Resumindo, o jantar foi um fiasco. Arthur e Alex se enfiaram no quarto do loiro e não desceram mais. Eu e Hikaru especulamos as diversas possibilidades de eles estarem se pegando lá - nos dois sentidos. Ginger ficou cuidando do Fran no nosso andar.


Kain e Mira estavam discutindo - para variar - na ponta da mesa. Yuto e Yuka tinham se ocupado em manterem a compostura, não se deixando levar pelos desejos carnais obviamente não saciados antes do jantar. Hikaru e Arkane brincavam de jogar as pétalas de rosas dispostas pela mesa um no outro.


Yusuke não tinha parado de me encarar com cara de quem tinha algo para dizer. Eu não queria ouvir, porque sabia que seria apenas uma desculpa para me afastar das perguntas para as quais eu quero uma resposta.


– Blackie-hime, não vai comer mais? - Perguntou ele gesticulando para meu prato.


Eu o fuzilei com o olhar, dava pra sentir meus olhos queimando.


– Estou satisfeita - declarei, me levantando da mesa.


– Cash-chan - Yomi-chan chamou baixinho.


– Oyassumi - me despedi deles e subi as escadas para o mezanino.


Ouvi a cadeira sendo arrastada no piso de madeira polida, provavelmente era Yusuke vindo atrás de mim.


– Blackie-hime, precisamos conversar - disse o moreno.


– É, creio que sim - respondi com frieza, entrando no elevador.


Ele embarcou e apertou o botão de nosso andar. Bufei e fiquei de costas para ele, encarando a parede decorada. Do nada, espirrei forte


– Onde está seu casaco, mocinha? - Ele perguntou sério.


Normalmente, eu responderia com manha, como uma criança. No entanto, devido à situação, me limitei a olhá-lo com desprezo.


– Não é da sua conta - cuspi.


– Bem, eu sou seu responsável. É da minha conta - ele retrucou.


– Não continuará sendo meu responsável por muito tempo - fui grossa.


A sentença fez com que Yusuke se calasse até chegarmos em nosso andar. Eu estava chegando na porta do meu quarto, mas ele agarrou a mão que se dirigia à maçaneta.


– Por que isso? - Seus olhos estavam tristes.


– Isso o quê?


Ele abriu a porta e me puxou para dentro, na direção da cama. Parou como se lembrasse de algo importante, então me soltou e foi fechar a porta. Quando ele voltou me empurrou para cima dos edredons.


– "Isso o quê"? - Ele repetiu indignado. - Por que está fugindo de mim?


– Tem certeza de que sou eu quem está fugindo? - Joguei de volta. - Por acaso não fui quem passou quatro dias longe e chegou sem avisar nada.


– Você não pode falar como se eu tivesse feito isso por querer - ele se colocou sobre mim. - Não sabe como esses quatro míseros dias me corroeram até alma, porque eu estava longe de você.


Posso considerar isso uma declaração em resposta a minha? Óbvio que não. Eu disse claramente, com todas as letras, que eu estava apaixonada por ele. Mas quando não é correspondido, ou a pessoa fica evitando entrar nesse assunto, machuca demais e a esperança começa a falhar.


Minha escápula queimou intensamente. A dor de agora não se comparava em nada com a que eu tinha sentido até hora em que encontrei Yusuke no salão. De lá pra cá, a dor piorou muito.


– Te garanto que não foram tão ruins quanto os meus - virei o rosto de lado enquanto ele me prendia pelos pulsos. - Eu tive que ver todo mundo junto com seus respectivos agentes, no maior clima de casalzinho. Mas eu estava sozinha, e mesmo que você estivesse aqui ainda me sentiria triste por não termos a mesma atmosfera que eles.


As lágrimas começaram a cair fininhas, tanto pela dor quanto por Yusuke e eu estarmos entrando em mais uma discussão por causa desse assunto.


– Eu já te expliquei, minha criança - ele se inclinou. - Não posso sequer pensar em corromper-te. Você tornou-se a pessoa mais importante para mim, não é fácil assim.


– Como não? Se você gosta de mim deveria dizer, não ficar me enrolando desse jeito.


– Não posso macular sua pele, sujá-la com minhas mãos - a voz dele tinha um tom de súplica.


– Montbatten-kun, é mais fácil que eu te viole do que você fazer isso comigo - eu atingi seu olhar. - Não pode perceber isso?


– Mas, para todos os efeitos, se ficarmos juntos... - ele ponderou sobre o que ia dizer - Sou eu quem vai ser visto como o molestador. Não que eu queira que você seja vista desse modo.


– Ou você não me quer? - Provoquei.


– Não adianta te dizer não, né? - Ele suspirou.


– Você sabe a resposta - fechei o rosto. - Agora, me solte.


– Só se você me prometer que vai parar de ser tão fria e distante - ele me forçou para baixo.


– Ou...? - Desafiei.


– Ou vamos ficar aqui até dar a hora de você se arrumar para o colégio.


– Não preciso prometer nada. Você não vai me amar de volta mesmo, não existe você e eu - liberei um pouco da minha força youkai e o tirei de cima de mim.


Prensei Yusuke contra a parede, tendo que ficar na ponta dos pés para alcançar - parcialmente - sua orelha.


– Você não sabe o que causou, Yu-su-ke-kun - sussurrei.


Me afastei dele, andando pra trás até sentar de volta na cama.


– Agora pode ir, te vejo amanhã - meu tom era firme. - Ou não, quem sabe?


– Oyassumi, Blackie-hime - ele se aproximou para me dar um beijo na bochecha.


– Oyassumi - eu desviei.


Seu rosto se contraiu numa expressão triste e desolada. Yusuke fez uma reverência curta e deixou o quarto. Mantive a face virada até escutar a porta repousar no batente, então corri para trancá-la.


Desabei no tapete no centro do quarto, me odiando por ter dito aquilo tudo. Como pude ser tão cruel? Dark apareceu na porta da sacada, miando para que eu a abrisse. Deixei o neko entrar e ele foi direto para minha cama.


Assim que se deitou próximo aos travesseiros, Dark assumiu a forma de uma pantera. Balançou o rabo, me convidando a usá-lo de bichinho de pelúcia. Não hesitei em tirar os sapatos e me atirar nele.


Dark tem a minha idade - como um neko normal -, mas na verdade faz parte da minha herança youkai, possuindo os mesmos poderes que eu. Se bem que eu o acho mais divertido em sua forma humana - mais gato também.


A dor na escápula se tornou gritante num átimo de segundo, então foi se esvaindo em pulsações.


O pelo negro da pantera estava quente e macio. Seu ronronar e a respiração calma me embalaram, e eu adormeci.