- Pronto, já está tudo preparado.

- Mas... isso mais parece uma cerimônia de casamento do que um campo de batalha!

- Lógico! Assim realizamos o casamento imediatamente. Só falta a minha querida irmã aparecer. Onde ela estará? Espero que não tenha desistido.

- Estou aqui, irmã! - Motoko e Keitarô se aproximavam, devidamente armados.

- Vocês demoraram.

- Estava me alongando.

Mentira. Havia dormido na arvore, isso sim.

Mas a grande verdade nem ela queria admitir, a de ter dormido nos braços de Urashima. A mesma caminha para o campo de batalha, evitando olhar para Keitarô.

Quanto a ele... o mesmo suava frio a cada vez que Motoko o olhava. Quando acordou, percebeu que a estava abraçando e, o que era pior, não conseguiu sair dali, pois a expressão angelical dela o havia enfeitiçado, impedindo-o de sair daquela armadilha.

O desfecho daquilo foi quando ela abriu os olhos, o que o fez ter um ataque nervoso, mas tal coisa parou quando ela, ao invés de se levantar, apenas o abraçou e se aconchegou melhor encima dele, tornando a dormir.

E continuaram assim por mais alguns minutos.

Na verdade, por mais uma hora, em que ela murmurava coisas enquanto dormia, e ele se perguntava se não era fingimento dela apenas para deixá-lo constrangido.

Não, ele devia estar delirando, isso sim.
Motoko observava a irmã, e a mesma devolvia o olhar.O que era estranho. Ela não via na irmã caçula o mesmo olhar de antes, aquela expressão séria que Motoko estava acostumada a ter em seu rosto, pelo contrário, era um semblante bem mais descontraído.

Descontraído... era isso! Havia algo com sua irmã. Algo errado? Não, não errado... diferente. E isso ela pode perceber quando viu que ela abraçava a si mesma, apertando seus ombros com suas mãos.
Estaria com frio ?

Não, não era frio. Era uma feição diferente.

Pela primeira vez, em muito tempo, ela estava vendo a irmã agir de uma maneira bastante natural, sem aquela expressão de poucos amigos que vivia carregando.

Ela olha para além da mesma, observando Keitarô, que estava com uma das pernas engessada, e dá um leve sorriso.

Jovens...

- Bem... não há por que nos demorarmos. - Ela saca sua arma - Pois bem, Motoko. Hoje é a sua última chance de me vencer, do contrário, terá que se casar. Estamos entendidas?

- S-sim, irmã.

- Então... COMECEMOS!!!!

Motoko corre na direção dela, já desembainhando sua espada.

A mesma salta, armando seu ataque.

Acima de tudo, sua irmã era uma caçadora de demônios. A mais poderosa guerreira de sua geração. Truques simples não iriam funcionar contra ela.

Era tudo ou nada, simplificando as coisas.

- ESTILO SHINMEI! SEGUNDA TALHADURA!

Como um trovão que desce dos céus, rasgando-o para criar seu caminho, a espada de Motoko singra pelo ar em direção a sua irmã, canalizando toda a essência da mesma, todas as suas forças.

- É um golpe majestoso, Motoko - com imensa graça, ela ergue a lâmina de sua espada, desviando o ataque de sua irmã - mas totalmente inútil - continuando com o movimento, ela arranca a espada das mãos de Motoko, segura a mesma pelo braço e a joga contra uma pedra, fazendo-a sentir um leve estalo ns costas e bater com a cabeça, caindo. A mesma se ergue, um pouco zonza e balança a cabeça, apenas para ver a irmã vindo com tudo em sua direção, a espada em posição para atingir seu coração.

Tão.... tão distante...

Ela estava tão distante assim de sua irmã? A diferença de habilidades era tão grande assim?

Era. Ela realmente havia treinado... realmente havia se preparado, praticou duro durante os dois últimos anos, e sua irmã havia se aposentado desde que casara, mas... mas...

Não parecia fazer a menor diferença. Era como comparar um verme a uma entidade cósmica.

Seus olhos vislumbravam sua ultima visão, a de uma retalhadora de demônios vindo em sua direção.

- Motoko-chan! - as últimas palavras que ela houve. Seus olhos se fechavam para aceitar o destino inevitável.

Até que ela sente seu corpo ser empurrado para o lado e, quando abre os olhos, vê a lâmina da espada da irmã despedaçar a rocha que estava atrás dela...

