Made of Stone

XV. De todos os começos do mundo


Fase 2

2018

A sensação começou na segunda vez que o Alex me acordou, literalmente, ao bater na minha janela de madrugada. E ela continuou na terceira, e então na quarta vez.

Quero dizer, aquilo era estranho, até mesmo para o Alex.

As circunstâncias não eram as mesmas da primeira vez. Ele não estava bêbado, ou precisando desabafar, ou estava voltando de uma festa. Não, ele só perambulava de madrugada sem motivo sensato algum até parar na minha janela.

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Naquela segunda vez, e nas que se seguiram, ele me forçou a levantar, sair pela janela de fininho e caminhar pelas ruas vazias do bairro das Magnólias ao seu lado. Toda vez que eu perguntava por que estávamos fazendo isto, ele apenas afirmava que queria conversar.

Mas ele quase nunca conversava sobre algo relevante.

E não havia nada de diferente. Alex era o mesmo. Sorridente, abusado, tagarela. Talvez mais agitado que o normal, e um pouco mais distante, mas nada que fosse tão alarmante para o nível do Cunningham. E depois que perambulávamos e sentávamos nos bancos de pedra em frente ao campo de futebol do bairro, conversando no meio da madrugada, e ainda depois que ele me largava onde me encontrou e retornava à sua casa, nenhum de nós dois falávamos sobre isto no outro dia.

Até que ele se encontrasse em minha janela novamente.

— Você nunca dorme? — perguntei, em algum momento, enquanto nos dirigíamos para o local de sempre.

As ruas estavam vazias, e o céu tão escuro que as luzes amarelas enjoativas dos postes incomodavam os olhos, mas eu já havia aprendido a gostar delas.

Alex coçou o queixo, ponderativo.

— Durmo — murmurou, perdido em pensamentos.

— Mas?

— Tem vezes que não tenho sono. — Deu de ombros. — Às vezes, ao invés de ficar com sono na hora de dormir, eu fico mais acordado. — Focou as orbes negras em mim. — Tem vezes que fico uns dois, três dias sem dormir direito, e tem outras que eu durmo mais de quinze horas de uma vez.

Observei-o com atenção, achando graça.

— Alex, isso se chama insônia.

Ele riu, fazendo uma careta. — É, acho que sim.

— E então você sai pra rua?

— É melhor do que andar em círculos no meu quarto — explicou, tirando uma cartela de cigarros do bolso.

Torci o nariz para o ato.

Tinha vezes que Alex fumava demais em um mesmo dia, ou em uma mesma semana, geralmente por estar nervoso, como daquela vez em que trouxe a garrafa da Agatha. Mas também haviam vezes que eu até esquecia do dito cigarro devido ao tempo que eu ficava sem vê-lo encostar em um. Esta era uma delas.

Bom, ao menos até agora.

— Achei que havia parado com isto — comentei, apontando para sua mão.

— Eu já disse que não sou viciado, Caleb. — Suspirou. Arqueei uma das sobrancelhas. — Mas eu gosto. Não vou morrer se fumar um de vez em quando — resmungou.

Suspirei, mas não quis discutir. Digo, eu não era o único. Até os colegas do Alex reclamavam sobre seu constante fumo. Ele podia ter razão sobre não ter problema fumar de vez em quando, mas de pouquinho e pouquinho, uma hora não vai mais existir aquele corpo sem nicotina.

Se ele não era viciado ainda, faltava pouco para isto.

E o cheiro é nojento.

Alex, em algum momento, suspirou. Havia dado apenas umas duas tragadas antes de jogar o cigarro no chão e pisar em cima.

— Pronto. Feliz agora?

Sorri, dando as costas para ele quando chegamos no campo de futebol e me encaminhei para o banco de pedra escondido.

Da primeira vez que fui arrastado até aqui, demos voltas em torno do campo de futebol até enxergarmos aquele banco. Não ficava escondido coisa alguma, mas é como se as árvores em volta dele quisessem que ficasse, devido ao crescimento turvo em torno do mesmo.

Sentei com uma perna para cada lado. Alex fez o mesmo, de frente para mim.

— Meia hora — falei, estabelecendo um tempo. — Meia hora e eu volto pra casa.

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Alex fixou os olhos em mim, sério, antes de sorrir de canto. — Uma hora — barganhou, cínico.

