Maikaze

Prólogo


“Não importa que tipo de destino eu encontre, eu não vou me arrepender
enquanto em meus sonhos eu puder estar abraçada em seu peito e acompanha-lo por toda a parte.”

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A noite estava belíssima, nunca em toda sua vida havia se deparado com céu tão majestoso. A grande lua cheia resplandecia acima de si, acompanhada da brisa noturna que carregava as flores de cerejeira pelo ar, como se estas estivessem dançando.

Em outras épocas ela estaria sentada próxima á gigantesca árvore, admirando o balanço dos galhos e as flores que desprendiam-se dos mesmos e caiam lentamente sobre o chão, formando um tapete arroxeado.

Seu coração se aqueceu em imaginar que provavelmente todos os seus guerreiros estariam ao seu lado, lhe acompanhando.

Um filete de lágrima escorreu por sua pele alva, traçando uma fina linha em sua bochecha e caindo por fim, sobre a face do homem que jazia em seu colo. Os dedos perdiam-se entre os fios negros enquanto a jovem respirava com dificuldade devido ao choro contido.

- Hijikata-san.. – ela sussurrou, voltando a acariciar o rosto do homem. A expressão tranquila e serena do mesmo demonstrava que a morte fora rápida e limpa. Os olhos amendoados da jovem perdiam-se em suas feições, capturando cada mínimo detalhe para que ficasse guardado eternamente em sua memoria.

A realidade havia lhe atingindo bruscamente, mas Chizuru custava a acreditar. Não podia ser real.

Finalmente havia encontrado um motivo para viver, um objetivo a cumprir, mas este agora estava apoiado em seu colo e já não respirava.

A sensação incômoda na garganta aumentava a cada segundo, tornando a ação de respirar algo doloroso.

Chizuru ergueu o rosto em direção do céu, mirando cada pequena e brilhante estrela, se perguntava se Hijikata estaria lá lhe observando.

Permitiu que todas as lágrimas contidas saíssem lentamente, enquanto apertava firme o tecido da veste do homem a sua frente. Deixou a cabeça pender sobre o peito do mesmo e o pranto veio logo em seguida quando esta inalou o aroma ferroso que vinha das roupas.

Não ouvir as fortes batidas de seu coração lhe frustrava, pois o peito de Hijikata havia se tornado seu porto seguro. Não sentir os braços fortes e talhados do mesmo lhe envolvendo em um caloroso e delicado abraço era sufocante.

- Hijikata-san.. por favor. – ela ganiu, erguendo o rosto lentamente levando mais uma vez suas mãos entre os fios cor de ébano. Os sedosos cabelos que ela tanto amava.

Ele havia morrido cumprindo seu dever e honrando seus ideais e isso a orgulhava. Não sentia orgulho somente de Hijikata, mas sim de todos os outros guerreiros que haviam dado sua vida pela causa, pelo Shinsengumi e pela bandeira da Sinceridade.

Jamais os esqueceria. Jamais se esqueceria dos seus feitos e do amor incondicional que cada um lhe deu, sem pedir nada em troca.

Não conseguia imaginar sua vida dali em diante sem pensar em tudo que ficará para trás, não conseguia se enxergar sem tê-los ao seu lado. Os admirava desde o primeiro momento que estes permitiram que ela vivesse entre eles e os amava pela grande e tumulada família que passaram a ser.

Sua vida havia voltado ao ponto em que começara, em Edo, sem rumo. O que a diferenciava de anos atrás era que agora estava mais madura e devia isso a cada um dos rapazes que a permitiu vivenciar cada pequena experiência dentro do Shinsengumi.

Ela ergueu o rosto mais uma vez e sorriu triste, observando a chuva de pétalas caindo lentamente sobre ambos. Flores que lembravam muito os púrpuras de Hijitaka.

Novas lágrimas escorreram por seu rosto, e quando fechou os olhos sentiu a brisa envolver seu corpo.

Cada pequeno momento que vivenciará com Hijikata agora lhe apunhalava o coração. Lembranças dos momentos que passaram juntos, das palavras que lhe motivaram e do amor que recebeu faziam novas lágrimas rolarem de seus olhos.

Exausta pela má alimentação que estava tendo, pelas noites em claro que tivera de passar cuidando dos soltados e por tê-lo carregado sozinha até tão longe. Se permitiu fechar os olhos e tentar descansar por um curto período, o suficiente para não desmaiar de exaustão.

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A sensação quente envolveu seu corpo e os olhos cansados se abriram lentamente, pôde ouvir o cochicho e uma serie de risadas baixas e quando abriu completamente os olhos encontrou o par de esmeraldas de Souji, lhe encarando risonho. O brilho que este carregava nos olhos era diferente de todas as vezes que já havia visto. Ele transmitia imensa paz e tranquilidade.

- Dormiu bem? – ele ergueu-se rindo e voltou a sentar-se ao lado de Saitou, que apenas sorvia de seu chá quente enquanto sorria de canto em direção a Chizuru.