...E ao olhar para frente, vê Keitarô a segurando pela cintura, afastando-a dali.

Inútil, sua irmã poderia voltar o ataque e... e...

As bombas!

Keitarô abre sua sacola e descarrega uma enxurrada de bombas encima de sua "predadora".

- Conseguimos? - Keitarô suava frio. Bem ou mal, estava preocupado com o que poderia ter acontecido com a irmã de Motoko e...

ZUUUM!!!

"Zum"?

Mas o que diabos era "Zum"?

Ele olha para trás, tendo em vista uma das coisas mais surreais de sua vida: a irmã de Motoko, girando a espada como se fosse a hélice de um helicóptero... e espantando as chamas!

- HO-HO-HO! ISSO ESTÁ FICANDO MUITO INTERESSANTE!

- AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH! - Keitarô dá um passo em falso e deixa Motoko cair, enquanto escorrega e só não se esborracha por causa de uma rocha atrás dele, apoiando suas costas.

- Keitarô - Naru o observava com uma gota na testa - não acha que está exagerando nesse negócio de ajudar a Motoko?

- Glup! Narusegawa!

- ...E ainda mais com a perna quebrada?

- ...

- Keitarô - algumas veias se formavam na testa da ruiva - não tem nenhum motivo especial para isso, tem?

- ?????

- OU SERÁ QUE JÁ ANDOU ARRASTANDO A ASA PARA O LADO DA MOTOKO-CHAN?!?!?

- Glup!

- AHÁ! EU SABIA! SEU PERVERTIDO! DANDO ENCIMA DE UMA COLEGIAL!

- Mas você era uma colegial há pouco tempo atrás!

- Isso não importa! Dando encima da minha amiga bem na minha frente!

- Isso é verdade, senhor Urashima? Bom, nesse caso, não vou mais precisar pegar leve com vocês para dar uma chance de vitória...

- KEITARÔ, ATRÁS DE VOCÊ!!! - no entanto, o grito da mesma fora inútil, tendo em face a velocidade de sua oponente.

A primeira faz "tchum", a segunda faz "tcham", e então...

O som da lâmina correndo e dividindo o ar era impressionante, ainda mais pela velocidade empenhada para tanto. Ele sente cinco vezes aquilo em seu corpo, até que se vira, recebendo os golpes restantes.

A mesma para, observando-o, estático. Uma obra de arte, na verdade.

Um terror nascia nos olhos de Keitarô, deixando ainda mais preocupado ainda. O quê ela fez com ele? O quê?

- Não se preocupe, senhor Urashima... apenas atingir alguns pontos especiais de seu corpo com a ponta da lâmina, não cheguei realmente a cortá-lo... infelizmente para o senhor, não poderá se mover por, digamos... alguns dias - um último sorriso se formava na face dela, ao passo que Keitarô cai. No chão, a face dele continuava com um terror que ele poucas vezes expressou em sua vida.

Imobilizado.

De alguma forma, a irmã de Motoko o imobilizou. Era uma caçadora de demônios, deve ter atingido seu espirito para tanto.

Mas não fazia sentido. A idéia não era fazer Motoko-chan vencer seu bloqueio?

Isso era ajudar? Nem queria saber o que era atrapalhar...

Um choque é ouvido, mas ele não consegue nem ao menos virar o rosto para ver o que era. Se pudesse, teria visto uma das cenas mais impressionantes de sua vida: Motoko-chan, atacando a irmã, aproveitando o momento de distração da mesma para imobilizar Keitarô, de forma que por pouco ela não fora atingida no torso.

- Ora... o que foi, Motoko? Será que nem de forma traiçoeira você consegue me atingir?

- !!!!

- Lamentável...

Motoko continuava empurrando a irmã para trás, com todas as suas forças, algo que a mesma não deixou de perceber.

- É engraçado isso, cara irmã... justo você, que repudia os homens, que se recusa a se submeter a um... justamente você. E pelo visto, parece que não percebeu a gravidade da situação, não é mesmo? Por acaso se esqueceu que terá que se casar com o senhor Urashima em caso de derrota, a qual, a propósito, é inevitável?

- Ah... ESTILO SHINMEI! PRIMEIRA TALHADURA! - o ataque, à queima-roupa, arremessa a espadachim para a trás, mas executando uma volta com o corpo, ela vai caindo suavemente.

- Eu disse que...

