Lua e Sol

Éramos nós duas.


Luana estava decidida a esquecer seu passado após aquela situação, passara seu aniversário todo pensando se Sol ligaria, mas infelizmente não recebeu nenhuma ligação ou sinal de que alguém ali, fora suas amigas e Mariana, se importava com ela. O dia de seu aniversário tornou – se mais uma vez, um dia a ser esquecido. Embora o orgulho falasse mais alto, a curiosidade a consumia de dentro para fora, como um verme parasita, parecia que se não ligasse para saber o porquê de sua ex namorada ter esquecido seu aniversário, logo após um encontro lindo entre elas, não conseguiria seguir sua vida normalmente. Resolveu pegar o telefone e ligar para Augusta, mas a mãe de Sol ainda estava com ela no hospital, esperavam o resultado de alguns exames essenciais para saber se Sol teria alguma sequela por conta do aborto, porém Lua não sabia de nada disso.

Alguns dias depois sua raiva se transformou em frieza e tudo que ela queria era se livrar de todo aquele peso

– Sim Marina, faxina! – Disse Lua tirando suas roupas do varal.
– Mas Luana, sua casa é nova, do que quer se desfazer? – Perguntou Mariana sem entender.
– Preciso tirar tudo dessa casa que me faça lembrar a Sol, meu pai e até minha mãe. – Luana disse isso com tanta frieza que Mariana se indignou, jogou as roupas na cama e começou a encarar Luana com olhar de desaprovação.
– Senhorita Luana, eu sei muito bem que não é isso que você quer... então me explique o que está acontecendo com você!
– Simples... não estou em uma boa hora... – Disse Lua com tom de sarcasmo, mas Mariana pôde perceber que naquela frase havia um significado oculto.
– Você não está numa boa hora ou ela não está? – Só com o olhar de Lua, Mariana percebeu do que se tratava.
– Eu liguei para lá... – Começou Luana de cabeça baixa, deixando seus cabelos escuros no rosto, depois de um intervalo silencioso – Vinicius atendeu... dizendo que não era uma boa hora para eu telefonar... Eles esqueceram que dia era... Vinicius falou comigo como se não me conhecesse, tentei perguntar sobre o bebê, mas ele desligou antes que eu tivesse chance. “Não é uma boa hora Luana, não é uma boa hora” – repetiu Lua imitando a voz grave, séria, porém calma, de Vinicius.

– Mas aconteceu alguma coisa? Como você pode tirar conclusões tão radicais baseadas apenas numa frase? – Perguntou Mariana se aproximando e entregando um lenço para enxugar a pequena lagrima que escorria pelo rosto de Lua.
– Eu sei Mari... eu sei... mas sinto que não sou mais da família e Augusta me prometeu que isso nunca aconteceria... Por isso eu quero... eu preciso me afastar... estou cansada de sofrer por eles, pelos problemas deles... estou cansada de chorar pensando que a Sol vai aparecer e dizer que vai vir morar comigo... estou cansada de esperar algo que talvez nunca aconteça... preciso pensar na minha carreira e na minha vida a partir de agora, prefiro pensar que eles não existem mais...
– Então tudo aquilo ali... – Mari apontou para uma pilha de roupas, objetos e caixas no canto do quarto – todas aquelas coisas que um dia foram importantes para você... você vai jogar fora?

Lua acenou que sim com a cabeça, depois suspirou e continuou a dobrar seus vestidos.

– Amanhã tenho uma reunião importante com o chefe do meu departamento na empresa e preciso estar bem.
– Calma ai Luana... – Disse Mari com uma caixa na mão – Até seus diários?
– Sim – Respondeu Luana friamente.
– Mas Lua, eles tem você, são parte de você, eles sempre te lembrarão de quem você realmente é...
– DEIXA DE SER INTROMETIDA MARIANA, APENAS FAÇA O QUE EU TE PEDI! – Interrompeu Lua gritando. Mariana a fitou com os olhos semicerrados, como o olhar de uma mãe para seu filho malcriado.
– Luana... eu só espero de verdade, que você não se torne sua tia!

