Magi: Empire of Magic

O passado que assombra


Sinbad acordou mais tranquilo do que há muitos anos. Ao seu lado, Ja'far ainda dormia e resmungou algo que deveria significar "volte a dormir, ainda está cedo", mas que soou mais como uma série de grunhidos. Segurando o riso, o ex-rei e novamente aventureiro, virou-se para o companheiro e o beijou os lábios, fazendo com que o alvo abrisse os olhos e revelasse seu par de esmeraldas.

— Bom dia! – saudou o moreno com aquele sorriso que só ele tinha e que fez o albino corar nos primeiros instantes da manhã. – Hoje é um grande dia, não acha?

Ja'far apenas cobriu o rosto com o lençol, Sinbad riu, o descobriu novamente e o abraçou, o albino então apenas se aproximou de seu companheiro, deitando a cabeça em seu peito desnudo e aproveitando-se do calor e do cheiro do homem que mais amava no mundo.

— É tão bom te ter aqui... – sussurrou ele, a voz ainda rouca de sono.

— Eu concordo bastante com isso... – respondeu Sinbad rindo e acariciando os cabelos quase brancos de seu consorte.

— Estou falando sério – Ja'far se afastou um pouco para que o outro pudesse lhe olhar nos olhos que brilhavam com pequenas gotas. – Eu não consigo nem mesmo explicar como foi pensar que nunca mais te veria, que nunca mais poderia tocar em você... Achar que você tinha ido embora para sempre... Ah, Sin, doeu tanto... – Com essas últimas palavras, ele deitou novamente a cabeça e Sinbad sentiu a umidade das lágrimas que aparentemente estavam sendo seguradas por muito tempo. Seu coração se apertou, ele sabia exatamente o que o outro queria dizer. Não viver já era suficientemente ruim, mas pensar que nunca mais tocaria Ja'far ou o veria corar era impossível de se imaginar. Não conseguia nem sequer conceber a ideia de ficar longe dele para sempre, seria como se uma parte do seu corpo tivesse sido arrancada completamente. Passara muito tempo se preocupando com coisas desnecessárias, procurando um poder que não deveria ser alcançado por mãos humanas, sejam elas especiais ou não, quando tivera ao seu lado alguém que deveria importar mais do que tudo. Sem dizer nada, elevou o rosto de seu amado tocando levemente o seu queixo, os olhos de Ja'far ainda brilhavam com as lágrimas, a sua fortaleza, enfim, destruída. Esmeralda e ouro se encontraram e não havia mais nada que precisasse ser dito. O espaço entre eles logo foi encurtado e os lábios disseram sem palavras tudo que era necessário saber. Dois corpos se tornaram um, um encaixe perfeito que mesclava muito mais que apenas paixão e necessidade, eram duas peças, separadas durante muito tempo, que finalmente se encontravam e permaneceriam juntas para sempre.

O dia seguinte, já estando em alto mar, Sinbad levantou-se cedo, mas apalpando a cama, descobriu estar sozinho. Levantou-se em um salto e não encontrando Ja'far em lugar algum, correu até a parte de cima do navio. Correu os olhos pelo lugar e pela pequena tripulação que olhava sem piscar algo à frente. Na proa do navio, já com trajes sociais, Sinbad apenas vestia calças soltas que usava para dormir, estava Ja'far, na mesma posição estática dos outros. Com a respiração desacelerando ao saber que o companheiro estava bem, o comandante do navio seguiu os olhares dos outros, encontrando uma ilha com nada mais nada menos que uma dungeon, na verdade não apenas uma. Sete. Um sorriso surgiu nos lábios do conquistador dos Sete Mares, estava na hora de voltar às aventuras.

~Em Sindria dois dias antes

Drakon observava da grande varanda do palácio a dezena de barcos que se afastava de seu porto, levando amigos queridos para longe durante um pôr do sol incrivelmente laranja. As poucas semanas que os generais permaneceram reunidos não fora o suficiente para acalmar o coração do novo rei. Sahel se aproximou e se postou ao seu lado, não dizendo nada, mas entendendo como aquele momento significava para ele.

— Tantas coisas mudaram em tão pouco tempo... – murmurou ele passando os dedos nos cabelos, hábito que pegara pela ainda estranheza ao novo corpo. – Mas não temos tempo de ficar imaginando ou pensando no passado, temos uma missão para cumprir e honrar a confiança que todos depositaram em nós. Principalmente ele.

— Eu tenho certeza que ele estava certo de te escolher para o cargo – sussurrou Sahel de volta sem tirar o olhar do horizonte. – O trabalho de reconstruir o nosso povo vai ser difícil, mas já passamos por muita coisa para nos assustarmos com isso agora.

