Certamente Gotham nunca esteve tão afundada em meio às trevas quanto agora. Soube desde o começo que a queda ponte seria um começo, porém não pensei que fosse tomar proporções ilimitados do caos que poderia haver naquela noite, que foi a noite em que cada um foi tomando seu lugar. É claro que às pessoas tiveram de ser evacuadas para fora da ilha, entretanto tiveram os que ficaram, os que são policiais, os que estão afim de lutar, que vão apenas tentar, mas não vão conseguir. Não aqui.

Sendo mais específica, lojas, joalherias, bancos, todos foram roubados. Pessoas morreram, eu mesma matei, estava com tanta raiva naquele dia que não hesitei em meter uma bala na cabeça de outros bandidos que avistei em minha frente no meio da rua, correndo com sacos cheios de dinheiro, que logo em seguida estava ao chão junto do corpo da pessoa que os roubou. Morrer logo após fazer um roubo deve ser uma merda, eles que os diga... ou não, estão mortos mesmo, tanto faz a vida daqueles coitados. Já escutei pessoas dizerem que eu poderia morrer se continuasse levando a vida que levo e continuando a andar com pessoas que são consideradas perigosas. Como se eu andasse com várias pessoas. A única que eu tinha em minha vida era Jerome, que poderia ser o pior de todos, mas não morri por isso. Aqui vai um fato: uma hora todos nós vamos morrer. Talvez eu já estivesse morta caso eu tomasse a coragem de afrontar Jerome, ele não mediria esforços em acabar comigo, aliás, meu psicológico está tão danificado com o que ele fazia comigo, que sinto-me morta, sem alma, não sabendo nem ao menos como um dia eu vou voltar a sentir algo coisa tão forte sem que eu sinta que posso desabar. Não estou querendo dizer que sou fraca, mas que já não tenho mais forças suficientes para aguentar qualquer tipo sentimento que mexa diretamente com meu coração. Devia ter desconfiado desde o começo que seria assim. Fui burra em achar que poderia ser feliz com uma pessoa que mais me fazia chorar do que sorrir... quantas vezes será que eu já sorri estando com ele? Claro que, apesar de nós dois estarmos fodidos na maior parte do tempo, ainda eu me esforçava ao ser otimista com algumas coisas, principalmente quanto a nós dois. E, mesmo assim, tudo o que eu recebia em troca era um "Cale a merda da boca, Madison. Você não sabe de nada".

Muitas coisas relacionadas a ele me machucaram, uma delas é ter sido escondida, ter vivido a sua sombra, com todas as pessoas dando atenção apenas a ele, enquanto eu ficava esquecida, era lembrada apenas por "a namorada de Jerome". Se não estou doida, a maioria das pessoas não deviam nem saber o meu nome. Ele fez com que eu odiasse, e o pior de tudo: fez com que eu me odeie. Jerome me destruiu. É isso que ele gosta de fazer; destruir coisas, e principalmente, me destruir. Não sei qual deve ser o limite doentio da mente de uma pessoa, mas a de Jerome deve estar para ultrapassar qualquer limite, até porque, porque ele ficaria bem em ver uma pessoa destruída psicologicamente sem motivo algum? Jamais terei uma resposta para isso, e se tiver, ainda sim vou continuar achando que ele não é normal por isso, ou que me odeia muito mesmo.

Felizmente - ou infelizmente - fazem duas semanas que eu não o vejo, desde o dia em ele me deixou. Não disse onde ficaria ou o que ia fazer, apenas foi embora, deixando-me sem entender o que eu fiz de errado para ele ter partido sem nem dizer onde estaria. Mas eu já consigo entender que ele não quer ser encontrado, não por mim.

Deveria ter ouvido seu irmão e tê-lo deixado primeiro, assim eu me sentiria muito menos mal do que estou agora, pois eu pelo menos saberia que ele não pensava em me deixar. Eu com certeza devia ter escutado o conselho de Jeremiah, estaria menos afetada agora, além de que talvez eu poderia sentir que estava na hora de seguir em frente e tentar levar uma vida normal. Talvez o pior de tudo nesta história seja o fato de que, para piorar tudo, me aproximei de Jeremiah Valeska. Sou uma pessoa que indiretamente deve estar implorando por perigo.

Qual é o problema de Barbara que ainda não veio atender a porta? Já estou há alguns minutos esperando desde que toquei a campainha.

