Lucie

Mudanças (Parte 1)


Eu não sentia mais medo, era verdade. Mas a sensatez do momento fez uma parte do meu cérebro – tão pequena – tentar tomar o controle do meu corpo.

Nada fazia sentido.

Há alguns minutos atrás ele era dela, não meu.

- Eu sempre fui seu, nunca de outra pessoa, até antes mesmo de nos conhecermos. – disse Bruno, me olhado penetrantemente.

Eu falei aquilo em voz alta?

- Sim, falou.

- Isso também?! – tomei consciência do que falava agora.

Ele riu.

- Sabe, mesmo sem a traição dela, sem essas coisas, eu ficaria com você. – ele sussurra.

- Você nem se importou com ela. – murmurei.

- Eu sei. Porque eu amo você. Não me importa que ela dê para todo esse prédio. Não é problema meu. Nós não estávamos relativamente juntos. – ele sussurra de novo. – Ela brigou comigo depois que te beijei. – ele riu.

- Eu... eu não namorei ninguém mais. – disse sorridente e orgulhosa. Bruno sorriu ainda mais. Senti a veracidade de minhas palavras. Eu era a forte. Bruno era o fraco?

- Sim, eu sou o fraco. – ele diz num ar triste. Droga, tenho que controlar meu corpo! Perto de Bruno ele não responde aos meus comandos. Ele seleciona um dos meus pensamentos e faz minha boca pronunciá-los. – Eu tentei te esquecer, tentei me convencer de que você era mais uma. Mas nunca foi somente mais uma. Eu te amo. Agora sei o que realmente é amor. Antes eu pensava que sabia, por causa dos meus antigos relacionamentos. Mas o que eu tenho com você é tão mais forte, tão mais vital. Eu sei o que é amor por causa de você, Lo. Porque agora sei que amor é isso. É isso. – ele sorri.

- Eu... me sinto da mesma forma. – eu disse sentindo as lágrimas rolarem pelo meu rosto. – Eu te amo, Peter Gene Hernandez. Eu te amo. – eu sussurro. – Meu tudo... Você é meu tudo.

Ele sorri.

Meu celular vibra. Eu suspiro.

“Amiga, como tá sendo aí em Londres?”

Eu digito rápido:

“Não posso falar agora, te ligo mais tarde.”

E desligo o celular.

- Onde estávamos? – pergunto, jogando o celular longe.

Toc toc toc.

- Merda. – diz Bruno. – Quem é? – fala num tom acima.

- Sou eu. – diz Ryan. – Bro, desce lá, o Phil tá precisando de ajuda com o amplificador. – ele diz.

- Já volto. – sussurra Bruno para mim e me beija ansiosamente.

Bruno desce as escadas furtivamente.

Ryan entra no quarto e tranca a porta.

Ele sorri para mim.

- Ryan? – pergunto assustada.

- É rápido, calma. – ele diz se aproximando de mim.

Eu me afasto na cama grande, com medo, pretendendo gritar.

E então ele pega uma guitarra atrás de mim na cama.

- O Bruno quase nunca me deixa tocar nessa coisinha linda. – ele diz, mas depois se corrige. – Na verdade, nunca toquei nisso. – ele franze o cenho.

Senti meus lábios franzirem.

- Ryan, eu acho que você deve sair. – eu sussurro. – Se Bruno te pegar aqui com a guitarra dele pode haver um assassinato.

- Tem certeza. Ele me esfaquearia.

- E depois te jogaria da sacada. – sorrio.

- E provavelmente ainda me socaria quando eu chegasse lá embaixo. – ele diz, se levantando com a guitarra.

- Ei! E a guitarra? – aquela era uma obra prima, eu amo tocar aquela guitarra. Se sumisse, Bruno daria cria.

- Você não viu nada.

- Ah, eu vi sim.

- Dedo-duro. – ele resmunga ainda grudado com a guitarra.

- Vai logo. Se tiver um arranhão nessa guitarra, eu juro que te mato. – dou risada.

Ele chega perto de mim e me beija na bochecha.