Pensei por um instante, colocando na balança o quanto eu queria voltar a dormir e quanto eu não queria estender a discussão, o que aconteceria, porque Alex não aceitaria meia hora como condição.

Suspirei, deixando os ombros caírem. — Tá bom.

Alex sorriu largamente, e eu o imitei, cansado demais para reclamar.

Minutos de conversas sem importância depois, brincando com o celular em mãos, ele puxou um assunto inesperado.

— Sabe que eu terminei com a MJ né?

Pisquei, surpreso pela conversa.

— Uhum — murmurei, desconfiado, analisando-o.

Logo depois daqueles dias sombrios em que o Alex ignorava as chamadas de Mary Jane, percebemos que ela não mais ficava com ele no colégio. Mais do que isto, ela nem ficava perto da sua antiga panelinha, se juntando à de sua turma apenas. Questionamos Alex a respeito, e ele comentou que finalmente havia terminado com ela, mas não quis entrar em detalhes.

Isto havia sido em outubro do ano passado, mais ou menos, o que tornava ainda mais estranho ele comentar sobre isto meses depois.

— Ela me mandou mensagem agora nas férias — comentou, ainda com os olhos no celular que revirava nas mãos. — Tava puta porque descobriu que eu fiquei com um amigo dela.

Arqueei as sobrancelhas, chocado.

— Puta merda, Alex — deixei escapar, mal acostumado com os palavrões dele.

Quero dizer, eu realmente não entendia a complexidade por detrás da necessisade de ficar no armário nos dias de hoje, mas entendia que Alex pensava assim, então isto devia ser horrível para ele.

Ou não?, me questionei, percebendo que ele parecia calmo demais para a situação.

— É, pois é — riu ele, me surpreendendo. Ergueu os olhos para mim, e deu de ombros. — Então acho que não vai ser nada surpreendente se a gente chegar semana que vem no colégio e o rumor já estiver se espalhado.

Semana que vem começam as aulas mais uma vez. Eu vou estar no último ano do fundamental e Alex estará no último ano do ensino médio. Parece algo importante, mas eu realmente não sentia como se fosse.

Apenas mais um ano, exatamente igual ao anterior.

Bom, não exatamente, pensei, encarando o garoto à minha frente.

— Você não tá com medo que isto aconteça?

Alex deu de ombros mais uma vez. — Um pouco — confessou, sorrindo amarelo. — Mas não o suficiente pra entrar em pânico. Digo, uma hora isto teria que acontecer, não?

Pisquei, assentindo. Não acho que aquilo vai ser um problema para os amigos dele, afinal, nunca achei. Mas era algo pessoal para o Alex, então opinar a respeito nunca foi uma opção.

— Acho que sim — murmurei, sentindo-me feliz por ele ao menos não estar sofrendo em antecedência.

Havia algo que eu sabia que seria, sim, muito diferente neste ano.

Isto.

Esta estranha amizade entre Alex e eu. Este entendimento inesperado entre a gente. Estas horas extras juntos, que nem sempre requeriam palavras ou diálogos muito complexos ou extensos. Este tempo na presença um do outro, que às vezes por isto só já se faziam suficientes.

Embora eu não faça ideia do que isto significa.

É como se uma engrenagem do sistema houvesse mudado, porque agora eu e Alex dividíamos todos esses segredos e essas madrugadas estranhas juntos, enquanto todo o resto era de conhecimento e de participação dos outros.

Mas isto não.

*

As férias passaram tão rápido que eu sinto como se sequer houvesse aproveitado.

Se bem que minhas férias se parecem muito com o resto do ano letivo: entediantes. O campo de futebol do bairro, o fliperama, a casa da tia Kira e a casa dos meus amigos. O máximo que fizemos de diferente foi ir à praia por um fim de semana, em Mallow Coast, já que fomos convidados pela família do namorado do meu irmão.

E por falar nele, algumas mudanças ocorreram do fim do ano passado para cá.

O Richard, namorado do Will, se mudou para o fim do mundo para ser professor de um curso da universidade. Will escolheu ficar com a gente, mas se for para ser honesto, eu ainda estou esperando ele mudar de ideia e ir atrás. E a mãe também. Eu pude vê-la zanzando pela casa, nervosa pela simples possibilidade do Will nos deixar para viver em outra cidade. Eu a compreendo, afinal, apesar de não conviver 24/7 com o meu irmão, a ideia de que ele está sempre por perto para quando precisarmos é acalentadora.

