Made of Stone

X. De todos os acordes do mundo


O primeiro aniversário de Alex do qual eu participei foi marcante, porque acabei descobrindo algumas coisas interessantes ao seu respeito. Foi a primeira vez que eu soube, por exemplo, de sua má relação com o pai, mas foi apenas mais para frente que eu soube todos os motivos por detrás dela. Motivos intrínsecos, extrínsecos e motivos que Alex sequer compreendia ainda.

Então, como é que eu compreenderia?

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Agora, quando penso a respeito, eu só consigo sentir dó de tudo o que ele guardava para si e de tudo o que ele gostaria de simplesmente gritar peito afora. Mas não podia.

*

Cheguei atrasado na casa do Alex.

O motivo foi o seguinte: passei a tarde toda com o Will e a Kaori no centro da cidade, procurando por um presente que fosse adequado para o Alex. Seu aniversário era quase dois meses após o meu, e passei a semana toda pensando no que eu podia comprar e com que dinheiro eu podia comprar algo.

Will, no entanto, havia economizado com os trampos que fizera alguns anos atrás e me entregou uma parte ao ver que era importante para mim. Ora, Alex é rico, eu não podia entregar-lhe um fone de ouvido de dez conto quando ele me comprou aquele kit caríssimo dos deuses.

E, ao passo que andava pelas lojas, pude perceber que não o conhecia tão bem quanto pensava. Não sabia seus gostos de música - apesar de saber que ele gosta de rock, a julgar pelo pôster de Axl Rose e pelas músicas cantaroladas no caminho para casa -, nem de filmes, nem de desenhos, nem de roupas, nem de nada. Sabia que ele era um badboy rico, que usava roupas caras, majoritariamente escuras, e também sabia sobre os pôsteres de banda em seu quarto.

Mas o que é que Alex amava de verdade?

Eu não tinha certeza, mas assim que me deparei com uma loja de esportes, pude pensar em um presente que, apesar da possibilidade de não amar, eu sabia que, ao menos, ele iria gostar.

— Caleb — cumprimentou, ao abrir a porta, como uma reprimenda —, sempre atrasado. — Estreitei os olhos, obtendo um riso dele antes que escancarasse a porta. — Entra, temos muito trabalho a fazer!

Pisquei, nem tendo tempo de responder ou de parabenizá-lo antes que Alex me puxasse para dentro. Analisei-o de canto de olho enquanto caminhávamos na direção da cozinha e das vozes dos nossos amigos.

Ele parecia um pouco abatido ou estressado, mas conseguia disfarçar com um sorriso. No entanto, as sobrancelhas se uniam com mais frequência que o normal, e ele se assemelhava a um gato em alerta, relanceando em volta da casa vez ou outra, e eu logo descobriria o porquê.

Ele esperava seu pai sair.

A mãe já não estava, mas o pai continuava em algum canto da casa, e como moravam só os três naquele castelo - desperdício de espaço, penso eu -, faltava só o pai sair para que estivéssemos sozinhos.

Eu recém havia cumprimentado Mason e Ian quando o homem brotou sabe-se lá de onde, a passos largos, em um terno brunido. Parecia estar na casa dos cinquenta, tinha os cabelos escuros - provavelmente pintados porque o cara tinha idade o suficiente pra ter alguns fios brancos ao menos -, pele alva e olhos negros como os de Alex. Eles se pareciam um pouco, embora Alex tivesse um tom de pele mais escuro, mas a maior semelhança eram os olhos e a expressão sombria que conseguiam formar. Um para o outro.

Alexander, sua mãe me informou da festa, então vou aproveitar pra trabalhar a noite toda — informou, em um tom sério, obtendo uma careta de nojo do Alex. Ele pareceu notar, pois se aproximou um pouco mais do filho, parecendo ajeitar propositalmente a postura para ficar uns poucos centímetros maior que ele, com uma expressão mórbida. — Mas se eu souber de um pingo de bebida alcoólica dentro desta casa, você já sabe!

Alex trincou a mandíbula, com os olhos no pai que, por mais simpático que parecesse, sequer nos dirigiu um olhar.

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— Sim, senhor — respondeu, em um tom contido, sem deixar nada passar por seus olhos.

Quase deixei meu queixo cair.

"Sim, senhor"?

