Made by Selflessness

Capítulo I - O medo cresce e a tempo diminui


Não chegava aos primeiros cinco minutos das oito horas daquela noite segundo o relógio vermelho e aparentemente velho de Ian quando olhei de relance seu pulso direito. Escorei no banco com o pescoço debruçado, fazendo meus cabelos negros que batem na metade da nuca ficarem caídos enquanto minha cabeça ficava pra baixo, meus olhos observando as árvores de galhos finos e carregadas se ondularem de acordo o leve vento que junto levava minhas mechas pro lado da cadeira em que Ian sentava, com o cotovelo na coxa apoiando o palmo da mão aberta na qual sentava seu queixo.

— O quê faz aqui? - o perguntei, duvidoso pela hora que não era muito fácil de o encontrar a menos que tenhamos marcado nos encontrar como geralmente fazemos finais de semana ou quando tem algum evento em Illéa.

— Fácil a dedução de que estaria aqui, hoje. - me respondeu apontando com a cabeça pro outro lado da rua, que era basicamente o início da floresta. - Mas te vi aqui, ao em vez de lá, até estranhei mas vim atrás de você. - explicou.

— E ia atrás de mim, na floresta, a fim de treinar comigo porquê pensou que eu estivesse lá? - perguntei curioso. Sorri o vendo assentir. - Então, bem... Não é uma má ideia.

Me abanquei corretamente e ele deu de ombros se ajeitando também mais perto de mim. O silêncio ecoava no local mas um grito de socorro estridente explodia em minha cabeça, não conseguindo parar de pensar no dia de amanhã, pensando se minha mãe ou irmão fosse sorteado. Os jogos era a única coisa que conseguia, pelo menos na maioria dos cidadãos da Abnegação, tirar a generosidade de nossas cabeças mas como sempre eu era parte da minoria então não conseguia pensar parar de pensar neles, mas não quero dizer que se eu fosse estaria feliz. Me peguei respirando fundo, arfando, suspirando o ar tedioso.

— Vamos logo! - disse me levantando. - Não vou suportar o resto do dia que certamente nem dormirei nesse tédio todo. - e forcei um sorriso, sabendo que ele se corroía na vontade de treinar, como fazemos quando o encontro.

Pulando do banco, ele sorriu e se dirigiu um passo a frente de mim, de costas pra rua que atravessávamos e de frente pra mim.

— Andei pedindo meus pais um arco e... - começou quando soltei minha primeira gargalhada do dia, sabendo o resto da frase, com uma das poucas pessoas que conseguem realmente me fazerem sorrir por algo engraçado.

— E aí disseram - continuei a frase dele, logo ele se juntando à mim fazendo-nos terminar a frase em coral - "Você já tem até o que não usa! Vai trabalhar, garoto. Vai atirar isso onde? Eu hein!" - e rimos.

— Exatamente - revirou os olhos mais tarde.

Logo já estávamos na calçada pequena e fina no meio da rua, devido a mesma ser larga. Ian deu mais um passo de costas no momento em que sua penumbra foi projetada no asfalto por causa do farol que se aproximava cada vez mais, rápido, com pessoas pra fora da janela gritando e acompanhando a música que tocava alto no carro. O peguei pelo braço e puxei pra calçada de volta, revirando os olhos. Respirando fundo e esperei o carro passar, com ele ao meu lado de olhos arregalados. Um par se sentava na frente, outras duas pessoas atrás e uma sentada na janela aberta de trás, um de cada lado, somando seis Audaciosos no carro preto, com o farol intenso. Suas roupas eram pretas como o carro e a noite, que fazia as mesmas brilharem por serem coladas também. O veículo passou próximo de mim o suficiente pra reconhecer pelo menos metade do grupo.

— Eram... - começou Ian, sumindo a voz gradativamente. Assenti.

— Aqueles da escola - completei. - Sim, eram. - dei de ombros ligeiramente - Pelo menos não continuam.

Dessa vez dei o primeiro passo e fui na frente dele, andando rápido até o outro lado da rua onde começava a floresta imensa. Poucos passos depois já chegávamos numa calçada que tinha uma cerca elétrica. Nem placa de aviso sobre a eletricidade tinha porque a cerca elétrica nunca está ativada. Muitas partes dos arames estava cortadas, umas arrombadas, como a de frente para nós na qual me agachei e comprimido para passar mesmo sendo grande o espaço. Quem sabe não estaria, por algum motivo novo, ligada a essa hora que geralmente não venho aqui?