Minha mãe fez uma festa para comemorar a promoção à gerente na Spot & Color, uma das únicas empresas na qual trabalhou com certa estabilidade e para anunciar o noivado. Por um lado, eu estou feliz por ela. Por outro, o meu cérebro ligou uma sirene de socorro que até agora não desligou completamente.

Eu acho que já falei algumas vezes que gosto do Theodore, mas eu vou repetir mais uma vez. Eu gosto do cara. Ele é gente boa. O pânico de ter que ir morar em outra casa com os dois ou vê-lo se mudar para cá nada tinha a ver com ele.

Bom, eu não sei com o que tem a ver, mas isto é irrelevante.

Cinco meses se passaram desde a revelação, mas eu não conseguia fazer aquele sentimento ruim desvanecer. Talvez o faça quando o casamento ocorrer, o que é uma pena, porque apesar de ficarem noivos, eles não fizeram planos para se casar tão cedo.

Para que noivar então?

Eu ainda poderia encontrar conforto no fato de que o tempo está voando. As férias acabaram, os meses passaram rápido, e agora as aulas recomeçariam.

Último ano do fundamental.

Eu, honestamente, poderia afirmar com certeza absoluta que este ano seria exatamente igual ao ano anterior. Mas logo no primeiro período da manhã, as coisas já se contorciam para um caminho um tanto diferente.

Tudo começou com a classe ocupada de Ian.

Veja bem, ninguém tem lugar específico na sala de aula. Até porque, todo ano trocamos de sala, apesar de uma ou outra já ter se repetido. Só que Ian, Mason e eu sempre sentamos nos mesmos lugares. Não era combinado, era só como as coisas funcionavam desde sempre.

Sentávamos no fundo da sala. Eu sempre sou a penúltima carteira do lado direito, na parede, e Mason é o antepenúltimo, porque senta na minha frente. Ian senta na esquerda, diretamente ao lado do Mason.

Só que desta vez, uma garota estava sentada no lugar do Ian.

— Com licença — pediu ele, depois de parar ao lado da classe com cara de pateta —, essa carteira é minha.

Ele portava uma cara convencida, e eu imaginei que tinha a ver com o fato da garota ser novata, ter jeito de nerd e aparentar ser maleável.

Ian havia crescido mais um pouco, ao que parecia, embora não parecesse nem um pouco intimidante, ao meu honesto ver. Mas talvez isto fosse uma impressão pessoal de quem conhecia este filhotinho de cachorro que late mas não morde.

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Ela ergueu os olhos para o Ian, piscando algumas vezes por detrás dos óculos de fundo de garrafa - e eu que pensava que o grau de miopia do Mason era alto? -, e o encarou por alguns minutos. Baixou, então, os olhos para a classe, abaixou-se para dar uma olhada por debaixo dela e, por fim, focou os olhos escuros nos do Ian uma vez mais.

— Não vejo seu nome nela.

A cara de indignação do Ian foi impagável.

Tranquei os lábios para o riso não sair, mas isto só piorou o som de engasgo que saiu pelo meu nariz, enquanto Mason nem fez esforço para não rir.

Ian avermelhou pela vergonha e pela provável irritação, o que tornou tudo mais cômico ainda. Nos relanceou com ódio reprimido - ouviríamos muito depois - pela ausência de apoio e voltou os olhos para a garota, que tornava a ajeitar seus materiais na mesa como se o Ian já tivesse evaporado do seu lado.

— Porque meu nome não tá aí, mas eu sentei nesse mesmo lugar todos os anos que estive aqui — argumentou, nervoso, ao passo que a garota suspirava antes de tornar a ter a atenção sugada por ele.

— Hum — murmurou ela, pensativa, enquanto o analisava. Sorriu, por fim. — Então tá mais do que na hora de uma mudança, não acha?

Ri baixinho, vendo o Mason começar a analisar a garota com os olhos azuis e o Ian começar a suar frio.

— Não! — resmungou, um pouco mais alto do que o intencional. — Não, eu não acho!

— Sr. Cunningham? — chamou a professora, que entrara na sala segundos antes com cara de limão azedo. — Sente-se, por favor!

