Made of Stone

XVIII. De todas as amizades do mundo


Despertei em um susto com o despertador, abraçado em Waltney.

O urso de pelúcia tinha o tamanho de um travesseiro gordo, e era tão peludo que eu podia sentir os meus cabelos, úmidos de suor, na parte em que apoiei nele. O bichano tinha uma cor bege e clara, quase como um branco, a parte interna das orelhas redondas e grandes eram de um marrom escuro, bem como o focinho. Me desencostei da barriga gorda dele, na qual eu havia apoiado meu rosto para dormir na noite passada.

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Resmunguei, calando o celular que gritava.

Em seguida, sentei-me na cama, desorientado como sempre fico logo após despertar. Encarei os olhos verdes de Walt Disney, que me encaravam de volta, como um espelho.

Eu tava pensando no que seria o melhor presente do mundo — disse Alex, no dia do meu aniversário. — E eu pensei: o Caleb! — concluiu, abrindo a boca em falsa surpresa. — Então eu comprei para você sua versão de pelúcia. Coloquei o nome de um desenhista, como você. Caleb — pronunciou com carinho, tirando o urso que estava escondido às suas costas e quase enfiando-o na minha cara —, conheça o Walt Disney. Waltney, esse é o Caleb, sua versão humana.

Soltei um riso ao me lembrar, encarando o Waltney na minha cama.

Na semana passada, eu pude me vingar. Comprei um urso com as cores contrárias às minhas, inclusive suspeitei que ele havia comprado na mesma loja, e entreguei no seu aniversário a versão de pelúcia do Alex.

Eu sabia que você ia fazer isto! — acusou, rindo, ao abraçar sua versão de pelúcia. — E então, qual o meu nome?

Se tratava do Axl Rose. No fim, eu escolhi aquele nome porque havia um pôster do cara no quarto do Alex, e porque a vida dele se resumiu em música. No fundo, eu esperava que a do Alex também.

Nasceu, então, o Axlose, porque Alex insistiu em juntar os nomes como o Waltney.

Isso quer dizer que você também me considera o melhor presente do mundo?

Presente de grego, só se for — retruquei, mas nada tirou o sorriso zombeteiro do seu rosto.

Balancei a cabeça, jogando Alex para o fundo dela, antes de levantar da cama e me preparar para mais um dia de aula.

Devia ser apenas mais um dia comum, não é?

Não é.

Foi o dia da briga colossal no colégio.

Três meses haviam se passado desde o incidente da maconha, que pôs dois dos meus amigos em castigo, enquanto eu levei só uma bronca. Três meses sem nenhum incidente marcante. Tanto meu aniversário quanto o de Alex, que foi neste mês, haviam passado, e no próximo viria o do Ian. As curtas férias do meio do ano já haviam passado também, infelizmente.

Quando cheguei nos portões do colégio, Cristina estava lá, conversando com Mason em um canto ao passo que Ian e Grace apenas assistiam, em outro canto. Pareceram aliviados de me ver.

— Graças à deusa da justiça, Caleb, você me poupa de ficar sozinha com este embuste — agradeceu Grace, referindo-se ao emburrado Ian ao lado dela.

— O que foi que eu fiz dessa vez? — questionou, ofendido. — Eu nem disse nada. Doida!

— Porque eu não deixei — retrucou, fuzilando-o com o olhar.

Ian revirou os olhos.

— É, não deixou — resmungou, chateado. — Nunca me deixa falar nada.

Revirei os olhos.

— De novo, vocês tão brigados?

Às vezes, havia um período de paz entre os dois. Uma ou duas semanas que não se implicavam ou apenas ignoravam um ao outro, mas logo retornavam a discutir todo santo dia.

Grace e Ian reinventaram o significado de “começar com o pé esquerdo”.

— Cadê o Alex? — perguntei, surpreso que Ian tivesse chegado antes do primo, já que é o mais atrasado do rolê.

— Sei lá, ele anda estranho essa semana — resmungou, encarando Mason como se fosse perfurar um buraco no loiro, como se assim pudesse fazê-lo materializar-se ao seu lado.

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Estranhei, pensando a respeito.

Alex, por vezes, tem uns dias ruins. Fica só em casa, dormindo; ou fica de mau humor com a gente, reclamando até do sol que nasceu errado; ou ainda, fica estranho e distante, apesar de estar aqui, de forma entristecida.

Aposto que ele nem vai aparecer para a aula, já que vive matando.

— Caleb, o que você acha dessa garota?

Pisquei, encontrando os olhos castanhos de Grace em mim.

— Hum, a Cristina?

— É — explicou, rapidamente, encarando a ruiva de longe. — As poucas vezes que ficou com a gente, ela mal conversou, a não ser com o Mason.

Dei de ombros, já acostumado.

— Sei lá, ela é estranha — concordei, não me importando. — Mas o Maze também é.

— E vocês não? — debochou Ian, ácido.

Revirei os olhos.

