Made of Stone

XXIII. De todas as reprovações do mundo


O amor é a coisa mais complexa do universo.

Quando tudo está bem, você não sente isto, porque nestes momentos, o amor não parece ser nada mais do que simples. Quando tudo se complica, você acaba entendendo sobre o que estou falando.

Naquela época, eu não tinha ideia do tanto que as coisas iriam piorar.

Eu costumava pensar que aquilo era o pior que podia ter acontecido com o Alex e que não havia como ele cair mais baixo. Analisando bem, neste instante, acho que todos pensamos isto. Especialmente, o Alex. Não era culpa de ninguém por não haver previsto que aquilo era o começo de muitas desventuras que o levariam ao fundo do poço.

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Hoje, sei que as coisas são maiores e mais complexas do que a culpa nos faz cogitar. Sei que não haviam culpados para que as coisas se desenrolassem da maneira como se desenrolaram, mas creio que sentir como se houvessem é humano.

É humano pensar que podíamos ter feito mais, tentado mais, nos esforçado mais, conquistado mais.

Me recordo, vividamente, de haver sentido como se um gênio houvesse me concedido um pedido após esfregar a lâmpada mágica e ele houvesse se realizado. “Mas com uma condição”, devia ter acrescentado o gênio. Só que eu preferi acreditar que esta não viria.

Uma pena.

*

Os dias se passaram rapidamente, antes que eu pudesse pensar em gritar: Espera! Não estou pronto!, e com eles a angústia se crescia no meu peito.

Já era dezembro e as semanas de provas já haviam chegado a um fim e, junto delas, o ano letivo. Estávamos na primeira de duas semanas dedicadas aos exames que nós, com certeza, pegamos. Eu peguei em duas matérias apenas, Mason pegou em uma, Ian e Grace em quatro matérias, mas a única em comum entre todos foi matemática.

Lá estávamos esperando pelo dito cujo do exame das exatas que, para mim, seria o último. E eu não podia deixar de tirar os olhos do Alex a manhã toda, enquanto ele jogava conversa fora com os colegas, pensando que aquela seria a última vez que eu o veria naquele cenário.

— Quer? — questionou Grace, empurrando o salgadinho na minha direção.

Neguei rapidamente, ainda encarando o Alex.

— Você tá bem? — insistiu ela, de forma que tive que encará-la, os olhos atentos em mim.

Engoli em seco, querendo mentir que sim, mas nada saiu.

— É claro que ele não tá bem, sua anta! — intrometeu-se Ian, dramático, ao se levantar e ficar em pé na nossa frente. — Alex vai embora! Embora! Ele vai nos abandonar aqui nesse colégio de merda e as coisas nunca mais serão as mesmas! Nunca! Ninguém tá bem — resmunga, abrindo os braços.

Suspirei, balançando a cabeça.

Apesar das palavras do Ian repetirem exatamente o que se passava pela minha cabeça, eu estava começando a cansar do eco repetitivo da minha mente. Ian estava sensível demais com a partida do Alex, e eu compreendia demais isto, só que não queria ouvir todas as minhas preocupações em duplicata. Eles eram primos, tinham uma ligação diferente da que ele tinha com o restante de nós.

Mas eu e o Alex também tínhamos uma ligação diferente. Eu só não podia falar abertamente sobre isto, apenas sentir em silêncio. E sentir, eu sentia muito.

Quando olhei para onde Alex esperava com os amigos dele, nenhum deles estava mais lá. Deviam ter entrado para fazer o exame deles. Senti como se eu houvesse piscado e eles sumiram. Uma piscada e cinco minutos se passaram, assim como todos os minutos pareciam passar como se o tempo voasse para tirá-lo de mim.

Suspirei.

Eu não podia falar e também não podia fazer nada. Eu não consigo dormir, não consigo comer, não consigo jogar, não consigo cozinhar, não consigo desenhar.

Eu mal consegui estudar para o exame.

— Olha, seu otário — provocou Grace, inclinando o corpo para olhar para o Ian. — Eu vou te dar um desconto porque ‘cê anda mais deprê que o Bisonho — enfatizou, referindo-se ao desenho —, mas me chama de anta outra vez pra você ver o que acontece!