O pouco que eu sabia da relação dos dois era que Alex havia chantageado o pai com algo para transferi-lo à nossa escola. Isto soava péssimo, e eu até havia esquecido deste detalhe, mas ainda assim o que me parecia era que Alex era o que tem a postura ereta daquele jeito, e não do contrário.

Não era o que eu enxergava agora.

— Ótimo — retrucou ele, dando as costas ao nos ignorar completamente.

Mason e eu nos entreolhamos, mas Ian não parecia nada surpreso com o jeito de seu tio, continuando a fazer o que fazia. Assim que ele sumiu de vista, Alex relaxou um tanto a postura, embora parecesse desgostoso por haver tido que sequer montá-la em primeiro lugar. Sem nos olhar, pegou o celular, e com um olhar maldoso, levou-o ao ouvido.

— Bruno — cumprimentou, com um sorriso. — Tragam o máximo de álcool que puderem — pediu, apenas então erguendo os olhos para nós, ao dar uma piscadela de olho. — A gente dá um jeito, eu enfio na geladeira e nos coolers. Isto. Traga destes também.

Que bobagem a minha não saber o que é que Alex ama de verdade: o caos, em sua perfeita forma. O garoto de completos dezesseis anos é um terrorista!

Nada podia tirar aquele desgosto de seus olhos, no entanto, por mais que sorrisse e brincasse, sempre volvia a ficar sério. Estava evasivo, pensativo, e eu diria até que chateado. E, apesar do Sr. Cunningham já haver ido embora, eu sabia que ainda se tratava dele. Isto só mudou depois que os doces começaram a tomar forma e a área da piscina, sala e locais onde o pessoal ficaria começou a ficar arrumadinha, pronto para a reunião com seus amigos.

A casa de Alex era enorme, muito branca, algumas portas e janelas de vidro - muito vidro! - e parecia extremamente vazia. Talvez fosse que o quase completo um ano na cidade não havia sido o suficiente para tornar o lar mais aconchegante.

Bom, isto não é verdade, mas eu só descobriria depois que fosse tarde demais para que minha ajuda fosse necessária.

Quando retornamos para a cozinha, a pedido de Alex, para fazermos brownies e snacks para a galera, ele voltou a ser ele próprio. Alexander, o Grande Idiota. Eu sabia mais ou menos as receitas que ele queria, então ficamos envolvidos nisto basicamente a tarde toda. A cozinha se transformou em um caos de chocolate, glacê e embalagens fora do lugar.

Quando a hora se aproximava, deixamos o que tinha que deixar no forno, assando, e ajeitamos a cozinha em equipe. Por incrível que pareça, funcionou, e conseguimos pôr tudo em ordem antes que os convidados começassem a chegar.

Eu já devo ter reclamado mil vezes que Alex é extrovertido e cheio dos esquemas, mas para se ter uma noção: praticamente todo o ensino médio estava convidado para a dita festa. Alguns compareceram, outros não, mas o fato é que a casa encheu aos poucos.

Alex e Bruno, em algum momento, apareceram carregando caixas de isopor, coolers, e uma quantidade absurda de cerveja. Os outros vieram ajudar, enquanto só observávamos. Faye se empenhou que não queria cerveja, mas queria álcool, então faria alguns drinks, com a permissão de Alex. No meio daquela cozinha - que não era nada pequena, comparada à da minha casa -, estávamos cada um fazendo algo diferente.

— Vocês viram a cara do Bruce? — perguntou Mason, rindo muito, quando falávamos sobre as provas roubadas.

No fim, tudo acabou dando certo e tiramos ótimas notas, para que não fossem perfeitas. Mas não se podia dizer o mesmo sobre todos os alunos.

— Bruce é bom em matemática — expliquei para o Alex, que também prestava atenção na conversa.

— Eu sei — respondeu, dando de ombros, ao colocar algumas cervejas no congelador.

Estreitei o olhar, vendo que Ian completara: — E ele foi péssimo na prova! — contou, achando graça.

— Eu sei — repetiu Alex, fechando a geladeira com um sorriso de canto. Todos olhamos para ele. — Depois que saímos, eu voltei lá e troquei as respostas dele.

O quê?

Em um instante, estávamos os três gargalhando, incrédulos, ao passo que ele fazia uma reverência de rei. Faye, que estava batendo morangos em um liquidificador, apenas nos olhou de canto e riu.

