Love come to me, sprouting like the living tree…
Splendid in the stream of living water, driven like the sun

Asami ponderou por um instante antes de se permitir um suspiro-xingamento ao ver os próprios pés confirmando sua decisão mental: ela iria dirigindo o novo satomóvel, ainda que isso fosse gerar uma fonte quase inesgotável de sorrisinhos jocosos de Korra e talvez uma ou duas musicas cantaroladas sobre pessoas abastadas.

Sato sabia muito bem dos privilégios que tinha sem que Korra explicitasse, mas isso nunca parou a mais nova. Korra sempre usaria em seu auxilio todas as armas disponíveis para implicar com Asami. E a verdade é que embora isso a fizesse girar os olhos, Asami achava que a natureza belicosa da mais nova era tão irritante quanto charmosa.

Ela apreciava o cérebro rápido e a língua afiada de Korra, o humor que variava entre péssimo e deturpado, mas, mais que isso, o modo como nas entrelinhas entre uma coisa e outra havia um coração bonito, genuinamente preocupado, que não pensaria duas vezes em abnegar-se em prol de Asami (ou de qualquer outra pessoa).

Tudo isso num involucro corporal de apenas um metro e sessenta centímetros.

Asami não se cansava de pensar como uma pessoa tão pequena podia ser tão grande. E deslumbrante. Korra não tinha noção de nada disso, era claro. E não importava quantas dicas miúdas e diárias Asami lhe dava, ela apenas não conseguia perceber o realismo fantástico que era sua existência.

“Você é boba, Asami” ela diria, envergonhada, caso a outra insistisse. “Fala como se eu fosse a reencarnação de algum ser mítico com poderes para salvar o mundo”. Então Asami apenas concordaria para não ter que por em palavras o quanto ela achava que sim, só o fato de Korra existir no mesmo espaço e tempo que ela, parecia coisa mística, milagre mesmo. Sato apenas a amava muito.

E era por isso que agora dirigia o carro novo (cujo cheiro ela temia que deixaria Korra enjoada), por entre as avenidas da cidade, pegando atalhos sempre que possível, o coração já na festa mansa que fazia sempre que era dia de ver Korra. Asami dirigia rápido metade por diversão e metade porque, em dias de folga, cada minuto sem Korra parecia um desperdício.

Dessa vez, depois de buscá-la em seu apartamento minúsculo – uma odisseia por si só já que moravam em partes opostas da mesma cidade gigante –, Asami a levaria para o cine drive in que havia acabado de inaugurar (uma informação que a própria Korra havia lhe dado com um brilho quase infantil nos olhos bonitos e azuis).

Sato deixaria que Korra escolhesse o filme que lhe agradasse, contanto que ela ficasse responsável pelos pedidos. Não importava o quanto gostavam da companhia uma da outra, o paladar das duas estava em um conflito irreconciliável. Sato se permitiu um sorriso torto enquanto decidia previamente o açúcar que escolheria apenas para provocar Korra e todo o seu estilo de vida que ela admirava de maneira secreta.

Enquanto o carro costurava o trânsito, a tarde caia abafada, o céu em tom de um laranja flamejante machucava os olhos desprotegidos de Asami. Ela se importou só até o momento em que estacionou na calçada em frente ao prédio de Korra que já a aguardava em pé no meio fio, as mãos dentro dos bolsos largos da jaqueta jeans, o corpo ligeiramente inclinado para frente.

— Ei. – murmurou.

— Ei você. – Asami sorriu quando ela entrou no carro. Já tinha meses que elas vinham saindo como pessoas com uma amizade mais colorida que a bandeira LGBTQIA+ ou um quadro expressionista ou uma viagem psicodélica de ácido, mas Korra ainda enrubescia nos primeiros segundos que via Asami.

Era bobo e adorável.

— Você precisa de um segundo para respirar ou...? – Sato provocou, apenas porque sabia que a irritação a ajudava a voltar ao normal.