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— Sabe qual é o seu problema? — questionou ele, impaciente, enquanto eu inspirava fundo. — Que você não sente porra nenhuma! Você não tem nem ideia do que é sentir a tristeza de ver um amigo ir embora, você é uma pedra de gelo! — Expirei pesadamente, e antes que Grace respondesse, Ian finalizou como o perfeito cara infantil quando se trata dela: — Elsa falsificada!

Grace amassou o pacote vazio de salgadinho na mão com irritação.

— Pois eu prefiro ser a Elsa, que é uma personagem foda que não precisa de homem babão algum — enfatizou, grunhindo — do que ser um chorão resmun...

Tapei a boca da Grace e olhei para o Ian.

— Chega.

— É, chega! — concordou Mason, atirando-se para trás. — Será que vocês podem parar de brigar? — Olhou para Grace, antes de virar os olhos azuis para o amigo. — Ou focar em algo menos deprimente? — resmungou Mason, estalando a língua. — Por exemplo, é quase certo que a Cris vai ser transferida pra cá no ano que vem — numerou, olhando de um para o outro. — E nós estaremos no ensino médio, só três anos pra sair do colégio de vez. — Silêncio. — E os exames estão no fim, então temos férias pra aproveitar...

Ninguém falou nada, e tudo que se podia ouvir era o som das poucas conversas sobre exames pelo pátio. Mason suspirou.

— Não é como se ele fosse morrer, ele só vai sair do colégio — murmurou, finalizando.

Encarei os olhos perfeitamente azuis por detrás das lentes de vidro.

— E da cidade — acrescentei, em nada mais que um sussurro desanimado.

Mason sustentou meu olhar por tempo demasiado, em silêncio como era incomum da parte dele. Em seguida, pôs uma das mãos delgadas por cima do meu braço, como que em apoio, mas não disse mais nada.

Às vezes, eu sentia como se os olhos azuis cristalinos do meu melhor amigo pudessem ver minha alma.

Será que é isso amizade de verdade? Poder enxergar - enxergar mesmo - o outro?

Engoli em seco, pondo um fim na troca de olhares.

Ninguém disse mais nada até o professor chamar todos os alunos dispersos - que não eram tão poucos, diga-se de passagem - para o exame.

Alex sairia do exame dele enquanto estivéssemos na metade do nosso, e eu estava implorando para que ele nos esperasse. Ele provavelmente sairia com os amigos dele, porque todos estavam saindo do colégio, para comemorar. Nos demais dias, eles fizeram isto, talvez porque estavam percebendo que logo já não haveriam tantas saídas com todos juntos.

Mas hoje era meu último dia no colégio antes das férias, e eu não queria que acabasse. O pior era que a parte mais triste disso tudo nada tinha a ver com o Alex. Tinha a ver comigo.

O que vou fazer da minha vida sem ele?

Empurrei a garrafa d’água para longe, quase derrubando da classe, enquanto encarava minha prova metade em branco.

Um gole de água e parecia que eu havia engolido pedra.

Será tão errado querer tanto que ele fique?

Eu só queria que ele fizesse faculdade aqui na HFU, pelo menos, e se queria tanto sair da casa dos pais, podia morar em um apartamento no centro da cidade. E mesmo morando com os pais, ele mal os vê porque os dois trabalham o dia todo e, quando estão em casa, Alex os evita. Então para que ir para tão longe?

Eu não conseguia entender os motivos dele, e me recusava a acreditar que tudo isto era por causa do tal de Dean.

Poxa, eles nem se falam mais!

Por muito tempo, eu fiquei desejando que ele não passasse na faculdade de música que tanto quer na cidade natal dele. Óbvio que fiz isso me sentindo a pior pessoa do mundo, e o pior amigo. Ele quer tanto aquilo que eu não posso evitar querer também. Mas tampouco posso evitar não querer - por mim mesmo.

Meus desejos de nada adiantavam, no entanto, porque Alex tinha absolutamente tudo planejado. Ele deve ter pensado muito sobre tudo isto, ou seja, ele deve ter querido muito mesmo.