— Nós também — concordei, impaciente. — Mas aqueles dois — falei, apontando para o casalzinho — tem uma linguagem própria que nem a gente entende.

Ian riu. — Eles fazem parte de uma sociedade secreta dos gamers detetives de internet — brincou, e eu tive que rir, concordando.

— Do que vocês tão falando? — questionou Grace, perdida, olhando de Ian para mim.

— Ué, você nunca viu o Mason falar sobre isso? — Virei-me para ela. — Ele vive tagarelando a respeito dos jogos, das informações que eles dividem, dos seus informantes, de fulano que é amigo de ciclano que descobre tudo o que ele pedir.

Grace franziu o cenho, pensando a respeito. — Sim, mas sempre achei que ele tava brincando — admitiu, incrédula.

Neguei, rindo.

— Mason não brinca sobre essas coisas.

— Mason não brinca sobre quase nada — acrescentou Ian, gargalhando. — Às vezes, ele nem entende ironia.

Grace sorriu.

— Sinceramente, eu acho ele incrível — confessou, olhando-o de longe. Ian e eu nos entreolhamos, estranhando. Ao perceber, Grace apressou-se em dizer, com uma careta: — Não desse jeito! Não penso em nenhum de vocês desse jeito — enfatizou, por via das dúvidas.

Ian soltou um muxoxo.

— Quem se importa? — retrucou, sem se aguentar. Apontou para nós. — Nenhum de nós pensa em você desse jeito.

Arqueei uma das sobrancelhas, duvidoso quanto ao Ian.

— Espero que tenham percebido que o sinal soou uns dois minutos atrás — falei, como quem não quer nada, para acabar com o assunto. — Vamos logo.

Dei as costas, não mais suportando aqueles dois.

Desconfiava que o Ian sentisse algo pela Grace, por isto sempre parecia chateado com as coisas que ela dizia para ele, mas não tinha tanta certeza sobre a Grace.

E para ser honesto, eu entendo o que ela quer dizer sobre o Mason. A forma como ele desenterra informação alheia é meio perturbadora, mas não deixa de ser incrível. A gente deixa passar isto no dia a dia, porque para nós, ele é apenas nosso amigo. Mas eu sei que no mundo virtual dele, Mason tem uma importância maior do que a gente imagina.

*

Como eu deduzi, Alex não havia aparecido no colégio, e quando perguntamos por mensagem, ele afirmou estar com preguiça. Não era tão incomum, mas eu imaginei que ele podia acabar reprovando por frequência em algum momento.

Na hora do intervalo, não fizemos nada de muito diferente. Depois de ir até a cantina do colégio pegar algo para comer, retornamos para os corredores, sentando em um dos bancos de madeira para conversar.

O nosso colégio é extenso em terreno, porque tudo fica no térreo; não existe segundo nem terceiro andar. Os corredores das salas de aula, em um geral, são abertos para o pátio. Como o sol estava quente, então nem valia a pena ficar perto do chafariz, onde não tinha cobertura.

— Eu queria conhecer melhor sua namorada, Mason — pediu Grace, em algum momento, ao cutucá-lo. — Por que não fazemos algo, todos juntos?

Mason ficou da cor de um tomate, como de costume. — Ela não é minha namorada! — defende, como sempre, mas nunca perde a graça.

Ri, junto do Ian, mas Grace dá de ombros.

— Tá, tudo bem — resmunga, impaciente. — Mas nenhum de nós a conhece direito. Vamos fazer algo juntos!

— A gente já fez várias coisas juntos — apontou Ian, do outro lado de Grace, fazendo-a virar para ele. — Se a garota é reservada, deixa ela.

Grace revirou os olhos, dando um peteleco na cabeça do Ian, o que eu pensava ser o passatempo favorito dela.

— O que você sabe? — reclamou, estalando a língua. — É muito chato ser a única garota no meio de um bando de macho — desabafou, dramática. — Eu só quero uma amiga!

Acabei rindo, achando graça.

— Ri na minha cara, Caleb — ameaçou ela, como provocação.

Eu apenas ergui as mãos, na defensiva.

— Podemos fazer algo — pronunciou Mason, por fim, ao empurrar os óculos para cima.

— Obrigada! — agradeceu, escandalosa, ao puxar o rosto de Mason e estalar um beijo em sua bochecha.

O loiro ficou todo sem jeito, e gargalhamos ao perceber, inclusive a própria Grace.

— Trocou de time, foi?

Demorei a perceber que a voz não foi de nenhum de nós, e sim, do garoto que havia parado em frente ao nosso banco, no corredor aberto da sala de aula. Alto para a idade, cabelos e olhos castanhos, e uma vibe ruim que exalava de longe.

Fechei a cara no mesmo instante, deparando-me com a expressão debochada de Bruce, que ria com seus dois amigos, dispostos ao seu lado direito.

— Ou você só tá fingindo gostar de mulher? — continuou ele, os olhos castanhos altivos por sobre o Mason, antes de fazer uma careta para Grace. — Se é que dá para chamar essa daí de “mulher”.