— Mas... Mas ela...

— Senta logo, Ian — resmunguei, percebendo que ele era o único ainda em pé. — Depois a gente resolve isto.

Com emburro, Ian marchou com ódio até a classe atrás da garota, resmungando feito um velho, e se atirou na classe, causando um ruído nada oportuno devido ao seu peso. Enfiou as pernas com certa dificuldade para dentro da carteira, irritado.

— Quem é esta garota? — perguntou Mason, baixinho, inclinando o corpo para trás para que eu ouvisse.

— Espera um pouco que eu vou tirar a ficha completa dela com meus olhos de robô — garanti para ele. — Isto pode levar alguns minutos — falei, imitando voz de computador.

Mason virou para mim apenas para demonstrar sua desaprovação para com minha atitude debochada, e eu pisquei um dos olhos para ele para garantir que não havia arrependimento neste meu corpo.

Na apresentação dos alunos novos, que em totalidade eram apenas cinco e três repetentes, descobrimos algumas coisas sobre nossa colega ao lado. O nome dela é Grace, ela tem treze anos como eu e o Maze, e estudava no colégio do bairro no qual mora.

Assim que o sinal soou para o intervalo, enquanto eu guardava meu material, enxerguei o Ian sentado do mesmo jeito, com os braços cruzados conforme encarava a garota à frente levantar do assento. Grace guardou o material, e parecia estar prestes a dar as costas quando percebeu que era encarada, parando para encará-lo de volta.

A garota usava uma camisa de Star Wars, calças jeans simples e um all star preto. Os óculos de grau tomavam conta do seu rosto, em sua boca - perceptível quando ela falava - usava aparelho dentário, e os cabelos crespos eram alisados de uma maneira incomum.

Grace estreitou os olhos por detrás dos óculos, relanceou a própria classe e a do Ian, provavelmente se dando conta de que ele trocaria de lugar assim que ela saísse. Com o queixo empinado, ela tornou a sentar-se com as pernas cruzadas.

Já em pé, olhei para o Ian a tempo de vê-lo levantar desajeitadamente de sua cadeira, puto da cara.

— Garota, qual é o seu problema? — reclamou, parando na frente dela mais uma vez.

— Não, qual é o seu problema? — retrucou ela, perdendo a calma também, ao apontar o dedo para ele.

— Ian, deixa quieto — pedi, pegando o braço dele para arrastá-lo pra fora, mas ele o puxou.

— Não deixo! — reclamou, emburrado. — Ela mal chegou aqui e acha que manda no local?

Ela soltou um riso pelo nariz. — Eu não achava, mas agora vejo que tenho essa capacidade.

Ian bufou, e Mason ficou quieto, apenas observando.

— Escuta, acho que a gente começou com o pé errado — falei, me colocando na frente do Ian. — Eu sou o Caleb. Esses são os meus amigos, Ian e Mason — falei, apontando para eles. — Olha, não existe outra forma de dizer isto, mas... Nós somos os rejeitados — esclareci, direto. — Ninguém sabe que a gente existe. Não temos amigos, não temos boas notas, não estamos em clube nenhum. A única coisa que temos neste colégio são estes lugares — falei, declarando a miséria que nos envolve.

— Ei! — reclamou Ian, humilhado.

— Mas é verdade — concordou Mason, ajeitando os óculos. — É verdade — repetiu, desta vez olhando para ela.

— Sentamos nas mesmas carteiras há quatro anos — finalizei, com um sorriso de lado. — Será que você pode, por favor, trocar de lugar com o Ian?

Grace pareceu ponderar por um instante, parecendo divertida com o meu discurso do nosso grupo excluído, antes de relancear a todos nós e levantar da cadeira. Suspirou, de frente para mim, analisando meu rosto antes de sorrir.

— É claro — falou, simplesmente, antes de pegar sua mochila e jogar na carteira de trás. — Sem problemas.

Curvei os lábios, impressionado com a minha capacidade recém adquirida de lidar com as pessoas. Mas logo eu percebi que não foi isto que a fez mudar de ideia.

— O quê? — exclamou Ian, indignado. — Eu estou te pedindo desde o primeiro período e o Caleb só diz meia dúzia de palavras, e você logo...