Alex não era a pessoa mais estudiosa do mundo e, como ele sempre alternava entre altos e baixos, suas notas também faziam o mesmo. Ninguém duvidava sobre sua inteligência e, por muitas vezes, nos ajudava com nossos trabalhos e tarefas, mas no que dizia respeito a prestar atenção em aula e lembrar-se dos trabalhos a serem entregues, Alex ficava para trás. Sem falar na matança de aulas.

Ele sempre foi muito inteligente, mas o que ele tinha de inteligência, também tinha de falta de vontade para fazer as coisas. É desleixado, preguiçoso. Nunca foi muito disciplinado para os estudos, e isso o deixou com receio de entrar na faculdade de música que tanto queria.

Só que o Alex, sendo o Alex e querendo tanto dar no pé daqui, até para isso tinha um plano reserva.

Os resultados só saem em janeiro — contou ele, semanas atrás, após ter viajado para fazer a prova de seleção para a faculdade. — O melhor seria que eu passasse direto mas não sei se vai rolar, chutei metade da prova — reclamou, preocupado, ao soltar a fumaça do cigarro. Meu coração encheu de uma esperança egoísta até que ele a rompesse: — Mas então eu vou ter que fazer algum curso preparatório em Mallow Coast mesmo, enquanto trabalho no turno contrário. O problema é que são caros e eu ia precisar da grana dos meus pais — fez uma careta —, o que é o último que eu queria, mas se eu encontrar um emprego bom, eu mesmo posso pagar.

Parecia que o futuro dele: estudos, empregos, onde morar, com quem compartilhar a vida; tudo isto ficava em um segundo plano. O primeiro era fugir dos pais.

À esta altura do campeonato, eu já nem me preocupava em entender, tendo uma certeza de que nunca entenderia.

— Acabou o tempo, pessoal.

Nem me fala!

Nosso tempo está mesmo acabando.

Suspirei, encarando a prova metade completa antes de entregá-la. Para ser sincero, eu não estava nem aí por não ter colocado tanto esforço nisto, já que eu reprovei por pouca nota. As questões que eu resolvi deviam ser o suficiente para que eu passasse.

Ignorei o olhar interrogativo da professora.

A primeira coisa que fiz foi procurar pelo Alex quando saí porta afora. Fiz um raio-x completo do pátio com meus olhos, buscando por ele em alguma parte, sem muito sucesso.

Tudo o que eu conseguia pensar, de novo e de novo, era que dois anos se passaram com o Alex na nossa vida...

E não haviam sido suficientes.

— Relaxa. — Me sobressaltei, vendo Mason se materializar do meu lado, provavelmente percebendo meu estado atônito. — Sei que ele vai embora, mas isso vai ser no ano que vem. Não é como se o Alex fosse desaparecer no ar, como Ian faz parecer — julgou, dando uma olhada desaprovadora na direção do amigo, que estava ocupado revisando as questões do exame.

Assenti, deixando os ombros caírem.

— Eu sei, Mason — murmurei, jogando minha mochila no banco onde estávamos mais cedo. — Eu sei.

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Isto não torna nada menos pior, quis falar, mas me calei.

— E aí, pestinhas?

Girei o rosto apenas para me deparar com Bruno, nos encarando com curiosidade. Me frustrei ao perceber que a pessoa abraçada com ele não era o Alex, mas o Jake.

— Cadê o Alex? — perguntei, quase como uma acusação.

Bruno arqueou as sobrancelhas grossas para o meu tom de voz, e pisquei algumas vezes, suavizando minha expressão.

Ownt, que amor — murmurou Bruno, olhando para cada um de nós como um pai aos filhos. — Eles ficam perdidos sem o líder deles — comentou para o Jake, que riu debaixo de seu braço.

Suspirei.

— Ele fez o exame, não fez? — questionei, alargando os olhos ao imaginar que talvez tenha faltado por algum motivo bobo.

— Fez, sim — respondeu Jake por ele, assentindo. — Mas não sei onde ele se meteu.

— Talvez esteja pitando atrás do ginásio — acrescentou Bruno, dando de ombros.

Assenti, olhando na direção do ginásio, embora não o pudesse enxergar dali.

— Vamos lá, talvez a gente encontre ele no caminho — convidou Grace, enlaçando o braço dela no meu, e eu assenti, me virando para pegar minha mochila.

