Lost & Found

Capítulo Único


Allen olhava para as suas malas na porta da casa, com lágrimas nos olhos, tentando entender como um relacionamento de anos pôde acabar daquela maneira. Será que Yu ao menos entendia quando aquilo havia começado? Tinha certeza de que não. A presença marcante do japonês atrás de si, com a expressão duvidosa, só lhe dava mais certeza disso. Ele não sabia o que estava acontecendo, não de verdade, e Allen estava cansado de tentar explicar. A buzina do táxi que estava esperando na porta da casa foi o que trouxe o albino de volta à realidade.

— Bom Yu, acho que isso é um adeus. – ele se virou para encarar o marido, não, ex-marido agora, que havia ficado parado, no canto da sala, completamente em silêncio, desde que anunciara que queria o divórcio e havia começado a fazer as malas – Lavi me disse que vai passar aqui amanhã para buscar as caixas.

— Eu tenho uma reunião perto da hora do almoço, então é melhor aquele idiota não se atrasar. – foram as únicas palavras que Yu Kanda havia se dignado à dirigir ao menor, depois de horas de silêncio.

— Terei certeza de que ele não irá se atrasar, não se preocupe. – o excesso de polimento nas palavras do jovem apenas indicavam o quanto ele estava arrasado com a situação. Não que ele fosse mal educado ou grosseiro, muito pelo contrário, era conhecido por sua formalidade e impecabilidade, como um bom britânico. Mas não precisava de todo esse decoro em casa, não com seu amado Yu. Mas se o maior se atentou a esse detalhe, não demonstrou.

Então sem mais nenhuma palavra dita entre eles, Allen apenas engoliu toda a sua dor e entrou no carro, carregando apenas uma mala com poucas coisas pessoais, deixando para trás toda a sua vida, tudo o que viveu nos últimos dez anos, e seu único amor.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

— Allen, já fazem três meses, quando você vai finalmente sair de casa? – a voz de Lenalee, uma das poucas amizades que tinha atualmente, ressoava por seus fones de ouvido, enquanto tentava, com muito custo, preparar uma macarronada sem colocar fogo na cozinha.

— Eu não sei porque Lavi e você ficam insistindo tanto para eu sair de casa, Lena! – sua voz saiu um pouco mais áspera do que gostaria, mas já estava discutindo o mesmo assunto com o casal de amigos há dias – Eu estou perfeitamente bem aqui. Eu preciso enviar o livro novo para o Tiky em algumas semanas, então preciso finalizar tudo nos próximos dias. Realmente estou atolado de trabalho até o último fio de cabelo.

— Nós dois sabemos que você terminou esse livro há tempos, Allen, essa desculpa não vai funcionar comigo. – a voz da amiga estava severa, assim como sempre ficava quando ele tentava enrolá-la. Simplesmente não tinha como mentir para ela.

— Mas eu realmente preciso revisar as últimas páginas. – suspirou exausto, despejando a massa já no ponto em uma travessa e se preparando para despejar o molho – Eu ainda estou incerto sobre o final.

— Você é o melhor escritor que eu conheço, tenho certeza de que o final está perfeito, assim como todos os outros livros que você já escreveu. – havia um tom de orgulho na voz dela, que o fazia corar todas as vezes – Me diga qual é o real problema, Allen. Você está trancado nesse apartamento nos últimos meses, saindo apenas para comprar comida. Do que você tem tanto medo?

— Tenho medo de encontra-lo, Lena. – sua voz saiu quebrada no final, e quando suas pernas começaram a tremer, precisou se sentar no chão, escorado ao armário da cozinha, para evitar desabar. Escondeu o rosto entre os joelhos antes de continuar – Tenho medo de sair na rua e encontra-lo com outra pessoa, de vê-lo seguindo a sua vida como se tudo o que vivemos não fosse importante para ele. Tenho medo de vê-lo seguindo em frente como se eu não significasse mais nada para ele.

— Ah Allen... – ele ouviu o barulho de chaves e de uma porta sendo fechada – Eu chego aí em 15 minutos.