Ian, Grace e eu levantamos do banco praticamente ao mesmo tempo, enquanto Mason ficou travado da forma como sempre fica quando mexem com ele. É como um pane no sistema ou um estado de choque do qual ele não consegue sair.

Eu queria tanto fazer aquele garoto sangrar que nem eu me reconhecia. Só que desta vez, eu não era o único.

— O que foi que você disse? — perguntou Grace, a voz trêmula de ódio. — O que foi que disse para o meu amigo?

Os três riram, como se fôssemos uma grande piada.

— Que bonitinho, ela ainda defende — disse um deles, Perth, fazendo Bruce gargalhar.

— Ela não é única, idiota — grunhiu Ian, também de saco cheio daquilo.

O único motivo para ele estar ali enchendo o saco depois de tanto tempo era porque o Alex não estava com a gente, e nenhum dos colegas dele. Depois da humilhação que Alex causou para ele na sua primeira semana aqui, ele passou a evitar chegar perto.

Bruce devia ter percebido que ele não estava no colégio. Era apenas na ausência dos mais velhos que ele esbarrava em Mason, ou comentava alguma coisa, mas desta vez, parecia querer mesmo humilhá-lo.

— Ui, é triângulo amoroso? — perguntou ele, referindo-se aos três.

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Revirei os olhos.

— Por essa coisinha? — questionou um deles, Simon, referindo-se a Grace, o que fez meu sangue vibrar de ódio.

— Não, não deve ser — ponderou ele, inclinando o rosto com os olhos fixos em Mason. — Os dois devem estar querendo o nerd.

Soltei um riso involuntário, com escárnio, o que chamou a atenção dos três.

Aquilo era tão ridículo!

— Com tanta fixação no "nerd"— pronunciei, usando das palavras dele —, quem deve estar querendo ele é você. — Bruce fechou a cara, dando um passo em frente para me intimidar. Não conseguiu. — O que foi? Não gostou da concorrência?

Dei um passo em frente também, mas Mason pareceu despertar-se do choque, apressando-se em fechar a mão trêmula em meu braço, levantando-se de forma encolhida no mesmo instante.

Eu sabia o que os olhos azuis me diziam, porque eu já sabia interpretá-lo, e era o mesmo de sempre: “não devemos fazer nada, porque se eu quiser, eu uso tudo o que descobri do Bruce contra ele, porque eu sei sobre muitos podres”.

Só que ele nunca o fazia.

— Por que não repete isso na minha cara, seu esquisito da porra? — chamou Bruce, sem mover-se, como um pedido de que eu fosse até ele.

Ele parecia certo de que me derrubaria com um soco. E provavelmente, me derrubaria mesmo.

Mas eu não estava nem aí.

O negócio sobre discussões é que uma vez que você começa, fica difícil desacelerar. Inclusive, era provável que eu acabasse com a cara quebrada, mas não resisti a provocação e soltei outra.

— Eu não, não quero arriscar que me beije — provoquei, mas foi irresistível.

Pude ver quando ele fechou o punho, e eu estava certo de que ele estava imaginando-o afundar em meu rosto.

— O cara quer apanhar — concluiu Perth, rindo.

— Eu posso quebrar ele? — pediu Simon, para o Bruce.

— Você precisa de permissão? — retrucou Grace, rindo, fazendo o garoto fechar a cara.

— E você precisa de um bom jeito para aprender onde é o seu lugar — interrompeu Bruce o que Simon iria responder, virando-se para ela e esquecendo de mim.

Grace trincou a mandíbula, começando a perder o controle.

— Que merda isso quer dizer? — grunhiu, alto, chamando atenção dos demais que não viram a discussão. — Responde!

No instante seguinte, ela o empurra, causando uma tensão entre todos nós, inclusive nos dois amigos do Bruce. Deram passos para frente, ao mesmo tempo em que eu e Ian também o dávamos, para mais perto de Grace e Mason, que estavam lado a lado.

— Eu vou te dar só uma chance para sair daqui, coisa feia — pronunciou, com nojo, para ela —, ou eu vou esquecer que você é uma garota — ameaçou ele, com a voz controlada.

— Experimenta — provocou Ian, em um tom ameaçador.

— Parem! — pediu Mason, inquieto. — Deixem para lá, vamos sair daqui — implorou, com a mão puxando o braço de Grace, mas ela não se moveu.

— Você só vai sair aqui quando eu mandar, viadinho de merda — interrompeu Bruce, calando Mason em meio segundo.

— Por que você não se mete com alguém do seu tamanho? — retrucou Grace, furiosa, ignorando por completo o murmúrio baixo de Mason que pedia para deixar quieto.

Bruce pareceu realmente irritado desta vez, como se ela não tivesse nem o direito de lhe dirigir a voz. Senti um fundo de preconceito com relação a ela, ainda maior do que o simples fato de ser uma garota ou de ser uma excluída, como nós. Não me impressionaria que ele fosse racista, além de machista e homofóbico.

