O almoço nunca foi tão silencioso na Maison de Rosalia. Claro, nunca foi tão silencioso até o momento em que certo ser de cabelos extremamente brancos e olhos heterocromáticos em roxo e verde fluorescente, e seu mordomo, romperam o salão.


Permaneci estática, minha mão parou com o garfo na altura de minha boca, uma mecha da franja escorregou pra o meio de minha testa. Fran deu uma última garfada tranquila, antes de se engasgar com a comida. Yusuke o ajudou, enfurecendo o Ginger um pouquinho.


Evandro adentrou o salão, respirando descompassadamente e com dificuldade. Ele cambaleou até mim, passando longe das figuras ligeiramente estranhas.


- Ca... Cashmire-hime-sama... Eles... Forçaram sua entrada - o loiro desabou no chão.


Pisquei os olhos, procurando algum sentido naquilo. O albino de olhos chamativos limpou a garganta pedindo atenção.


- Naa, como não avisaram a esse bastardo que eu chegaria hoje? - Perguntou ele.


Lancei um olhar confuso dele para Fran. Nem Evandro, nem Ginger, muito menos Yusuke me avisaram sobre ele. O mordomo do rapaz ajeitou a gravata e ergueu a cabeça. Só então percebi que seus olhos eram vendados por uma faixa vermelha decorada com pétalas de rosas negras. Seu pescoço era adornado por um a coleira de couro negro com agulhas medianas. Macabro.


Dark se levantou aos pés da minha cadeira, com suas orelhas em alerta. O albino vestia uma indumentária francesa antiga. Na bengala que ele segurava haviam as iniciais "RN", por isso descobri de quem se tratava.


- Hm, o quê você veio fazer aqui, priminho? - Cruzei os braços.


Ninguém merece primo de segundo grau, principalmente um como Acace de la Rose Noire, meu nada querido primo. Esse retardado tem quinze anos, sua forma youkai é um dragão de couro roxo escuro, descende da parte francesa dos Blackie Rose.


- Ora, vim visitar vocês - ele se agarrou à Fran. - Ah, e é claro, participar da minha herança mais ativamente.


- Como assim?


- Eu também tenho direito à Maison de Rosalia - ele deu uma volta no lugar, gesticulando abertamente para o salão. - E ao Ginger, lógico.


Oi? O que foi que ele disse? Oh, God, lá vem mais confusão. Fran arregalou os olhos e já ia se pronunciar, mas a Yomi-chan foi mais rápida.


- Haha, faz graça. Todo mundo sabe que o Ginger-san é do Fran! Não é, Hika?


- Nossa, Cash-chan, você só tem parentes gays? - Hikaru me perguntou.


Revirei os olhos e desabei na mesa com um suspiro.


- Isso é coisa que se pergunte? - Repreendeu Mira.


- Lá vai você se metendo em assuntos alheios de novo, Mira-sama - Kain suspirou pesadamente.


- Evandro, levanta aí, cara - dei um chute de leve no loiro.


Ele se pôs de pé rapidamente, batendo o pó do terno.


- Bem, acho melhor irmos para a sala de vidro, lá fora - ele se apressou em alcançar a porta. - Vamos?


- Mas está muito frio - Viollet se abraçou tremendo um pouquinho.


- Eu te aqueço - disse Miguel, a envolvendo em seus braços.


A rosada se aninhou no abraço terno do agente, sorrindo ingenuamente. Encarei Yusuke com beicinho e virei o rosto num bufo. Me levantei da mesa antes que ele afastasse a cadeira para mim, tomei o braço de Evandro na porta e segui para o hall de entrada.


- Yusuke-kun não vai gostar disso - Evandro observou.


- O problema não é meu - dei de ombros.


Chegamos na saleta de vidro, no meio de um mini-bosque à leste da propriedade. Os vidros filmados não permitiam ver o conteúdo da sala por fora. Entramos pelas portas de correr para o ambiente aquecido graças ao aquecedor.


Os sofás creme formavam um círculo em volta da mesinha de centro de corada com uma toalha de renda branca. As samambaias penduradas no teto proporcionavam uma atmosfera alegre, enquanto as cortinhas bege que caíam na frente das paredes de vidro expressavam sobriedade.


Assim que todos se sentaram, Evandro permitiu que o sensor de calor fechasse a porta da saleta. Ele caminhou para atrás do lugar onde eu estava sentada e assumiu sua posição de mordomo. Ginger se pôs de pé, ajeitando o colarinho do fraque.



- Penso que foi falha minha não ter avisado sobre a chegada do Prince Acace e de seu mordomo, Heimirich Persch - o moreno disse.


- Você pensa? Porque eu tenho certeza - Arkane fechou os olhos com desdém.


Hikaru tapou a boca da branquinha e sorriu sem jeito para Ginger.


- Mas eu não fui notificado sobre isso - ele tornou.


- Explique-se, caro primo - pediu Fran.


Ginger sentou-se ao lado do pequeno, enquanto Acace levantava Heimirich junto consigo pela coleira.