— Não suporto aquele garoto chorão — reclamou Alex, piscando um dos olhos para o Mason, com quem Bruce implicava. — Ele teve o que merecia.

Isto fazia sentido, porque no nosso colégio, eles não costumam entregar a prova com a nota. Entregam só a nota, então Bruce não pôde perceber que suas respostas estavam trocadas.

Gostaria de ter pensado nisto antes.

Alex se aproximou de mim quando eu tirava a última fornada de brownies para que fossem cortados e postos em tigelas, com o olhar malévolo. Estreitei os olhos, tentando ver o que ele carregava, quando senti o frio nas minhas costas.

O maldito enfiara um gelo dentro da minha roupa!

Logo a cozinha viraria um caos de guerra de gelo. Sim, guerra de gelo, como se não houvesse nada melhor para fazer. Faye ficou puta porque eram os gelos que seriam usados nas bebidas que ela estava preparando, e Alex ameaçou de jogar alguns nela quando ela reclamou.

Minha camiseta já estava úmida de tanto gelo que acabou dentro dela e, enquanto eu a amassava ao puxá-la, atrás do gelo que eu estava sentindo no topo das minhas costas, Alex o pegou por mim. Alarguei os olhos, sentindo a mão intrusa em minha camiseta, tão gelada quanto o próprio gelo, antes que ele a retirasse, fazendo com que eu me encolhesse até não poder mais pelo arrepio.

Alex riu ao perceber.

Encarei-o com descrença, colocando uns bons passos entre nós ao me afastar. — Não faça mais isto — reclamei, ainda podendo sentir a minha nuca eriçada.

Ele cruzou os dedos, beijando-os em seguida, com a graça de um anjo. Um anjo caído, só se for. — Eu prometo — falou, sem descruzar os dedos, para logo rir da minha cara irritada.

Girei nos calcanhares ao ver que ele se aproximaria de novo, e comecei a berrar por ajuda quando ele enlaçou minha cintura, me impedindo de desprender-me. Me debati, olhando por cima do ombro apenas para ver que ele tentava alcançar o resto da bandeja de gelo em cima do balcão com a mão livre. Aproveitei a deixa para me desvencilhar, vendo-o reclamar e conseguir pegar a bandeja, e logo estávamos todos correndo pela casa.

Bom, até acabarem os gelos.

Em seguida, subimos para o quarto do Alex, quando ele se retirou para conversar com os amigos que chegavam. Como ele havia dito que podíamos pegar o que quiséssemos do quarto dele para usar, assim o fizemos. Todos estávamos ou molhados ou sujos de doces durante nossa pequena aventura na cozinha. Eu estava de ambas as formas.

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Peguei uma camiseta de banda, AC/DC, que já o vira usar. Relanceando para ver uma disputa entre Mason e Ian por uma camiseta com um meme estampado, levei a que tinha em mãos para o rosto.

Sim, tem o cheiro dele.

Não que eu me importasse com o cheiro de Alex, mas eu queria me certificar de que a camisa estava limpa. Sim, era isto. Tirei a minha rapidamente e vesti a dele, sentindo-a um tanto grande, mas nada exagerado. Quis engolir aquele sentimento de conforto estranho e sem sentido algum, mas não consegui, porque me abraçou com todas as forças.

Sorri, feito um imbecil, antes de sumir com o sorriso ao ver Alex adentrar no quarto e checar se tudo estava ok. Riu quando pôs os olhos no loiro, porque a camisa de meme - sim, Mason ganhou a briga - ficou enorme nele devido à sua falta de peso e altura.

— Charmoso — afirmou, com um sorriso de canto. — Cristina irá amar — acrescentou, com malícia.

— Será que vocês podem parar de falar dela? — reclamou, ajeitando os fios loiros e os óculos, ao se olhar no espelho. — Naquela princesa de conto de fadas — acrescentou, causando risos ao sonhar acordado.

Juntei o presente que havia trazido lá de baixo e deixado por sobre a cama. Estendi para o Alex assim que ele pôs os olhos em mim, porque eu já o conhecia o suficiente para saber que ele comentaria algo sobre sua camiseta em meu corpo, e quis desviar sua atenção antes que o fizesse.

Ele arqueou as sobrancelhas, pegando o pacote com curiosidade.

— Achei que seu presente seria um desenho — acusou, já que me pedia desenhos seus desde que soube que eu desenhava. Mostrei-lhe a língua, fazendo-o rir, enquanto abria o embrulho como um vulto.

