Lotus Inn

Capítulo único


Benedict apreciava festas. Uma pequena correção: Benedict amava bebidas, odiava pessoas e tolerava música. Até a página dois. Aquele era o tipo de festa com uma música que parecia retumbar as paredes da cavidade torácica, chacoalhar o coração e sangrar os ouvidos. Nesse tipo de festa, seus instintos de velho ranzinza se atiçavam. Já era a terceira vez que fazia uma careta, longe do olhar do irmão.

Colin, o dito irmão, pouco ligava para a música, contanto que houvesse comida e bebida. Como o cão farejador que ele era, Colin havia o arrastado até o Lotus Inn, o pub local que crescia em matéria de popularidade por conta das bebidas coloridas com gelo seco. Para Benedict, isso era sinônimo de “passar uma vergonha legendária”, portanto acompanhou o irmão em caso de a) isso viesse a acontecer e pudesse filmar para ter material para entretenimento ou chantagem, ou b) talvez Colin fosse fraco para bebidas, afinal de contas, então era bom que alguém o vigiasse. Sendo assim, Benedict permitiu-se ser arrastado.

Vendo algumas mulheres dançando – se bem que é o que condiz com a letra da música, ele se consolou –, Benedict desejou ser extraditado para a Nova Zelândia. Ovelhas, pensou, devem ser mais agradáveis. E então veio a quarta careta da noite.

Para não ser injusto... Aquela bebida com lótus era interessante. Girando o canudo, Benedict tomou um gole.

Seria uma longa noite.

Desviando o olhar das mulheres na pista de dança, Benedict pousou o olhar sob a porta do pub. O local não estava cheio – não, aquilo era somente sua alma de velho falando mais alto –, mas com tantas luzes era difícil não sentir-se um tanto cego. No entanto, um brilho singular chamou sua atenção.

Benedict tinha olhos de artista, então se julgava capaz de dizer se uma peça de roupa era bem-feita. Além de se deparar com um vestido cintilante perfeitamente balanceado ao corpo e aos olhos, a modelo não deixava a desejar. Tinha cabelos louro-escuros que caíam rebeldes pelos ombros, olhos de cor indefinida e um sorriso de empolgação contida. Era uma musa.

Logo ao entrar, a mulher foi abordada por pelo menos três marmanjos diferentes. Nada afetada, ela apenas sorriu e abriu caminho por entre os corpos dançantes. Benedict estava hipnotizado. O magnetismo era automático e mais forte do que ele. Foi apenas quando ela contornou o caminho até o balcão de bebidas que Benedict notou estar prendendo a respiração. Sentia-se um adolescente apavorado. Controle-se, foi sua anotação mental.

Certamente, era culpa de todo aquele gelo seco. Estava congelando seu cérebro.

Tomando o restante do líquido neon, Benedict seguiu-a para o lado oposto do balcão. Colin podia virar-se sozinho por alguns minutos, afinal de contas.

Ao vê-lo, a mulher abriu um sorriso radiante. Daí, Benedict já não pode mais afirmar se a chacoalhada em seu coração tinha sido ocasionada apenas pela música.

— Oi! — cumprimentou, acima do barulho. Agora Benedict conseguia ver seus olhos. Eram enormes e de um tom de verde intenso. E... Pensando melhor, seu cabelo não era louro-escuro, era bem castanho. Malditas luzes. — Você está soltando fumaça!

E então, ela gargalhou. Não estava zombando ou sendo maldosa, apenas... Divertindo-se com seu descuido. Benedict olhou para baixo, para a camiseta, e constatou que havia mesmo fumaça de algum vestígio da bebida. Foi inevitável não rir.

— Vale dizer que faz parte do charme?

— Vale! E como são essas bebidas?

Olhando para os dois lados, um de cada vez, Benedict abriu um sorriso torto e segredou-a ao chegar mais para perto:

— Ótimas, e fazem jus ao lugar. Mas, para noites como essa, uma tequila é sempre a melhor pedida.

Ela ergueu uma sobrancelha, dessa vez com um vestígio de malícia transpassando seus olhos. Arrumando um cacho rebelde que caía em frente a eles, ela inclinou-se para frente e devolveu o tom de voz:

— Não poderia concordar mais.

Voltando-se para o barman, Benedict pigarreou e simulou seu melhor tom de quem tinha tudo sob controle. Não tinha. Certo, flertar era um esporte que exigia prática, e Benedict não era um amador – tampouco, um especialista. No entanto, aquela mulher em especial o fazia sentir-se como se tivesse se esquecido de tudo... E ela era a modelo do manual.

