Lágrimas

Lágrimas


And as you move on, remember me

E assim que você seguir em frente, lembre-se de mim

Remember us and all we used to be

Lembre-se de nós e de como costumávamos ser

I've watched you sleeping for a while

Eu observei você dormir por um instante

I'd be the father of your child

Eu seria o pai de seu filho

I'd spend a lifetime with you

Eu passaria uma vida inteira com você

I know your fears and you know mine

Eu conheço seus medos e você conhece os meus

We've had doubts but now we're fine

Nós tivemos dúvidas, mas agora estamos bem

And I love you, I swear, it's true

E eu te amo, eu juro, é verdade

I cannot live without you

Eu não posso viver sem você

Goodbye, my lover

Adeus, meu amado

Goodbye, my friend

Adeus, meu amigo

You have been the one

Você foi o único

You have been the one

Você foi o único para mim

Não chorem! É uma ordem!” - era tudo o que dizia aquele bilhete que fora escrito com a inconfundível letra de seu ex-rei. E apesar de Sinbad ter deixado seu desejo bem claro, assim que Drakon terminou de ler aquele carta, endereçada a seus generais, e que tinha apenas uma única linha, todos se puseram a chorar. Todos… exceto Ja’far.

No canto da sala de reunião do palácio, lugar onde costumavam se reunir na presença dele, o conselheiro de Sindria se manteve impassível. A palidez em seu rosto estava mais forte que o normal enquanto ele sentia os dedos, entrelaçados abaixo do peito, tremerem.

Tomados pela dor de perder alguém que fora mais que seu soberano, os generais lamentavam aquela perda irreparável. Como não chorariam? Até mesmo em seu último pensamento, destinado a eles, seu rei desejava apenas a felicidade de todos.

Sinbad tinha sido seu líder, o melhor amigo de seus subordinados, ajudando-os de tantas formas. Mas para Ja’far sua majestade tinha sido muito mais que tudo aquilo. Foram vinte anos ao lado daquele por quem se apaixonou e cumpriu o que havia prometido: Sinbad havia se tornado seu caminho, seu guia, sua luz. Subitamente tudo o que existia a sua frente era um caminho tortuoso e sombrio. Como se aquele que o guiava por entre a escuridão, segurando sua mão, subitamente a soltasse e o deixasse perdido e sem rumo.

Ele assistiu por pouco tempo a dor de seus amigos, pois assim que se viu alvo do olhar preocupado de Hinahoho, Ja’far se alarmou. Sendo ele quem os conhecia há mais tempo, era natural que imaginasse, mais que ninguém, o quanto o ex-conselheiro do rei estava sofrendo.

Mas, para sua surpresa, no semblante de Ja’far havia apenas o vazio. Sem esboçar qualquer expressão de dor ou revolta, aflição ou descrença, ouvindo o lamento de seus amigos, ele deixou aquela sala.

—------xxxxx-------

A noite caía quando duas batidas na porta o interromperam. Ele, que se mantinha tão concentrado em ler aquela correspondência que havia acabado de chegar de Balbadd, ergueu a cabeça para encontrar a moça que trazia uma bandeja de prata. Era ninguém menos que Pipirika.

— Atrapalho? - ela esboçou um pequeno sorriso. Ja’far apenas balançou a cabeça negativamente e a fez se sentir à vontade para adentrar a sala. - Trouxe um chá. Soube que não almoçou hoje. Sente-se bem?

— Obrigado, Pipirika. Estou ótimo!

Aquela afirmação, que vinha acompanhada de um tranquilo sorriso, foi o suficiente para desestabilizar sua assistente. Pipirika simplesmente não se conformava com aquela atitude. Aliás, não somente Pipirika, mas todos que conviviam com Ja’far, que havia retornado para Sindria com ela, estavam chocados ao vê-lo praticamente ignorar a morte de Sinbad. Nem ao menos uma lágrima havia percorrido seu rosto e ele seguia os dias realizando seus afazeres normalmente. De início todos se sentiram aliviados ao verem que ele estava superando tão bem aquela fatalidade. Mas com o passar do tempo, uma semana após o ocorrido, tudo ficava cada vez mais estranho.