Sem tempo de reação. Motoko aproveitara a brecha e novamente já estava encima dela. E, para a surpresa da mesma, Motoko possuia um brilho mortífero nos olhos.

- ESTILO SHINMEI ! SEGUNDA TALHADURA !!!!

Aquilo a surpreende, não propriamente pelo golpe, mas pela velocidade de reação da caçula da família.

As espadas se chocam, e o som produzido lembrava mais o de uma melodia melancólica do que o de metais se chocando.

Motoko detém seu avanço, mas quando se dá conta, estava no topo de uma pedra, e sua irmã, logo atrás dela, fincava sua arma no chão.

A espadachim suava frio, sentindo como se algo a tivesse rasgado de cima a baixo, e o pior, como se os resultados daquilo fossem demorar uma eternidade para passar.

Naru mal conseguia acreditar. O quintal do dojo estava reduzido a pouco mais do que destroços. Já vira Motoko atingir Urashima milhares e milhares de vezes, já a viu cortar pedra, aço... mas nunca viu algo assim, como a irmã de sua amiga fizera.

- Realmente... eu estou muito, mas muito - ela retira a espada do chão, gira a mesma no ar e a coloca novamente em sua bainha - decepcionada. Tremendamente. Diga-me, Motoko - ela se vira para a irmã, a qual ainda estava de costas para ela, com os nervos do corpo a ponto de explodirem - você quer ser derrotada, não é mesmo?

Aquilo foi como um tiro no coração de Motoko, de modo que a mesma fora vencida pela falta de forças e caiu no chão, de joelhos.

Quanto a Naru...

A mesma não conseguia acreditar no que acabar de ouvir.

Motoko? Perder de propósito?

Sua amiga queria perder?!?!?!?!?

- É isso, não é, irmãzinha ? - a mesma se aproximava dela e, ternamente, colocava a mão no seu ombro - você quer perder, não é?

- Eu...

- Vamos... diga. Está cheia de dúvidas a respeito do que você realmente quer da vida, e optou por aquela que seria menos dolorosa, não é mesmo? Vamos, eu só preciso ouvir isso de você, Motoko. Diga de uma vez, não tenha vergonha.

Motoko pega sua espada e, reunindo todas as suas forças, se vira, apenas para ver a irmã, com sua enorme agilidade e técnica, executar um corte na rocha de modo que separa o pedaço aonde Motoko estava, fazendo-a cair no chão logo abaixo, minando por completo suas forças.

- Urgh!!!

- Eu ainda não ouvi, Motoko-chan. E estou começando a achar que você não irá me dizer. Na verdade, estou convencida de que você não é a mais indicada para suceder o estilo Shinmei. Realmente é uma pena, mas... - ela dava um belo sorriso para a irmã, apesar de continuar com a arma apontada na direção da mesma - você ainda pode ser feliz. Só precisa se aceitar e...

- Quem é você para decidir se ela pode ser feliz ou não?

Aquela voz...

- Quem é você para decidir como ela deve ser feliz?

A mesma vai se virando, atenta à voz. Não era possível.

- Quem somos nós para interferirmos na vida dos outros? Já não causamos problemas demais para nós mesmas? Nossas vidas foram... não, sempre serão turbulentas, estarão seguindo continuamente o ritmo de uma tempestade. Por mais que digamos que nos aposentamos... por mais que queiramos deixar o passado para trás, no fim, sempre iremos carregar essa sombra. - Um som de metal tinindo é ouvido, e a espadachim tem uma enorme surpresa ao ver quem era, e o mais impressionante, o que ela segurava - mas eu me pergunto se temos o direito de fazer tal sombra seguir nossos filhos, irmãos e amigos.

A espadachim olhava com espanto aquela mulher que estava ali, parada ao lado do corpo inerte de Keitarô. Não propriamente por ela estar ali, mas sim pela arma que ela empunhava.

A espada Hina. A arma que transformou Kyoto em um mar de chamas e quase levou a extinção o estilo Shinmei.

Fora uma tola por não ter notado tal arma nas costas de Keitarô, mas não chegou a imaginar que ele tivesse conhecimento da história daquela arma, ou de que sua irmã, que com certeza deveria ter percebido, não tivesse contado para ele o quanto aquela arma era perigosa, de modo que não era fácil de ser controlada.

A mulher continuava observando. Aqueles olhos... aqueles mesmos olhos. Anos se passaram. Muita coisa aconteceu.

Mas ela continuava com os mesmos olhos de sempre...

- Olá, Haruka.