Estava virando-me para ir embora, quando a porta foi aberta, porém, quem me atendeu não foi Barbara, e sim, Tabitha Galavan, talvez ela nem imagine que eu a odeio, até porque faz tempo que não nos vemos. Lembro-me bem de que ela sabia exatamente que seu irmão, Theo Galavan, queria matar Jerome e eu. Ela cruzou os braços, o que fez seu roupão levantar um pouco até as coxas, o que apenas levou-me a pensar uma única coisa:

— Desculpe, eu não quis atrapalhar o sexo lésbico de vocês - sorri depois de debochar do momento. Continuei. - Mas eu preciso falar com a Barbara, e não estou pedindo.

Andei em direção à porta e ao mesmo tempo ela colocou-se a minha frente, porém, no momento seguinte a voz de Barbara ecoou, chamando nossa atenção. Era estranho, fazia tempo que eu não a via, na época ela tinha o cabelo mais comprido do que está agora, mas tirando isso, ela parece estar exatamente igual como da última vez que a vi.

— Deixe-a entrar - e assim Tabitha finalmente me deu passagem, o que fez eu sorrir vitoriosa enquanto a encarava e via ela fuzilar-me com o olhar.

Dei uma breve olhada no local e vi que tudo estava extremamente organizado, assim como sempre foi o The Sirens quando abriu. Não pensei que Barbara fosse ser a pessoa a tomar este lugar do Pinguim, entretanto, ela deve estar cuidando bem do local, e como eu sei que ela não consegue ficar num posto por muito tempo, com certeza ela vai aceitar minha proposta, ou melhor: a proposta de Jeremiah.

— O que veio fazer aqui? - questionou.

— Por que está perguntando como se fosse algum problema?

— Você é namorada do Jerome, é claro que tem algum problema, senão não estaria aqui - disse enquanto sentava-se num dos bancos que ficavam de frente para o barzinho.

— Primeiro: não sou mais namorada dele. Segundo: não estou aqui por causa de algum problema, isto é mais como uma solução.

Tabitha interveio.

— Faça o que for, mas não acredite nela, Barbara - franzi as sobrancelhas enquanto a encarava.

— O assunto não é com você, fique de fora - respondo na maior arrogância.

— Ela é minha namorada, então pode sim saber dos assuntos que tem a tratar comigo - revirei os olhos com comentário de Barbara. - O que foi, sente inveja por seu namorado nunca ter deixado você ficar por dentro dos planos dele?

— Já disse que ele não é meu namorado - suspirei e continuei -... não mais. Apenas estou aqui para saber o que você acharia de fazer uma aliança comigo e com Jeremiah Valeska - sorrio sem mostrar os dentes.

Na mesma hora Barbara se pôs de pé e me encarou com tanto ódio que por pouco pensei que a raiva transbordaria de seus olhos.

— Está com ele? - Tabitha rosnou.

— Não, não estou. Qual é o problema com ele? - perguntei.

— Jeremiah atirou em Selina. Como pode perguntar qual é o nome problema com ele? - engoli seco, não acreditando no que Barbara havia acabado de dizer.

Selina era minha amiga. Agora eu já não mantenho mais contato com ela, ainda assim, sinto como se jamais tivéssemos nos afastado. Tudo bem que Jeremiah não sabe que já fui amiga dela, mas isso não faz eu ficar mais tranquila com relação ao que ele fez.

— Madison, eu nunca vou aceitar qualquer tipo de acordo com ele. Talvez se fosse apenas você... mas Jeremiah está fora de cogitação em minha lista de pessoas com quem um dia eu poderia ter algum acordo. Ele não cogitou em atirar em Selina. Por culpa dele, agora ela está em usando cadeira de rodas - após sua informação, me apoiei na parede que estava ao meu lado. - Você não soube disso? - sua voz naquele momento até parecia distante.

Apertei minhas mãos com minhas unhas, na intenção de me machucar mesmo. Não consegui encarar nenhuma das duas, então desviei meu olhar para o chão, enquanto eu ainda continuava me apoiando na parede. Ele não sabe que Selina e eu já fomos amigas, mas mesmo assim ainda não consigo acreditar que ele fez isso com ela... ela até está em uma cadeira de rodas, por pouco não deve ter morrido. Preciso falar sobre isso com Jeremiah, ele precisa saber o que fez à ela, e além de tudo, precisa saber o que me fez.

— Madison? - ouço Barbara me chamar, ela parece até um pouco preocupada com meu comportamento.