— Duas tequilas, por favor.

O barman não tardou a atendê-lo. Ao seu lado, a mulher abriu mais um de seus sorrisos radiantes. Com o copo em mãos, Benedict sentiu-se particularmente inspirado.

— Um brinde às cores... E um lamento por todo o brilho neon delas não chegar aos pés do seu, bela dama reluzente.

Foi então que ela gargalhou. Benedict acompanhou-a, sentindo-se mais leve. Mesmo ao virar a bebida cortante, Benedict sorria a ponto de doer suas bochechas. Sorrir mais. Foi outra anotação mental.

— Sou Benedict — ele estendeu uma mão, tendo como resposta um aperto de mão automático. As mãos tinham uma textura tão curiosa que foi com tristeza que ele soltou-se dela. Não eram macias como as das irmãs ou ásperas como as de trabalhadores braçais. Ficava no meio-termo...? — Muito prazer, bela dama reluzente.

— Eu devo atribuir o romantismo à essência de seu nome, bom senhor?

— Não mesmo! — foi inevitável rir do comentário. — Benedick e eu somos unidos apenas por uma coincidência engraçadinha. E, cá entre nós, o autor é muito mais dramático do que romântico.

— Pobre Shakespeare, revirando-se no túmulo após nossa inocente blasfêmia em nome da cortesia!

Benedict assentiu com a cabeça, colocando uma mão no peito para expressar seu drama. A mulher enfim virou sua bebida, deixando o copo no balcão. Era feita de risos e tranquilidade. Benedict perguntou-se como seria morar em seu coração e ter esses itens como decoração.

— Você sorri bastante — ele comentou surpreso por ter dito em voz alta.

— Ou talvez seja você quem sorri pouco — a mulher sorriu, ajeitando sua postura. — Ah, eu gosto de sorrir.

— Bem, e eu gosto do seu sorriso.

Nada mal, Benedict. Até mesmo seu flerte barato havia convencido a mulher. Percebendo que estava a chamando de “a mulher”, ele deu um passo à frente para aproveitar a brecha positiva que lhe foi dada.

— Por falar nisso, a bela dama reluzente até agora não me disse seu nome.

— Ah! Desculpe, é...

Antes que ela pudesse responder, uma voz fez-se ouvir dentre a aglomeração.

— Aí está você!

Que belo timing, Benedict resmungou enquanto o irmão encostava-se ao balcão, bem no meio dos dois. Por sorte, a mulher não pareceu ofendida e nem incomodada com a interrupção. Parecia até achar graça da situação. Era cômico de imaginar as coisas da perspectiva dela.

— Estou aqui, Colin. Está precisando de alguma coisa?

— Eu ia dizer “outra bebida”, mas já entendi o seu sumiço — apesar de estar falando um tanto enrolado, Colin não falhou em aplicar seu tom malicioso na voz. E olhá-lo com uma sobrancelha erguida. Benedict iria matá-lo. — Não vai nos apresentar?

— Até poderia, mas eu ainda não tive a oportunidade de descobrir o nome dela.

Colin olhou para a mulher, como se esperasse a apresentação dupla. Entretanto, ela sorriu com um brilho divertido no olhar.

— Agora que você disse, estou achando bem mais singular não revelar minha identidade. Afinal de contas, Benedict está com muitas desvantagens... Mais uma não faz mal.

Colin gargalhou, pedindo uma segunda dose da bebida de lótus. Após uma piscadela para o irmão, Colin voltou-se para a mulher.

— Meu irmão ama mistérios. Por favor, dê a essa pobre alma necessitada um refrigério. É um prazer em conhecê-la, senhorita. Se me dão licença, vou ficar perto do banheiro só por garantia.

Após um aceno com a mão, Colin retirou-se para a pista de dança. A mulher estava apenas esperando para explodir em gargalhadas. Benedict riu, mas de nervoso.

— Ah, eca!

— Pelo menos ele teve a decência de avisar nas entrelinhas! Já pensou se fosse aqui? Ao vivo? — Benedict franziu o nariz.

— Hum... É mesmo, você tem um ponto.

— Acho que tenho! Mas... Estava falando sério quando disse que não me diria seu nome? É um pouco injusto, não acha?

Ela chegou para frente, usando o mesmo tom de voz que Benedict havia falado mais cedo.

— Para noites como essa, tequila e mistério são sempre boas pedidas.