— Talvez nós devêssemos ir lá — ouvi Bruno sugerir, risonho.

— No ponto de fumo? — questionou Jake, parecendo perdido. — Não vai me dizer que você fuma agora — deduziu, interrogativo.

Ouvi o risinho do Bruno antes de virar na direção deles, podendo então vislumbrar a expressão traquineira do mexicano.

— Não, eu faço outras coisas agora.

Desviei o olhar rapidamente, sentindo como se eu houvesse interrompido a conversa de um casal, e percebi que os demais fizeram o mesmo, se apressando em sair de perto dos dois. Ouvi Jake sussurrar rapidamente o que deviam ser reprimendas pelo tom de voz e forma como Bruno ria baixinho.

Embora eles parecessem surpresos, eu sabia melhor do que isto.

Alex havia me dito algo semanas atrás que deu a entender que a alma gêmea mexicana dele o havia trocado pelo outro amigo. Também sugeriu que os dois não fossem apenas amigos.

Foi essa conversa que me passou pela cabeça enquanto caminhávamos para atravessar o pátio, em direção ao ginásio escondido.

Talvez ele tenha encontrado a verdadeira alma gêmea dele, e não a falsificada como eu — reclamou, com um beiço, mas isso não durou muito antes de sorrir. — Não seria a pior coisa do mundo, não é?

Eu franzi o cenho, tentando entender do que ele falava. — O que isto quer dizer?

Alex deu de ombros, ajeitando-se no nosso banco de pedra de sempre. Eu não sabia que hora da madrugada era, mas sei que haviam passado das três quando ele me acordara e saímos pela minha janela.

Quer dizer que o Jake e o meu mexicano estão se entendendo de uma forma que eu e ele não nos entendemos — disse, simplesmente, com um sorriso mínimo. — Mas não é meu segredo pra contar.

Você quer dizer... — Eu parei uns segundos para pensar. — São mais do que amigos?

Alex sorriu largamente, mas nada mais saiu de sua boca, o que acabou sendo uma confirmação. E, apesar da surpresa inicial, aquilo fez um tanto de sentido. Passando tanto tempo com o Alex e os amigos dele, era impossível não notar a forma como o Bruno tratava o Jake e ponderar sobre.

Eu não acredito em almas gêmeas — comentei, por fim, quebrando o silêncio confortável.

Alex fixou os olhos em mim, quebrando o conforto. — Não?

Não. — Balancei a cabeça. — Somos pessoas inteiras, não estamos pela metade.

Na realidade, penso que fomos feitos para estarmos sozinhos e que as pessoas que aparecem no nosso caminho estão ali apenas para atrapalhar. Mas achei melhor guardar esta parte do devaneio para mim mesmo.

Isto trouxe um sorriso lindo para o rosto dele.

É o lógico, não é? — concordou ele, para a minha surpresa. — Eu também penso assim... — Inclinei o rosto para observá-lo, percebendo a falta de firmeza no que ele dissera, e então ele sorriu, parecendo estranhamente acanhado. Eu acho — finalizou, sorrindo amarelo. — É que a emoção acaba contrariando a razão quando você encontra alguém que te faz sentir como se... — Parou, parecendo pesar as palavras. — Como se o seu ser inteiro encaixasse no ser inteiro dele...

Pisquei, sentindo o coração parar de bater, embora fosse provável que era apenas uma impressão boba minha.

Alex fez uma careta. — Acho que é aí que você começa a pensar se você não foi feito para estar com alguém específico — finalizou, baixinho, mas senti como se as palavras gritassem.

Analisei-o por um momento, quieto, sem saber o que pensar ou sentir sobre aquilo. — Você já encontrou alguém específico?

No minuto que perguntei, me arrependi, mas já era tarde. De fato, eu não queria saber.

Alex sequer se mexera quando respondeu, com um indício de sorriso: — Não sei. — Os olhos da cor da escuridão à nossa volta sustentaram os meus quando perguntou: — Já?

Pisquei, voltando para a realidade de forma tão suave quanto o peso de um rinoceronte. Ian quase deslocou o meu braço quando parou, segundos depois de caminharmos, e nos puxou para pararmos junto dele.