— Preciso ir - digo firme. - Mas vou voltar a falar do acordo com você. Em breve - reforcei.

— Só não se esqueça: aqui, no The Sirens, nós não aceitamos homens.

— Como assim não aceitam homens?

— Tudo de ruim que é causado de ruim nesta cidade é causado por eles, então espero que entenda o porquê de nossa decisão em não aceitarmos mais eles aqui... e nem em nenhum acordo. Por esse e outros motivos, não vamos aceitar nada que venha de Jeremiah e Jerome Valeska - ela estava séria, o que me fez acreditar que os motivos para tudo o que ela disse tenham sido bem sérios.

Assenti levemente.

— Não se preocupe. Provavelmente Jerome jamais irá voltar, então todas estamos bem com isso - disse por fim, e vendo que elas não diriam mais nada, me pus a sair do local.

(...)

Suspirei pesadamente e encostei minha cabeça no volante do carro, pensando primeiramente no que diria a ele quando o visse. Sei que ele não tem culpa, até porque nem sabe que eu já fui amiga de Selina, então eu não poderia simplesmente ficar puta com ele. Mas não dá, eu não vou conseguir me controlar.

Quando já estava em frente ao seu apartamento que ele estava ficando temporariamente acabei decidindo que não bateria na porta, não agora que estou uma pilha de nervos com ele. Empurro a porta e vejo que ele estava em pé em frente á uma mesa de madeira, que em cima havia várias folhas, mas não me preocupei em reparar no que era, não estava preocupada com aquilo. Suspirei pesadamente ao sentir seu olhar sobre mim, com seus olhos que pareciam ser capazes de penetrar a alma de qualquer um. Jeremiah Valeska parece ser o mau em pessoa, ao mesmo tempo que parecia muito bem ser um simples homem que poderia se passar muito bem por alguém extremamente de negócios, que não envolvia-se em nada relacionado ao crime.

Corro os olhos rapidamente por todo o local que já era meio antigo, e se não me engano, o prédio no qual ele está ficando deve ser pelo menos um dos mais antigos de Gotham, o que não combina com Jeremiah, pois ele realmente não tem mesmo cara de quem ficaria num lugar bem menos que não fosse luxuoso, diferente de Jerome. Pelo tanto de móveis e até alguns utensílios de cozinha que avistei, acabei deduzindo que já podia estar morando aqui antes da evacuação.

Ainda o encarando, mais uma vez comecei a apertar as unhas na intenção de machucar a palma das minhas mãos.

— Está se machucando - sua voz quebrou o silêncio.

Dei uma leve olhada para os meus punhos fechados, percebi então que até mesmo estava tremendo, e talvez seja por isso que ele conseguiu reparar o que eu estava fazendo.

— Por que atirou em Selina? - ignorei o que ele havia me dito.

— A garota que vive com Bruce Wayne? - seu tom era indiferente, parecia não se importar que ele sabia que eu estava nervosa, embora ainda não soubesse o porquê de minha irritação.

— Ela era minha amiga - Jeremiah deixou escapar um breve suspiro fundo, e correu seus olhos até mim no instante seguinte.

— Não acha que eu vá pedir desculpas, acha?

— Eu... Não, mas... Jeremiah, em que merda você estava metido que Selina também estava? - questiono e cruzo os braços esperando por sua resposta.

Ele endireita sua postura que por consequência estica sua blusa social em seu peito, que não vou mentir, roubou minha atenção, mas não deixei transparecer.

— Talvez eu estivesse na mansão Wayne.

— O que fazia lá? - pergunto enquanto ando até o sofá e me sento, cruzando as pernas em seguida.

— Fui dizer um olá para o Bruce. Gosto do garoto - soltei uma gargalhada divertida, mas que logo foi cessando ao perceber que Jeremiah continuava sério. - O que foi?

— Por que estava rindo? - pergunto confusa.

— Você disse que gosta do Bruce, e convenhamos, aquele garoto é insuportável.

— Parece que não gosta dele - ele afirmou enquanto assentia para si mesmo.

— Você não? - minha voz sai num tom de indignação.

— Não, eu não odeio o Bruce. E nem estou perto de odiá-lo.

— Eu achei que... - ele me cortou.

— Que só porque meu irmão não gostava do Bruce eu também sou assim? - fiquei quieta, eu nem sabia como responde-lo. - Não sou o meu irmão, Madison. Deveria saber que já é grandinha demais para ficar comparando nós dois.