Benedict ergueu uma sobrancelha. A mulher, por sua vez, imitou o gesto com um ar desafiador. Erguendo as mãos em defensiva, Benedict não teve outra opção a não ser concordar com os termos dela. Ele temia já estar comprometido com seu pobre coração romântico. Como Colin havia dito...? Ah, sim. Precisava de um refrigério.

— Se não vai me dizer seu nome... Ao menos aceita uma dança?

Ela sorriu de lado, olhando para a multidão. Benedict havia o dito por cortesia – afinal, o que mais poderia oferecer? Não seria visto com bons olhos um segundo drinque, uma vez que a) já se sentia um tanto zonzo, b) não queria embebedá-la e c) não havia nada de muito especial ali, a menos que...

Vamos com calma, a terceira anotação mental antes de seu coração sair pela boca.

— Eu aceitaria... Se eu soubesse dançar.

Benedict arqueou as sobrancelhas, surpreso. Era praticamente impossível que alguém que fazia tudo com graciosidade não soubesse dançar.

— Nesse caso, eu poderia ensiná-la!

— Me ensinar? — ela riu, mas não por ter achado a ideia um absurdo. Parecia só... Achar graça de um convite simples como aquele. Mas, afinal... O que mais uma noite como aquelas podia reservar? — Não acha que está muito cheio ali?

— Eu acho... Por isso é melhor termos aulas do lado de fora.

Ela sorriu de lado, chamando o barman com um aceno de mão. Àquela altura do campeonato, Benedict já tinha entregado os pontos.

— Seu irmão não vai se sentir ofendido por o deixarmos sozinho?

— Ah, você ouviu o que ele disse. Eu não passo de uma pobre alma. Estaria fazendo-o um favor de livrá-lo de mim.

A mulher gargalhou, fazendo com que Benedict se sentisse nas nuvens. Quando ela concordou com a cabeça, Benedict aproveitou a oportunidade: enquanto ela pagava sua tequila, ele mandou uma mensagem à Colin pedindo para que pegasse um táxi na volta. Colin respondeu-o por emoticons, e só restou a Benedict interpretá-los como um “amém”.

As ruas de Londres costumavam serem frias e solitárias – ao menos, quando não se circulava pelo centro –, e o bairro em que Benedict morava era repleto de silêncio. E árvores. O aluguel era barato o suficiente para ser bancado pela venda de seus quadros. Entretanto, o sereno das ruas londrinas não era nada em comparação ao calor agradável que emanava das mãos da mulher ao seu lado.

Como se tivesse reparado na mesma que ele, a mulher tinha os cabelos cacheados curtos caídos em frente ao rosto, porquanto que estava inclinada para estudar as mãos unidas dos dois. Podia ser muito precipitado, porém... Uma conexão daquelas simplesmente não podia ser ignorada.

Quando ela ergueu o rosto e sorriu para ele, Benedict sentiu-se atingido por um terremoto. Se houvesse uma personificação para a alegria, Benedict a pintaria exatamente com seus traços.

— E então? Como funciona a dança?

— Oh! A dança, é mesmo! — Benedict riu, acariciando as costas de sua mão. Aproveitando o movimento para girá-la como se faria numa valsa, Benedict trouxe-a mais para perto. A mulher não desviou os olhos dos seus. — Prometo que é um daqueles casos em que o circo é maior do que o espetáculo.

— O que devo fazer? — ela murmurou.

Céus. A qualquer momento o coração de Benedict sairia pela boca. Ele torcia silenciosamente para que a mulher não estivesse escutando seu coração batendo forte no peito. Seria sua perdição.

— Coloque a mão em meu ombro e vou tomar o cuidado de guiá-la.

A mulher assentiu bem ao tempo de o elevador parar no térreo. Benedict conduziu-a para dentro com toda a pompa de um perfeito cavalheiro. Quando as portas do elevador se fecharam, ela pousou a mão delicada em seu ombro; por sua vez, Benedict fez o automático ao dirigir suas mãos para sua cintura. Isso fez que com que ela erguesse uma sobrancelha.

— Tem muita prática em dançar com damas reluzentes?

— Ah, na verdade isso é fruto do casamento de dois irmãos. Não queria passar vergonha na hora da dança, então... — daí, ele deu de ombros, com um sorriso ladino.

— Quer dizer que além do que eu já conheço você tem mais dois irmãos? Imagino que devam dar um bom trabalho em casa.