Olhei para onde meu amigo gigantesco olhava, um tanto aliviado de ver que o Alex não desaparecera no ar, como Mason me garantiu. Mais tarde, eu me perguntaria se não teria sido melhor que ele houvesse desaparecido.

O alívio não durou um segundo.

Alex havia acabado de sair da sala da diretoria, do outro lado do pátio que atravessamos, ao lado de três pessoas. Uma delas era a diretora, a outra era uma professora e a terceira figura era uma muito parecida com o Alex. O pai dele.

Enquanto o homem bem vestido tinha uma expressão irritada e impaciente ao direcionar os olhos desgostosos para o filho, Alex parecia uma alma vazia.

Aquela expressão desolada despedaçou meu coração.

Os olhos dele focaram em nós, mas não parecia nos enxergar. Estava amuado, os braços estirados ao lado do corpo com uma mão em punho e a outra se remexendo com ansiedade. Uma ruga enorme se fazia visível entre as sobrancelhas escuras, a mandíbula estava cerrada e ele não parecia ouvir nada da conversa do pai com as duas mulheres. Os olhos escuros não pareciam ver nada, preso nos pensamentos que rodavam naquela cabeça perturbada.

Eu sei disso, eu o conheço.

Senti um aperto no peito e uma culpa gigantesca. Passei o dia todo achando que era o fim do mundo porque em algumas semanas ele vai seguir com a vida dele. Enquanto, na realidade, Alex tem muito mais problemas do que simplesmente ir ou ficar.

Havia tanto nas entrelinhas e eu havia ignorado, feito o perfeito egoísta que sou.

Quando ele virou para a diretora, que lhe encarava com piedade e dizia algo que parecia querer confortá-lo com um aperto no ombro, senti meu sangue gelar. Uma das faces do Alex estava visivelmente avermelhada e um vergão se erguia sob a pele tensa. Nem precisei estar lá para saber que o pai o havia batido, e possivelmente na frente das duas.

Um nódulo se formou na minha garganta e senti meu corpo formigar com aquela sensação cujo nome agora gritava na minha cabeça: impotência.

"Não gosto de como ele me faz sentir", havia me confidenciado. "Impotente."

Vi quando Bruno acenou e chamou pelo seu nome, também com a expressão preocupada. Alex encarou o amigo como se não o enxergasse de verdade e voltou os olhos para as duas autoridades, que se despediam de um pai bastante enfurecido e logo, do filho.

O Sr. Cunningham encarou Alex com tanto desprezo que eu senti como se aquilo fosse pior que um tapa na cara. Ele esperava por algo antes de caminhar e Alex compreendeu antes que eu, ao dar as costas e dirigir-se para a saída do colégio antes do pai, para que ele o seguisse. E o homem assim o fez, a passos largos.

Relanceei meus amigos, ouvindo as palavras deles que sequer faziam algum sentido na minha cabeça, enquanto murmuravam sobre o que podia ter acontecido.

Para mim, era óbvio. Talvez porque eu o conhecia o suficiente ou talvez porque Alex podia ser bem transparente quando não conseguia evitar. Mas os olhos escurecidos com desistência foram o suficiente para deixar óbvio para mim.

Pela tarde daquele mesmo dia, depois de tentarmos contatá-lo por horas, minha dedução foi confirmada com a chamada de vídeo em grupo do Ian.

— Alex reprovou.

Fechei os olhos, sentindo os ombros caírem, com a confirmação. Apesar de saber, eu esperava estar errado.

Grace foi a primeira a se indignar: — O quê??

— Eu falei que ele tinha reprovado — comentou Mason, depois de haver insistido na teoria correta.

— Mas como assim? — resmungou Grace, abrindo os braços, esbaforida. — A semana de exames nem acabou ainda!

— É, mas ele reprovou no exame de ontem. Se não me engano, era física.

— Mas foi por muito? — questionou Mason, aproximando-se da câmera com atenção. — Porque nosso colégio não é o mais exigente do mundo. Pra reprovar, ele tem que ter ido muito mal. Os únicos casos de repetentes no colégio desde...

— Aí é que tá! — reclamou Ian, relanceando a porta do quarto, ao interromper Mason. — Vocês não vão acreditar nisto.