A perplexidade em seu rosto chamou a atenção de Ja’far, que depositava na taça de porcelana um pouco do conteúdo da jarra que a moça trouxera.

— Algum problema? - de forma inocente ele indagou antes de levar a taça aos lábios.

— Na-Não… Nada. - ela tentou disfarçar. - Abriu a correspondência? Era do Alibaba, não?

— Sim. - Ja’far se recostou. - Alibaba pediu para não nos esquecermos do casamento dele. Vai ser daqui há alguns dias. - pensativo, o alvo apoiou o rosto em uma mão. - Preciso pensar em algo para presentearmos ele e a Morgiana-chan. Alguma ideia, Pipirika-san?

Ja’far realmente iria ao casamento de Alibaba? Iria a uma festa?

Ele simplesmente não se sentia nem um pouco triste em relação à morte de Sinbad? Eles eram mais que amigos e qualquer um sabia daquilo. Aquela frieza com a qual seu companheiro de tantos anos ignorava toda aquela atmosfera fúnebre que os envolvia era impressionante. Ela limpou a garganta e decidiu ignorar também aquele questionamento.

— Ja’far-san, na verdade eu também vim avisar que o Drak… digo, a majestade quer vê-lo com urgência na sala de reunião.

— Por que não me disse antes? - ele afastou a cadeira e se levantou. - Estamos aqui conversando enquanto ele está esperando. De qualquer forma, obrigado pelo chá, Pipirika-san.

Em passos largos, apressado, Ja’far atravessou os corredores. Havia um clima mórbido por todo o palácio e isso era inegável. Todos estavam cabisbaixos, afinal, Sinbad era amado por seus servos, por todo seu povo. Mas Ja’far parecia não notar aquilo, ou melhor, ele preferia se colocar completamente indiferente.

Chegando àquela sala ele ajeitou o keffiyeh - havia perdido o costume de usá-lo - e se preparou para adentrar o lugar.

— Acho que é o melhor a fazer.

Ao ouvir a voz de Drakon, Ja’far paralisou com a mão sobre a maçaneta da porta. Ele segurou a respiração enquanto ouvia, em seguida, a voz de Sahel.

— Mas ele está trabalhando tanto! Não pode dizer que ele está fazendo algo errado!

— Mas ele está fazendo algo errado consigo mesmo!

— Vocês têm que entender que talvez essa seja a maneira que ele encontrou de superar!

Suspirando profundamente, Ja’far limpou a garganta ao adentrar a sala de reunião. Assim que os encarou, viu como o casal se assustou com sua súbita aparição. Bastante receosos, eles temiam que seu amigo tivesse escutado sua conversa.

Mas, no intuito de tranquilizá-los, Ja’far esboçou um leve sorriso. Não podia negar que estava feliz por Drakon, agora tão diferente por ter perdido a assimilação com Baal. Dava para notar que a vida de casados dos dois havia melhorado bastante com aquelas mudanças.

Sahel tentou corresponder o sorriso enquanto o rei de Sindria parecia bastante tenso.

— Mandou me chamar, majestade? - Ja’far se aproximou e se curvou.

— Já disse que não precisa se referir a mim desse jeito, Ja’far. - ele tentou quebrar aquelas formalidades.

— Me desculpe, mas enquanto estou trabalhando, eu prefiro me dirigir a você com respeito, Drakon-san. Ainda é meio que novidade para o povo de Sindria tê-lo como rei. Precisamos impor respeito.

— Não o chamei aqui a trabalho, Ja’far. Tanto que Sahel está aqui comigo. Chamei você aqui para conversarmos... como amigos que sempre fomos, não?