— Lena, não precisa... – começou a dizer, mas soube que era inútil no momento seguinte, quando a ligação foi encerrada.

Ele nem ao menos retirou os fones, apenas ficou encolhido em sua própria bolha de dor e sofrimento.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

— Yu, a próxima reunião vai ser depois do almoço. – Lavi entrou na sua sala, como sempre sem bater na porta, carregando uma pilha de documentos. Para o seu azar ele foi rápido o suficiente para desviar do grampeador que atirou na direção dele.

— Já disse para não me chamar pelo primeiro nome, coelho idiota! – praticamente rugiu na direção do outro advogado, arrancando os papéis da mão dele e se virando irritado para o computador.

— Ah Yu, você é sempre tão mau comigo!! – o ruivo fazia uma cena dramática, com direito a lágrimas falsas e uma mão no coração, onde ele fingia que estava sendo apunhalado, enquanto se sentava na cadeira à sua frente.

Pensou em retrucar outra vez, e até analisou rapidamente os objetos a sua volta para ver qual causaria mais estrago ao ser usado como arma, quando um envelope na parte de cima da pilha de documentos, que estavam nas suas mãos, lhe chamou a atenção. Não era um envelope da sua empresa, nem de nenhuma relacionada ao caso que precisava discutir com o colega.

— Isso acabou de chegar para você. – não havia mais nenhum traço de drama na voz do outro, e isso apenas o deixou mais curioso. Lavi podia ser o maior palhaço ou ator dramático do mundo, mas sempre ficava sério quando o assunto era importante.

Olhou mais uma vez para o envelope, deixando todos os outros documentos em cima da mesa. Estava endereçado a si e quando o virou para ver o remetente sentiu como se a temperatura da sala tivesse despencado.

Não tirou os olhos do envelope nem mesmo quando escutou a cadeira sendo arrastada e Lavi deixando a sala, fechando a porta atrás de si. Sabia que era um dos raros momentos em que o amigo estava sendo delicado.

Sentiu as mãos trêmulas quando retirou os papéis de dentro do envelope. Em qualquer outra ocasião teria rido do quanto estava sendo patético. Ele era Yu Kanda, dono da maior empresa de advocacia de Paris, e era sem dúvida um dos advogados mais respeitados e temidos de toda a França, quiçá da Europa. Ele não ficava nervoso ou abalado. Mas essa era a única descrição para o que estava sentindo no momento. Podia jurar até mesmo que as batidas do seu coração falharam algumas vezes enquanto seus olhos, extremamente treinados, passavam pelos papéis à sua frente. Depois de seis meses a realidade finalmente o atingiu. Aqueles eram os papéis que o advogado de Allen havia enviado. Ele havia realmente entrado com o pedido de divórcio. As lágrimas escorreram pelos seu rosto enquanto ele podia ouvir o seu mundo ruir.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

— Você precisa ficar quieto garoto, ou eu não vou conseguir terminar de arrumar a sua gravata. – a voz do moreno soava rouca e sensual, próxima ao seu ouvido.

— Eu já disse que posso fazer isso sozinho, Tiky. – tentou soar irritado, mas nunca conseguia realmente ficar bravo com o seu editor.

— Mas é a sua noite de lançamento, eu não posso deixar você aparecer na frente dos seus fãs estando menos do que perfeito. – viu um sorriso ladino aparecer na face do mais velho quando ele finalmente terminou o nó da sua gravata e se afastou apenas o suficiente para apreciar o seu trabalho – Não que você precise de muito esforço para ficar incrivelmente apetitoso. Talvez eu cancele esse evento todo e te deixe trancado aqui comigo pelo resto da noite.

— Tiky, por favor, não diga essas coisas! – podia sentir seu rosto arder e não duvidava que estivesse parecendo um pimentão de tão vermelho. Seu editor adorava provoca-lo, apenas para vê-lo ficar corado, sempre foi assim.