Benedict gargalhou, balançando-se a ela enquanto o elevador se movimentava.

— Na verdade... Ficaria surpresa de saber que eu sou o segundo de oito irmãos ao todo. Filhos da mesmíssima mãe e do mesmíssimo pai.

Ela arregalou os olhos, exprimindo uma careta cômica. Benedict só assentiu com a cabeça em meio a risos diante de sua perplexidade.

— Sim, oito! Minha tia Georgie disse uma vez que minha mãe gostava da “sensação de estar grávida”. E minha outra tia, Billie, muito bem-humorada, disse que ela gostava era de outra coisa, mas não vou ser desrespeitoso com a minha mãe e concordar com ela...

Daí, ela abrandou seu sorriso para um mais doce. Seus olhos cintilaram como um milhão de estrelas num receptáculo.

E ainda estavam se balançando.

— Você tem muito carinho pela sua família... Hoje em dia, isso em raridade.

— Concordo. Sou muito sortudo por tê-los. Apesar de...

Benedict se interrompeu. Já eram confidências demais para uma estranha. Estranha, não, ele reformulou o pensamento. Recém-conhecida. Parece que nos conhecemos há longa data.

Notando sua hesitação, ela apertou a mão que ainda repousava sobre seu ombro. Calafrios percorreram sua espinha. No momento, Benedict não sabia determinar se eram bons ou ruins. O dia inteiro estava sendo permeado por emoções ambíguas.

— Pode falar — ela sussurrou num tom gentil. E, que Deus o ajudasse, acrescentou: — Não há ninguém mais ouvindo.

A música da dança imaginária dissipou-se no ar quando as portas do elevador se abriram. O último andar era modesto e dono de correntes frias de ar, mas ela não parecia se incomodar com isso. Continuava esperando ser guiada. Então, Benedict a rodopiou para fora do elevador.

— Eu... Às vezes me sinto um tanto deslocado — Benedict sussurrou; tanto pela confidência quanto pelo horário. Tudo o que não precisava agora era de problemas com o síndico. — Acho que... Não sei, não tenho nada demais a oferecer. Sou só o número dois, sabe...?

Ela concordou com a cabeça, enquanto ele buscava a chave no bolso. Benedict se atrapalhou no processo, abafando o barulho dos metais em choque com uma careta. Ela riu baixinho. Então, enquanto abria a porta – e torcia para que o apartamento estivesse arrumado –, prosseguiu com seu raciocínio:

— Sei que eles me amam. Mas, de alguma forma, nunca me senti... Único. Especial e querido. Não que eu queira estar debaixo dos holofotes, m-mas...

Pronto. Agora também era dado a gaguejos. Em que momento da noite ele havia voltado à adolescência?

— Como eu disse... — a mulher voltou a sussurrar, segurando seu braço com delicadeza. Benedict voltou seus olhos para ela, com o coração na mão. — Não há ninguém mais ouvindo. Pode falar...

Foi a gota d’água para o pobre coração de Benedict. Engolindo em seco, ele sorriu de lado um tanto nervoso. Ela observava-o com intensidade, desconcertando-o com uma facilidade que ele achou até mesmo um absurdo. Se soubesse seu nome, o murmuraria até se esgotarem suas forças. Quaisquer que fossem elas. Psicológicas, físicas, que se danasse.

Era o que pretendia. Melhor dizendo, era o que faria. Bem em breve.

— Isso quer dizer que pretende me colocar sob os holofotes, minha bela dama?

Ela sorriu de lado, umedecendo os lábios. Era um sorriso de desafio. Benedict era especialista neles.

— É claro... Assim que nós dançarmos.

— Tem toda razão. Vou só uma música e...

— Não precisa — ela sorriu, ajeitando-se para segurar seu ombro como fez antes. — Podemos dançar sem música. É até melhor! Não vou me atrapalhar. Certo?

Benedict gargalhou baixo, igualmente posicionando uma mão em sua cintura com respeito. Ainda que não houvesse música tocando, ambos se balançaram simulando uma valsa simples. Sem que Benedict se apercebesse, ela escorregou suas mãos do ombro para o pescoço, segurando-o por ali. Os olhos de esmeralda não desgrudavam dos seus, mas isso não o intimidava. Pelo contrário, o incentivava. Foi ela quem quebrou o silêncio, porém com tanta suavidade que Benedict não a ouviria se tudo não estivesse em completa taciturnidade. Era apenas uma palavra.

— Sophie...

Benedict piscou um tanto confuso. Então, ele compreendeu.

