.

Virei-me de costas para ele, arranquei o véu e o joguei no chão, deixando o jardim a passos rápidos. Uma enorme confusão se formava, e sorri com satisfação ao saber que fora eu a causa de tudo aquilo. Só precisava, agora, reunir os poucos pertences que trouxera à casa de Raoul, e ir embora com Madame Giry.

Subi para o quarto depressa e, na pressa de me livrar do vestido de noiva, rasguei-o todo. E cada vez que o pano afrouxava em meu corpo, que um pedaço de tecido caía, eu me sentia livre e feliz. Rasguei toda a peça, até estar nua. Vesti os trajes mais simples que tinha, aqueles emprestados a mim por Meg, com o quais chegara à casa de Raoul, e peguei as poucas coisas que trouxera comigo, meses atrás: o violino de papai, que ficara esquecido por todo aquele tempo, minha escova de cabelos, um medalhão com uma foto de meu pai, o anel que o Anjo me dera – e que Raoul arrancara à força de minha mão, jogando-o no riacho. Eu levara toda uma tarde para encontrar o anel de novo... – e foi tudo. Não havia ali nada mais que considerasse meu. Nada, em absoluto.

Levantei-me com ar esperançoso: eu estaria livre! Livre de Raoul, de sua loucura e exigências! Iria viver com Madame Giry, voltar a viver com a arte, sem medo... E talvez... Talvez meu Anjo voltasse para mim! Era apenas um sonho tolo, eu sei, mas no momento eu me permitia sonhar qualquer coisa. A alegria da liberdade era algo revigorante! Os céus eram o limite!

Levantei-me com meus poucos pertences numa bolsinha e a caixa do violino sob o braço, e fui até a porta. Mas quando girei a maçaneta... Trancada! Insisti, tentei chutar a porta, bater e gritar, mas ninguém me ouviu ou, se ouviu, não respondeu. Continuei batendo e gritando, mas a casa de Raoul tinha uma peculiaridade: era quase impossível ouvir o que acontecia em cada cômodo, mesmo do corredor. Eu estava presa! A liberdade com que sonhara me escapava por entre os dedos!

Depois de bater na porta e força-la até meus dedos se ferirem e sangrarem, escorreguei junto ao batente, esgotada e derrotada. Eu estava engaiolada... De novo.

POV Narrador

Quase uma hora se passou antes que a porta se abrisse. Christine se levantou depressa, deparando-se com um Raoul totalmente desfigurado de ódio. Ele a agarrou pelos cabelos, fazendo a moça dar um grito de dor, e começou a arrastá-la consigo escadas abaixo. Ela lutou, debateu-se e gritou, mas a casa parecia um deserto, enquanto ele a levava para as cozinhas.

- Tem ideia da vergonha que me fez passar? Do modo como humilhou a mim e a minha família, hein? – perguntava ele, sacudindo-a pelos cabelos – você é uma vadia! Uma vadia estúpida! Eu lhe disse que era melhor compreender que me pertence... Você me envergonhou, e agora vai arcar com as consequências.

O Visconde a jogou com força no chão, esbofeteando-a. Atordoada, a moça não conseguiu se levantar; ele se agachou e afastou um tapete, revelando um alçapão, o qual abriu. Agarrando a jovem outra vez pelos cabelos, empurrou-a pela passagem e, quando ela lutou, jogou-a com força, fazendo-a rolar uma escada íngreme. Seu pé se virou, fazendo o tornozelo dela dar um estalo ao se quebrar, o que arrancou um uivo de dor da menina. Raoul, sem se comover, disse-lhe de fora do alçapão:

- É assim que você gosta, não é? Gosta quando um monstro a arrasta para um porão escuro! Então, agora, eu sou o monstro! – ele se ergueu, como se algo houvesse chamado sua atenção, e rosnou – volto para lidar com você, depois. – e fechou o alçapão, deixando Christine sozinha em meio à escuridão de um porão. Móveis velhos cobertos por panos amarelados se amontoavam ali, e ela tateou na mais completa escuridão para se orientar. Sua perna doía terrivelmente, e foi com certo alívio que ela encontrou uma velha cama, onde se sentou, enrolando-se num dos panos empoeirados para se proteger do frio ali. Queria chorar, mas não conseguia: o medo era maior do que tudo! Com uma perna quebrada, presa num porão onde ninguém ouviria seus gritos, ela sabia que estava totalmente à mercê de Raoul.