Ignorou qualquer desculpa que o outro poderia ter resmungado e se olhou no espelho. Usava um traje social cinza escuro. Lenalee sempre dizia que essa cor realça seus olhos, e ele tinha que concordar. As únicas coisas que quebravam a sobriedade do visual eram seu cabelo, que estava preso com um laço vermelho na altura da nuca, e sua gravata, num tom de roxo. Tiky dizia que esse tipo de coisa era importante, já que o deixava com um ar mais despojado e jovial, para quebrar um pouco a sua postura extremamente polida.

Ao olhar para a gravata precisou conter o nó que se formou em sua garganta. Não era seu primeiro lançamento, e várias vezes precisou viajar pelo mundo para divulgar seus livros, e em todas as ocasiões havia usado sua gravata azul, que havia ganho de presente do Yu logo após receber a notícia de que seu primeiro livro ia ser publicado. Desde então ele sempre a usava, como um amuleto da sorte, já que o japonês não podia acompanha-lo devido ao trabalho. Era uma forma de sempre mantê-lo por perto, mesmo quando estivesse do outro lado do mundo. Seria a primeira vez que iria encarar esse tipo de evento sem ela. Era a primeira vez que faria esse tipo de coisa desde que havia ido embora, há quase sete meses.

— Está na hora, garoto. – o moreno o tirou de seu devaneio, colocando uma mão em seu ombro e sorrindo de forma encorajadora. Era uma das raras ocasiões em que via apenas conforto e confiança nas expressões do mais velho.

Agora era o momento em que Tiky assumia sua postura de editor e o guiava por toda a jornada que se seguiria pelas próximas horas. E ele não podia ser mais grato. Não sabia se conseguiria passar por isso sozinho.

— São apenas algumas horas assinando livros, sorrindo para seus fãs e tirando fotos. – o moreno dizia enquanto o guiava para a porta do quarto e depois para o saguão do hotel onde o lançamento seria feito – Apenas tente parecer inteiro e aprecie o momento. Eu vou lidar com a imprensa depois, então não se preocupe com as entrevistas.

— Obrigado Tiky, eu não sei o que seria de mim sem você. – disse de forma sincera, olhando no fundo dos olhos do mais velho, enquanto ele segurava a maçaneta da porta que o levaria para o caos.

— Você certamente seria apenas mais um escritor de romance medíocre que morreria antes de ver suas obras ganharem algum reconhecimento. – precisou conter a risada ao ouvir essas palavras, por mais verdadeiras que elas fossem – Show time, sweet!

As próximas horas passaram como um borrão. Mal teve tempo de assimilar tudo o que estava acontecendo quando finalmente a última pessoa saiu do saguão, deixando apenas Tiky e ele no aposento.

— Você foi muito bem, garoto! – recebeu o elogio com um sorriso cansado. Suas mãos estavam doloridas de tanto assinar livros e suas bochechas estavam quase dormentes de tanto sorrir – O evento foi um sucesso e já posso prever a grande quantidade de vendas que o livro vai alcançar. Talvez você chegue ao top 10 dentro dos próximos dias!

— Eu fico agradecido com a sua animação Tiky, mas acho melhor não termos tantas expectativas. – tentou acalmar a euforia do mais velho, mesmo sabendo que isso era quase impossível.

— Allen, não duvide nem por um segundo do sucesso da sua obra. – o tom de voz dele era firme – Esse foi sem sombra de dúvidas o melhor livro que você já escreveu!

— Eu não sei Tiky. – suspirou pesadamente – Ele está tão diferente de tudo o que eu já escrevi.

— Você escreveu inúmeros livros de romance que foram aclamados, então entendo sua insegurança, garoto. – sentiu o outro sentando-se ao seu lado e buscando os seus olhos antes de continuar a falar – Mas esse é especial. Você tem um personagem forte e independente, que trilhou o seu próprio caminho sem todo o clichê que vemos por aí. É uma história incrível.

— Obrigado. – conseguiu sorrir, talvez de forma verdadeira pela primeira vez naquela noite.

— Agora eu vou lá fora lidar com os abutres da imprensa. – e lá estava outra vez o Tiky editor – Volte para o quarto e coloque uma roupa mais confortável. Vou avisar o casal meloso que eu mesmo vou te levar pra casa hoje.