Drakon voltou o olhar para a esposa, alguém que não era dotada de magia, não era nobre e nem mesmo uma guerreira no sentido literal, mas que sobrevivera a tanto, se deitando ao lado de um monstro e mesmo assim nunca deixando o seu lado. O rei de Sindria se aproximou de sua esposa, a segurando por uma das mãos, ao que ela se voltou para ele sorrindo, o mesmo sorriso verdadeiro que o conquistara há tantos anos.

— Eu não tenho medo do que está por vir, pois sei que terei você ao meu lado...

A resposta de Sahel foi interrompida por um tremor que tomou toda ilha, Drakon segurou sua esposa para que ela não caísse. Seus olhos rumaram para onde parecia ser o epicentro de tudo aquilo, uma construção que não estava ali antes.

— Aquilo não pode ser... – exclamou Sahel, a palidez contrastando com seus cabelos negros.

— Precisamos falar com os outros – afirmou Drakon, os lábios em uma linha fina. – Se isso tudo vai recomeçar, precisamos entender o que está acontecendo.

Eles foram, então, em busca de um modo de contato com o restante da aliança, mal sabendo que essa notícia se espalharia mais rápido do que imaginavam.

~Em Balbadd

Alibaba acabara de receber uma mensagem do Império Kou, Hakuryuu havia aceitado a proposta de troca de mercadorias, as estradas ainda estavam escassas, mas ter um aliado ao seu lado já auxiliaria e muito. Kougyokou trabalhava também sem cessar, às vezes viravam noites em cima de pilhas de papeis. Invariavelmente ela caía no sono e fazia os documentos de travesseiro e, com carinho, Alibaba a levava para um sofá para que ela pudesse descansar um pouco mais. O respeito e carinho que sentia por ela, começavam a se misturar com outra coisa, era impossível esconder durante muito mais tempo, entretanto, o jovem rei não queria se precipitar novamente. Desta vez, faria tudo ao seu devido tempo e deixaria que ela também escolhesse estar ao seu lado, não se sentisse na obrigação de fazer isso ou algo do gênero. Riu ao pensar que se as coisas tivessem sido de outra forma, se não tivesse negado ao título durante tanto tempo, era capaz de estar casado com ele por uma aliança entre Kou e Balbadd. É, algumas coisas simplesmente estavam destinadas a acontecer. Seria isso o que todos chamavam de destino irracional? Era bom ter perdido o poder de prever as coisas após a morte de David, ser apenas ele, o simples Alibaba, estava mais do que suficiente. Como se estivesse pensando alto demais, Kougy abriu os olhos e reparou que ele a observava dormindo, imediatamente, Alibaba ficou mais vermelho que um tomate, recuou os olhos, mas ouviu um leve riso dela.

– Você também precisa descansar, Alibaba – murmurou ela se espreguiçando já sentada.

— Eu estou bem... – disse ele coçando a cabeça sem jeito. – Tem muito que se fazer ainda... Já que a república não deu certo, pelo menos temos que convocar o povo para reuniões em assembleias para decidirmos o rumo do país. Muitas estradas e casas foram destruídas e centenas de pessoas não têm o que comer ou onde morar e...

— Se acalme, Alibaba! – pediu a princesa de Kou se levantando e indo até ele. O olhou nos olhos e prosseguiu – Já marcamos a reunião para daqui a dois dias, tenho certeza que a maioria dos problemas será resolvido. Quanto às pessoas sem teto, você já as abrigou e está fazendo o possível para que todos tenham o máximo de refeições possíveis! Todos estão ajudando porque se sentem inspirados pelo líder deles, não há motivos para se preocupar... Estamos no caminho certo!

— Você tem razão... – concordou o rei de Balbadd tomando a mão da princesa, um gesto automático que já repetia tantas vezes que sequer notava mais. Era como se precisasse de um apoio, de alguém que provasse que não estava sozinho, algo físico, material que lhe desse a sensação de realidade. – Vamos resolver tudo juntos.

— Com toda certeza!

O sorriso de Kougyokou não durou muito, pois todo o palácio tremeu. Os dois se seguraram um ao outro e viram surgir no horizonte não uma, mas duas construções que não deveriam estar ali.

~Em uma ilha não mais abandonada.

Kouha colhia algumas frutas enquanto Koumei pescava. Hakuei, apesar de não se importar de ajudar a cuidar da casa que habitavam, gostava de passar algumas horas da manhã treinando, sentia que a calmaria não duraria muito. Não sabia se era instinto, um chamado do destino ou sabe-se lá o que mais, a única coisa que tinha certeza é que a paz não seria eterna, nada é. Por isso, dedicava todo dia algumas horas a um treino completo, mesmo que sozinha. Kouen podia não tocar no assunto, mas ele se sentia responsável por muitas coisas terríveis e agora pagava o preço. Hakuei sabia o quanto ele detestava estar naquela cadeira, dependendo de todos para fazer o mínimo, ela só poderia tentar o possível para que ele se sentisse menos inútil. Confessar os sentimentos ao primo que admirara a vida inteira não fora difícil, perceber que era correspondida que foi o grande choque. Entretanto, de início ele não concordara com a união dos dois, dissera que ela merecia algo melhor que um inválido, mas ela sabia persistir e, talvez pela falta de opção em poder retrucar, Kouen finalmente a aceitara ao seu lado.