— Não — interrompeu ela, firme. — Você não pediu.

Arqueei as sobrancelhas, vendo Ian ficar sem palavras.

— Ah, pelo amor, você precisava da palavrinha mágica? — debochou ele, gesticulando.

— Precisava — respondeu, tranquila, fazendo-o fechar a cara. — Eu não aceito ordens de ninguém, muito menos de um descerebrado feito você — esclareceu, dando passos na direção dele. — E não é por eu ser nova aqui que eu vou engolir qualquer merda que me joguem, tá entendendo?

Finalizou quase colada ao peito dele, encarando-o com firmeza de baixo, sem se deixar intimidar pela diferença de altura. E eu pude jurar que o Ian se encolheu antes de recolher a pose de amargurado mais uma vez. Não disse nada, mas seus olhos desgostosos disseram por ele.

Ela voltou-se para mim, o humor soturno se desvanecendo, antes de sorrir. — E eu também sou parte dos rejeitados do colégio.

— Mal pra você, bem-vinda à sua próxima penitenciária — murmurou Mason, honesto, provavelmente ao lembrar do bullying que ele mesmo sofria, ainda com os olhos nela.

— Obrigada. — Riu ela. — Mas então... — começou, olhando ao redor da sala vazia. — Eu aceitei trocar de classe e vocês podem me mostrar onde fica a cantina. Uma mão rejeitada ajuda a outra, não?

Pisquei, relanceando os outros dois. — Claro.

Pst, pirralhos! — Alex estava inclinado por sobre a porta da sala. — É assim que querem aproveitar os poucos minutos de liberdade de vocês?

— Não — resmungou Ian, sendo o primeiro a dar as costas para a gente e caminhar na direção do primo. — Não mesmo.

— Vamos — chamei-a, seguindo Mason para fora também.

— Cara, já tem umas cinco festas planejadas de fim de ano — comentou Alex, já no corredor. — Eu juro, as pessoas parecem que só vieram pro colégio para... Para... Oi — interrompeu-se, com um sorriso de canto, ao focar os olhos na garota ao nosso lado. — Você, quem é?

— Grace Hamann — cumprimentou ela, estendendo a mão. — E você?

Alex pareceu achar graça, aceitando o cumprimento. — Alex Cunningham, muito prazer. — Puxou a mão dela e deixou um beijo por sobre ela, feito o perfeito cavalheiro que não é.

Ela sorriu para o ato.

— Então, Grace — começou Mason, quebrando o silêncio, antes de nos movermos até a cantina —, por que mudou de colégio? Digo, aquele ficava bem no seu bairro — enfatizou, arqueando uma das sobrancelhas.

Revirei os olhos, ao passo que Ian ficava mudo e Alex ria.

— Ignora, Grace — aconselhei.

— Por quê? — reclamou Mason. — É uma pergunta normal!

— Eu fui expulsa, se é o que quer saber — respondeu, ainda em uma pose tranquila. — Foi próximo ao fim do ano, então eles me deixaram fazer as provas finais antes de dar no pé.

— Expulsa, hein? — Analisou Alex, ao lado dela, como se respeitasse isto. — Badass.

Grace riu, dando de ombros.

— Expulsa por quê? — insistiu Mason, e dei-lhe um peteleco na cabeça. — Ouch!

Grace suspirou, perdendo o humor. — Por destruir e vandalizar propriedade pública, por agressão física à algumas colegas e por enfiar a cara de uma delas dentro da privada.

Alarguei os olhos, relanceando os outros três, em choque.

Não era discriminação por aparência, mas ela realmente parecia ser apenas mais uma nerd quieta que tira notas altas, ainda mais depois de confirmar ser excluída como nós. De forma alguma parecia ser a pessoa que ela descrevia no momento, o que me fazia pensar que era invenção.

— Caralho! — exclamou Alex, chocado. — Que idade ‘cê tem, garota?

— Treze, quase catorze — esclareceu, paciente.

— Você não tá falando sério, né? — questionei, sem me aguentar.

Ela sorriu, mas apenas ergueu os ombros.

Mason apenas franziu o cenho, e eu soube que ele não deixaria passar. Revirei os olhos para isto, preparado já para ouvir tudo o que ele desenterraria sobre a garota.