Eu já percebi que o mais comum é a pessoa carregar toda a podridão preconceituosa junta, todas de uma vez. E desta vez, quem estava com nojo era eu.

— Eu já não te falei que... — começou, encarando-a com nojo, mas Grace interrompeu.

— E vai fazer o quê, pedaço de merda?

Grace empurrou-o mais uma vez, antes que eu pudesse impedir, porque sabia que ele não ia deixar barato desta vez. Estava escrito na cara raivosa dele. Segurou-a pelo braço antes que ela se afastasse.

— Eu te avisei.

Ele chegou a erguer a mão para ela, mais rápido do que meus reflexos, mas hesitou, talvez porque ela era uma garota e fosse mais difícil jogar a culpa nela pela briga do que jogar a culpa no Mason. Ninguém acreditaria nele, e tínhamos testemunhas ao redor, amontoadas com curiosidade pela discussão que eles iniciaram.

Bruce hesitou, e no segundo que hesitou, levou um soco no rosto.

Foi como tudo começou, em uma espécie de câmera lenta.

Se eu tivesse com menos raiva, talvez teria tempo para ficar chocado com a maneira como Grace acertou em cheio as fuças dele, mas não foi o caso.

Quando Bruce ergueu os olhos para ela, com a mão no nariz, deu para perceber que qualquer hesitação havia sumido por completo. Ian não deu sorte ao azar, desta vez, e o empurrou no minuto que ele deu um passo em direção à nossa amiga.

Mais alto e mais forte que ela, fez com que Bruce batesse as costas na parede com o empurrão. Não pude me juntar a ele, porque os dois amigos do Bruce se ocuparam do Mason, puxando-o pela camisa para longe da gente, ao passo que ele esperneava. Apressei-me para puxar meu amigo pelo braço, e precisei chutar a canela de um deles para que o liberasse. Perth se agachou pela dor, e Mason aproveitou a deixa e pareceu criar coragem ao ver que a merda já estava feita, pulando nas costas dele com o braço magricela em torno de seu pescoço.

Mal tive tempo de finalizar o pensamento sobre ajudá-lo quando senti um baque nas costas pelo corpo do outro, Simon, que me puxou para trás, circulando meu pescoço com seu braço de maneira parecida com que Mason fez com seu amigo.

Diferentemente do Mason, no entanto, este garoto era forte.

Me debati, no desespero, ao sentir meu pescoço ser pressionado, o que acabou levando nós dois ao chão, seu corpo amortecendo a minha queda. Como ele não afrouxou o aperto, ergui as duas mãos e levei os polegares ao seus olhos, o que o fez soltar-me com um arquejo, empurrando-me para longe em um instante.

Nem tive a chance de sentar completamente antes de sentir o baque do corpo do Mason sobre o meu, gemendo de dor. Havia sido empurrado.

Caramba, briga física é mais difícil do que eu pensava!

Nem conseguir levantar a gente consegue. Patético!

Atrás dele, vi que Grace havia pego um dos livros do Mason e acertado a cara do garoto que o empurrou para mim, o tal do Perth. No mesmo instante, Simon fechou ambos os braços em torno de Grace, levitando o corpo dela ao puxá-la para trás. Me levantei, empurrando Mason para o lado sem muita delicadeza, antes de ir ajudá-la, mas Perth não permitiu.

O infeliz me bloqueou com o punho.

Eu nunca havia levado um soco na vida, e odiei.

Não é nada como nos filmes.

Apesar de haver acertado meu nariz, meu rosto inteiro formigou de uma maneira nada legal, e eu senti como se meu cérebro houvesse chacoalhado dentro da minha cabeça. Desnorteado, senti quando ele empurrou contra a parede, minhas costas latejando pela dor, apenas para socar meu estômago.

Juro que senti meu lanche subir até a garganta e voltar.

Ian, que estava até o momento embolado em uma briga à parte com Bruce, se livrou dele o suficiente para puxar o garoto de cima de mim e jogá-lo no chão. Bruce, no entanto, pulou nele no instante seguinte, e os dois rolaram no chão na base dos socos, que chegavam a doer em mim.

Um só já havia acabado comigo, imagina uma dúzia!

Escorreguei até o chão, exausto, e os olhei a tempo de ver Simon se agachar com o nariz sangrando porque Grace havia lhe dado uma cabeçada para se livrar do aperto. E Mason literalmente mordeu o braço do outro garoto, que guichou de dor, antes que interferissem.

E foi assim que acabou, de forma contrária a que começou: rapidamente, como quando você coloca um vídeo em velocidade máxima. Logo, estávamos todos separados e arfando.

Nossa briga havia chamado suficiente atenção para que houvessem espectadores, mas foram os amigos do Alex que se intrometeram para nos separar. Bruno e Jake separaram Bruce e Ian, com certa dificuldade, Annelise amparou Mason e me dirigiu um olhar preocupado enquanto Faye amparava Grace, dirigindo um olhar ameaçador para o garoto que havia estado, por último, batendo em Mason.