Apenas assentiu mais uma vez antes de sair do aposento por uma porta lateral e se dirigir ao quarto que estava reservado para si. Agradeceu mentalmente o fato de o moreno dispensar delicadamente seus amigos, porque sinceramente não tinha forças para lidar com o furacão que era o casal Lavi e Lenalee. Eles eram seus preciosos amigos, mas estavam tão extremamente superprotetores desde o dia em que contou que finalmente tivera coragem de ir até o escritório do seu tio Cross para dar entrada no pedido de divórcio, que era sufocante. Principalmente por Lavi ser amigo e colega de trabalho de Yu. Então toda vez que via o ruivo tinha que se conter para não perguntar por ele. Será que ele já havia recebido os papéis? Será que estava feliz? Será que ele estava bem? Várias perguntas rondavam a sua cabeça enquanto tirava a parte de cima do seu traje. O barulho da porta sendo aberta o fez pular e levar automaticamente as mãos ao peito, onde a camisa social se encontrava completamente desabotoada.

— Já disse para bater na porta antes de entrar no quarto dos outros, Tiky! – virou-se em direção a porta para continuar a ralhar com o editor, mas congelou no lugar, com os olhos arregalados e o coração disparado. Não era Tiky Mikk que acabara de entrar no quarto, era Yu Kanda.

— Boa noite, moyashi. – e em pé, ao lado da porta estava ele, o grande amor da sua vida. Vestido impecavelmente com um terno preto e com os cabelos soltos.

Precisou respirar fundo algumas vezes até finalmente assimilar que ele realmente era real. O perfume de lótus foi o que o fez ter certeza. Nem em seus melhores dias conseguiria reproduzir aquele cheiro inebriante que sempre estava presente na pele do japonês. Não era uma alucinação.

— O que você está fazendo aqui, Kanda? – tentou manter a voz firme, mas havia falhado miseravelmente. Mal conseguia conter as lágrimas que faziam seus olhos arderem, conter tudo o que sentiu por todos esses meses. Estava tão chocado que nem mesmo corrigiu a forma como ele havia lhe chamado.

— Vim trazer isso aqui. – o moreno lhe estendeu um envelope, que ele reconheceu como sendo da empresa de Cross.

Pegou o envelope por puro reflexo. Sentiu como se o mesmo pesasse uma tonelada. Era isso. Aqueles poucos papéis colocavam um fim a tudo o que tiveram.

— Não vai abrir? – a voz de Kanda o trouxe de volta a realidade.

— Não precisava ter trazido até aqui. – dizia enquanto abria o envelope e tirava os papéis grampeados lá de dentro. Ele havia assinado tudo antes de Cross enviar, já para não precisar lidar com aquilo outra vez. Havia aberto mão de todos os bens que compartilhavam, ficando apenas com o pequeno apartamento que era de seu pai. Não queria nada que lhe lembrasse do moreno – Bastava mandar alguém entregar no escritório.

Apenas por hábito, passou os olhos pelo pelos papéis, pois sabia tudo o que estava escrito naquelas folhas. Havia ajudado o tio a escrevê-las durante uma tarde dolorosa, quando finalmente havia percebido que Kanda não iria procura-lo. Como não obteve respostas ao que disse, pulou para as últimas páginas, onde esperava encontrar a assinatura do moreno abaixo da sua. E pela segunda vez naquela noite, sentiu seu coração parar.

— Isso é alguma brincadeira? – encarou o outro com as mãos trêmulas e com a voz embargada – Essa é a sua ideia de piada, Kanda?

— Não é piada, moyashi. – ele parecia extremamente sério e decidido – Eu não vou assinar essa porcaria.

— Eu não estou entendendo, Kanda. Como assim não vai assinar? – estava completamente perdido.

— Você é meu marido e já está na hora de acabar com essa palhaçada. – a cada palavra dita o moreno se aproximava mais de si – Eu te dei mais tempo do que o necessário para você esfriar a cabeça. Está na hora de você parar com esse drama e voltar pra casa.