- Valeu. – sussurra no meu ouvido.

Ouvi sua respiração próxima a meu pescoço. Ele estava cheirando meu perfume.

- Bem que o Bruno disse que você é cheirosa. – ele sorri e desce com a guitarra. Depois o ouço murmurar: - Ugh, ela era para ser minha, não do Bruno! Perfeita e linda... Minha! Mas não, não é minha, do Bruno! – ele soltou um rangido estranho.

Eu soltei um gemido.

Não queria que Ryan pensasse em mim nessa maneira.

Faria Bruno e ele começarem uma briga.

Fecho os olhos e espero ansiosa que Bruno chegue.

Ouço um rangido na porta.

- Bruno...? – sussurro.

Dois braços prendem meus pulsos na cama.

Abro os olhos, alerta.

- VOCÊ... – eu sussurro. – VOCÊ. – e então me amordaça.

Não consigo raciocinar direito.

Por quê?

- O QUE VOCÊ QUER? – eu grito.

Um riso. Não foi meu.

Sinto nojo, enjoo.

Era Anne, a estúpida.

- POR QUE ESTÁ ME PERSEGUINDO, SUA ESTÚPIDA?! – eu grito.

- Rá. Rá. Não é mais questão do Bruno, se é o que está pensando. Talvez pura vingança. Acho que se eu cortar uma parte do seu braço Bruno não sentirá falta. – ela tira um canivete do bolso.

Oro para alguém irromper pela porta.

Toc toc toc.

- Lo?! – ouço a voz de Bruno.

- BRUNO, SOCORRO! ANNE, AQUI, TENTANDO ME CORTAR, SOCORRO, ELA VAI ME MAT...! – falo rápido, tentando dar a ele o máximo de informação possível, mas ela amordaça minha boca.

- Cala a boca. – ela sussurra. – Vamos acabar logo com isso... – ela sorri.

Ela pega o canivete e o posiciona em um dos meus pulsos.

- Hm, eu sei fazer desenhos, sabe? – ela comenta. – Eu fazia váaaaaaarios desenhos na minha pele quando era pequena. – ela estica o braço e me mostra um corte, profundo, que formava uma caveira em seu braço. – Eu consegui sumir com os outros arrancando uma parte da pele. Não foram tão profundos... E também, com os anos, alguns cicatrizaram.

Psicopata, tento falar, mas a mordaça me impede.

Ela tira a mordaça.

- Como?

- Sua louca. Psicopata! – eu grito. – BRUNO, ME AJUDE! – eu ouço Bruno empurrando a porta com força, quando a chave que o ouvi ordenar a Ryan que a buscasse não funcionou. Ela havia bloqueado-a de todos os jeitos possíveis, que eu não fazia ideia de quais eram.

Ela ri.

- Ele não vai conseguir. Planejei isso a um bom tempo. – ela sussurra.

Ela aproxima mais o canivete. Sangue escorre. Ela cortou minha veia.

- Eu não vou deixar seu braço marcado, seria horrível pra você. – ela diz pensativa. – Sabe... É! – ela exclama. – Eu vou cortar todo seu braço e depois tiro a pele do seu braço. Acho que uma cirurgia vai resolver. – ela sorri psicoticamente. – E pra relembrar os velhos tempos e te mostrar que sou uma excelente amiga, vou fazer o mesmo comigo.

Ela aproxima o canivete de seu braço.

- Não! – eu grito. Eu não podia ver sangue, eu estava a ponto de desmaiar. Sangue é enjoativo, dá vontade de vomitar. Eu não podia ver ninguém se autotorturando. Eu não queria ver dor.

Ela faz um semblante triste.

- Mesmo depois de cortar sua veia você ainda se preocupa comigo... Típico de boa moça. – ela sorri.

E então ela faz um corte profundo.

Sangue jorra em toda sua roupa.

- NÃO! – eu gritei, sentindo meu estômago se revirar. Eu desmaiei.

Senti tapas na minha cara.