Observei o sorriso aparecer pouco a pouco até atingir os olhos. Ele focou as duas orbes enegrecidas para mim com tanto esmero que não pude deixar de sorrir também.

— Você lembrou — acusou ele, mas com carinho.

— Eu também não sabia o que comprar para você — expliquei, ignorando-o ao dar de ombros.

Ele ergueu o boné do time de baseball do qual ele tanto falara, analisando as letras que formavam New York Yankees, girando-o em mãos como se para comprovar que era mesmo o original. E era. As cores azul marinho e branco, em junção ao logotipo do time não mentiam devido à qualidade. Eu paguei horrores por aquilo - tá, tudo bem que para o nível Cunningham aquele boné custasse até barato, mas é bom lembrar que eu sou pobre!—, e deveria ao Will minha alma até que conseguisse meu primeiro emprego.

Ele riu, chamando a atenção dos outros dois.

— Ei, olhem o que eu ganhei! — falou, animado, antes de pôr por cima dos cabelos escuros. — Tô gato?

— O mais gato — afirmou Ian, piscando um dos olhos para o primo.

— Obrigado — agradeceu, com uma reverência, ao passo que Mason ria. Então, virou para mim com um brilho no olhar. — Obrigado — repetiu, com carinho.

— Por nada — murmurei, dando de ombros.

Alex, então, desviou os olhos para a camiseta que eu usava, sorrindo de canto antes de voltar os olhos para mim. Avançou em meio segundo, antes que eu pudesse reagir, e segurou meu rosto para tascar um beijo estalado em minha bochecha.

— Você é o mais fofo, Caleb — afirmou, fazendo-me querer morrer de raiva. E de vergonha também.

Ouvi a gargalhada escandalosa do Ian quando Alex me prendeu novamente, enchendo-me de beijos estalados no rosto ao passo que eu fazia cara de nojo e tentava me afastar.

— Sai, Alex! — reclamei, tentando seriamente não rir.

Esfreguei o rosto como se minha vida dependesse disto quando ele se afastou, sentindo o rosto queimar de vergonha, mas falhando em reprimir o sorriso. Alex sequer deu importância ao ocorrido, dando de ombros como se nada houvesse acontecido, antes de seguir com sua vida. Virou o boné na cabeça, para que a aba ficasse para trás feito um maloqueiro e nos chamou para descer logo.

Só então percebi os olhos analíticos de Mason em mim, que logo desviou quando eu foquei os meus nele. Engoli em seco, seguindo Alex para fora antes de ser seguido pelos outros dos.

Finalmente, então, depois de toda aquela trabalheira - a qual não fomos pagos para fazer, diga-se de passagem -, pudemos aproveitar a dita cuja da festa. Depois do embrulho no estômago que tive na primeira, resolvi que era mais sensato não pôr um gole de álcool na minha boca. Mason discordou, Ian também.

Crianças, pensei, com bom humor.

Todos estavam reunidos na área da piscina, alguns dentro, mas a maioria sentada ou dançando em volta dela.

Mary Jane, para o meu desgosto, estava ali. Sentada no colo do Alex, em frente à piscina, tomando um drink enquanto ele ria e conversava com os amigos ao lado. Faye estava debruçada sobre Annelise, que mexia no celular, e as duas pareciam entediadíssimas. Bruno, Matt e Emily estavam engajados em uma conversa com Alex.

Estranhei que os siameses não estavam junto deles. Mas bastou o pensamento para que a campainha tocasse pela vigésima vez, e Alex se prontificasse de atender. Pediu licença para Mary Jane, de forma galã ao deixar um beijo em seu rosto, antes que ela levantasse e sentasse onde Alex estava anteriormente.

Passou por mim, pegando meu braço para arrastar-me com ele. Justo quando eu ia finalmente sentar e descansar as pernas!

— Vem, acho que é o Ben! — compartilhou, animado, e estava correto.

Estranhei mais uma vez, seguindo-o.

— E aí, cara? — cumprimentou Ben, do outro lado da porta, daquele jeito contido dele, quase formal. — Feliz aniversário!

Alex agradeceu, focando os olhos em Jake, que vinha atrás, carregando algo. Eu apenas observei os três, por cima do ombro do Alex, desviando o olhar de um para outro.