Depois do arame não tinha muito chão reto, então logo um par de passos meus depois já estava descendo disparadamente a descia que tinha a mata ficando maior cada vez mais que eu me aproximava das primeiras árvores. No fim da mesma, quando enfim fiquei quieto e intacto, as plantas batiam na metade da minha canela. Um barulho vinha de trás e eu, ficando assustado pela aparente aproximação, me virei para ver e me deparei com Ian rolando até mim. Sorri e subi o máximo que podia, o esperando ali para o agarrar. O segurei pelos braços e o desci o resto devagar.

— Se machucou? - perguntei o levantando.

— Estou legal. - me respondeu batendo na calça e sacudindo a camisa totalmente vermelha, sem estampa. - Só falta me acostumar com a chegada depois da cerca. - terminou sorrindo.

Eu concordei com a cabeça e dei um passo a frente dele o guiando entre as plantas pequenas e leves sob as árvore carregadas por todo lado. Entrava pelas árvores, esquivando de umas até que por fim chegamos na beira de um pequeno e raso lado que tinha alguns troncos deitadas por volta dele.

"1, 2, 3", eu contava mentalmente a partir do primeira a minha frente. ''4, 5º'' continuei até o quinto tronco pro qual me dirigi segurando-o pelo braço. Naquele, eu o soltei e agachei puxando um arco e depois a aljava que o entreguei. Me levantei e o dei o arco. Pegando, ele olhava de olhos brilhando a arma.

A lua cintilava sobre o lago, um ponto branco no preto espinhado com as estrelas.

— Que horas são? - perguntei.

— Hmm... - ele pensou um pouco calculando o relógio de ponteiros no punho. - Quase nove. Tenho que ir logo. - terminou.

— Certamente. - afirmei o olhando colocar a aljava nas costas. - Se lembra como usar ainda? - sorri.

Ele fez uma expressão de dúvida, puxando uma flecha das costas e a armando no elástico forte. Visivelmente parado, com a respiração presa, soltara o elástico deixando a flecha ir em direção à uma árvore ali mas passando longe. Se virou pra mim e eu dei de ombros, sorrindo, me aproximando dele.

— Não solte assim. Você tem que puxar a corda, devagar, escorregando a mão até que uma hora ela sai e sua mão continua até aqui atrás do pescoço, levanto seu cotovelo pra trás. - expliquei o mostrando os determinados locais que citava, gesticulando, com o rosto próximo ao dele - Se imagine na visão da flecha, que você é ela. Fecha o olho, deixando aberto apenas o que está do lado que usa o arco.

Ian fez a mesma coisa, dessa vez acertando o topo da árvore. Sorri pra ele, satisfeito, que fez o mesmo.

— Vocês treinavam juntos? - me perguntou referindo à meu pai e eu, se assentando no tronco e me entregando o arco.

— Ahã. - confirmei assentindo, pegando o arco e o alisando. - Ele quem fez. Disse até que faria um pra mim, dois dias antes de ser sorteado. Não sei que arco é esse, um ano de fábrica. - eu sorri dando de ombros enquanto ele me entregava a aljava que peguei duas flechas e coloquei as outras sete, na aljava, escorada no tronco ao lado dele.

As enguicei no arco na minha mão esquerda, por canhotismo, arrumando uma das flechas afiadas entre o dedo indicativo e o do meio no elástico enquanto a segunda ficava entre o do meio e os outros dois. Puxando pra direita, apontando pra minha esquerda, puxei o elástico até sentir minha mão em meu maxilar e o soltei rápido disparando-as numa árvore que fora atingida ao meio.

Ian sorriu enquanto eu abaixava o arco e o escorava ao lado da aljava, me sentando em seu lado do tronco.

— Tenho até medo de lhe ver atirar com a direito! - exclamou com uma expressão de piedade, sorrindo.

— Mas eu sou canhoto. - afirmei. - Não seria tão legal.

— Eu sei. Por isso. Adoraria rir de você errado em alguma coisa, já que a maioria do quê faz é com completa perfeição. - afirmou visivelmente envergonhando.