— Desembucha, Ian — resmunguei, impaciente.

— Ele reprovou por muito pouco — revelou, e ouviu-se mais xingamentos da Grace. — Mano, a professora da matéria quis dar mais uma chance para ele refazer o exame e a diretora concordou!

— Como assim? — perguntou Grace, derrubando algo no fundo e juntando com rapidez. — Então qual foi o pepino?

— Meu tio — respondeu ele, suspirando. — Meu, ele bateu o pé dizendo que o Alex não refaria exame nenhum e nem a diretora conseguiu convencê-lo — contou, e eu quis matar esse desgraçado.

— Que desgraçado! — grunhiu Grace, verbalizando meus exatos pensamentos.

— Ele disse que se o Alex reprovou foi por culpa dele próprio — continuou Ian —, que ele não estuda, que só faz festa e que tem que reprovar mesmo pra aprender a “arcar com as consequências dos atos dele” — finalizou, fazendo as aspas com as mãos.

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— Nossa, que cara chato — resmungou Mason, por todos nós.

— Chato? — questionou Grace, estalando a língua. — Um filho da puta, isto sim!

— Eu sei, meu tio é um babaca — concordou ele, falando mais baixo para ninguém dentro da casa ouvir.

— A gente tem que fazer alguma coisa! — insistiu Grace, quase pulando na cadeira.

— É, mas o quê? — retrucou Ian, bufando. — Até a minha mãe tentou se meter no assunto e fazer meu tio mudar de ideia, mas ele não vai ceder de jeito nenhum.

Enquanto eu sentia meu coração ficar cada vez mais minúsculo no meu peito, murmurei, preocupado: — A gente tem que ir lá com ele.

— Também acho — concordaram Grace e Mason, praticamente ao mesmo tempo.

Ian negou, balançando a cabeça. — É melhor não, Caleb — murmurou, desanimado.

— Por quê?

— Ele tá muito mal — falou, e eu senti minha visão embaçar. — Eu fui com a minha mãe até lá, mas ele se trancou no quarto e não quis sair de jeito nenhum.

Joguei-me para trás, na cama.

— E a mãe dele, Ian? — questionou Grace, com a voz piedosa.

— Ela tá do lado do Alex, mas eu duvido muito que ela vá enfrentar o meu tio sobre isso — resmungou, frustrado.

— Puta merda! Coitado do Alex, cara! — lamuriou Grace.

— Pois é — concordou Mason. — É nessas horas que eu tenho mais é que agradecer por ter só minha mãe e nunca ter precisado de um pai desses.

— Meu pai é maravilhoso, mas se fosse para ele agir assim, eu preferia não ter também — acrescentou Grace, gerando concordância dos demais.

Ian bufou no fundo.

— Cara, eu não entendo por que ele é assim, sabe? — comentou, irritado. — É por coisas como essa que minha mãe e meu tio vivem brigando, e isto que ela é irmã dele!

Ugh, como é que a mãe do Alex aguenta esse cara também, né? — questionou, desgostosa, antes de mudar o tom de voz para um preocupado: — Será que ele é abusivo?

Ian ficou uns segundos em silêncio, provavelmente pensativo, antes de responder: —Será? — perguntou, incerto. — Acho que não. Nunca vi meus pais falarem sobre isso, e olha que minha mãe vive falando mal do meu tio!

Argh, Ian, os seus pais não sabem de tudo! — reclamou Grace, impaciente. — Não é porque eles não sabem que não é verdade! Deixa de ser burro!

— Você não perde uma oportunidade de vir me xingar, né, garota? — reclamou ele, fazendo muito barulho ao levantar e a cadeira ser empurrada para trás. — Quer saber? Aqui eu posso calar você, então até nunca mais, coisa feia!

Ian desligou a chamada antes que Grace retrucasse, e como ela retrucou!

— Não precisamos desse bebezão — resmungou, embora o tom da voz não dissesse o mesmo. Então, suspirou. — Queria que a gente pudesse fazer algo...

— É, eu também — concordou Mason. — Acho que deve ser o pior ano pra reprovar: o último. Ele quase conseguiu sair do colégio, mas acabou tendo que ficar. Eu não sei o que eu faria, acho que eu desistiria de vez! — ponderou, a voz aterrorizada pela simples ideia.