Sentia as palavras penetrando todo o seu corpo, apertando o seu coração e então saindo como lágrimas através dos seus olhos. Não era possível que aquilo estivesse acontecendo.

— Você não pode aparecer aqui depois de todos esses meses e me falar esse monte de coisa. – sentia as lágrimas escorrendo – Você nem tentou entrar em contato comigo!

— Eu estava te dando um tempo para se acalmar e perceber seu erro. Vamos esquecer toda essa besteira, Allen. – Só quando o outro lhe chamou pelo nome que tomou consciência do quanto ele estava próximo. As últimas palavras foram praticamente sussurradas em seu ouvido, enquanto o maior levava uma mão para acariciar seu rosto – Está na hora de você voltar.

Sentiu a raiva fervilhar dentro do seu peito. Afastou a mão do moreno com um tapa e deu vários passos para trás, criando distância entre eles.

— Você tem que ser muito estúpido ou sádico para vim até aqui me dizer essas coisas! – as palavras saíram baixas, mas afiadas como lâminas – Palhaçada? Drama? Besteira? É isso que meus sentimentos são para você?

— Allen, não seja difícil, tsc. – ele não sabia que era possível ter o coração partido pela mesma pessoa, pelo mesmo motivo, mais de uma vez. Mas aparentemente isso é possível sim.

— Não seja difícil... – testou as palavras na sua boca – É isso o que você sempre me dizia quando eu reclamava do seu descaso comigo. Quando você estava tão ocupado com a própria vida que nem se lembrava que eu existia.

— Você está sendo exagerado...

— Exagerado? – seu tom de voz subia a cada palavra dita – Quando foi a última vez que você ficou em casa para comemorar nosso aniversário de namoro, ou se lembrou do nosso aniversário de casamento, ou não marcou alguma viagem de negócios em pleno feriado?

— Eu precisava trabalhar para poder te dar a vida luxuosa da qual você nunca reclamou! – aquela acusação doeu como um soco no estômago – Eu preciso trabalhar para que você fique em casa brincando de escrever e vivendo tranquilamente!

— Brincando de escrever? – as lágrimas já corriam em abundância pelo seu rosto – É assim que você vê a minha profissão?

— Allen, não foi isso...

— Eu não me lembro de ter pedido uma vida luxuosa. – não deixou o outro falar. Sentia que ia morrer sufocado se não colocasse tudo pra fora – Eu sempre quis dividir as contas de casa, como nós fazíamos quando estávamos na faculdade. Você quem sempre insistiu em bancar tudo. Eu nunca quis o seu dinheiro, Kanda. Eu só queria você, o seu amor.

— Eu não...

— Brincando de escrever. – a amargura em sua voz era completamente perceptível – Eu me lembro que quando terminei a faculdade de direito foi você quem me incentivou a larga tudo e seguir o meu sonho de ser escritor. – as lembranças vinham como uma enxurrada – E quando eu finalmente disse ao meu tio que não queria trabalhar no escritório dele e ele disse que se recusava a te manter no emprego se eu não fosse trabalhar lá, você trabalhou duro e abriu seu próprio escritório com o Lavi e fez de tudo para que eu conseguisse lançar meu primeiro livro.

— Allen...

— Foi tudo uma mentira, Yu? – sua voz saiu quebrada e dolorida – Tudo o que vivemos foi uma ilusão?

— Não! – se assustou com o grito que o outro deu. Kanda nunca perdia a compostura – Claro que não foi uma mentira Allen, eu apenas escolhi mal as palavras – o moreno voltou a se aproximar – Você estava tão bonito essa noite. – ele sussurrou com os lábios próximos aos seus. – Uma pena você não estar usando a gravata que eu te dei.

— Yu... – foi tudo o que conseguiu dizer enquanto o outro se aproximava ainda mais, enlaçando a sua cintura com um dos braços.

— Volta pra casa Allen. – não era um pedido, era uma ordem. Sentiu todo o seu corpo se arrepiar, mas seu coração estava sangrando.

