As chamas cálidas da fogueira aqueciam minhas mãos pequenas e geladas. Mais um longo inverno chegava ao fim, menos uma longa noite congelante. Cada vez mais, agora, os raios de sol penetravam por entre as nuvens cinzentas e encontravam seu caminho através dos galhos secos e desnudos das árvores que bravamente resistem, ano após ano, à neve pesada.

Os deveres começam cedo. Minha mãe acorda e, ainda em seu leito, manda que eu vá pegar mais lenha no depósito anexo à casa, formado pelo prolongamento do telhado de madeira. Está frio, e penso em como um bom casaco de pele de carneiro seria bom agora. Há orvalho nas pequenas plantas que sempre brotam rente ao telhado, protegidas de parte do frio pela madeira, e a neve que cobre o solo dá sinais de que derreterá em breve. Pequenos cristais de gelo se formaram durante a madrugada entre as frestas úmidas das paredes externas.

Meu pai havia acabado de abrir a ferraria e agora trazia dois baldes de água fresca para abastecer a oficina. Quando menor, costumava observar seu pai e, eventualmente, pegava uma das armas penduradas nas paredes e lhe implorava para que me ensinasse a usá-las. Naquela época, meu pai sempre participava das invasões a terras longe daqui, e ainda posso sentir o cheiro de sangue, suor e vinho que trazia de volta consigo, se me esforçar um pouco. Ao observá-lo aproximar-se de mim com sua típica expressão feroz e brincalhona, sei que planeja deixar os baldes no chão para me perseguir até espirrar um pouco da água gélida no meu rosto.

– Vá em frente! - digo - Daqui a pouco terei de mergulhar as pernas no rio, de qualquer forma.

Ele hesita por um momento, exibindo uma expressão sarcástica, e retoma seu rumo, dizendo:

– Não faço ideia do que está falando, Astrid.

Entro na casa e meu corpo imediatamente relaxa com o ar familiar - abafado e carregado. Ajeito a lenha na fogueira e pego duas lanças de pesca. Vou ao encontro do meu irmão, um garoto alto para seus doze anos, e o cutuco nas costas com a ponta de madeira da lança para acordá-lo:

– Venha, dorminhoco. Vamos pescar.

Ele abre um dos olhos e me encara com desânimo. Seu olhar faísca quando vê o objeto em minhas mãos e, de súbito, se levanta e tenta tomá-lo para si. Prevendo seus movimentos, luto contra ele. Traiçoeiramente, Thord levanta a saia do meu vestido, e sou forçada a jogar uma mão para baixo, deixando a arma ao seu alcance. Ele investe contra meu braço, mas prendo-o com o outro num abraço. Não sou forte o bastante para contê-lo. Por isso, posiciono a ponta da lança perto de seu rosto, para que não tente se debater para fugir.

Nossa mãe nos olha com um misto de diversão e reprovação. Deixa a comida que está preparando de lado por alguns segundos e se recosta na mesa ao falar:

– Astrid, deixe seu irmão respirar. - ele a encara pelo canto do olho e eu lentamente desfaço o abraço mortal - Thord, acompanhe sua irmã até o rio se quiser ter o que comer.

Ele cai na gargalhada e eu me viro para ele com o mesmo olhar selvagem que nosso pai trazia em seu rosto ao voltar de uma invasão. Thord tenta controlar o riso.

Pego meu manto de lã grossa e o visto antes de enfrentar o ar enregelante do quinto mês de inverno - o gói. Estamos no mês das mulheres, o que significa que é a vez dos maridos serem cuidadosos com suas esposas. Gosto do gói. Apesar de ainda fazer frio, a expectativa do verão contagia a todos. A esperança de um bom verão a trazer boas colheitas parece dar novas energias e trazer alegria, finalmente, após o longo e terrível inverno do Norte.

Thord e eu rumamos em direção ao rio, que não fica longe de casa. Durante o verão anterior, papai cogitou várias vezes construir um sistema que levasse uma pequena parte de sua água à casa, como algumas outras famílias faziam. Todavia, aquele fora um verão agitado na ferraria. Thord precisara ajudar por alguns dias, pois a demanda era grande - parecia que a viagem através do mar, para ilhas das quais sempre ouvia os mais velhos falarem, seria promissora.

Ao chegarmos à margem do rio, pego a barra da saia a fim de levantá-la para que não molhasse. Thord entra na água congelante primeiro - sempre se mostrando como valente, especialmente depois que nosso pai anunciou, durante o Yule, que o levaria ao Negócio dentro de pouco tempo, no Einmanodr. Lá ele fará votos de lealdade ao Conde e, então, receberá seu bracelete.

Distancio-me um pouco do meu irmão para não afastar os peixes de perto dele. O céu acima está mais claro, por isso assumo que não vai haver neve e que o dia ainda vai esquentar. É bom sentir o sol em meu rosto, mesmo sem sentir seu calor. Mal posso esperar pelo Harpa, o primeiro mês do verão, e seu banquete, a festa, o sacrifício para Odin visando a boa sorte para as jornadas e a vitória em batalhas... Além disso, é o mês dedicado às moças, e a temperatura se torna quase confortável.

Percebo um ligeiro movimento perto do meu pé esquerdo, submerso. Finco a lança nas pedras que formam o substrato do leito do rio, mas meu reflexo não é rápido o bastante para acertar o peixe. Thord brande sua lança no ar, exibindo o animal ainda se debatendo, e implica comigo antes de se retirar para a margem seca:

– Consegue escutar esse som? - ele ri - São as ninfas caçoando das suas habilidades pesqueiras! Ou você só está tomando cuidado para não pegar Andvari?
Como se, de todos os feixes d'água existentes, Andvari fosse viver logo ali.

– Esconda esse peixe antes que Loki incite um elfo a roubá-lo. - retruco - Um pouco de humildade não lhe faria mal.

Meus sentidos avisam-me de um outro peixe. Fico imóvel para não perturbar a água e respiro fundo. De súbito, cravo a ponta da lança no animal, que afunda no solo com a força imprimida. Puxo a arma e, fincado em sua extremidade, o peixe morto sangra e sua cauda bate uma última vez.