Ja’far parecia um pouco incomodado - Drakon não sabia o porquê. Ele desviou os olhos esverdeados e cerrou os punhos.

— Sente-se, Ja’far. - a rainha ofereceu um lugar.

Bastante apreensivo o alvo se sentou no lugar indicado, ficando assim de frente para a majestade e a moça que permanecia de pé, ao lado de seu marido.

— Então, Ja’far, - Drakon começou. - eu estou pensando se você não deve tirar alguns dias para descansar.

— Anh? - piscando, confuso, Ja’far estava descrente. - Como assim? Temos tanto trabalho com a reconstrução de tudo. Fora que estou me habituando novamente a cuidar das finanças do país. Não posso me dar ao luxo…

— Você precisa, Ja’far! - não hesitando em interrompê-lo, Drakon insistiu. - Todos nós precisamos! Não é à toa que todos passaram um tempo aqui conosco e estão entristecidos. É um tempo que…

— Eu não preciso de nada, Drakon-san.

— Você precisa conversar, Ja’far! Uma hora vai…

— Eu não estou gostando de onde essa conversa está indo!

Ja’far se levantou na sua vez de interromper seu amigo. Dava para notar o quão transtornado o ex-conselheiro estava.

Sahel e Drakon se entreolharam ao ver o alvo lhes dar as costas. Era como se… Ja’far estivesse fugindo daquele assunto. Certamente era a maneira que ele tinha encontrado de suportar tanta dor, como a própria rainha havia presumido - Drakon pensou. Mas ele precisava encontrar uam forma de se aproximar dele depois de tudo.

— Por favor, Ja’far, jante conosco! Todos vão embora amanhã!

— QUÊ?!

O coração de Ja’far falhou uma batida. Não. Ela não tinha dito nada a ele sobre… irem embora. Não era possível!

Desde a morte de Sinbad, ao voltar para Sindria, todos os generais haviam concordado de ficarem ali durante aquela semana.

Mas por mais que desfrutasse da companhia de seus amigos, com quem sempre conviveu no palácio até se separarem há três anos atrás, não era normal que Ja’far se exaltasse tanto ao saber que eles partiriam. Ele se virou para trás para encarar Drakon. Ele estava pálido.

— Não pode ser… - um sussurro escapou por entre seus lábios.

— Como não pode ser? - com um sorriso complacente, o rei explicou o que parecia ser óbvio. - Sharrkan precisa voltar a Heliohapt, Pisti a Artemyra, Hinahoho a Immuchakk, Spartos a Sasan e Yamuraiha a Magnostadt. Eles têm muito mais responsabilidade hoje em dia! Infelizmente… não podemos vier nessa nostalgia de como vivíamos juntos antigamente… - um sorriso melancólico cruzou os lábios do belo homem que Drakon tinha se tornado.

— Não… Eles não podem ir amanhã! - balançando a cabeça negativamente, Ja’far estava obstinado.

— Ja’far-san? - Sahel arqueou uma sobrancelha.

Drakon, bastante compreensivo, levantou-se e caminhou até o alvo. Ja’far estava tão atordoado que só pôde ser surpreendido pelo forte abraço que seu amigo lhe deu. Um abraço que lhe transmitia força, mas também demonstrava a imensidão daquela dor que compartilhavam. - por mais que Ja’far se negasse a admitir.

— Sei que deve estar sendo muito difícil para você e ter todos aqui durante essa semana deve ter ajudado a… pensar que tudo ainda é como antes, Ja’far. Mas creio que vai ser melhor, para todos esquecermos, continuarmos seguindo em frente. E você, por favor, - ele se afastou para encará-lo. - não hesite em demonstrar seus sentimentos. Não é porque o Sinbad deixou…

— Eu estou apenas cumprindo ordens do meu rei, Drakon-san.

Com bastante seriedade, Ja’far o interrompeu antes de se afastar. Seus olhos transmitiam uma frieza sem igual.