Aquilo não era apenas um nome, era uma permissão. Ela ainda o olhava nos olhos, mas Benedict não garantia fazer o mesmo. Seus olhos deslocaram-se para os lábios, donos de um milhão de sorrisos calorosos. Benedict os queria só para si, todos os dias. Quando constatou os próprios pensamentos, Benedict suspeitou que deveria sentir-se em pânico. Porém, ao invés disso...

Ele sentia-se em casa.

No coração.

— Sophie? — ele ecoou mais embasbacado do que gostaria de admitir. Suas palavras pareceram um tropeço, pois era assim que se sentia: embriagado. Erguendo uma mão, Benedict deslizou um polegar por seu lábio inferior, atraindo o olhar da mulher para seus dedos. Ah, ela não estava muito melhor do que ele. — É perfeito.

Ele engoliu em seco, preso à situação por mais alguns instantes. Ah, ela era tão linda! Com o pensamento bobo em mente, escorregou o dedo para a bochecha dela. Sophie sorriu, porém quase imperceptivelmente – Benedict apenas notou o sorriso pelo mover das bochechas.

— Está na hora de eu colocá-lo sob os holofotes, Benedict...

Então, Benedict atirou longe seu autodomínio. Inclinando-se para frente, como um perfeito cavalheiro, ele a beijou. Abriu as portas de seu coração para que ela pudesse habitá-lo. Com um arquejo sufocado, Sophie correspondeu juntando seus corpos. Foi então que Benedict sentiu o coração dela batendo forte no peito.

Apertando sua cintura, Benedict libertou-a.

Ele beijou-a de leve. Beijou-a com afobação. Beijou-a com lentidão. Beijou-a nos lábios, nas bochechas, nas sobrancelhas, no pescoço e, então, Benedict já não contava mais com a própria boca. Sophie não pareceu se importar, porquanto que suas mãos também brincaram de beijar seu corpo quando julgou conveniente.

O síndico que se danasse. Benedict pagava pelas próprias contas, que pagasse pelo próprio barulho.

Preguiçosamente, Benedict rolou para o lado. Não tinha uma cama de casal, portanto havia lutado para dar conforto a ela.

Ela.

Sophie.

Ah, meu Deus. A vida era mesmo maravilhosa.

Espere aí. Benedict tateou em busca do corpo que deveria estar ali. Seu coração palpitou. Não é possível que...

Não havia nenhum vestígio de que houvesse outra pessoa ali. Benedict sentou-se na cama, frustrado. O sol mal havia nascido. Como podia ser que ela não estivesse mais ali?

— Sophie? — ele murmurou, desolado.

Não era seu costume sair nu pela casa, porém precisava ver com os próprios olhos. Já estava pronto para a solidão.

Então, Benedict sentiu o cheiro. E os sons o orientaram.

Café fresco. A cafeteira gotejando. Daí, a descarga.

Franzindo a testa, Benedict voltou o corpo para o banheiro. De lá, espreguiçando-se, saíram Sophie e seu vestido cintilante. Mesmo sem luzes, ela era a rainha da noite. Mesmo com os cachos amassados, era a mulher mais cativante que já havia visto. Poderia pintar uma coleção inteira inspirada nela. Talvez o fizesse, mesmo.

Então, Benedict lembrou-se de que estava nu.

— Oh, bom dia — Sophie sorriu, enviando para ele uma onda de alívio avassaladora. Graças a Deus. — Eu não quis te acordar... É que eu preciso trabalhar.

É claro! E eu aqui, quase tendo um infarto. Caramba!

— Bom dia — Benedict sentou-se à mesa, arrependendo-se quase automaticamente pelo gelo que permeou seu traseiro. Apesar de tentar disfarçar, Benedict soltou um resmungo. — Eu, hum... Pensei que...

— Tivesse ido embora e te deixado aqui? Sem nenhum rastro? Ah, eu definitivamente não sou a Cinderela moderna. E nem cruel a esse ponto. Um pouco malvada, mas é só.

Benedict gargalhou com a voz rouca, passando a mão pelos cabelos amarrotados. Apoiando as costas na cadeira, ele permitiu que ela acariciasse os fios com a ponta dos dedos. Se fosse um gato, certamente estaria ronronando.

— Acho bom... Certamente não sou nenhum príncipe. Agora, malvado, já não sei medir o tanto. Aliás. O príncipe da Cinderela não tem nome, tem...?

