As primeiras mortes

– Vamos dar uma parada. Preciso dar uma outra olhada em cima. – diz Katniss, pronta para escalar uma árvore de galhos retorcidos.

Peeta, Finnick e eu esperamos pacientemente até ela descer da árvore. Apenas alguns minutos se passam até ela voltar, com uma expressão de surpresa.

– O campo de força deixou a gente preso num círculo. Um domo, para falar a verdade. Não sei até que altura ele vai. Tem a Cornucópia, o mar e depois a selva cercando tudo. Muito certinho. Muito simétrico. E não muito grande. – ela diz.

Snow realmente cuidou de tudo na arena para que fosse mais rápido e fácil de morrer nesses Jogos. E isso apenas diminui as chances de sobrevivência de uma velha de oitenta anos.

– Você viu água? – pergunta Finnick.

– Só a água salgada do local onde os Jogos começaram. – Katniss responde, parecendo meio chateada.

– Deve haver alguma outra fonte. Ou então estaremos todos mortos em questão de dias. – diz Peeta, franzindo a testa.

– Bom, a vegetação é densa. Pode ser que haja fontes ou córregos em algum lugar. De qualquer modo, não faz sentido tentar descobrir o que existe do outro lado da montanha, porque a resposta é nada. – Katniss diz. Sua expressão mostra que ela está confusa e cheia de dúvidas.

– Deve haver água potável entre o campo de força e a roda. – insiste Peeta. Mas todos nós sabemos que se tomarmos a decisão de voltar para lá, estaremos mortos em questão de muito pouco tempo. Sem água, estou muito fraca e não conseguiria sobreviver nem por um minuto na mão dos Carreiristas.

Tomamos a decisão de descer a encosta a algumas centenas de metros, contornando o círculo. A sede está ficando cada vez pior. No meio da tarde, eu e Peeta já estamos fracos demais para seguir em frente.

A mais ou menos dez metros abaixo do campo de força, Finnick escolhe um local para acamparmos. É uma estratégia inteligente, pois podemos usá-lo como arma, desviando a rota de nossos inimigos em direção à ele. Percebi que o campo é bem perigoso, depois do ocorrido com Peeta naquela tarde. Poderia ter sido fatal, se Finnick não tivesse o socorrido.

Com a ajuda de Finnick, eu puxo lâminas de grama de um metro e meio de altura para tecer esteiras. Peeta colheu uma grande quantidade de nozes e as fritou no campo de força. Bom, pelo menos temos um pouco de alimento.

– Finnick, por quê você não monta guarda enquanto vou atrás de água. – Katniss propõe. Acho que não seria uma boa ideia ela sair sozinha. E pela cara dos meninos, eles devem estar pensando o mesmo. – Não se preocupe, não vou me distanciar muito. – ela diz, olhando nos olhos de Peeta.

– Eu também vou. – ele responde.

– Não, vou ver se consigo caçar alguma coisa. Não demoro. – ela diz, já se movimentando em direção às árvores.

De repente, escutamos o som de um canhão. O banho de sangue só deve ter terminado agora. Conto os tiros: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito. Oito vitoriosos mortos. Quem seriam eles?

Enquanto Katniss está fora, eu e Finnick construímos uma tenda a partir das esteiras. Com três paredes, teto e piso e uma abertura de um dos lados. Fiz algumas tigelas para colocar as nozes torradas de Peeta. Ficamos tão entretidos no trabalho que perco a noção do tempo. Quando dou por mim, percebo que Katniss já está de volta.

Nós três a olhamos, esperançosos por uma mísera gotícula de água. Estou comendo as nozes, para fazer meu corpo esquecer da escassez de água que começa a o dominar.

– Não. Nada de água. Mas deve ter em algum lugar por lá. Ele sabia onde. – ela estende com uma das mãos um roedor de uma aparência medonha. – Ele tinha acabado de beber água quando foi flechado por mim, mas não consegui achar a fonte. Eu juro, percorri todo o terreno num raio de trinta metros.

– A gente pode comê-lo? – pergunta Peeta, olhando para o roedor.

– Não tenho certeza. Mas a carne não parece muito diferente da carne de esquilo. Ele tem que ser cozido... – ela hesita.

Não podemos acender uma fogueira. Principalmente nessa arena. Ia ser sentença de morte. Então, Peeta tem uma grande ideia. Ele espeta um pedaço de carne do roedor num galho pontudo e a deixa cair no campo de força. Deu certo, o bicho está inteiro cozido por dentro! Batemos palmas, mas logo paramos ao nos lembrar de que estamos nos Jogos Vorazes.

O sol se põe enquanto nos reunimos na tenda. Katniss ainda parece em dúvida sobre as nozes.

– Pode comê-las, Mags as reconheceu de outros Jogos. – diz Finnick, e eu sorrio, concordando com ele.

Ela pega uma das nozes e dá uma leve mordida. Comemos também o roedor. As nozes e a carne estão muito boas. É até que uma farta refeição para uma primeira noite na arena, mas é bem difícil de comer com nossas gargantas muito secas pela falta de água.

Enquanto comemos, Finnick faz várias perguntas à Katniss sobre o roedor, que apelidamos de rato de árvore. Como em que altura estava, o que estava fazendo e quanto tempo ela observou antes de atirar. A tenda dá uma proteção bem razoável, nos camuflando em meio aos tufos de grama. Somos interrompidos com um clarão vindo do céu. Todos já sabíamos o que estava por vir.

Ficamos enfileirados na entrada da tenda. Finnick e eu damos as mãos, e Katniss e Peeta fazem o mesmo.

O hino começa a tocar e a insígnia da Capital surge no céu. O primeiro a aparecer é o tributo do Distrito 5, o qual Finnick matou com seu tridente. Ou seja, todos os Carreiristas do 1 e do 2, Wiress e Beetee, e é claro, nós, estamos vivos.

Depois, quem aparece é o morfináceo do 6. Quando os rostos de Cecelia e Woof surgem no céu, sinto uma pontada de dor em meu coração. Cecelia era uma ótima pessoa, gostava muito dela. Lembro-me de suas três crianças, que nessa noite, ficaram órfãs de mãe, graças à crueldade e frieza de Snow. Woof era meu amigo há anos. Venceu os Jogos umas dez edições após a que fui vitoriosa.

Os dois do 9 e a mulher do 10 aparecem. O último rosto a estampar o céu é o de Seeder, do Distrito 11. Não consigo conter as lágrimas.

Ela era uma pessoa simples, mas sempre disposta a ajudar quem precisasse. Uma ótima amiga, para todas as horas. Tinha uma delicadeza admirável para lidar com todas as coisas. Percebo que Katniss ficou bem abalada ao ver o rosto dela no céu. Provavelmente estava se lembrando de quando sua aliada Rue, também do 11, morreu, na edição passada. Lembro-me que Seeder chorou por várias horas após o falecimento da garotinha. É sempre triste para um mentor quando seu tributo parte. Todos nós ficamos comovidos com a atitude de Katniss ao cobri-la com flores silvestres. Tenho certeza de que ela gostaria de fazer o mesmo agora, mas com o corpo de Seeder.

“Vão em paz, amigos. Vocês estão num lugar melhor agora.” Penso, e abaixo a cabeça, em respeito à meus amigos que se foram.

Poderíamos ficar ali a noite inteira, em silêncio, mas somos surpreendidos com a chegada de um paraquedas prateado.