— Obrigado - sorri não o olhando diretamente no rosto, desviando o olhar pras árvores adentro.

— Creio que já devem ter até chamado a polícia pra me procurarem! - brincou, e eu assenti porque realmente concordava com ele. Os pais de Ian não era tão liberais com o garoto da Amizade, que geralmente não para mesmo dentro de casa.

— É. - respondi pegando a aljava, decidindo o entrega-la. - Acha que eles devem aceitar um empréstimo, pelo menos?

— Sinceramente!? Não sei. - sorriu recebendo as flechas e pegando o arco, que pôs nas costas. - Valeu. - agradeceu me abraçando, logo soltando e se levantando.

Estático uns segundos me olhando de pé, eu fitava o chão estranhando parado só percebendo depois de certo tempo que ele me esperava. Levantei meu rosto e fitei nos olhos.

— Vou ficar por aqui mesmo, só vou embora mais tarde se realmente for. - afirmei e sorri.

— Pensa no quê lhe disse, sério. Com todo esse medo aí só o fará pior mesmo. Relaxa, pelo menos agora pense no quê lhe favorece. - ele disse com a mão pousada em meu ombro e eu só assentia esperando que ele terminasse logo com esse assunto.

— Posso tentar, mais, de novo. - e forcei um sorriso o levando à me dar um outro sorriso de volta.

Ian caminhou devagar de costas acenando, acenei de volta despedindo, e ele me deu as costas entrando na floresta com o arco e aljava nas costas. Logo, me levantei e fui até a árvore que eu atirei, recolhendo um par de flechas, depois dando a volta no lago e subindo na que ele acertou uma mais na parte de cima dessa. Sentado no topo da mesma, recolhi e flecha dela e repousei as quatro em minha barriga enquanto eu deitava minha cabeça numa mão sobre a outra, escorando num dos troncos sustentáveis da árvore. Não demorou muito até minha paz ser retomado por uma voz familiar que me chamava lá de baixo.

— Domie! - sussurrava sem parar. Deitei meu rosto de lado para olhar quem era pelo canto dos olhos, vendo os olhos grafite como os meus e os cabelos loiros, quase castanhos de longe, me observava. - Domie! Dominik!

Peguei as flechas numa mão só e desci num pulo, as deixando no pé da árvore.

— Que foi Jon? - perguntei paciente o fitando naqueles olhos de pálpebras puxadas, como aspecto japonês, iguais ao do papai e dos meus.

— Vai morar aqui agora, é? - me perguntou escorando na árvore. Me virei pra ele.

— Sério. O quê queres agora?

— Deixa de ser tão formal, cara. - me disse sorrindo. Sinceramente, ele como meu meio-irmão só me dava "conselhos" meio-banais. Revirei os olhos e me sentei ali no chão, conduzindo-o a fazer o mesmo do meu lado. - Aquele cara... Ian? Muito carinhoso contigo, não? - questionou

— Ele como meu melhor amigo desde que entrei na escola com ele, sem contar que é da Amizade, não tanto assim além de naturalidade. - afirmei com ênfase. - Mas por quê, ciúmes dele?

Ele soltou uma gargalhada irônica, visivelmente falsa, forçada.

— Eu mesmo... Não. Ele é seu. - afirmou me irritando como sempre.

— Para com isso! - exclamei logo que fechou a boca. - Eu sinceramente não aguento mais essa implicância sua com minhas poucas amizades. Quantas vezes precisarei lhe gritar entre os ouvidos que sou hétero?

Não respondendo minha pergunta retórica, claro, ele se levantou e bateu palmas limpando as mãos e saindo de lá aparentemente indo embora. Me levantei e levei as flechas pra dentro do tronco. Corri até ao lado dele o acompanhando.

— Desde quando me persegue? - perguntei curioso.

— Desde que aproximava do lago. Tava lá, treinando antes de vocês chegarem, daí preferi ficar te olhando mesmo - não disse nem fiz nada, ignorei, acompanhando os passos apressados dele.