Depois do divórcio Rosa se tornou uma mulher fria, que só pensava em trabalhar e deixava a família em segundo plano, por este motivo, Lua nunca havia criado um laço muito forte com ela antes da morte de Lucio. Mariana a conhecia muito bem para saber que ela, apesar de toda aquela armadura, era ainda uma pessoa de sentimentos, porém perdera toda a confiança, então precisava se sentir superior para permanecer escondendo sua real personalidade. Mari naquele instante se preocupou, pois não queria que Luana se transformasse em um ser humano frio e insensível. Lua entendeu em partes, mas mesmo garantindo que continuaria sendo ela mesma, a mudança foi inevitável, aos poucos esquecera de como era se divertir, se afastou gradualmente de todos que ela antes tivera algum tipo de relacionamento, visitava sua tia apenas nos feriados e suas amigas Sara e Patrícia a procuravam cada vez mais, até que tudo o que lhe restou fora, sua casa, seu carro e seu cargo importante na empresa.

Mas Lua não imaginava o real motivo para ser “esquecida “. Os exames de Sol ficaram prontos no dia aniversário de Lua, e os resultados não foram bons, Sol tinha uma doença chamada endometriose, os médicos disseram que fora um milagre ela ter engravidado, já que mulheres com o mesmo caso, precisam fazer tratamento para conseguir engravidar. Porém, depois da perda do bebê, a chance de engravidar durante a vida adulta seria praticamente impossível, a não ser que conseguisse pagar o tratamento. A notícia abalou todo mundo, por mais que um filho aos 16 anos, seja completamente indesejado na situação em que ela estava, sua vontade nunca foi que a criança morresse.

– Sol você está de alta, vamos pra casa filha... Vai ser melhor agora...
– Mãe... obrigada... – Disse Sol com a voz quase sumindo.
– Não tive a oportunidade de dizer, mas eu sinto muito Sol... – Disse Vinicius entregando pra ela um cartão de melhoras que seus amigos pediram para entregar.
– É todos menos Bea... – Sol disse colocando o cartão na bolsa – Mas fazer o que? Vamos pra casa...

O caminho para a casa deles fora completamente silencioso, um silêncio quase enlouquecedor. Chegaram e Sol logo se escondeu em seu quarto, tirando as roupas da cama e as jogando no chão, seu quarto estava bagunçado e com cheiro de umidade, cheiro que combinava com a dor que estava sentindo, não dor física, dor quase na alma, era como se perdesse todos seus sonhos e suas expectativas, não poderia mais surfar, porque as inscrições já haviam acabado, nem vaga na escola tinha mais. Não sabia o que faria o ano inteiro, durante aqueles dias não estava preocupada com o seu futuro e infelizmente, nem com o seu passado. Não esquecera do aniversário de Lua, mas pensou que não teria estrutura para conversar com ela depois de tudo o que passara; acreditou que Lua não iria querer ser incomodada com mais um problema dela.

Depois de uma semana de completa isolação, Sol conseguiu ter coragem de sair de casa e ir para a praia.

– Finalmente Teletube, estava com saudade da minha surfista. – Disse Tavi indo encontrar com ela no fim da trilha.
– Obrigada pelo cartão! – Disse Sol enquanto cumprimentava ele – Eu sei que veio de você a ideia.
– Foi mesmo, sinto muito pela palhaçada da Beatriz, ela não está no normal dela. Acho que ela é apaixonada por você.
– Deve ser isso mesmo! – Concordou Sol com um sorriso frouxo.
– Vamos sentar ali com a galera, se você quiser.
– Cara na boa, não “tô” muito afim não... acho que vou mergulhar, depois eu vejo se consigo encarar eles.
– Você que sabe guria, qualquer coisa a gente corre daqui.

Naquela hora, Lua estava sentada em sua varanda olhando para o céu de Florianópolis, pensando pela ultima vez de tudo o que passara. E Sol, estava de parada em sua prancha olhando para o céu de Ubatuba pensando no que seria dela mesma. Mesmo sem saber, elas estavam ligadas, pensando uma na outra, se tocando por telepatia, desejando estar juntas, mas era impossível. Não por falta de recursos, mas por falta de coragem e confiança.

“Eu não sei o que vou fazer.” – Pensava Sol.

“Eu não sei o que realmente quero. – Pensava Lua.