Depois de passarmos no refeitório, voltamos para o pátio e nos juntamos à turminha do Alex, a pedido dele, no chafariz. Todos estavam lá, um ao lado do outro, com exceção de duas peças perdidas. Ben e Matt. Os dois haviam finalizado o colégio e ouvi dizer que Ben havia entrado para a faculdade e Matt estava trampando em uma empresa do centro da cidade.

Faye estava sentada no chão, entre as pernas de Annelise, que estava sentada no chafariz enquanto esta mexia nos cabelos tingidos dela. Emily, Jake e Bruno estavam sentados ao lado da líder.

O mexicano levantou em um pulo assim que enxergou Alex - como se não tivessem acabado de sair da mesma sala - e correu na direção dele. Um pulou no colo do outro, enquanto faziam palhaçadas, e demonstravam seu amor inigualável.

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— Meu príncipe — dizia Bruno, com a mão no peito —, eu pensei que eu não sobreviveria os sete minutos — falou, quando checou o relógio de pulso — que fiquei sem o teu amor.

Todos rimos, é claro, quando chegamos mais perto da turminha.

— Não se preocupe, meu amor — pediu Alex, com a mão fazendo um carinho exagerado no rosto moreno do outro —, eu não pretendo me separar de você nunca mais.

Eles se entreolharam por um momento e se aproximaram com brusquidão, forjando um beijo caloroso na frente de todos. Depois das palmas da panelinha do ensino médio, e dos demais que passavam ao redor, eles se afastaram e fizeram uma reverência após a encenação.

Em seguida, gargalharam feito os dois idiotas que eram.

— Oi, meninos — cumprimentou Emily, com um sorriso para a gente. — Quanto tempo!

— Estão mais bonitinhos que nunca — comentou Annelise, nos encarando como se fôssemos pandas bebês dando cambalhotas.

— Estão mesmo! — concordou Bruno, parando pela primeira vez para nos analisar, antes de franzir o cenho. — Caralho! — exclamou, aproximando o rosto como se para enxergar melhor. — O que houve com vocês?

— E quem é esta? — perguntou Faye, se referindo à Grace.

— Esta é a Grace — apresentou Alex, como se conhecesse há mil anos. — Ela é nossa nova amiguinha, e ela é badass!

— Bem-vinda, Grace! — cumprimentaram, em uníssono.

— Parece que ela é nossa nova amiguinha então — comentou Ian baixinho para a gente, debochado.

Céus, ele não ia baixar a guarda!

— Vocês não me disseram que eram rejeitados? — perguntou ela, achando graça, para mim.

— Somos, mas eles são as exceções — esclareci, com humor. Ela pareceu continuar pensativa a respeito, então fui direto: — O Alex aqui se mudou para cá no ano passado e ele é primo do Ian.

O rosto dela imediatamente relaxou, como se compreendesse.

— Agora faz sentido.

Gargalhei, concordando.

— Não se anime tanto — falou Mason, ao lado dela —, tudo tem um lado ruim. Você ainda não viu os pepinos nos quais o Alex nos coloca!

— Verdade — concordei, assentindo. — Alex é maluco.

— Ei, eu ouvi isto! — reclamou o foco da nossa conversa. — Estão passando uma imagem ruim de mim para a garota, que calúnia!

Grace riu. — Não se preocupe, Alex, não me deixo influenciar.

— Se bem que ela pode ser tão maluca quanto ele — sussurrou Mason no meu ouvido, desconfiado.

Bruno interrompeu, nos olhando uma vez mais.

— Cara, a puberdade pegou vocês de jeito, hein? — comentou, indelicado, focando os olhos no Ian ao parar ao lado dele. — Esse aqui já tá da minha altura — contou aos outros, como se nós não pudéssemos ouvir — e a voz aqueles dois caiu umas duas oitavas, cacete! — Admirou-nos, impressionado, para logo apontar para sua panelinha. — E vocês estão todos iguais!

— Não mesmo, eu tô mais bonito, se é que é possível — garantiu Alex, jogando um beijo para o Bruno.

— Tem razão, gato — concordou ele, olhando-o dos pés à cabeça, ao passo que os outros riam.

Bruno tinha razão com relação a nós.

Eu podia sentir minha voz mudar ao longo dos meses, e a estridente do Mason também, que já não era mais. Ian já tinha a voz firme, então não percebi se mudou, embora a altura tenha sido chamativa.