— Você trouxe? — perguntou ele, quase pulando de empolgação. Ben assentiu, apontando para o amigo atrás, mas Alex já tinha os olhos na case.

— Ben fez com que eu carregasse — reclamou Jake, tirando-a do ombro e entregando para o Alex.

Era uma surpresa que Ben tivesse um violão, ao menos para mim, que não fazia parte da panelinha do ensino médio. Mas também porque Ben é todo sério e engomado, eu não conseguia imaginá-lo solto o suficiente para fazer música.

Alex virou para mim. — Ben ganhou um violão uns tempos atrás e não usa — falou, indignado, ao segurar a case como se fosse uma peça rara que pudesse quebrar. — Pedi pra que trouxesse!

Assenti, evitando rir ao ver o jeito estabanado dele.

Alex, então, nos chamou para a área da piscina, ainda com os olhos na case, dando as costas como se esquecesse de todo mundo. Cumprimentei os dois com um aceno, e então seguimos atrás do aniversariante, que ajeitava o boné que eu lhe dera na cabeça, com os olhos no que Ben lhe emprestara.

— Quem é que vai tocar? — perguntou Ian, assim que viu o violão, animado.

— Eu é que não — retrucou Ben, pegando uma cerveja e sentando-se junto do seu pessoal.

— Qual é, Ben? — reclamou Alex, movimentando a case na frente da cara dele. — Você é o único que sabe!

Ben negou, e Jake riu, apontando pro Matt. — Matt sabe tocar umas músicas meio reggae.

Alex girou o rosto para o amigo mais velho, que ergueu as mãos. — Não, eu nem me lembro direito, faz tempo que encostei em um violão!

No entanto, pelo brilho no olhar e a empolgação de Alex, estava certo que ele não desistiria tão cedo. Pediu para que Ben o ensinasse ao menos alguns acordes para que tocasse uma ou outra. E assim ficaram, entretidos, por mais de hora.

A coreana deve ter se entediado de não ter a atenção para ela, pois se afastou do grupinho e foi para perto de outro, formada de garotas de sua mesma turma. Annelise, em algum momento, me enxergou e fez com que eu sentasse entre ela e Faye, fazendo-me perguntas e piadas, como se fôssemos velhos amigos. Eu não sei o que aquela garota vê em mim!

Ian se deitou naquelas cadeiras de praia que Alex também tinha ali na área, Mason sentou ao seu lado em uma cadeira grande, mas normal, e, assim que eu pude me livrar das duas meninas, corri até eles e me espremi na mesma cadeira que Mason.

— Um pouco mais para o lado, Maze! — reclamei, vendo-o incrédulo comigo. Ri, ouvindo Ian gargalhar ao lado, mas dei de ombros.

— Se eu fosse um pouco mais esperto, jogava vocês dois no meio do mato e me livrava de vez por todas — reclamou ele, ajustando os óculos no rosto.

— Cristina não namoraria um cara que abandona os amigos — provoquei, vendo-o revirar os olhos e Ian rir.

— É verdade, Maze — concordou nosso amigo. — O que diria para explicar esse coração amargo?

— Eu diria que havia feito o necessário para excluir más influências da minha vida — retrucou, fazendo-nos rir ainda mais.

— É, diz o detetive — provoquei, mais uma vez.

Em algum momento, abaixaram o volume da música e Alex, rindo, tentou pôr em prática as poucas notas que aprendera de última hora. Errou algumas vezes, fazendo os amigos gargalharem, e lhes mostrou a língua, tentando mais uma vez. E outra. E outra.

Ben ensinou uns três acordes que poderiam fazer tocar algumas músicas de forma simples. Apesar de errar algumas vezes, ele conseguiu desviar a atenção de todo mundo do som do violão para o som de sua voz quando começou a cantar. Desviei os olhos das suas mãos no violão para o seu rosto, radiante ao deixar melodias escaparem por sua boca.

Eu tinha os olhos fixados nele, observando desde os cabelos escuros escondidos pelo boné virado para trás, para a camiseta preta formal, os braços em torno do violão, a bermuda jeans de cor clara e os tênis caros.