Simon não havia parado de sangrar e tampouco retornou à briga depois disto, permanecendo apoiado na parede, tentando fazer com o que o nariz parasse de escorrer. Perth, arfando ao esfregar o braço que Mason havia injuriado, tentou ajudar o amigo.

— O que tá acontecendo aqui?

Mal haviam nos separado quando os professores nos alcançaram, um nos dando bronca, outro perguntando o que havia acontecido e outro berrando com os outros para que fossem para suas classes.

Bruno me ajudou a levantar, preocupado, ao analisar o meu estrago com cautela. — Você tá bem — pronunciou, e não foi uma pergunta, parecendo satisfeito, antes de sair, contrariado, como lhe fora ordenado.

Assenti, limpando o pouco sangue do meu nariz, que latejava e fazia latejar toda a minha cara. Como tudo havia acontecido, eu já nem lembrava. Sequer conseguia raciocinar direito, com as mãos trêmulas, a respiração apressada e o corpo agitado pela adrenalina que ainda corria pelo corpo.

Eu duvidava se me dissessem que a briga durou mais de três minutos, mas aqueles poucos instantes foram o suficiente para acabar nos ferrando.

E eu não me refiro ao físico.

*

Três meses haviam se passado desde a última proeza e nos encontrávamos na sala da direção do colégio mais uma vez.

Sentados um ao lado do outro em um compartimento separado dos outros três garotos, como que em castigo, ficamos em silêncio, digerindo o que havia acontecido. Em ordem, eu, o Ian, o Maze e a Grace.

Eu colecionei hematomas nas costas e no rosto, um nariz inchado, joelhos e cotovelos esfolados e uma dor insuportável no estômago. Mason segurava os óculos quebrados nas mãos, mal conseguia mexer o punho direito, tinha o olho esquerdo inchado e os lábios cortados, e alguma coisa o acertara na testa, pelo acúmulo de sangue ali, tingindo os fios loiros. Grace, por fim, tinha o punho esfolado dos socos que deu, o topo da cabeça cortado por haver acertado, também, os dentes do garoto, e também tinha escoriações como as minhas, dos tombos.

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De todos, Ian era o pior.

Havia sangue em diferentes áreas de seu rosto e a pior era a da bochecha, que havia sido literalmente cortada com um soco, segundo ele. Um dos olhos estava bem inchado, e possuía semelhantes e mais machucados que os nossos.

Apesar de tudo, do que ele reclamava mesmo era da dor nas costas, feito um velho.

— Obrigado — murmurou Mason, em algum momento, quebrando o silêncio. Tinha os olhos azuis fixos no óculos quebrado, e estava estranhamente quieto, o que era incomum.

Os três estavam dentro da sala da diretora naquele instante, enquanto esperávamos a nossa vez, e os nossos pais.

— Obrigado a todos, na verdade — resmungou, mas ergueu os olhos azuis e míopes para a Grace, em específico, ao seu lado. — Mas principalmente a você. Não precisava ter feito aquilo.

Grace suspirou, apoiando a cabeça na parede atrás do assento. — Precisava, sim — discordou, olhando para ele. — Você é meu amigo.

Mason desviou o olhar novamente para seu colo, quieto.

— O único que me arrependo é de não ter feito isso antes — resmungou Ian, ainda com raiva do Bruce, ao verbalizar como eu me sentia.

— Idem — concordei, batendo o ombro no dele.

Mason negou.

— Vocês não precisavam se meter, o problema começou comigo — disse, baixinho, sentindo-se culpado.

— Não — retrucou Grace, antes que nós o fizéssemos —, o problema começou com aquele garoto. Isso se chama bullying, Mason, e não se vence o bullying ficando calado.

Mason deixou a cabeça cair para trás, com o orgulho ferido. — Mas eu podia lidar com isso do meu jeito — insistiu, como sempre o fazia.

— Não, não podia — afirmou ela, dura. — Eu sei bem como é estar no seu lugar, então eu também sei do que estou falando.

Todos giramos o rosto para ela, que desviou o olhar.

— Mas eu...

— Mason — interrompeu ela, calando-o. — Você sempre quis saber o motivo de eu haver ser expulsa, e eu nunca quis contar. Primeiro, porque não confiava totalmente em vocês ainda — admitiu, erguendo o primeiro dedo. — Segundo, porque não sabia se vocês entenderiam. — Levantou o segundo, antes de fechar a mão, e suspirar. Focou os olhos castanhos nos de Mason. — Talvez, agora, vocês entendam.

Todos olhamos para ela, atentos.

Grace ainda levou alguns segundos para começar a relatar o ocorrido, e eu podia dizer que aquilo ainda a incomodava.

— A verdade é que eu fui expulsa depois de um colapso nervoso que, segundo minha terapeuta, só aconteceu depois de anos de bullying e abuso escolar — soltou, de uma vez só, rapidamente.