— O do filme tem! — ela riu baixinho, beijando sua cabeça. — Eu discordo. O senhor é um perfeito cavalheiro. Para príncipe, não está muito longe.

Benedict sorriu de olhos fechados. Então era assim a sensação de ser querido...? É, eu posso muito bem conviver com isso. Nem tudo que é novo precisa ser ruim, certo?

— Como está sua pobre alma necessitada? — ela brincou, desvencilhando-se dele para servir uma xícara de café. O som do líquido em contato com a xícara enviou a Benedict outra onda de sono. — Eu fiz bem forte. Só falta adoçar.

— Refrigerada — ele riu pelo nariz. — Está ótimo... Obrigado.

Benedict imaginou aquela cena se repetindo. Manhã após manhã. Que se danasse se ele a conhecia há pouco mais de algumas horas, mas mulher alguma o tinha feito pensar assim. Enquanto divagava, Sophie sorriu e sentou-se à mesa junto a ele, com sua xícara em mãos. Era curioso o modo como a segurava – com as duas mãos, como se estivesse a abraçando. Era simplesmente adorável.

— O que está olhando? — ela perguntou, se divertindo. Benedict deveria estar parecendo o maior dos tolos. —Sim, eu me dei a liberdade de xeretar os armários, mas é um delito inofensivo!

— Você... Eu estou olhando você, Sophie.

Simples assim. Sophie sorriu, tomando um gole de seu café. Ela gostava mesmo de perguntas... Bem, Benedict não se importava, afinal, elas costumavam ser bastante pertinentes.

— E o que está vendo em mim?

Por sorte, Benedict gostava de respostas.

— Minha alma.

Os olhos de Sophie reluziram de emoção. Seria possível ela estar pensando o mesmo que ele? Vislumbrando um futuro onde ambos compartilhavam o café e elogios matinais? Benedict torcia para que sim. Pior: ele implorava. Por Deus, ela o tinha dado uma vida em uma noite! Não podia ser sua imaginação uma conexão como aquelas.

Fosse como fosse, ele não a perguntou. E Sophie também não o disse. Tudo o que fez foi colocar uma mão sobre a dele assim que terminou seu café, e Benedict julgou isso como suficiente.

— Preciso ir... Ainda tenho que me trocar.

— Levarei em consideração que esse vestido foi feito apenas para meus olhos contemplarem — Benedict riu rouco, com seu melhor tom provocador.

— Hum... Digo o mesmo. É mesmo uma obra de arte.

Sophie mediu-o de cima a baixo, admirando a beleza natural de Benedict. Desacostumado a receber elogios – ainda mais sobre seu corpo –, Benedict corou como um colegial. Gargalhando por ter marcado um ponto, Sophie levantou-se e ergueu o queixo dele para lhe dar um selinho. Em seguida, recolheu um bloco de notas e uma caneta de sua bolsa, anotou algo e destacou a folha. Daí, ela deixou o papel debaixo da xícara de café, como se fosse um porta-copos.

Benedict sentia-se visto. Ouvido. E amou a sensação.

— Bom trabalho, Sophie — ele sorriu, acariciando sua bochecha. — Até depois...?

— Sim. Quando quiser. Tenha um bom dia, Benedict.

Então, ela partiu, deixando-o todo sorrisos e nu com uma xícara de café. Nu e com uma xícara de café foi sua primeira nota mental do dia, portanto tomou juízo e foi em direção ao banheiro seguido do quarto.

Quando enfim voltou à mesa, aquecido e vestido, Benedict segurou a xícara como se valesse um milhão de dólares. Suspirando, Benedict desgrudou o papel da mesa com a ajuda da unha. Primeiro, ele admirou a caligrafia delicada com que Sophie havia escrito “Sua Cinderela”. Abaixo, havia o número do telefone.

771-46...

Benedict piscou forte, não acreditando na própria falta de sorte.

Ele usou o banheiro, se aqueceu e enquanto isso a xícara exalava vapor e derretia parte de seu sapatinho de cristal. Os dois últimos números estavam borrados. Culpa da caneta de ponta porosa.

Ah, merda...

Benedict tamborilou os dedos no papel.

Veja pelo lado positivo, foi sua segunda anotação mental do dia. São 99 chances, e não 100.

Antes de qualquer atitude, Benedict voltou para a cama. A) Ele precisava saber como estava o irmão. B) Ele precisava lhe pedir um favor.

Primeiramente, Benedict precisava de um cochilo. Quando o fez, Benedict sonhou que estava dançando.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.