— Qual é a minha cor favorita, Yu? – ele queria ceder. Queria beijar o homem que o abraçava, queria voltar para casa. Queria voltar para ele mais do que tudo no mundo, mas não podia mais abrir mão de si mesmo.

— Como? – o moreno parecia genuinamente confuso.

— Qual é a minha cor favorita? – repetiu a pergunta. Uma parte de si tinha esperança de que ele responderia e que isso seria o início do recomeço.

— Por que isso agora, moyashi? – o maior se afastou, ligeiramente irritado.

— Apenas responda a pergunta, Kanda. – ele suspirou resignado. É claro que as coisas não eram simples assim. Quantas vezes ele havia tentado antes de finalmente desistir e se afastar?

— Azul. – a resposta do maior quebrou o que restava do seu coração.

— Azul é a SUA cor favorita, Kanda, não a minha. – suspirou derrotado – Eu me pergunto quando foi que nós nos perdemos.

— Eu te amo Allen, não faz isso. – ele viu o moreno suplicar pela primeira vez na vida, mas era tarde.

— Ama? Eu já não tenho tanta certeza. – cada palavra perfurava seu coração, porque era isso o que vinha sufocando sua alma nos últimos anos.

— Eu não acredito que você está duvidando dos meus sentimentos! – o outro parecia tão contrariado, mas tudo o que conseguia sentir era mais uma vez a dor da separação – Tudo o que eu fiz por todos esses anos foi trabalhar para te dar uma vida melhor e ser fiel! Você não tem o direito de duvidar do meu amor!

— Isso pra mim parece conveniência. – as lágrimas secaram e tudo o que ele sentia era dor e cansaço. Não queria passar por aquilo outra vez – Sempre foi conveniente para você me ter esperando em casa, todos os dias. Acatando todas as suas vontades e apagando minha própria existência apenas para você não precisar se preocupar com nada.

— Você está dizendo que a culpa é minha? – a irritação e incredulidade na voz no maior era quase palpável, mas ele não se deixou intimidar. – Eu nunca pedi por isso.

— Não Kanda, a culpa é minha também. – encarou os olhos do outro – Na minha ânsia de querer te agradar, de ser um bom marido, de tentar ser o suficiente para você, eu me deixei de lado. Me convenci que não tinha problema você não estar em casa no Natal, ou no seu aniversário, ou não comparecer em nenhum dos meus lançamentos. Me convenci de que o seu tempo era mais importante do que o meu, então sempre fazia o que você queria, quando você queria. Porque eu sempre tinha que aproveitar qualquer migalha de atenção que você estivesse disposto a me dar, qualquer horário de folga que você tirasse para ficar em casa. – suspirou – Mas eu não posso mais. Eu não consigo mais fazer isso.

— Por que você não veio conversar comigo sobre isso? – o outro o acusou, mas ele já esperava por isso – Por que simplesmente pegou as suas coisas e foi embora?

— Eu tentei. – as lágrimas queriam voltar, mas ele precisava ser forte agora – Eu tentei tanto, Kanda! A cada vez que eu tentava abordar o assunto você dizia que eu estava sendo dramático e que deveria guardar isso para as minhas histórias. Eu passei a dormir no escritório de casa, mas você nem se importou!

— Eu estava te dando espaço para trabalhar! – o moreno gritou de volta – Você disse que estava escrevendo algo novo e que precisava de paz para pensar.

— Você pode dizer isso para si mesmo, mas a verdade é que eu me afastei e você nem percebeu. Eu fiquei cada vez mais ausente, sempre trancado no escritório e você nem notou a minha ausência. Eu parei de fazer sua comida e ao invés de me perguntar o motivo você passou a comer fora.

— Eu achei que você estava concentrado no trabalho! – viu o outro perder completamente a compostura, levando as mãos à cabeça de forma irritada – Eu achei que você estava muito ocupado!