— Pior, né? — murmurou ela, desanimada. Depois de uns segundos em silêncio, chamou: — Caleb? Tá vivo?

Suspirei, quieto.

— Vivo ele tá, eu tô ouvindo a respiração dele.

— É, mas eu só vejo o teto faz uns dez minutos — disse Grace, se referindo ao meu celular largado ao meu lado na cama.

— Acho melhor a gente desligar — sugeriu Mason, provavelmente entendendo meu estado de espírito melhor do que eu.

Nem percebi quando os dois finalizaram a chamada. Quando dei por mim, meu quarto estava em total silêncio, com exceção dos meus pensamentos.

Minha cabeça gritava.

Se eu pensava que ver o Alex indo embora para longe de mim era a pior sensação do mundo, eu estava muito enganado. Ver a expressão de completa desolação em seu rosto e saber que era exatamente isto que ele estava sentindo era a pior sensação do mundo.

Tudo o que ele estava planejando há anos e tudo pelo que ele estava esperando com tanta impaciência havia sido pausado por um ano.

Um ano a mais com o Alex parecia uma dádiva para a gente, mas um ano a mais para viver angustiado da forma como vivia era um castigo para ele. E era exatamente isto que essa reprovação representava: um castigo.

Que tipo de pai odeia tanto o filho para castigá-lo dessa forma?

Ele teve todas as chances do mundo vindas do colégio para que o filho não tivesse que passar por isto. Foram entregues nas mãos daquele homem as oportunidades para que o filho não empacasse na vida por um ano e seguisse o rumo dele, conquistando todas as coisas maravilhosas que tinha para conquistar.

E eu sei - eu sei! - que o Alex pode conquistar o mundo.

Qual o problema do pai dele que não o vê assim?

Eu nem sei quem eu devia odiar mais, o pai dele ou eu mesmo, por haver desejado tanto isto. Eu havia desejado mal a ele e agora era exatamente assim como ele estava: mal.

Eu sequer tinha coragem de mandar mensagens de apoio, de tão merda que eu estava me sentindo. E não é como se ele fosse responder, já que todos haviam mandado mensagens e ligado, mas Alex havia se aprisionado naquele quarto sem nada nem ninguém conseguir ultrapassar.

Isto durou dias.

Eu sabia que ele estava surtando e desejei, a todo instante, que eu pudesse surtar no lugar dele.

*

(...)

Me recordo de sentir que o que estava acontecendo era exatamente isto: uma condição.

Uma condição a um pedido, uma reação a uma ação, uma penitência a um crime. Como um passe de mágica, eu havia ganhado um ano extra com o Alex, mas é como diz o ditado: toda magia tem um preço.

Tudo tem um preço, e o preço do meu tempo com o Alex seria ele a pagar.

Foi a primeira vez que eu senti na pele, embora ainda não soubesse, a complexidade do amor em sua mais pura forma. A beleza trágica de receber o que mais queria no mundo e não ter capacidade de sentir-se feliz por isto.

Porque este é o amor que filmes muitas vezes falham em representar.

Amar alguém é querer mais do que nada no mundo estar com esta pessoa. É querer tanto isto que este parece se tornar o motivo da sua existência, o motivo pelo qual seu coração bate e o motivo pelo qual você respira. É querer tanto que você fica louco. É querer tanto que sua mente surta e seu corpo dói. É querer mais do que qualquer coisa neste mundo.

Só que não.

Não, porque amar alguém é querer o bem desta pessoa acima de tudo. Amar é querer a felicidade de quem você ama acima do que você quer, mesmo que as duas coisas não batam.

É isto mesmo que você entendeu: essa porcaria não faz o menor sentido!

"Você quer estar com ele" mais do que qualquer coisa, "você quer que ele seja feliz" mais do que qualquer coisa, "você quer que o que você queira não interfira em nada" mais do que qualquer coisa.

Que porra!?

Como pode ser que amar é querer a felicidade dele sem importar o que você quer, sendo que isto já é um desejo seu?

Bom, eu avisei.

O amor é a personificação da complexidade.