— Você é o rei de Sindria, Drakon-san, mas espero que compreenda que estou cumprindo ordens… do meu rei.

— Ja’far…

— Com licença, por favor!

A voz de Ja’far estava trêmula, falhando quando ele deu meia-volta e, em passos largos, os deixou. Sahel e Drakon só puderam aceitar que, por mais que quisessem tentar ajudá-lo, o conselheiro se negava a abrir seus sentimentos. Será que realmente era o melhor?

Ja’far corria ao atravessar os corredores do palácio. Seguia afoito.

Não! Não podia aceitar! Tinha de encontrá-la! Não permitiria que…

— Ja’far-san!

Era como se suas preces silenciosas tivessem sido ouvidas. Yamuraiha tinha um sorriso tristonho ao acenar para o alvo. Seu amigo correu até ela e, bastante ofegante, tomou sua mão.

— Você não pode ir embora, Yamuraiha-san!

Ela contorceu os lábios. Sentia a mão que a segurava tremer bastante.

De fato ela já esperava aquela reação devido… ao que estavam vivenciando. E esse era exatamente o motivo de ela ter evitado contar sobre sua partida.

— Então você já sabe…

— Ia embora sem me falar?! - Ja’far se indignou, indiferente quanto a angústia estampada no rosto da maga.

— Vo-Você sabe que o que estamos fazendo não é certo, Ja’far-san…

— Uma última vez, por favor! - aquilo soava como uma súplica.

— Na-Não devemos…

Yamuraiha desviou o par de azuis, voltando a encarar Ja’far apenas quando ouviu o barulho dos joelhos do conselheiro indo ao chão. Assustando-se, Yamuraiha sentiu suas vestes serem agarradas, enquanto Ja’far lhe implorava sem se importar com os demais servos que nada entendiam ao assistir àquela cena.

— JA’FAR-SAN!!! Por favor, levante-se! - ela considerava um absurdo Ja’far se prestar àquilo. - Não deve se ajoe…

— Eu faço o que for preciso se for por uma última vez, Yamuraiha! Por favor! Eu imploro! Pela nossa amizade! PELO SIN!!!!

Bastante transtornada e sem saber como agir, Yamuraiha se inclinou, ajudando Ja’far a se levantar. Era inadmissível que ele apelasse daquela forma, afinal, ela respeitava Ja’far de uma forma especial. Ele não devia ser visto, sob nenhuma circunstância, naquela posição humilhante.

— Tu-Tudo bem, Ja’far-san! Mas… - ela passou a sussurrar. - é a última vez.

Como havia se repetido nas últimas noites, Yamuraiha acompanhou Ja’far até seus aposentos. Ela estava tensa, como de costume, ao cumprir aquilo que virou um pacto silencioso entre os dois.

Enquanto ela fechava a porta, temendo serem vistos, Ja’far acendia um único candelabro, o qual deixou sobre a mesa de cabeceira de sua cama.

Subitamente não havia mais um pingo de aflição no rosto alvo. Pelo contrário, ele sorria de orelha a orelha ao buscar, em uma das gavetas da cômoda, suas lâminas e… o turbante do rei de Sindria.

Yamuraiha se sentia péssima ao ver o quão animado seu amigo estava. O quão nociva aquela “ajuda” estava sendo. Assistiu o momento em que Ja’far jogou aquele turbante branco, impecável, ao chão e se sentou na cama. Ele tirou um curativo que já havia sido refeito da ponta de seu indicador. Havia a marca de um pequeno machucado que começava a cicatrizar.

Sem pensar duas vezes e bastante eufórico, tomado por uma alegria que parecia doentia, ele usou uma de suas lâminas para abrir a própria pele naquela mesma região. Yamuraiha evitou encarar o momento em que uma, duas, três gotas tingiram de vermelho o turbante que Ja’far lavaria na manhã posterior - como fizera na anterior. Ele queria que fosse mais rápido. Era uma urgência sufocante.