Ela piscou incrédula. Sentando-se e fitando a sala em volta. Todos estavam ali!

- Pessoal.. – ela tocou o lábio e foi tomada por novas lágrimas, emocionada.

Estava de volta ao quartel general do Shinsengumi, em Kyoto. A risada de Heisuke, Harada e Nagakura ecoava alto pelo salão enquanto os mais velhos importunavam o mais novo. Kondou apenas sorria de forma acolhedora, com os olhos repletos de felicidade, como sempre.

Sannan estava sentado à direita do comandante, em silêncio, mas se divertindo com a situação do trio barulhento. Ao seu lado, Okita e Saitou deleitavam-se com suas xícaras de chá.

- Shimada... Yamazaki... – ela murmurou ao encarar ambos ao fundo da sala que em resposta, apenas sorriram.

A porta fora aberta e o aroma amadeirado tomou conta do cômodo, esta quando virou-se enxergou uma silhueta delineada contra a forte luz que emanava da porta. Pelo balançar dos longos cabelos negros não havia erro! Ela ergueu-se rapidamente e envolver a cintura do homem, relaxando o rosto sobre o peito e deliciando-se com o aroma próprio de Hijikata.

- Chizuru.. – a voz dele preencheu seu coração de modo que a fez chorar ainda mais, anestesiada pelos próprios sentimentos.

- Etto.. – Heisuke pronunciou-se, sorrindo. – Então você decidiu se juntar a nós?

A jovem separou-se dos braços do homem e fitou em volta mais uma vez. O time estava completo.

Ela sentia-se completa mais uma vez, então sorriu verdadeiramente, desejando nunca mais se separar de nenhum deles.

- Chizuru-chan.. – Okita murmurou erguendo-se e a envolveu em forte e apertado abraço. – Obrigado..

Ela corou. E o mais velho se soltou, segurou uma mecha de seus cabelos entre os dedos enquanto lhe deferia um dos melhores sorrisos, com um olhar carregado de sentimentos. Ela retribuiu o sorriso e novas lágrimas brotaram, mas logos foram capturadas pelos longos dedos do mesmo.

Kondou também levantou-se e com certa vergonha, a abraçou. Não era algo a qual ela estava acostumada, mas aconchegou-se no grande e forte peito do comandante enquanto este lhe apertava forte. A imagem que sempre teve dele era de um pai atencioso e amoroso.

- Obrigado por cuidar de todos..

Quando separou-se do mais velho e encarou Hijikata por mais uma vez, este a segurou pelo queixo e lhe deferiu um leve beijo sobre os lábios. O que causou um alvoroço e tumulto entre os rapazes que vaiavam, riam e soltavam comentários, enciumados.

- Obrigado. – ele tocou sua testa contra a dela e sorriu de canto. – Viva... Seja feliz... Mas nunca esqueça do quanto eu a amo e sempre vou amar.

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A brisa soprou fria e os olhos arregalaram-se, fitou em volta e viu que ela ainda encontrava-se abaixo da cerejeira, próxima à Hijikata. Suspirou pesado, tudo não passara de um sonho.

Fechou fortemente os olhos e mordiscou o lábio sendo tomada por novas lágrimas, que escorriam desenfreadas por seu rosto.

- Eu o amo. – ela sussurrou tocando o rosto já pálido do homem ao seu colo. Sorriu triste e o ajeitou contra uma das tantas raízes da árvore e ergueu-se, visualizando todo o perímetro em volta.

Ela procurava um local apropriado para enterrá-lo enquanto a maior parte de si ainda lembrava do abraço quente, do beijo cálido que recebeu e do toque suave, desejando a própria morta para juntar-se à todos. Quando dera inicio a cova, visualizou uma silhueta andando vagarosamente dentre a neblina próxima ao lago. Quando conseguiu identificar o dono desta, não sentiu medo e andou lentamente, jogando-se contra o peito masculino.

- Yukimura. – o homem murmurou surpreso, mas permitiu que esta se aconchegasse entre seus braços. Enquanto deferia leves tapinhas amistosos contra o ombro da mesma parou para analisar a cena atrás da jovem. Seu companheiro também estava sem vida sobre o chão, ostentava um sorriso vitorioso nos lábios e fitava o céu, como se admirasse o mais belo e florido ramos de cerejeira.

- Eu disse que não era hora. – ela balbuciou, separando-se do homem permitiu que este se aproximasse de Kazama. Observou o mesmo agachar-se e tocar o rosto do loiro, fechando as pálpebras e desfazendo aquele sorriso.

- Kazama era um homem de palavra. – o ruivo suspirou decepcionado, erguendo-se em seguida. – Eu havia dito que esta luta já havia perdido o sentido.

Chizuru permaneceu em silencio, observando a serie de rituais que o ruivo preparava.