Os risos e o jeito despojado de ser me deixavam muito bugado pelo contraste com todo o cenário. Alex era rico, usava roupas de rico - tecidos caros, trabalhados e de marca -, vivia em uma casa de rico - uma residência gigante, vazia e sem cor, como nos filmes -, mas a única coisa que não parecia encaixar em todo o local era ele. Possuía pais que portavam aquela postura ereta de programas sobre exercícios físicos e queixo erguido como se estivessem por sobre todos. Não que todos os ricos fossem assim, ou fossem pessoas ruins - muitas vezes nem devem perceber seus próprios trejeitos -, mas na família dele certamente eram.

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Ele, não.

Alex era como um tapete laranja neón no meio de uma casa monocromática.

Em meio a risos e caretas pelos erros e travas no violão, ele cantou, aumentando o volume da voz pouco a pouco, ao passo que os outros o incentivavam. Eu o odiei um pouquinho mais, porque que voz bonita 'pra caralho!

Não é como se eu fosse um especialista de vozes ou que eu pudesse afirmar que ele ganharia um programa de televisão, mas a voz cantada era naturalmente bonita e eu, que nada entendo de timbre e tom, achei que fosse perfeita. Alex não precisa saber disto, acrescentei mentalmente, com um sorriso.

As músicas eram das mais conhecidas, então todos começamos a cantar junto e a balançar os braços acima da cabeça, divertidos. Olhei para o meu lado, vendo que os dois também faziam o mesmo, junto de mim.

Ao observar o brilho em seus olhos, as bochechas coradas pela animação e o sorriso que podia atingir os olhos, me recordei dos aparelhos de música que haviam em uma mesinha de seu quarto. Eram fios, caixas de som, fones de ouvido dos mais caros, e havia uma prateleira de CD, coisa que mais ninguém usa hoje em dia.

Que bobagem a minha!

Ali estava, perceptível para qualquer um que o observasse e o ouvisse, para qualquer um que prestasse atenção: o que ele realmente amava, ao vibrar de animação com o violão em mãos e a melodia no ar.

Aquela era sua paixão, a música, e nada poderia combinar mais com ele.

*

As horas se passaram rapidamente e eu devia admitir, apesar de não gostar muito de festa, que aquela estava divertida. A festa foi quase familiar, confortável e pacífica. Ninguém deu pane no sistema, os que beberam não exageraram, e muitos não demoraram muito para ir embora, depois de beijarem alguém, comer e beber de graça.

Era quase três da manhã quando os que resistiram até ali se retiraram quase ao mesmo tempo, restando os amigos mais próximos de Alex e nós. Então, corremos para dar um fim em todas as garrafas, todos os copos de drink, e tudo que denunciasse uma festa não exatamente permitida para menores, inclusive as bitucas de cigarro e o cheirão de maconha, com um frasco inteiro de aroma de lavanda.

Foi então que percebi que, naquele dia, eu não vi Alex fumar em momento algum.

A mãe dele chegou por volta desse horário, parecendo um pouco desconfiada ao dar uma olhada pela casa e reclamar dos locais onde havia muita bagunça. Esta, sim, não se parecia nada com o Alex. Os cabelos eram loiros, os olhos eram azuis, a pele era alva. Os traços eram um tanto delicados e o nariz empinado, mas ela parecia desgastada, como se estivesse exausta. Mais tarde, eu também descobriria que aquilo não era algo momentâneo, porque ela sempre aparentava ser assim.

Trabalhava como farmacêutica durante o dia, e Alex comentara que ela é evangélica, então passava os fins de semana na igreja ou em retiros e eventos religiosos. Já o pai trabalhava em algo relacionado a tecnologias, contou-nos ele, e então foi transferido para cá como chefe de um departamento. Não perguntei mais porque qualquer assunto relacionado ao pai realmente o chateava.

A Sra. Cunningham número 1, ou seja, a mãe do Ian, chegou junto da número 2, pois a mãe do Alex estava na casa do Ian, para dar privacidade à sua festa, o que achei que fosse até gentil. A mãe do Ian ficou de nos buscar quando levasse a cunhada, e também de dar uma carona para mim e para o Mason.

Recém tinha passado das três da manhã quando elas chegaram com a Emma, a irmã de sete anos do Ian. Eles geralmente não se davam muito bem, mas Emma era uma gracinha. Provavelmente seria alta como o irmão, tinha os cabelos castanho-claros, iguais olhos de cachorrinho abandonado, e possuía uma porteirinha na boca.

Emma correu até o Alex assim que o viu, chamando-lhe a atenção. As duas Sras. Cunningham se dirigiram à frente da casa, engajando em uma conversa assim que a primeira se certificou de que a filha não caísse na correria.