— Tudo bem, Ja’far-san. - ela segurou o pulso de seu amigo. - É o suficiente.

Foi a deixa para que a maga agitasse seu cajado, fazendo com que a água, emanada dele, banhasse o turbante e, subsequentemente, o sangue do conselheiro de Sindria.

— Shallal Sarab! - ela conjurou, bastante séria.

Sem se importar com o ferimento ainda aberto em sua mão, Ja’far assistia maravilhado o momento em que aquelas góticulas se juntavam e formavam a figura perfeita de seu amado.

Havia se tornado um ritual diário. Ele já esperava o anoitecer, que era quando a maga lhe proporcionaria aquele encontro… Aquele encontro que lhe dava forças para prosseguir. Aquele encontro que lhe dava tanta… alegria. Como era grato a Yamuraiha!

As lágrimas caíam sem parar quando Ja’far se deparou com seu rei. Mais uma vez podia encontrá-lo, tê-lo ali ao seu lado.

Usando suas habituais vestes de rei e o turbante, agora limpo e impecável, Sinbad tinha, como sempre, um largo sorriso empostado naquele rosto de beleza exótica. O sorriso que servia como ânimo para sua vida.

— Por que está chorando, Ja’far?

A mão do moreno alcançou o rosto do alvo e colheu aquela umidade. Tão quente. - por um instante, Ja’far cerrou os olhos para desfrutar daquele calor,

— Eu estou aqui! - o rei apoiou a mão livre em seu próprio peito. - Eu voltei para você, meu amor! Não quero que chore!

— Si-Sin…

Ja’far gaguejou ao se levantar, abraçando Sinbad com todo seu amor.

Não havia espaço para pensar que aquilo era apenas uma ilusão. Yamuraiha era uma maga extremamente habilidosa, merecedora por ser considerada um gênio na arte da magia, e Ja’far era capaz de tocar, sentir o calor e o perfume de seu rei.

Uma ilusão perfeita cujo corpo, trejeitos e ações se comportavam adequadamente aos desejos mais profundos Ja’far.

— Creio que… dure pelo menos uma hora. - Yamuraiha disse, apesar de saber que Ja’far já não lhe dava mais ouvidos. Como das vezes anteriores, ele estava deslumbrado por seu rei, por ter quem amava tão perto. - Com licença, Ja’far-san.

Yamuraiha se retirou, tomada pela culpa e pela dor de dividir um segredo tão grave assim com Ja’far. Como ele ficaria, na noite seguinte, quando ela não estivesse mais ali para lhe trazer Sinbad de volta? De qualquer forma era tão errado brincar assim com os sentimentos de seu amigo e, pior ainda, com a memória de seu rei.

Definitivamente tinha sido um erro ter encontrado Ja’far no dia da morte de Sinbad. Ele estava completamente afásico, resignado a se manter firme quando foi ao seu encontro e pediu algo que sabia bem que apenas a maga poderia fazer.

Uma vez. Apenas uma vez. Eu preciso me despedir dele!

Se tivesse sido apenas uma vez... Foram várias enquanto esteve ali, em Sindria.

Decerto a pior parte era enganar seus amigos, preocupados com o porquê de Ja’far não verter uma lágrima após a morte de Sinbad. Perguntavam-se se ele estava em choque e, Yamuraiha, por sua vez, afirmava também estar preocupada.

Mas era claro que ele não estava sofrendo. Para Ja’far, Sinbad jamais tinha morrido. Ao anoitecer o rei viria encontrá-lo para passarem a noite juntos. Yamuraiha o levaria até ele, não levaria? - Ja'far se perguntava do raiar do dia ao poôr-do-sol.