Vi que Mason desviou o olhar, engolindo em seco.

Ora, aquilo explicava a dimensão da revolta dela para com os agressores do Mason.

— Elas não eram as únicas a me incomodar, mas eram as que sempre o faziam — continuou, sem coragem de nos olhar. — Essas duas garotas me infernizavam a vida todo dia, e quando elas me humilharam naquele dia, eu senti tanta raiva que achei que fosse explodir. Nada mais importava na minha vida além do ódio que eu tinha delas naquele momento — contou, baixinho. — Joguei uma cadeira para cima delas e acertou uma — explicou, sobre a agressão física como motivo de expulsão. — O colégio colocou toda a culpa em mim, não reconhecendo o bullying que acontecia por lá, o que é bem irônico — acrescentou, soltando um riso sádico —, já que haviam cartazes preventivos por todo o colégio, e me suspenderam por uma semana. Eu fiquei com tanta raiva!

— Não é pra menos — comentei, porque aquilo era a definição de injustiça.

— É, que bando de hipócritas! — concordou Ian, estalando a língua com indignação.

Eu gostei que apesar de brigarem feito gato e rato, Ian a defendeu durante a briga, concordou com ela e ainda se indignou por ela com o ocorrido no colégio anterior.

Mais para frente, eu veria que era sempre assim. Não haviam picuinhas suficientes entre eles que os impedissem de estar entre a gente, de defender um ao outro e de nos apoiar. Quando se tratava da nossa amizade, o ódio passava a um segundo plano.

— Eu sei — assentiu ela, ao passo que Mason continuava em silêncio, encolhido. — Mas nada do que eu dissesse importava. Foi por isto que eu apareci lá no primeiro dia da suspensão — compartilhou, retornando ao relato. — Eu tava fora de mim. Não tinha dormido, não tinha comido, não tinha descansado. Entrei escondida, arranquei os cartazes sobre o bullying e pichei os que não consegui — numerou, chateada. Então, arqueou uma das sobrancelhas com um sorriso maldoso. — E a melhor, que resultou ser a pior parte: eu já havia me vingado de uma com a cadeira, mas faltava outra. Então, eu esperei por ela, sabendo que ela sempre saía durante as aulas para ir no banheiro. Eu a encurralei e enfiei a cara dela na privada, exatamente da mesma forma que ela fez comigo durante três anos. Foram vinte e sete vezes em três anos — contou, baixinho —, sei disso porque eu não esqueci nenhuma delas.

À este ponto, estávamos todos em silêncio, sem saber o que dizer, apenas ouvindo.

Eu sei que não se combate violência com violência, mas não senti um pingo de dó de nenhuma das duas. Apenas de Grace, que viveu agressões piores do que as que a gente acompanhava de perto do Mason.

Fiquei até me sentindo culpado por não haver iniciado aquela briga muito antes. Tudo bem que a gente não deixava o Mason fazer muita coisa sozinho. Até quando ele ia no banheiro no meio das aulas, a gente dava um jeito de ir junto, para evitar que algo assim acontecesse.

Mas não era o suficiente.

Nunca foi.

Grace suspirou. — Não vou dizer que eu já me arrependo por completo, mas eu sei que eu fui extrema — defendeu, remexendo as mãos. — Mas até hoje eu me pergunto o porquê de eu ter ficado tanto tempo calada. Não precisava ter chegado àquele ponto — murmurou, pela primeira vez pondo os olhos na gente. Em especial, no Mason, mas eu também senti a indireta. — Chegou porque eu não tinha em quem confiar. Não tinha amigos, não tinha o apoio do colégio, e... — Suspirou, engolindo em seco. — Não queria ser um estorvo pro meu pai.

Todos olhamos para o Mason.

— Eu não sei quanto ao colégio, Mason, mas você tem amigos — disse ela, chamando sua atenção ao pôr uma das mãos em seu braço. — Vários deles. Bom, você pode ver — acrescentou, com um riso, ao apontar para os nossos hematomas. — Não devia se calar. Eu também não. Ninguém devia.

Mason assentiu, piscando algumas vezes para afastar as lágrimas, mecanicamente. Virou para ela.

— Eu sei disso, mas eu ia dar um jeito — insistiu, teimoso. — Eu ia resolver isso so...

— Sozinho? — interrompeu ela, com uma das sobrancelhas erguida. Soltou um riso pelo nariz, que não demonstrava nenhuma diversão. — É, foi o que eu pensei também. E olha no que resultou — disse, abrindo os braços. Vi Mason, de perfil, engolir em seco. — Sou obrigada a fazer terapia agora, e preciso de medicação, tenho dificuldade para dormir, fui expulsa do colégio, quase matei meu pai de preocupação, e na primeira oportunidade que tive aqui, já parti para a agressão — numerou, faltando dedos em uma mão. Soltou um riso triste. — É, eu realmente conquistei o mundo sozinha — debochou, triste.

Mason desviou o olhar.

