Loving a soldier

Capítulo 6 - Aquele da chegada


04 de Março de 2017

O interior do carro estava tomado pela música de abertura do desenho animado Caillou, que estava tocando provavelmente pela décima vez no rádio, e por resmungos provenientes da bebê sentada na cadeirinha no banco de trás a qual tentava acompanhar a letra. Nem sequer os ruídos do trânsito possuíam grande presença quanto aos demais elementos.

Allycia já não aguentava mais a mesma canção e queria mudar para a sua playlist do pen drive com Snow Patrol, Oasis, Kings Of Leon, entre outras bandas tão adoradas, entretanto se controlava em nome da Amelia. Era só mais um sacrifício que fazia pela filha, até mesmo um dos mais simples, afinal, o que era querer estourar os tímpanos perto das noites passadas em claro tentando fazer a menina dormir por pelo menos cinco minutos?

As olheiras embaixo dos seus olhos, presumidas para serem exclusivas do período que a Amy vivenciou com toda a questão do nascimento dos dentes, apenas vinham se acentuando. Agora, possuindo praticamente um ano e dez meses, a bebê criara resistência contra o sono, adorava ficar assistindo desenhos na Netflix, chorava durante a noite nos momentos mais inoportunos e não largou a mania de ficar segurando sua mão quando adormece, a incentivando a muitas vezes por fim sentar no chão do quarto recém-reformado a fim de receber a garotinha e ficar ali mesmo o resto da madrugada, acordada ou não - Por um triz não cochilou na Starbucks vários dias em virtude disso.

Dava também para considerar a repetição infinita da música como inofensiva ao comparar com sua dor nas costas proveniente da tentativa de ficar acompanhando Amelia quando ela resolvia dar pequenas corridas pela casa, perambular pela escada ou tentar subir em móveis e sobrava para si ficar envergada, pronta para segurá-la caso caísse tamanha era sua preocupação.

Ademais, no geral seu humor estava ótimo naquele dia, pois era a data marcada para buscar Austin no aeroporto após um ano, quatro meses e dezessete dias desde que se despediu dele posteriormente à maravilhosa semana a qual passaram em família pela primeira vez. Esse período que vivenciaram juntos foi o melhor de sua vida, envolvendo muitos choros de reencontro, paixão evidente na primeira vez que o garoto pegou a Amy no colo e em todas as outras vezes que isso se repetiu, passeios na cidade, sorrisos e dor ao dizer adeus mais uma vez, enquanto os momentos os quais se seguiram foram os piores, repletos de apreensão por cada chamada para o namorado não atendida, recorrente falta de informações, contato breve quando acontecia, além de notícias sobre as guerras vivenciadas em Afeganistão apertando seu coração.

Ela inclusive havia perdido a conta de quantos minutos dedicou-se a encarar o celular, esperançosa de que receberia uma mensagem ou ligação do garoto e, na maioria das vezes, acabar por sofrer com mais uma rotineira decepção e desespero nos últimos meses - Aliás, criou o hábito de utilizar o eletrônico visando poder ver todas as fotos tiradas quando ele as visitou a fim de acalentar-se por causa disso. Até mesmo as pessoas em seu entorno sofreram com sua angústia, porque simplesmente não conseguia surtar sozinha e recorria à Trish, seu pai ou Dez.

Portanto, como hoje era suposto para ser extremamente especial e aliviante, Ally ignorou seu ódio por aquela música e começou a interagir com Amelia ao passo que permanecia atenta ao dirigir:

“Cada dia é algo novo” Iniciou a cantar juntamente à canção “Vou compartilhá-los com você. Eu sou...”

“Caillou!” Amy gritou no banco de trás, erguendo os bracinhos para cima com animação.

“Isso mesmo, filha!” Allycia congratulou a bebê, olhando-a pelo retrovisor rapidamente com um sorriso “Meu mundo está girando. Alterando a cada dia com..."

“Mamãe!” A criança deu uma risadinha com a visão da mãe mexendo a cabeça no ritmo da canção.

“E...”

“Papai!”

“Você já aprendeu essa música mesmo” Ally abaixou um pouco o volume do rádio e ouviu um muxoxo vindo da filha, porém não voltou a erguer, pois precisava conversar com ela “Falando em papai, você lembra que o seu volta hoje para casa?”

“Sim.”

“Certo. A mamãe vai precisar que você colabore comigo lá no aeroporto, tá? Vai ter muita gente, mas não se assuste e comece a chorar, porque vou estar sempre com você te protegendo. Combinado?”

A garota olhou novamente para a filha através do retrovisor e encontrou-a concordando com um aceno enquanto seu pé esquerdo estava na boca. Outra mania para mudar dela.