— Não estou comparando vocês dois, merda. Apenas... esquece. Se gosta do Bruce, porque atirou em Selina? Eles dois praticamente são namorados.

— Gosto de Bruce, não das pessoas que o rodeiam - soltei um baixo riso, ainda não acreditando no que estava escutando.

— E por isso decidiu atirar numa garota que você sequer conhecia? - bufei e continuei. - Selina quase morreu. Ela está tetraplégica.

— Isso não é problema meu - ele socou a mesa, continuou. - É problema seu - apontou para mim.

Joguei minha cabeça para trás no estofado, fechando os olhos em seguida, pensando em como seria bom sair agora pela porta e não dar explicação alguma a ele, mas Jeremiah provavelmente viria atrás de mim para terminar a discussão que eu mesma comecei, e não estou mesmo mais afim de continuar tentando ganhar um argumento que não vou conseguir.

— Tanto faz - comecei. - Já aconteceu mesmo, e também, você não é o Jerome que eu pelo menos teria o direito de tirar satisfações quanto a isto.

— Por que não somos namorados? - captei o tom de zombaria em sua voz.

— Sim, Jeremiah, porque não somos namorados - dei um riso anasalado. - Ainda não deixo de estar brava pelo que você fez, Jeremiah. Não sei o que me deixa ainda mais confusa: você ter atirado em Selina ou você gostar de Bruce Wayne.

— As coisas e as pessoas não são como você pensa que são, Madison. Não viva de expectativas sobre os outros.

— Eu não vivo de expectativas.

— Não? Pois me parece que sim - disse firme. - Continue depositando confiança, esperança e expectativa. Você irá longe com isso - ironizou.

Calmamente me levantei de onde estava e fui até a estante que ficava ao lado da televisão. Ali já havia um copo que parecia ter sido usado à pouco tempo - talvez por Jeremiah - que estava ao lado de uma garrafa de uísque barato. Despejei um pouco no copo que estava em minhas mãos, e logo em seguida já tratei de levar copo até os meus lábios virando tudo de uma vez, sentindo a queimação descer garganta abaixo. Fiz uma careta e logo coloquei o copo de volta a mesa.

— Não está acostumada com bebida? - Jeremiah perguntou roubando minha atenção.

— Não com bebida barata - sorri para ele que, por sua vez, mantinha um semblante calmo, diferente de minutos atrás.

Jeremiah e eu só nos conhecíamos há algumas semanas, assim como eu sabia de sua existência há apenas algumas semanas. Nesse meio tempo tive a certeza do quão inteligente ele era, e embora eu nunca tenha passado tanto tempo com ele, sabia que ele podia ser mil vezes mais sensato que o seu irmão, que, na maioria das vezes, não pensava em qualquer consequência, apenas fazia o que queria. Não julgo Jerome por isso, pois nesse quesito, nós meio que pensamos igualmente, então eu não seria hipócrita o suficiente para criticá-lo sobre algo que eu também já fiz.

— Sabe, eu preciso ir - comecei a andar em direção a porta, não me importando nem em olhar para trás e me despedir. Não faria isso.

— Ela falou mais alguma coisa? - olhei para trás vendo que ele me seguia.

— Quem?

— Barbara. Além de não querer uma aliança comigo por causa da namorada do Bruce, ela disse mais alguma coisa? - tocou meu ombro com sua mão direita, o que eu pensar em esquivar, mas não me incomodei com o toque.

Assenti levemente enquanto tentava me lembrar ao certo algo que ela havia mencionado.

— Ah, ela disse que não queria mais nenhum homem pisando no The Sirens - eu disse, mas logo depois parei para me perguntar se ele sabia o que era o The Sirens, porém, se ele já não soubesse, não teria pedido para que eu fosse até lá tentar fechar um acordo. - E eu sei que você não vai parar de tentar.

— Sabe que não vou. Você vai comigo.

— Agora, eu preciso mesmo ir - disse, já estando no corredor de fora do apartamento. - Vai precisar de mim?

— Por que precisaria de você?

— Não sei, talvez... para ajuda-lo com a Barbara. Sem mim, elas teriam matado você caso fosse até lá.

— Talvez eu precise de você, mas não para isso - engoli seco, não tendo ideia do que dizer.

Espero que ele não tenha pensado o que captei de sua frase.

— Boa noite, Jeremiah - disse por fim, esperando logo uma resposta dele.

— Boa noite, Madison - respondeu, antes de fechar lentamente a porta até fechá-la por inteiro.