— Não, Yu! Você simplesmente se adaptou a uma rotina que não me incluía! Você se acostumou com a minha ausência. – cerrou os punhos, enterrando as unhas na palma da mão – Você parou de se importar, porque se acostumou com a ideia de que eu sempre estaria ali.

— Não foi isso o que aconteceu! – viu lágrimas inundarem os olhos do maior, mas ele não deixou que elas caíssem.

— Você me viu ir embora e não fez nada. – era isso, aquele era o ponto final – Porque achou que era uma frescura. Você estava esperando para me ver quebrar a cara e ter que voltar como um cachorrinho, com o rabo entre as pernas. Nunca passou pela sua cabeça que eu não dependo de você para viver, Kanda.

— Por favor, Allen, não faz isso. – o outro voltou a suplicar, mas seu coração estava machucado demais.

— Por favor, Kanda, assine os papéis e diga para alguém os entregar no escritório do meu tio. Nós acabamos aqui. – sua voz saiu baixa e controlada.

— Allen...

Antes que o moreno pudesse terminar de falar, a porta foi aberta outra vez.

— Já está pronto para ir, garoto? – Tiky entrou no quarto animado, mas seu sorriso morreu quando os encarou – O que está fazendo aqui? – a pergunta foi para o Kanda, mas ele não respondeu.

— Ele já estava de saída, Tiky. – não olhou mais para ele, ou não conseguiria ser firme na sua decisão – Eu já estou pronto. Por favor, me leve para casa.

Sem dizer mais nenhuma palavra, Tiky pegou sua mochila e a roupa que estava espalhada pela cama e passou o braço pelos seus ombros, guiando-o para a saída.

— Allen... – ouviu a voz suplicante de Kanda, mas não se virou para encará-lo.

— Adeus, Kanda. – e foi embora, mais uma vez, deixando o que havia restado do seu coração naquele quarto de hotel.

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Não soube quando a primeira lágrima escapou, apenas que ela foi o prelúdio para a enxurrada que seguiu. Em algum momento pensou ter escutado a voz de Tiky, mas não entendeu o que ele disse, apenas sentiu suas mãos o guiando, abotoando sua camisa que ainda estava aberta, colocando-o no carro, levando-o para dentro, colocando-o na cama. No dia seguinte não se lembrava de por quanto tempo havia chorado, apenas que Tiky ficou ao seu lado até que ele dormisse, e que em algum momento da manhã Lena apareceu para fazer seu café.

Se lembrava de ter escutado eles conversando alguma coisa, que o nome de Kanda fora citado, mas se obrigou a desligar do diálogo. A única informação que guardou foi “Lavi foi ficar com ele”. E isso o deixou mais tranquilo. Por mais que estivesse sofrendo, que seu coração estivesse em mil pedaços, ficou feliz e saber que Yu não estaria sozinho. E com isso se permitiu entrar outra vez em sua bolha de apatia.

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Quanto tempo havia passado? Dias, semanas, meses? Já havia tanto tempo que havia parado de se importar com isso que o tempo parecia estar perdido, parado. Tudo o que fazia era levantar, comer algo que a Lena tivesse deixado preparado, e se sentar na poltrona em frente a janela. Depois tomava um banho e voltava a se deitar. Não conversava com ninguém, não fazia mais nada. Por um tempo seus amigos ainda tentaram fazer algum contato, mas ele simplesmente ignorava o mundo ao seu redor. A dor precisa ser sentida, e ele precisava ficar um tempo de luto pelo seu amor.

Mas um dia ele levantou, e percebeu que não havia mais lágrimas em seus olhos e que a dor parecia menor do que no dia anterior. Foi o primeiro dia em que levantou e fez seu próprio café, depois de tanto tempo, e quando Lenalee chegou para sua luta diária de tentar mantê-lo saudável e alimentado, ele a cumprimentou.

— Bom dia, Lena. – foram palavras simples, mas ela desabou no chão e começou a chorar.

— Você está de volta. – foi tudo o que ele conseguiu entender entre os soluços que saiam da boca da chinesa.

— Sim Lena, eu estou de volta. – disse se abaixando ao lado da amiga, afagando seu cabelo – Me desculpe por isso.