“Amelia, nós já conversamos sobre não pôr o pé na boca. Pode tirar.” Deu outra mirada na menina e notou algo “Como você tirou o sapato?!”

Dessa forma o caminho até o Aeroporto Internacional de Miami se seguiu, entretanto agora com Amy deixando trocar a música para outras, tal como a abertura de Dora Aventureira.

Por volta de 14:30h, as duas já haviam encontrado uma vaga no estacionamento do lugar, desprendido a criança do cinto de segurança da cadeirinha – Ally agora era uma especialista nessa tarefa depois de sofrer muito -, colocado de volta as botas no pé de Amelia e começado a enfrentar o vento gélido do inverno até a construção enorme.

O coração de Allycia estava acelerado, motivado por sua ansiedade de reencontrar o parceiro, suas mãos começaram a suar levemente e, para não incomodar a filha que segurava sua palma, pegou-a no colo enquanto caminhava para o terminal 2 no saguão 5, o qual era o que Austin iria chegar, por fim acomodando-se encostada no pilar perto do desembarque. Sua mente estava funcionando de forma frenética, a fazendo questionar-se sem parar se o garoto estaria bem, teria cicatrizes, como seria a vida com ele após o mesmo ter vivenciado conflitos armados, o que fazer quando o ver: Correr, esperar, acenar?, etc.

E, mesmo tendo imaginado como seria vê-lo novamente, nada no mundo a preparou para a visão dele atravessando o portão carregando uma pesada mochila nas costas, trajado com farda e um boné escondendo os adorados fios loiros e caminhando lentamente olhando ao redor como se estivesse as procurando.

No momento, ela não gritou, correu, acenou nem nada, mas sim ficou estagnada com a Amy no colo, apertando-a ainda mais contra o peito. À medida que o via se aproximando delas - visivelmente sem as encontrar - o ar lhe faltava, instigando-a a ficar com a boca aberta tomando respirações profundas. Suas pernas não realizavam movimento algum, o cérebro não funcionava por completo, apenas ficou se embebedando na imagem do namorado. Ele estava ali. Austin estava ali. Austin, seu namorado e pai da sua filha, finalmente havia retornado para casa depois de servir no exército.

Foi Amelia quem tomou a iniciativa de fazê-lo localizá-las gritando “Papai!” quando o encontrou em meio à multidão. De modo similar a um filme, na cabeça da Ally o movimento dele virando-se para encará-las ocorreu em câmera lenta. Quase não notou a filha se esperneando no colo a fim de poder ir até o pai tamanha a sua concentração na cena, todavia logo a libertou.

Austin no mesmo segundo que viu seu pequeno ser humano correndo até ele - O que o deixou admirado de presenciar, pois, da última vez que o viu pessoalmente, a tarefa de engatinhar já era difícil -, jogou a mochila no chão ao seu lado, agachou-se e abriu os braços esperando-o chegar até si, acolhendo-o em um abraço esmagador quando isso aconteceu. Levantou-se, levando-o junto consigo e começou a balançar sutilmente de um lado para outro.

“Amy” Sussurrou, fechando os olhos a fim de aproveitar ainda mais a sensação da filha contra o peito. Seu nariz já estava começando a arder denotando choro “Te amo tanto. Senti muita saudade de você, meu amor.”

“Saudade, papai?” Amelia distanciou a cabeça do pescoço de Austin objetivando poder vê-lo ao responder sua perguntar.

“Sim. Sabe quando você fica muito tempo sem ver a pessoa, mas fica pensando nela sem parar?” Assistiu a menininha, a qual parecia genuinamente feliz naquele momento, concordar, apesar de sem muita certeza “É por esse caminho.”

Sem se aguentar, abraçou-a mais uma vez, deixando que o choro fluísse lentamente. Era impossível descrever a falta que sua filha fez durante todo o ano que passou longe. Deixou de tentar calcular quantas vezes pegou a foto revelada dela pequenininha soltando um sorriso com apenas os dois dentes da frente da parte de baixo existentes que carregava consigo no bolso da farda para qualquer canto objetivando amenizar a sua melancolia, apesar de isso não dar resultado. As ligações onde ela balbuciava coisas aleatórias ou ficava falando "Papai" de um jeito super enrolado foram o mais próximo que chegou de conseguir se confortar no Afeganistão.

“Austin” Uma voz muito bem conhecida soou, o que o fez distanciar do contato com Amy a fim de poder fitar, segundo ele, a garota mais bonita da galáxia.

“Ally” A palavra saiu estranha, provavelmente em virtude do choro, contudo não perdeu o significado.

