Mais Feliz

Capítulo 1


Muitas coisas havia acontecido desde que viera ao mundo como forma de espírito com uma imagem de aparência sombria e quase maligna, porém como uma espécie de “outra versão” de Ryou, o rapaz que era tão suave e atencioso… Se não pudesse ver a si mesmo desacreditaria que uma figura tão pura quanto pudesse ter um ar diabólico e mesmo malicioso. Mas essa não era a questão, o problema era que a sombra do albino mais novo estava a pensar até demais sobre coisas que não deveria. Era engraçado, mas de certa forma estava comprindo a promessa que havia feito ao garotinho solitário, porém acabava por machucar o mesmo enquanto o fazia e de alguma forma isso parecia incômodo para uma parte sua, provavelmente aquela herdada de uma de suas partes humanas, pois sabia bem que aquela vinda de Zorc repudiava totalmente a ideia de possuir alguma espécie de empatia em relação à seu receptáculo, mas não era como se houvesse alguma forma de Bakura destruir esse tipo de sentimento, o máximo que poderia fazer era ignorar, mesmo sabendo que esse método eventualmente acabaria por não se tornar mais tão efetivo e no fundo Bakura sabia muito bem que aquilo apenas o faria se machucar, mas anseios de um ser ganancioso não poderiam ser apagados com tanta facilidade.

Então, mesmo que por apenas alguns poucos instantes, o espírito queria que o mais novo o fizesse mudar de ideia em relação à tudo, queria que o mesmo bagunçasse ainda mais suas ideias e o fizesse ter vontade de insistir naquela ideia idiota, porque tudo isso não parecia certo para o Yami, era injusto que seu pequeno Hikari precisasse seguir dessa forma tênue. Sendo franco Ryou mal estava vivendo de verdade e mesmo que Bakura negasse com todas as forças que tinha em cada parte de seu corpo ele queria ver o outro bem, queria vê-lo sorrir de forma tão bela e espontânea quanto a primeira que havia visto o fazer, logo após Yami prometer ao mais novo que nunca estaria só — mesmo que na época dissesse isso de forma maldosa, como se dissesse que lhe atormentaria até o último de seus dias consigo —, naquele momento algo em si mudou de alguma forma, mas ainda sim era estranho alguém como ele estar tão próximo de alguém como Ryou, talvez por não estar acostumado com tamanha gentileza direcionava à si.

Apesar de tudo isso, ultimamente estava a pensar e realmente chegou à uma conclusão ao menos satisfatória, para uma boa parte de si pelo menos, apesar de não ser plenamente agradável para o restante; mas Bakura queria que seu Hikari fosse mais feliz, talvez esse fosse um de seus desejos mais puros e um dos mais secretos, mas não eram como se terceiros precisassem saber sobre. O espírito possuía Marik que estaria plenamente disposto à algumas boas rodadas de sexo e que, se pedisse, passaria o resto da vida consigo sem ao menos hesitar em sua escolha, o loiro também parecia ser muito mais o seu tipo, além do mais, também havia o fato de que Ryou merecia alguém muito melhor que si e isso era algo incontestável, mas então porque não conseguia apenas aceitar isso sem sentir nada? Era curioso como não conseguia deixar de sentir um aperto em seu peito por conta de pensamentos como estes, e pela manhã o espírito pensava sobre o que estava se tornando e no que estava tornando o mais novo, mas sequer possuía uma resposta exata, como poderia simplesmente seguir assim? A única coisa que sabia era que estava a prejudicar o menor com o andar dos acontecimentos, estava plenamente consciente sobre esse fato, e cada passo para frente era um machucado a mais em seu coração e aquilo já estava à ferir boa parte de seu âmago, parecia que cada arranhão em Ryou causado por si era um profundo machucado em meio a tantos outros.

Na luz fria do dia, eram apenas uma pequena chama em meio à ventania, mas não o incêndio que iniciaram.

Meias palavras vindas de si, palavras mal ditas vindas de amigos e familiares, palavras inteiras e dolorosas direcionadas à seu pequeno de forma solta, cada briga, cada palavra que não poderia ser pega de volta; só queria poder ajudar de alguma forma, mas parecia que nada seria o suficiente, afinal nunca seria bom o bastante para estar ao lado de Ryou. No fundo o mais velho sabia onde essa história viria a terminar, afinal ele não estaria ali para sempre e não havia forma de impedi-lo de ir.

Depois de tanto tempo machucando e quebrando a única coisa que conseguia arrancar um sorriso seu, o espírito teve de admitir para si mesmo que realmente gostaria de fazer algo a mais para o mais novo, gostaria de vê-lo sorrir e ser mais feliz, queria poder elevar seu espírito, mas isso também significaria que teria que vir a partir em algum momento, pois o mais novo nunca poderia ser plenamente feliz ao seu lado, o Yami sempre seria o fardo que Ryou carregaria, pois se não fosse assim o mais novo não poderia realmente andar com as próprias pernas.

Às vezes, em meio a uma noite tão escura que escondia boa parte das estrelas pertencentes ao céu — quando o espírito parecia ficar sozinho apenas acompanhado de seus pensamentos — Bakura imaginava como seria vida de Ryou se não estivesse presente ou mesmo como seria a vida do garoto entrelaçado ao destino de outra pessoa e bem... Isso acabava lhe consumindo pouco a pouco por dentro, porém apenas decidia ignorar, afinal esse era um futuro do qual não faria parte. Seu tempo juntos estava acabando, mas ambos continuavam seguindo e fingindo que tudo estava bem, nesse momento pensava que até mesmo seu Hikari já havia descoberto sobre o final que eventualmente tomariam e não havia mais volta.

Se pulassem juntos naquele momento pelo menos poderiam nadar para longe do desastre que o espírito havia criado, mas não havia mais tempo para isso, era tarde demais para voltar atrás e Bakura precisaria ir embora.

Antes que desaparecesse por completo, o espírito do anel do milênio pode sentir — mesmo que superficialmente, devido à sua condição de alma — os lábios suaves do pequeno. Poderia não gostar da ideia, mas fazer com que Ryou lhe esquecesse como último feito seu era era a única forma de tornar isso menos doloroso, mesmo que isso seja apenas para um dos lados. Sumir sabendo que sua pequena e frágil luz nunca mais iria se lembrar de si era doloroso, porém saber que o mesmo poderia finalmente ser plenamente feliz e livre já era o suficiente.

Bakura se desfazia em meio as lágrimas que caiam em seu rosto. Apagar as memórias que o menor tinha sobre si era a melhor solução.

Bakura era o fardo de Ryou, mas queria vê-lo sorrir e conseguiu ter essa imagem como última, apesar de pequenas lágrimas acompanhadas disso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.