No fim da floresta, ele sobe até a cerca e pula pra calçada. Se agachando, virou pra mim, estendeu sua mão e eu fiz o mesmo aceitando a ajuda de me puxar até a calçada. Sacudi minha blusa folgada e sapateei algumas vezes limpando as poucas gramas que minha calça pegara na subida. Acelerei meus passos até o alcançar, que dirigia até nossa casa. Ninguém falava nada, como na maioria das vezes, se não tinha um assunto obrigatório. Jon sempre foi do tipo que é bom comigo, que conversa, que procura, ajuda quando necessário ou por obrigação mas nunca daquele tipo de gente, irmão, que está caçando interagir comigo. Não estou reclamando, não temos muito em comum afinal, só que sempre estive observando isso. O silêncio retornou então com a companhia dele até que chegássemos em casa.

Não deveria ser onze ainda quando chegamos em casa e ele entrou na frente. Eu bati meus pés no pequeno tapete da porta e entrei, me virei e fechei a porta. Logo subi pro quarto e cai na cama, ficando surpreso pouco depois quando o sono conseguiu me achar.

———

O sol rajava luz do lado da cama pela janela de vidro que nem abaixei as cortinas quando deitei ontem. O barulho desnecessário dos carros e mais carros que lotavam a rua me acordou e logo me levantei enfiando os pés no chinelo indo até a janela.

A rua como já imaginava estava lotada, ninguém além de alguns pacificadores soltos, carros e motos transitavam por lá. Não era extenso a quantidade, mas larga e densa. Observei-os até que o som sumisse junto com o último carro exótico virar a esquina; achando que haviam passado todos, ainda vinham dois pacificadores armados acompanhando uma mulher de salto alto e roupa totalmente rosa, inclusive seus cabelos que eram presos num coque alto como de casamento. No pescoço um colar de ouro com um pingente do símbolo da Capital Illéa acompanhado de algo como um crachá de identificação com uma pequena foto dela, nome, e posição que no caso dela, creio eu, seria "Porta-Voz", aquela que acompanha os tributos desde o sorteio até a arena dando e auxiliando as etapas e etecetera.

Olhei no relógio pequeno de mesa na cômoda baixa do lado esquerdo da cama que contavam dez e quarenta e sete da manhã. Saindo, me deparei com a mãe saindo do banheiro demonstravelmente arrumada para fazer companhia até a praça principal. Inesperadamente eu estava envolvido nos braços dela, um abraço que a fazia respirar fundo como se fossem últimos suspiros e os tivessem aproveitando, me apertando, por um tempo longo e pausado.

— Tá tudo bem, mãe? - perguntei preocupado com a ocasião diferente

Ela desfez o abraço e concordou com a cabeça, sorrindo, seus olhos castanhos claros e grandes olhando os meus. Sorri de volta a fitando nos olhos também. O momento se tornou, perceptivelmente, sem coerência até que por fim ela resolveu seguir em frente indo até o quarto de Jon da porta ao lado que estava aberta e arrumar sua cama.

Voltando ao meu quarto ao lado, fechei a porta e peguei uma roupa nova. Tranquei a porta e me despi, depois vestindo a limpa que pegara. Me dei ao direito de sentar na beira da cama por uns minutos com a face presa as mãos e absurdamente percebi o resto de sono, já esvaindo pelo aviso em alto e bom som de que falta exata uma hora para o início do evento do dia. Me levantei e desci as escadas, indo direto pra geladeira quando me dei por conta do balcão feito de café da manhã. Fechei a porta da geladeira e me sentei na cadeira comendo o sanduíche de um dos pratos até que enfim percebi o segundo apenas sujo assim como a xícara no pires. Terminei de matar minha fome que não era muita e logo recolhi meu prato o de, evidentemente, Jon ao lado. Os levei até a pia e os lavei, depois a xícara que era só uma, dele, porque a mãe sabe que geralmente não tomo nada.

Colados no item ao lado para secar as vasilhas naturalmente, enxuguei minha mão numa pequena toalha em minha frente e me virei no mesmo instante em que Jon descia as escadas.

— 30 minutos. - afirmou junto com o segundo aviso. - Já vou. - terminou acenando pra mim e depois indo até a porta, saindo, dando as costas à casa comigo e a mãe.

Logo que pus minha mão no corrimão e deixei o primeiro grau pra trás indo até minha mãe a chamar para ir também, ela me parou já descendo. Voltei e a esperei terminar de descer os últimos degraus. Pus uma mão na costas deixando um local em que ela passasse seu braço e o pendurasse no meu, e assim ela fez. Forcei um sorriso pra ela e sai de casa, a fechando quando já fora.