Colocando Amelia no chão, que agarrou sua perna direita fortemente, Austin puxou a namorada para outro abraço esmagador do dia. O cheiro tão bem-vindo do shampoo de morango advindo do cabelo da garotou infiltrou em suas vias respiratórias quando apoiou a cabeça no topo da dela.

“Ah, meu Deus” Allycia falou contra o peito dele, agarrando fortemente o tecido da farda em suas mãos “Não consigo nem acreditar que você está aqui.”

“Também não, baby. Eu só me sinto tão feliz de finalmente te ter em meus braços de novo.”

“Parece um sonho que está se tornando realidade” A menina levantou a cabeça minimamente em busca dos lábios do amado, selando-os com os seus sutilmente quando os encontrou “Senti sua falta em cada segundo. Parecia que uma parte de mim faltava.”

“Sentia o mesmo. Totalmente recíproco” Austin beijou-a rapidamente de novo, logo em seguida pegando o rosto dela com as mãos e encarando os seus adoráveis olhos “Você está ainda mais linda.”

Visualizando aqueles orbes castanhos, o garoto só pôde recordar de como ela foi seu porto-seguro durante todo o tempo. Quando algo ruim o afligia, seu primeiro pensamento era a namorada, seu olhar, sorriso, carinho, pele e cheiro e as coisas ao redor pareciam melhorar. Mesmo longe, Allycia lhe ajudou de tantas formas.

“Para, por favor. Você é quem está ainda mais lindo, amor” Ally sentia-se anestesiada, seu entorno aparentava estar distorcido ou mal existir. Nem mesmo conseguia chorar por não conseguir assimilar o acontecimento “Só por estar aqui, vivo, já é o homem mais maravilhoso. Aliás, você está ferido? Algo aconteceu?”

“Tem umas coisinhas que preciso te contar, mas quero deixar para depois, por favor" Confidenciou ele, encostando as testas. Sentiu os dedos da garota trilhando caminho em sua face, secando as lágrimas as quais insistiam em cair "Eu te amo demais.”

“Eu te am...”

“Ei!” Uma voz infantil cortou a declaração da Allycia, ao mesmo tempo em que mãozinhas puxavam sua calça. Ambos olharam para baixo a fim de encontrar Amelia levantando os braços em direção a ele e abrindo e fechando os dedos “Me dá colo, papai.”

Felizes, o casal riu sem se importar nem um pouco com a interrupção, no entanto, antes de afastarem-se trocaram mais um breve beijo e, na verdade, não separam-se efetivamente. Depois de o Moon pegar a filha nos braços novamente e dela enfiar o rosto no vão entre o ombro e pescoço do pai, a garota acabou por acomodar-se de lado no namorado, com a cabeça e uma palma apoiada no bíceps dele - Mais ressaltado do que a última vez que o sentiu.

“Ela realmente sentiu falta de você nesse tempo, sabia? Vivia pedindo pelo ‘papai’, às vezes queria pôr um prato na mesa para você” Ally confessou baixinho para o parceiro, o qual permitiu uma feição de surpresa atravessar seu rosto avermelhado por conta do choro.

“Jura?” Sussurrou também, virando a cabeça para a namorada.

“Juro. Um dia desses fiz hora extra no trabalho e decidi que iria dar um presente para ela com o dinheiro recebido, aí, quando perguntei o que queria, a única resposta foi ‘Papai’ mais uma vez. Horrível, não sabia o que fazer. Só comprei uma mesinha com jogos de encaixe e fingi que nada aconteceu.”

“Por que não me contou antes, baby?” Austin sentiu-se de fato tocado pela história. A maneira como segurou mais protetoramente a filha era um sinal disso.

“Não queria te deixar mais culpado por estar distante. Bom, o que importa é que está aqui agora.”

“Yeah...” Ele murmurou, em seguida, buscou por um assunto visando mudar a aura triste “Ei, Amy, me dá um sorriso” Pediu, rindo quando a bebê fez o que foi solicitado após levantar a cabeça “É tão mais adorável ver todos os seus dentinhos de perto.”

“Dentinhos” A criança repetiu, batendo os dentes de cima e de baixo um no outro. Ela havia aprendido essa palavra na semana anterior quando a mãe lhe lia um livro.

“Acertou, filha!” Ally sorriu, aproveitando o momento para apertar a bochecha direita da menina.

“Você está tão crescida e inteligente, meu amor” Austin deu-a um beijo no lado da testa “Que tal a gente ir para casa e você me mostra o que aprendeu nesse tempo?”

“Sim!” A garotinha rodeou os braços no pescoço do pai, acomodando-se por ali mesmo.

“Ally? Quer ir para casa?" Ele virou-se para a namorada, que sorriu abertamente enquanto lhe observava "Estranhamente, quero muito rever meus pais."

“Adoraria ir para casa.”

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.