Ian e eu nos entreolhamos, em uma comunicação silenciosa.

Ele estava pensando o mesmo que eu: Grace havia posto em palavras tudo o que tentamos dizer ao Mason durante todo esse tempo, mas de uma maneira aprimorada. E a experiência péssima dela apenas apoiou o que ela estava dizendo: não fique calado.

Grace o acha tão incrível, mas ela também é.

Subitamente, me senti sortudo por estar entre eles, por Grace haver se juntado à nós, e por estarmos ali, naquele momento, por defendermos uns aos outros. Os hematomas, a possível suspensão, bronca e castigo, sequer importavam.

Eu tive orgulho daquele incidente, do que representou, e da gente.

— O que você sugere? — questionou o loiro, finalmente, abrindo um pouco de espaço para a discussão.

Grace nos relanceou.

— Que tal contar a verdade para a diretora e para os nossos pais? — sugeriu, de forma singela, ao dar de ombros. — Contar a nossa versão do que aconteceu.

Ian fechou uma das mãos no ombro do Mason, chamando os olhos azuis para ele. — E pedir ajuda, cara.

Me inclinei para ver melhor os três rostos, que me encararam.

— Maze, pedir ajuda nesse caso não é pedir por piedade — falei, cauteloso. — Acho que é pedir por justiça.

— Exatamente — concordou Grace, assentindo.

— E se não quiserem ajudar, sua mãe mete processo na bunda deles por tocarem no bebê dela — acrescentou Ian, debochado pela forma como a mãe do Mason era superprotetora.

Mason o empurrou, indignado, mas riu junto de nós.

— Idiota — resmungou, mas concordou em seguida, com um murmúrio baixo: — Ok.

Nos entreolhamos, satisfeitos, antes de cair em um silêncio mais uma vez. Ian começou a rir sozinho, no entanto, e quando nossos olhares interrogativos chegaram até ele, comentou:

— Meu, eu nem acredito que você o socou primeiro. — Inclinou o corpo para frente, os olhos em Grace. — Foi irado!

Comecei a rir também, assentindo, apesar do meu rosto reclamar por isto. — Puta merda, é mesmo! — deixei escapar, assentindo. — Grace, você foi incrível!

— Foi muito badass!

Ela riu com o último comentário do Mason, ao passo que nós três a encarávamos com admiração.

— Não é? — concordou, causando mais risos. — Aquele garoto veio mexer comigo também e eu só enxerguei vermelho. Quando vi, já tinha enfiado a mão na cara dele!

— Se eu não tivesse no meio da briga, eu teria aplaudido — pensei, em voz alta.

As gargalhadas intercalavam entre um resmungo ou outro sobre dor nas costas, na barriga, na cabeça ou no resto do corpo devido ao chacoalhar dos risos, nas nossas gracinhas.

A sala da aterradora espera por um veredicto de punição encheu-se com nossos risos, e não nos importamos nem um pouco com a imagem não arrependida que passávamos com isto.

Isto é, até nossos responsáveis começarem a aparecer, pela segunda vez naquele ano.

*

— Desculpa, mãe.

Caminhávamos em silêncio de volta para casa, depois de havermos sido liberados por aquele restante da manhã.

Ela não parecia saber o que dizer.

Por incrível que pareça, Mason realmente defendeu-se e explicou o que estava acontecendo há mais de dois anos com relação ao Bruce. Todos nós confirmamos a história, apesar do colégio relutar em acreditar e querer negar aos pais que era verdade.

A mãe do Mason ergueu a voz até não poder mais, da maneira como Ian deduziu que ela o faria, e não deixou ninguém jogar o bullying para debaixo do tapete. O pai da Grace foi o que mais nos apoiou, de certa forma triste ao relatar, por cima, a experiência que sua filha tivera no colégio anterior.

No fim, ninguém foi suspenso além do Bruce e dos amigos dele, que teriam “conversas sérias” com os seus responsáveis. Sinceramente falando, não levo muito fé de que eles vão ser repreendidos e se forem, não levo fé que irá funcionar para que nos deixem em paz.

Por um lado, não importou muito que fôssemos as vítimas do ocorrido, a julgar pela seriedade da minha mãe.

— Eu só... — começou ela, me encarando de canto, mas suspirando mais uma vez, com frustração. — Eu não entendo o que tá acontecendo, Caleb!

Pisquei algumas vezes, percebendo sua preocupação.

— Nada. Eu...

— Você não é assim, meu filho — interrompeu, rapidamente, com um ar preocupado. — Nunca puxou briga no colégio, nunca fumou maconha, nunca tirou tantas notas baixas... — Ela balançou a cabeça, decepcionada, ao passo que eu baixava a minha. Senti uma pontada de culpa pelo desleixo, porque era verdade. — O que tá acontecendo?

Balancei a cabeça, quieto.

— Nada — respondi, sincero.

O que eu devia responder?