— Ou. – Korra decidiu, lhe beijando o canto da boca apenas para provar que não era a colegial insegura que suas bochechas faziam questão de ser.

— Ótimo. – Asami aprovou, ligando o carro e lhe dando uma batidinha de parabenização na perna apenas para deixar a mão por ali mesmo. Era um hábito adquirido ainda no início. Parecia um desperdício não usar os benefícios de anos de prática como motorista dirigindo com apenas uma mão enquanto a outra repousava em uma das (muitas) partes preferidas do corpo de Korra. - Você já sabe o que vamos ver?

— Não. – Korra confessou. Havia dois filmes clássicos em horários parecidos que seriam projetados em partes opostas do pavilhão onde o cinema a céu aberto funcionava. O ruído não era um problema já que o áudio era sintonizado pelos rádios dos automóveis.

— Dividida entre uma escolha hipster e outra mais alternativa ainda? – Asami brincou, sabendo que era um ponto sensível. Korra não se importava em ter gostos peculiares, contanto que não fosse comparada aos seres humanos de coque (frouxo ou samurai) que se aglomeravam cada vez mais em cafés pela cidade.

O seu espírito do contra sentia arrepios de pavor com a ideia de ser reconhecida como parte de algum grupo. Ela não tinha pretensão de ser parecida com nada. Por vezes, tudo o que queria era ser o mais invisível possível dentro de suas roupas quase sempre dois números maior que o seu tamanho.

— Essa é sua tentativa de atacar primeiro para que então eu não fale nada sobre o seu carro novo e etc.? – Korra desviou o assunto. – Porque eu vou falar de todo modo.

Asami revirou os olhos. A discussão boba durou todo o caminho, numa clara competição de quem sabia implicar mais. Elas sempre terminavam empatadas. O filme estava para começar no momento preferido de Korra, quando o lusco fusco fazia o céu se tingir de azul e roxo e rosa. Enquanto ela assistia o espetáculo que se tornara a abóboda celeste, Asami preferia olhar para o seu rosto fascinado.

Os dois horizontes eram igualmente bonitos.

Quando o letreiro se iluminou na tela onde o filme seria projetado, Sato puxou a manta que havia colocado no banco de trás e repousou a cabeça no ombro de Korra. Era difícil prestar atenção, mesmo numa beldade como Julia Roberts, quando o cheiro do hidratante de Korra era tão suave e convidativo. Asami achava que podia morar no pescoço de Korra. Especialmente quando qualquer carinho que ela fazia nesse ponto em especifico do corpo da garota resultava num som gutural e baixinho que ela não conseguia deixar escapar do fundo da garganta.

Era o som preferido de Asami.

— Isso é você assistindo ao filme? – Korra questionou, antes mesmo da metade, quando ficou claro que Sato encontrava mais diversões e entretenimento tentando provocar reações em seu corpo do que prestando atenção na tela.

Num geral, Asami poderia ser descrita como uma mulher séria, educada e compenetrada, mas nenhuma dessas qualidades eram particularmente verdadeiras quando ela estava na presença de Korra.

— Sim, um filme muito particular. – Asami murmurou, antes de lhe roubar mais um beijo.

— Você é péssima. – Korra rebateu, vencida, retribuindo o carinho. Ela sempre terminava fazendo as vontades de Asami (não importava se eram porque coincidentemente tinham muito a ver com as suas próprias).

— Algo assim. – Sato concordou, concentrada demais nos recortes de pele aos quais tinha acesso para elaborar uma resposta melhor. Ela sentia que poderia passar todo o tempo do mundo beijando Korra e esse seria, para todos os fins, o melhor filme jamais filmado: um em que início e meio e fim não era nada comparado a sensação de apenas estar perto dela. De amá-la com os olhos e as mãos e a boca. A própria definição de amor – escrita ou representada – jamais chegaria sequer perto de um beijo de Korra.

E isso era um final feliz o suficiente para Asami.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.