- Hm, vamos ver... Por onde eu começo... - Ele batia o indicador no queixo.


O mordomo vendado sussurrou algo em seu ouvido.


- Ah, claro. Como não pensei nisso antes? - Acace bateu a mão na testa. - Vamos começar pelo começo.


- Não, não - Arkane começou. - Finja que sua história é como um mangá, comece do final.


- Que criativa - ele elogiou.


Tirando Viollet e ele, todos nós nos demos um facepalm. Como essa criatura podia carregar meu sangue e meu sobrenome? Coisas sem explicações da natureza.


- Vai, agiliza esse negócio - Arthur exasperou.


- Espera, antes eu tenho uma pergunta - Shiyo levantou a mão, quase socando Yuiichi.


- Pois não, bela dama? - Acace se dirigiu a ela.


- Nee, por que seu mordomo está vendado? E qual é a dessa coleira medonha? - Ela quis saber.


- Foram duas perguntas - Yuiichi observou.


- Calado.


- Mas aí já é uma outra história. Posso contá-la para vocês no café após o jantar, será um horário mais propício para ela - Acace disse.


- Ainda estamos no meio da tarde, vai demorar muito - Mira cruzou os braços.


- Faça como quiser - contrariou Kain.


- Tá, conta logo o quê você veio fazer aqui - Arthur interrompeu.


- Nossa, que grosso - Acace se encolheu. - Mas eu adoro semes assim.


- Acontece que o Arthur-nii-chan é hétero - cortei os devaneios de meu primo.


Ouvi um grunhido de decepção vindo de Acace. Arthur abraçou Alex com força e ao mesmo tempo delicadeza, arrancando um sorriso apaixonado e satisfeito da morena.


- Ok, depois de a priminha ter cortado meu barato, vou enfim contar porquê estou aqui - o albino declarou. - Bem, eu vim tomar posse do que é meu por direito de conquista amorosa.


- Hã? - Me senti ainda mais confusa.


- Em outras palavras, vim pegar o Ginger para levá-lo de volta à França comigo.


- Opa, de onde você conhece o Ginger-sama? - Kain perguntou como se soubesse que ele cometeria um deslize.


- Ginger cuidou de mim por seis anos - Acace o encarou com a sobrancelha levantada e os braços cruzados.


- Hã?! - Arkane também ficou perplexa.


- Mas o Ginger-san não cuida do Fran-kun desde que ele era criança? - Hikaru coçou a nuca.


- Bem, é que... - Ginger ficou sem palavras. - Eu... Estudei no exterior por um tempo.


Pude perceber quando Fran engoliu em seco e se afundou m pouco mais no encosto do sofá. Parecia que ele tinha algumas lembranças dolorosas de hoje de manhã e mesmo de anos atrás, senti pena dele. Era como se eu sentisse sua fragilidade fazendo uma camada tênue à sua volta.


- Disso a gente também já sabia - comentou Arthur.


- Nós não sabíamos - disse Yuiichi.


- Ah, mas você não tem nada a ver com isso, Yui - Shiyo o queimou.


- Eu disse "nós" - moreno riu em vantagem.


Shiyo deu-lhe uma forte cotovelada nas costelas, fazendo com que ele ficasse quieto.


- Oe, Persch-san é tímido? - Hikaru perguntou. - Ele não falou nada desde de que chegou.


- Hm, não exatamente - Acace mordeu o lábio inferior como se Hikaru tivesse trazido um tabu à tona.


- E isso já é outra história... - fiz um círculo entediado com a mão. - Vai logo, temos dever de casa pra fazer.


- Oh mon Dieu - Acace apoiou a ponta dos dedos na testa e balançou a cabeça. - Enfim, eu vim aqui recuperá-lo. Hump!


- Você já não tem o Persch-kun? Pra quê quer o Ginger? - Arkane perguntou.


- Verdade, o Persch-kun quase não fala. Já o Ginger - olhei de soslaio para o moreno -, só sabe dar broncas, controlar a alimentação e ser chato. No entanto, é prestativo.


Acace riu doentio, apontando para Heimirich com determinação.


- Ele é apenas mais um de meus brinquedos, só alcançou um grande valor sentimental para mim - o albino justificou. - Agora, ele - apontou para Ginger - é o amor da minha vida.


Pasmem. Fran, acho que você acabou de arrumar um concorrente. Pra piorar as coisas, Acace, além de ser nosso primo, diz que conheceu e ficou com Ginger no período em que o mesmo se encontrava afastado de Fran. Fala se não pra tirar o brilho da purpurina.


- Vamos para a arena em meia hora - Fran se levantou.


Ele agarrou meu pulso e me levou para fora junto com ele.


- Kane-chan, você também - ele convocou.


Assustada com tal pose de comando, Yomi-chan obedeceu sem um pio. Voltamos para a mansão cruzando o bosque e os jardins com pressa. Ninguém veio atrás de nós. Acho que eles ficaram chocados demais com tanta informação e imposição.


- Fran? - Chamei, pendendo para seu campo de foco.


- Eu... Cansei - ele confessou quando alcançamos os degraus da entrada lateral.