— Alex! Alex! — gritou, antes de se aproximar o suficiente para pular em seus braços, como se já fossem acostumados, e foi prontamente atendida.

— Opa, princesinha — brincou ele, ajustando-a no colo —, o que faz acordada de madrugada? — perguntou, como se ralhasse, mas com um sorriso.

— Ah, amanhã é domingo e a mamãe deixou pra eu vir dar parabéns — contou ela, sorrindo abertamente ao vê-lo assentir. — O bobo do Ian demorou pra chamar!

Ian, ao meu lado, revirou os olhos, quando a língua da irmã foi direcionada a ele.

— E onde tá? — brincou Alex, deixando-a confusa.

— O quê? — perguntou, mas rindo em antecedência pela cara traquineira do primo.

— Os parabéns — ditou ele, estreitando o olhar. — Você não me entregou nenhum parabéns ainda.

Ela revirou os olhos, rindo. — Ahh, que bobo! — falou, jeitosa.

— Você me chamou de bobo? — Ajustou ela nos braços, caminhando em direção ao sofá da sala. — Você sabe o que acontece quando me chamam de bobo? — perguntou, e ela começou a gargalhar antes mesmo que ele a jogasse no sofá e fizesse cócegas. — As cócegas do Alex!

Confesso que, ao encarar o desenrolar da cena na minha frente, fiquei um pouco chocado. Primeiro, porque nunca havia visto Alex e Emma em um mesmo ambiente e estava surpreso que ele se desse tão bem com a priminha. Segundo, porque ele parecia tão confortável, entre risos, que nem parecia ele mesmo - bom, é preciso admitir que eu estava vendo muito disto hoje. Quando viu a garota, parece que o mundo parou de girar e o único que importava era ela.

Alex tem um jeito despojado e à vontade, além de ser tomado por um carisma próprio, mas eu sempre imaginei que parte disto fosse forçada. Alex fingia durante grande parte do tempo, sem falar que ele escondia um ou vários segredos de nós, e disto eu tinha certeza por causa do que descobri naquela dita cuja da festa. Inclusive, naquele ponto, eu pensava que ele fingia pertencer àquela casa, àquela família, àquela vida, porque destoava tanto de tudo aquilo.

Em seu aniversário, no entanto, eu vi muito do outro lado do Alex.

Alex não parecia nada forçado ao sentar Emma em seu colo, mexer em seus cabelos com ternura, e perguntar sobre o que ela estava aprendendo na escola como se fosse a coisa mais interessante que ele ouviria em meses.

Observei-o com atenção, e apenas então enxerguei o dito sorriso forçado que ele costuma fazer, vez ou outra.

A diferença é que este era triste.

Emma estava sentada de costas para ele, enquanto Alex tentava fazer uma trança - muito errada, diga-se de passagem - nos cabelos lisos dela. Emma falava e falava e falava, tão tagarela que mais parecia irmã do Mason e não do Ian. Enquanto ele a ouvia, um sorriso triste tomou conta de sua face. Ele parou de prestar atenção nos cabelos, repetindo os mesmos movimentos neles de forma mais lenta, desfocando o olhar aos poucos.

Emma olhou para trás, o que o fez despertar e abraçá-la com carinho por trás, enquanto ela ria e discursava um pouco mais sobre suas quatro melhores amigas dentro do colégio.

— Caleb? — chamou Mason, arqueando uma das sobrancelhas. Os dois estavam em pé ao meu lado. — Estamos indo para o carro já.

Pisquei, assentindo. — Ok — afirmei, levantando também.

Já havíamos nos despedido do Alex antes, enquanto ele agradecia a presença e tomava dois litros de água para baixar o efeito do álcool para quando estivesse em frente aos pais. Então não havia problema se já fôssemos indo, já que ele também parecia entretido com a prima.

Olhei para trás algumas vezes, sentindo o coração pesar sem nem saber o motivo ao ver Alex tão absorto em Emma. Era como se eu pudesse saber que ele realmente estava triste, de certeza, e pudesse sentir também.

A última imagem que vi antes de sair porta afora foi a de Alex deixando o rosto apoiado no ombro dela, sorrindo um pouco, enquanto ela gesticulava para ninguém em especial ao tagarelar.

E eu podia jurar que vi, devido à luz da sala, os olhos negros marejarem.