O mesmo juntava as mãos e se curvava e murmurava algumas palavras em outra língua, até que a verdadeira aparência de Kazama fosse revelada.

- Ele não era um demônio mal. – estava obvio o quanto o homem também estava abalado.

- Eu sei. – a jovem assentiu convicta, se aproximando e ajoelhou-se ao lado. Afastou algumas mechas da franja do rosto do demônio enquanto o mais velho permaneceu em silencio, lhe observando, atento. – Ele me ajudou bastante.. E sou muito grata a isto.

- Não sente rancor por ele ter causado a morte do seu humano?

- Não foi Kazama que o matou. – os olhos de Chizuru tornaram-se nebulosos, perdendo todo o brilho que carregava. Sua maior característica. – Ele não estava se sentindo muito bem. Ele usou muito seus poderes de Rasetsu.

- Entendo. – o ruivo murmurou. – Você tem um coração puro, Yukimura Chizuru. Me permita lhe ajudar no enterro do seu humano.

Ela o encarou profundamente, os olhos azul cobalto transmitiam conforto.

- É a última coisa que posso fazer para recompensar todos os problemas que causamos.

- Gostaria que fosse aqui mesmo, bem ao lado da cerejeira. – ela ergueu o olhar e fitou a majestosa árvore e a incessante chuva de pétalas que caia desta. Minutos antes ainda tinha Hijikata vivo em seus braços e teriam feito a primeira promessa para o futuro. – Prometemos que viríamos vê-la no ano seguinte.

Ela abraçou o próprio corpo e deixou escapar um longo suspiro de seus lábios. Seu olhar focou mais adiante, onde um pequeno campo florido balançava junto ao vento, caminhou lentamente em direção do mesmo e colheu algumas das flores e quando voltou, encontrou a cova já pronta e Kyuujyu ajoelhando ao lado de Hijikata, rezando por seu espírito.

- Fique com alguma lembrança dele. – o homem murmurou, abrindo lentamente os olhos azuis.

Observou a mesma andar até seu lado e sentar-se ali. Notava a delicadeza com que ela tocava o rosto do moreno e da imensidão de sentimentos que transbordavam a cada nova lágrima que caia.

Ele tocou sem ombro e acenou positivamente, havia chegado a hora de deixa-lo partir.

A morena assentiu e pegou um pequeno lenço que Hijikata sempre levava consigo. O segurou firme contra o próprio peito enquanto observava Kyuujyu carregar cuidadosamente o corpo de seu amado e o deitá-lo sobre a terra. A cada pequeno punhado de terra que era jogado acima do corpo, uma parte de Chizuru se quebrava e sangrava, nunca em toda sua vida havia sentido tanta tristeza, tanta dor.

- E quando ao Kazama-san? – questionou ao reparar o mesmo andar em direção do corpo ali próximo.

- Não posso enterrá-lo aqui. – quando o ajeitou em seus braços virou-se para a jovem que permanecia parada ao lado do túmulo. – Demônios não devem ser deixados em locais que humanos possam encontrar. Acredito que tudo que tenha acontecido, se deu por causa disto.

- Entendo. – ela sussurrou aflita. – Posso me despedir?

Após o ruivo manear a cabeça positivamente, ela aproximou-se e tocou o rosto esbranquiçado. Era a primeira vez que estava tão perto de Kazama, e agora podia analisar seus traços, com toda certeza ele se sobressaltava na multidão, sua beleza era inigualável. A cicatriz da katana de Hijikata ainda estava funda na pele macia da bochecha do mesmo e quando esta a tocou, uma pequena chama azul ardeu fazendo-a desaparecer. Os olhos arregalaram-se surpresos e ela rapidamente recolheu as mãos.

- Nunca entendi o real motivo da luta de vocês. – ela sussurrou triste. – Mas você me ajudou também, me protegeu. E sou grata à você também, Kazama Chikage.

- Yukimura Chizuru. – o homem tocou o ombro da jovem, fazendo-a lhe encarar. – Viva! Tenha orgulho da sua raça, acima de tudo.

- Eu terei. – ela assentiu convicta.

Após o homem lhe devolver um leve aceno, desapareceu entre a poeira. Ela virou-se em direção do tumulo mais uma vez, ajoelhando-se em sua frente. Seus olhos começavam a arder fortemente, mas esta não levantou-se, permaneceu ali diante do túmulo de seu amado por muitas horas até de que fato levantou-se e deu inicio a sua marcha.

Os passos em direção a cidade eram hesitantes e lentos, a cada novo passo ela se distanciava um pouco mais de Hijikata. A cada passo era como se um pedaço de si caísse no meio do caminho.

Ela não olhava para trás, não deveria, pois tinha de ser forte.

Ela iria obedecer a ordem que recebera de seu vice comandante. Iria viver e, ao menos, tentar ser feliz. Por mais que acreditasse que isso fosse inteiramente impossível.

A guerra havia lhe tirado o bem mais precioso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.