A puberdade costuma ser algo que os garotos querem passar logo para poder parecerem homens logo, mas eu honestamente achei tudo muito vergonhoso. Os pêlos aumentaram de volume, a acne que nunca me afetara começara a incomodar - haviam manchas nas minhas costas por causa desta bruxaria! -, a minha voz passou por umas semanas estranhas e vergonhosas, além do cheiro forte de suor.

Foi a pior coisa que me aconteceu na vida.

Eu não dou a mínima para a voz mais grossa, e os centímetros que cresci neste período de seis meses, e para os pêlos mais espessos nas axilas, e nem para as manhãs extremamente vergonhosas pelas quais eu estou passando. Isto sem falar que foram poucos meses, e pelo que eu sei a puberdade dura anos. Anos!

Pelo que eu vejo até agora, só tende a piorar.

Foda-se virar um homem!

Puberdade é um saco.

— Jake, você tá muito quieto — comentou Anne, analisando o amigo.

Havíamos nos ajeitado em um semi círculo em torno do chafariz, sentados no chão de pedra do pátio. Estava fresquinho, e era bom sentir o sol da manhã nas nossas cabeças.

— Deve ser saudade do gêmeo — sugeriu Faye, se espichando para dar um tapinha no joelho do Jake.

— É, gozem disto — disse ele, embora tenha parecido sem jeito. — Mas é a primeira vez em muito tempo que não estamos juntos no colégio.

— É, o Matt também faz falta — acrescentou Anne, pensativa. — Não é, Em?

Emily encolheu os ombros, desconfortável, mas não disse nada além de manear levemente a cabeça para assentir. Mas minha atenção se perdeu no garoto que estava sentado na ponta do chafariz.

Alex.

Ele interagia perfeitamente antes de vislumbrar alguma coisa ao seu lado esquerdo, e seu sorriso sumiu. Segui seu olhar, encontrando o loiro azedo, conversando com mais duas pessoas não muito longe dali.

Tive um estranho déjà-vu, mas estranhei. Franzi o cenho, recém me recordando da conversa que tive com ele na semana passada sobre o boato que aparentemente não havia se espalhado pelo colégio. Mary Jane não havia sido tão filha da puta, e eu me alegrava por isto.

No entanto, Alex parecia pensativo a respeito, desviando a atenção dos amigos para o Jillian, e do Jillian para os amigos. Quando o louro fez menção a passar reto pela gente com os dois colegas, Alex o encarou sem muita discrição desta vez, até que os olhos claros do outro parassem nele também.

— Ei, Jillian! — chamou, por fim, fazendo-o parar aos poucos.

Todos instantaneamente focaram a atenção no Alex e eu internamente agradeci, porque assim eu não pareceria obcecado por ele.

Com exceção da Annelise, que conhecia e conversava com todo mundo, eu não acho que ninguém do nosso grupo jamais havia dirigido a palavra ao Jillian que não tivesse a ver com o colégio. Ele se aproximou, parecendo curioso e cauteloso ao mesmo tempo, até parar ao lado do Cunningham.

Alex pareceu​ inspirar fundo antes de falar de uma vez só: — Tenho certeza que esqueci um dos meus bonés na sua casa agora nas férias, será que pode me trazer amanhã?

Alarguei os olhos, deixando o queixo cair.

No curto espaço de tempo que Jillian ficou em silêncio, todo mundo se entreolhou, como se para decidir se falávamos alguma coisa para não ficar tão óbvio que estávamos escutando a conversa alheia. E parece que foi decidido que isto não era importante.

Foquei os olhos nos dois novamente, ansioso por onde aquilo resultaria.

Jillian simplesmente sorriu, satisfeito, e assentiu. — Claro, gato — ronronou, antes de dar as costas e seguir os amigos.

Bruno, assim que o louro deu as costas, começou a gargalhar, quebrando o silêncio total entre a gente. Desviei os olhos arregalados entre eles, tenso pelo Alex.

— Ai. Meu. Deus! — berrou Annelise, dando um tapa no ombro da Faye abaixo, antes de gritar mais uma vez: — Eu falei que você não podia ser a única do Vale aqui!

— Espera — pediu Ian, chocado, ao se remexer no lugar —, isto é verdade? — perguntou, incrédulo, para o primo.