- Acorda, sua fresca! É só sangue. – ela murmura. – Qual é, você é mulher, não pode desmaiar quando vê sangue. Se não a situação deve ficar nojenta aí pra você. – ela ri.

- É diferente. – eu sussurro. – E sangue me dá vontade de vomitar de qualquer jeito, independente.

Ela corta o outro braço.

- Velhos tempos. – sussurra, parecendo se divertir.

E depois olha para mim com ansiedade.

- Você desmaiou por meia hora. – ela diz triste. – Logo, logo eles vão derrubar a porta. Sua vez! – ela diz alegre. – Acho melhor você fazer por si mesma. É mais legal.

Ela desamarra um dos meus pulsos.

- Vai! – ela diz.

Ou eu me defendia e a cortava ou ela iria me cortar e provavelmente me mataria. Porque eu havia perdido muito sangue.

Fecho os olhos fortemente.

- Me desculpe. – sussurro, sem saber se era para mim mesma ou para ela. Não havia tomado a decisão.

Tentei não pensar sobre.

Girei o canivete na direção dela e a feri na perna.

- Não sou eu, querida, é você. – ela diz, disfarçando a dor na voz. Ela não estava acostumada com cortes naquele local.

Depois girei o canivete de novo e então a feri na barriga.

Abri os olhos.

Ela estava ensanguentada no carpete.

Desamarro o outro pulso.

Saio correndo e tento não olhar para a figura no carpete nem para o meu braço ensanguentado pelo milimétrico corte que ela havia feito apenas na minha veia. Não deixaria marcas, pois não era profundo.

Tirei o esquema que ela montou na porta, algo parecido com um prego impossibilitando o uso da chave e uma barreira de madeira suportando-a.

Tiro o prego vagarosamente.

Depois a madeira e saio da frente da porta.

- CHUTE! – eu grito.

Ele chuta e a porta cai.

Eu o abraço.

- Bruno! – sussurro, nervosa.

- Seu braço! Ela te cortou! – ele diz nervoso.

- Foi pequeno... Mas preciso. – eu disse. – Cuidem dela.

- Não. – disse Bruno, com raiva.

- Não a deixe morrer. Quer que eu viva com remorso para o resto da vida? – eu digo.

Ele suspira e acena com a cabeça para os rapazes fazerem o que tiver de ser feito para ajudar Anne.

Desabo nos braços de Bruno. Desmaiei.

Acordo no hospital.

Meu braço está curando, pelo que pude ver pelo curativo.

Não está mais sangrando e estou com uma roupa de hospital.

- Bruno? – eu digo.

Ele dá um pulo.

- Sim?

- Onde está Anne? – eu pergunto. – Ela está bem? – o remorso movia as paredes de meu estômago. E então percebo que estou morrendo de fome.

- Sim. Infelizmente. – ele murmura.

Um fardo cai de meus ombros.

- Não deveria ficar assim. Ela nos odeia.

- Não é por isso. Matar alguém me deixaria mal. – eu sussurro. – Mesmo que fosse Anne, apesar de querer matá-la agora. – ele ergue uma sobrancelha. – Acabei de acordar depois de um trauma, não tô fazendo sentido mesmo.

Ele ri.

- Eu te amo.

- Eu também. – respondo. – Quantas horas dormi?

- Quatorze. – ele diz. – O efeito da morfina também ajudou. – ele franziu o cenho. – Deve ter doído. – e depois ruge. – Arg, eu deveria ter deixado Anne lá. Ela não morreria, mas deveria sofrer também. – ele diz.

- Eu sei que queria ter feito isso e acho que tem certa razão. Mas ela sofreu... E não morreu. – eu sorri.

- Eu sei. – ele diz e me beija. – Agora volte a dormir, eles vão te dar mais morfina e acho que vai ficar tonta e enjoada quando eles injetaram. – ele sorri.

- Eu te amo, Bruno.

- Eu também te amo, Looh. – e então ele me embala de algum modo em seus braços e canta uma canção de ninar para mim.

- Oh. – eu digo. – Perfeito. – murmuro. Ouço o som de sua risada e sou arrastada para o abismo da inconsciência.