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Ja’far sentiu o corpo inteiro arrepiar quando os beijos de Sinbad foram descendo por seus lábios, chegando a curva do pescoço, que ele já desvendava com as mãos ágeis. Sin sempre foi muito rápido no quesito “tirar roupas” e Ja’far se divertia com aquilo, em ver como seu rei adorava provar cada canto de sua pele. A língua quente do moreno deslizava da base de seu pescoço até um pouco acima da orelha, onde Sinbad deixava uma leve mordida no lóbulo.

— Quero te provar todo!

Sinbad sussurrava e Ja’far ria, imprensado naquela cama, impedido de sair dali pelo corpo robusto de seu amado. Os braços fortes ao seu redor eram como barras de ferro que o aprisionavam… naquela paixão.

Naquela obsessão. Naquela loucura.

Todos vão embora amanhã!

A voz de Drakon ecoou em sua mente. Ja’far voltou a sentir as lágrimas consumirem seu rosto. O peito apertou ao encarar Sinbad. Não! Não podia se resignar, deixando Yamu partir. Era a última noite que poderia ver seu amado…

— O que houve, Ja’far? - preocupado, o moreno cessou as carícias. - Não está gostando?

— Si-Sim. - ele soluçou. - É que… não vamos mais poder nos ver depois de amanhã. Eu… Eu não quero aceitar isso! Eu não aceito! - havia revolta em seu tom.

Sinbad se ajeitou na cama, sentando-se nela e, um tanto quanto carrancudo, suspirou.

— Você não tem que aceitar, Ja’far…

— Hm? - foi a vez de Ja’far parecer confuso. - Não?

— Claro que não! - Sinbad sorriu para ele. - Pode ir embora comigo, não? Se for comigo, não tem mais que esperar eu vir! Não vai depender de mais ninguém para que possamos nos ver!

— Jura, Sin? - Ja’far estava surpreso.

Subitamente o moreno voltou a se debruçar sobre Ja’far, depositando um beijo delicado em seus lábios.

— E eu já menti para você alguma vez? Eu queria te esperar, mas… Mas se você quiser ir comigo…

— Eu quero! - Ja’far o interrompeu, bastante desesperado. - Eu quero ir com você, Sin! Eu… não quero ficar longe de você nunca mais!

— Você não vai ficar…

Ja’far sentiu a língua quente de seu rei invadir, mais uma vez, seus lábios. Os dedos grossos e compridos naufragaram nos fios esbranquiçados, afagando-os, enquanto que o moreno deitava seu amado naquele leito - onde tantas vezes se amaram!

Sinbad cessou aquelas carícias para buscar, do pé da cama, aquelas lâminas.

— Sabe o que deve fazer, não é? - ele as balançou pelas linhas vermelhas.

Apenas assentindo, Ja’far recebeu aquele que seria seu passaporte para uma vida eterna ao lado de seu rei.

Não sentiu dor alguma enquanto talhava aqueles profundos cortes em cada um de seus pulsos. Enquanto, sorridente, rasgava a própria pele, Ja’far sentiu os braços quentes de Sinbad - ou seria da morte? - lhe envolverem.

— Eu te amo, Sin…

— Eu também, Ja’far!

Ele resistiu o máximo que pôde, recebendo aqueles beijos que perduraram até seu último suspiro. O corpo enfraquecido despencou na cama, acalentado pelo abraço forte e protetor de seu rei, que depositou um último e doce beijo em seus lábios.

Aquele par dourado foi a última coisa que Ja’far viu ao cerrar seus olhos para sempre.

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No dia seguinte não houve luto, mas resignação e paz daqueles que encontraram Ja’far abraçado àquele turbante, em seu leito de morte de lençóis rubros por seu sangue. No rosto do alvo havia, além de um sorriso calmo, as trilhas das lágrimas que atravessavam as sardas. Ele havia descumprido a ordem de seu rei?

Não. Aquelas não eram as lágrimas de tristeza que seus amigos haviam procurado, e sim lágrimas de alegria por ter se reencontrado com aquele que permaneceu a ser o sentido de sua vida… até mesmo em sua morte.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.