Todos caíram no silêncio mais uma vez, e todos os pares de olhos focaram em uma versão tímida do Alex que eu mal reconheci. Com os ombros encolhidos, ele abriu a boca, mas a fechou, antes de assentir.

Uhul! — gritou Faye, em apoio.

Alex riu, mas parecia mais de nervoso do que qualquer coisa, e ainda parecia preparado para levar um fora da galera.

— Que amor, gente, ele tá com vergonha! — provocou Annelise, fazendo-o torcer o rosto em uma careta.

— Eu não acredito — ainda dizia Ian, ao nosso lado, em choque.

Mason e Grace não pareciam tão surpresos, embora eu tenha sentido os olhos azuis do louro em mim, como se checasse se eu não estava surpreso também. Passei os olhos por todos, procurando algum sinal de desagrado. Todas as garotas pareciam de boas, Bruno estava estranhamente animado, e Jake era o único que parecia desconfortável, embora forçasse um sorriso para todos.

Barra limpa, pensei, com certo alívio.

— Até que enfim! — soltou Bruno, levantando-se do meu lado e sentando-se ao lado do Alex. — Demorou, hein?

Alex piscou, aturdido. — O quê?

— Você sabia? — perguntaram Anne, Faye e Jake ao mesmo tempo.

Bruno sorriu de canto, focando os olhos castanhos nos negros do Alex. — É claro que eu sabia! — exclamou, abrindo os braços. — Ele não suportava a MJ, ele sumia de fininho no meio das festas e voltava com chupão no pescoço enquanto a garota tava com a gente — explicou, como se todos fossem bobos. Então, piscou um dos olhos para o Alex antes de passar um dos braços em torno dos ombros dele. — Alex aqui é o meu docinho, eu o conheço do avesso.

Alex riu involuntariamente, tapando o rosto no que parecia dificuldade de acreditar no que estava ouvindo. Bruno deixou um beijo estalado nos cabelos dele.

— É mesmo, e a Mary Jane? — perguntou Emily, curiosa. — Vocês estiveram juntos.

— Você terminou por causa disto — deduziu Anne, com um tom manso.

Alex assentiu, mas não conseguiu falar nada.

— Deixem ele em paz! — pediu Faye, levantando-se, antes de se enfiar entre Jake e Alex, já que Bruno havia sentado do outro lado do Cunningham. — Meu bem, já sabe a qual das letras da sigla pertence? — perguntou, compassiva ao mexer nos cabelos dele, e imagino que fosse porque podia imaginar o quanto estava nervoso.

Todos sabiam da sexualidade da Faye.

Alex engoliu em seco, receoso, e pela primeira vez, focou os olhos em mim. Retesei o corpo, e apesar de não poder ler a mente do Alex, eu apostaria que ele me olhava porque eu também questionei sua sexualidade quando ele apareceu bêbado no meu quarto no ano anterior.

E ele não havia respondido.

— G — respondeu, em um som baixo, erguendo os ombros.

Faye deixou a cabeça cair no ombro dele. — Bom, bem-vindo ao vale dos unicórnios. É colorido, você vai amar! — brincou, antes da gritaria recomeçar com força, parabenizando-o pela coragem.

— Vocês são incríveis! — murmurou Grace, para mim, com um sorriso.

Somos incríveis, pensei, sentindo um estranho calor no peito.

Apenas naquele instante Alex pareceu descansar da postura tensa. E quando o assunto recomeçou, virado para outros assuntos, Alex permaneceu fora de órbita por minutos.

Eu continuei a observá-lo, com um sorriso, contente por ele.

Parece que o medo de que o segredo se espalhasse pelo colégio o fez considerar e aceitar as coisas como seriam se isto ocorresse, e assim percebeu que podia lidar com as consequências. Talvez fosse isto que passou pela sua cabeça quando percebeu que o ano havia começado e tudo permaneceria igual.

Me alegrei que ele houvesse dado este passo e, ao observá-lo, percebi que ele também parecia partilhar do mesmo pensamento.

O rosto corado pela animação e os ombros relaxados como se um peso houvesse sido quitado deles permaneceu, junto do sorriso bobo no rosto. Os olhos negros como os de um corvo brilharam pelo resto do dia, como se ele finalmente houvesse se libertado.