“Não posso simplesmente ligar e dizer: Eu te amo e me perdoe por não acreditar em você sobre o Marcos.”

“Você poderia simplesmente me ligar e dizer que ainda me ama e que podemos ficar juntas apesar de tudo, e eu diria que te amo e largo tudo pra ficar com você.”

“Mas não dá...”

“Mas você não vai...”

“Me desculpe por não ser o que você sempre sonhou.” - Finalizou Sol.

“Me desculpe por não ter ficado ai com você.” – Finalizou Lua.

Solange voltou para casa sem falar com Tavi ou com seus outros amigos, chegou em casa, jantou e foi deitar novamente, sua alma apesar de estar relativamente leve, ela ainda sentia que seu coração pesava em seu peito, como se nunca mais fosse voltar a ser quem era antes de conhecer sua amada. Sua mãe estava preocupada, mas não podia largar o quiosque na mão de Vinicius, porque ele consumia mais do que vendia, mas também não voltavam tarde para casa por causa de Júlio. Quando os dois abriram a porta do quarto de Sol, ela chorava baixinho, um choro doído e com muito sentimento em cada uma das lágrimas. Vinicius resolveu levar o bebê para o berço assim eles poderiam conversar com ela melhor.

– Augusta, aquela amiga dela ligou e eu nem falei pra ela... Será que se eu falar agora ela para de chorar... – Antes de ouvir a resposta, tirou do bolso o colar com a aliança, que estava no carro – Achei isso no banco deve ter caído.

– Vinicius, como pôde esconder uma coisa dessas? Meu Deus... mas agora não adianta, deixa como está...- Respondeu Augusta pegando o colar da mão do marido e abrindo a porta do quarto devagar. – Filha... Você está bem?

Mas Sol estava dormindo, Augusta colocou o colar em cima do criado mudo e lhe deu um beijo na testa, naquela noite Sol teve muitos sonhos, alguns bons, outros ruins, mas em um deles ela viu Lua entrando no mar, em sua praia favorita, procurando por algo, mas nunca encontrava, como se perdera algo muito importante. Acordou assustada de manhã com o despertador e ao bater no relógio para ele desligar, bateu também no colar sem perceber, derrubando – o para baixo do criado mudo. Durante o café da manhã sua mãe não tocou no assunto sobre a noite passada, apenas conversaram sobre coisas do dia a dia.

– Mãe decidi que vou te ajudar no quiosque até conseguir uma vaga na escola... – Disse Sol enquanto mastigava.
– Eu ia sugerir isso filha, é o melhor a se fazer e eu posso te pagar algum valor, não muito, mas pelo menos você terá algum dinheiro.
– Acho que é o melhor a se fazer... – Concordou Sol encerrando a conversa antes de sair da mesa para se banhar.

Em Santa Catarina, Rosa apesar de não estar muito satisfeita com as escolhas de Lua, conseguiu muitos contatos profissionais bons para ela. A tia de Luana, era dona de uma rede de lojas de roupas femininas, muito famosa em sua cidade; ao todo eram 10 lojas pelo estado e Lua tinha o sucesso da tia como exemplo para a vida que ela queria ter. Mesmo não sendo amigas, elas se tratavam como se trabalhassem juntas, mas Luana não se importava se era a coisa certa a se fazer. E em maio de 2011, ganhara da tia sua primeira viagem para o exterior, Miami fora seu destino.

Chegando em Miami, ela conhecera o mundo que seu pai sempre quis conhecer, um mundo de luxo, algo completamente diferente do que vivera até aquele dia, “´é isso que quero para mim”, pensou Luana, enquanto conhecia as boates e as lojas, ali parecia que seu dinheiro nunca acabaria, pois a ilusão de uma vida maravilhosa, em poucos dias a transformaram no que Mariana temia. Luana se tornou uma garota fria, egoísta e gananciosa...

As meninas sempre fizeram parte de universos diferentes e pelo amor que sentiam, conseguiram unir os mundos, porém, nada acontece como se planeja e durante cinco longos anos, Luana e Solange estiveram separadas, seus corações não batiam mais na mesma sintonia, seus pensamentos não se ligavam mais e mesmo com todas promessas que fizeram uma para a outra, a vida seguiu, deixando para trás, tudo o que haviam conquistado juntas.