Os dias na ilha não variavam muito. Eles conseguiram construir um pequeno vilarejo, alguns dos seguidores de Kouha e dos outros se mudaram para lá após isso. A vida era simples, mas nada faltava a eles. Não tinham as obrigações de antes, mas tampouco o poder. Hakuei sentia falta de Paimon, mas sabia que os outros sofreram muito mais pelo sumiço dos djinns do que ela. Perdida em seus pensamentos enquanto continuava uma série de ataques e defesas, Hakuei quase caiu ao sentir a ilha toda tremer. Precisou se esquivar, pois do próprio chão brotaram diversas construções, uma diferente da outra. Ela sabia o que aquilo significava, precisava correr para a praia encontrar os outros.

~Em Kou

Judal e Hakuryuu voltavam para o quarto após mais um dia cheio de trabalhos burocráticos e políticos.

— Não sabia que isso seria tão chato! – exclamou Judal se jogando na cama com os braços abertos e fechando os olhos. Hakuryuu sorriu e começou a retirar as muitas peças de roupa que seu cargo exigia. O magi, por sua vez. não retornara ao visual de antes, mas também não ficara com as roupas da coroação. Usava uma calça simples e uma blusa com um símbolo do império. Os cabelos variavam de acordo com o humor do companheiro do Imperador de Kou, então, somente já pelas manhãs, Hakuryuu sabia se seu consorte estava de bom ou mau humor, quanto mais entrelaçado o cabelo, mais calma ele deveria ter (e mais comida, ele oferecia).

— Vai me dizer que achou que as coisas seriam fáceis? – perguntou Hakuryuu se sentando ao lado de Judal somente com a calça e blusa internas. O magi deu um riso travesso e jogou o companheiro na cama, o beijando.

— Pelo menos tenho as noites para me animar...

Hakuryuu corou com o comentário, apesar de já estar acostumado, e gostar profundamente, do jeito possessivo do magi. Encurtou o espaço dos dois com um beijo e Judal sorriu. Os dois se sentaram novamente.

— Lembra da nossa primeira noite juntos? – perguntou o magi segurando a mão do imperador e plantando um beijo em sua palma, fazendo com que o outro corasse.

— Não sei se é uma boa ideia... Eu estava tão sem jeito, mal sabia o que fazer...

— Mas você foi incrivelmente doce, – Os dois rubis do olhar de Judal faiscaram – como sempre é.

Hakuryuu sentiu novamente aquele calor que nunca cessava quando estava junto de seu companheiro. Ele ficava ao mesmo tempo tão tranquilo e tão nervoso com ele ao seu lado, era como se a emoção, a dúvida e a certeza nunca o deixassem, por mais que fossem sentimentos contrários. Como se quisesse recordar as memórias das quais falava, Judal começou um caminho de beijos pelas cicatrizes de Hakuryuu, as marcas de que ele era um sobrevivente como ele. O imperador já arfava com as carícias, mas antes que pudessem prosseguir, todo o palácio foi sacudido e os dois tombaram embolados no colchão.

— O que diabos foi isso?! – perguntou Judal contrariado e Hakuryuu correu até a janela. Seus olhos bicolores se assustaram com a visão das duas torres de construções tão distintas que não estavam lá segundos antes. Judal o alcançou e também se assustou com o que viu. – Mas que merda...?

~Próximo à fenda

Yunan havia construído uma pequena cabana para que ele e Aladdin ficassem alguns dias com um pouco mais de conforto. Os dois reliam os documentos e pesquisas parando apenas para as necessidades humanas básicas. Não importava o quanto prosseguissem, parecia que não havia resposta a ser encontrada. Aladdin já perdia completamente a paciência e resmungava. Um pouco mais acostumado com aquela vida de perguntas sem respostas, Yunan foi fazer uma xícara de chá, entretanto, ele não chegou a alcançar o fogão. Os dois magis pararam no mesmo instante, pressentindo o que acabara de acontecer ao redor do mundo.

— Será que isso foi Titus ou Judal? – perguntou Aladdin já se pondo de pé e recolhendo suas coisas.

— Não, – respondeu Yunan também pegando seu chapéu e cajado e saindo da cabana. – nenhum de nós mais tem poder para construir dungeons, algo está muito errado.

— Vamos juntar todos o mais rápido possível, antes que algum deles faça alguma coisa errada... – resmungou Aladdin já começando a sobrevoar junto com o outro magi.

— Espero que não seja tarde demais.