“Não tenho estudado muito porque tenho preferido sair com meus amigos”? “Não tenho muito interesse em tirar notas máximas porque não acho que a vida se resume à escola”? “Tenho estado confuso com meu corpo, meus sentimentos, e meu futuro”? “Estou crescendo, não sou mais o mesmo, e quero experimentar coisas novas como um adolescente normal?”

Aposto que até mesmo minha mãe já provou maconha.

— Não é nada, Caleb, olha só pra você!

Apontou para meu rosto machucado e os braços esfolados, com certo desespero. Inspirou fundo, baixando o tom da voz ao me encarar com certa cautela.

— Me fala a verdade, Caleb. Isso... — Hesitou, parecendo não saber como continuar. — Isso tem a ver com o meu noivado com o Theo? É disto que se trata? — Arqueei as sobrancelhas, surpreso. — Tá tentando chamar minha atenção?

Franzi o cenho, honestamente confuso sobre como ela chegou àquela conclusão sem pé nem cabeça.

— O quê? — perguntei, negando. — Não. Por que eu faria isso? — questionei, de fato, curioso.

Ela balançou a cabeça, suspirando pesado. — Eu não sei — disse, soltando um som pelo nariz, ao abrir os braços. — Eu sinto em dizer isso, mas eu não sei muito sobre você, Caleb. Você sempre foi tão calado, tão na sua — sussurrou, olhando para mim. — Eu nunca sei o que tá pensando.

Desviei o olhar, soltando um riso baixo, sem achar graça.

— Mãe, ninguém lê mentes — me defendi, estalando a língua. — Ninguém sabe o que os outros pensam. E se você quer saber, é só me perguntar.

Ela ficou quieta por um tempo, olhando para longe, antes de retornar os olhos à mim.

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— E então, o que você anda pensando? — perguntou, finalmente.

Ponderei por um instante, antes de dar de ombros.

— Eu só queria experimentar — me defendi, quanto à maconha. — E hoje eu tava defendendo o Mason, porque o colégio não faz isso — contei, chateado. — Eu não sei por que a senhora pensa isto de mim, mas eu não tô fazendo nada de propósito — resmunguei, chutando uma pedrinha. — Não quero me meter no seu noivado, porque quero que vocês se casem. Quero que você seja feliz.

Ela parou, fazendo-me parar também, bruscamente.

As rugas de preocupação entre os olhos castanho-esverdeados pareceram envelhecê-la uma década. Senti uma pontada no peito por isto, temendo ser o motivo.

Ela juntou ambas as minhas mãos nas dela.

— Eu também quero que você seja feliz, Caleb — falou, com certo desespero. — E, francamente, eu não sei se você está. Eu nunca sei quando se trata de você — comentou, frustrada. — Você é tão diferente do seu irmão nesse quesito, e cada vez mais. Will é tão transparente, e você... — Hesitou, soltando uma das minhas mãos para levá-la ao meu rosto. — Você ainda é um mistério pra mim.

Ela sorriu fraco, com certo encanto por mim, apesar do medo que sentia pela mesma característica que parecia encantá-la, e eu vacilei.

Eu sou tão enigmático assim?

Não sou de ficar guardando coisas para mim, apesar de que tenho minhas confusões internas discutidas com meus botões. Mas eu não tenho vergonha de dizer o que penso, e também não fico pensando muito antes de falar as coisas. Sei que não converso muito, mas eu geralmente não tenho o que conversar. Geralmente, não tenho muita coisa em mente.

É tão estranho assim?

Ela ficou subitamente séria, apertando minhas mãos de forma inconsciente, sem piscar. — Você é feliz, meu filho?

Uni as sobrancelhas, perdido. Até cheguei a abrir e fechar a boca algumas vezes, na tentativa de dizer algo, mas aquela pergunta realmente me confundiu.

Eu sequer sei o que é felicidade, é algo tão abstrato.

Não faço a mínima ideia, mãe.

— Sim — sussurrei, no lugar, imaginando que era o que ela queria ouvir e era o que a traria um tanto de tranquilidade. — É claro que eu sou.

Ela engoliu em seco, assentindo, hesitante.

Não parecia ter certeza se eu mentia ou dizia a verdade. Pareceu optar pela segunda opção, soltando um suspiro aliviado antes de assentir. Levou um dos braços ao meu entorno, por sobre os meus ombros, para me puxar para ela.

— Eu tô orgulhosa por haverem defendido o Mason — admitiu ela, por fim, me surpreendendo. Olhei-a de canto, e vi aquele olhar de mãe para cima de mim. — Mas que não se repita desta forma. Se houver algum problema no colégio, me fale antes que as coisas se compliquem — ordenou, séria. — Eu vou ajudar — garantiu, amansando um tanto a voz. — E sem mais violência, Caleb, por favor.

Sorri, assentindo, antes de me aconchegar em seu abraço.

Voltamos a caminhar, para casa, grudados um no outro.

Ponderei o resto do dia a respeito da felicidade e se é algo que eu possuo, mas não obtive nenhuma resposta.