— Sentimos a sua falta. – ela pulou no seu pescoço, quase derrubando a xícara de café que estava sem suas mãos.

— Também senti a falta de vocês. – sussurrou.

Depois da pequena comoção em seu apartamento, onde Lavi e Tiky também apareceram felizes e com as mãos carregadas de sacolas de doces, para animá-lo, ele soube que haviam se passado quinze dias, desde a noite de lançamento. Como o editor havia previsto, seu livro era um sucesso e no dia anterior já havia chego ao top 5 de mais vendidos do ano. Faltando ainda quatro meses até o Natal, Tiky ainda previa um aumento nas vendas.

Se permitiu ficar feliz com a notícia. Ele havia trabalhado duro, merecia o reconhecimento. Havia decidido que não aceitaria menos do que merecia, nunca mais. Se fizesse isso toda a sua dor teria sido em vão. Tirou o dia para se adaptar novamente, ficando a par das notícias e desfrutando da presença dos amigos. Não disse nada quando Lavi disse que precisava ir, mesmo sendo domingo e mesmo que a sua esposa fosse ficar. Ele sabia para onde o ruivo estava indo, e ficou feliz que o outro não estivesse sozinho. Não desejava o mal de Kanda, apenas não podia continuar com a vida como estava.

Na manhã seguinte decidiu sair para caminhar. Fazia tempo que não saía de casa, e passear por Paris pela manhã era um prazer do qual não desfrutava a muito tempo. Era um hábito que havia adquirido na adolescência, depois que seu pai havia morrido. Costumava sair de manhã e apreciar o nascer do sol, prometendo a cada dia que continuaria a andar, não importando os obstáculos, até o fim da sua vida. Era isso o que havia prometido a Mana. Que continuaria vivendo e apreciando as coisas boas, e que sempre seguiria em frente. Permitiu um sorriso triste surgir em sua face quando pensava a quanto tempo estava distante dessa promessa.

— Sinto muito pai. – sussurrou em oração – Eu me afastei e me perdi de mim mesmo. Mas agora eu me encontrei e vou voltar a andar.

Tomou café em uma pequena cafeteria perto da sua casa, e então voltou, cheio de ideias e inspirado. Talvez começasse a esboçar o próximo livro, por mais que Tiky dissesse que ele precisava de uma pausa para descansar. Já havia ficado parado tempo demais.

Enquanto subia as escadas para chegar até seu apartamento, que ficava na parte de cima de um estúdio de dança, estranhou encontrar uma cesta embrulhada na sua porta. Dentro da cesta havia um arranjo de tulipas vermelhas, uma caixa do seu chocolate favorito e um cartão. Sentiu o coração disparar e ficou vários minutos parado antes de criar coragem para pegar a cesta e entrar.

Levou vários outros minutos, nos quais ficou apenas encarando a cesta que estava em cima da mesa, para criar coragem de abri-la a pegar o cartão. Tinha a esperança de ser um mimo do seu editor, já que ele estava transbordando orgulho pelas suas recentes conquistas, mas poderia reconhecer aquela caligrafia em qualquer lugar. Bastou ver seu nome escrito de maneira tão elegante no envelope, para saber quem o havia enviado.

“Allen,

Gostaria de parabeniza-lo por sua conquista.

Ficar no top 5 de vendas em apenas quinze dias é algo incrível e você merece esse reconhecimento.

Seu livro é maravilhoso.

[..]Say something, I'm giving up on you... Você repetiu essa frase várias vezes na história. Eram os sinais que estavam lá, seu grande grito de socorro, e eu me recusei a ver.

Eu sinto muito.

P.s.: Sua cor favorita é vermelho, porque era a cor do meu laço de cabelo na faculdade, no seu primeiro dia de aula, quando nos conhecemos. E também porque tulipas vermelhas foram as flores que eu te dei no dia em que nos beijamos pela primeira vez.

EU NÃO VOU DESISTIR DE VOCÊ”

Sentiu lágrimas frescas escorrendo por sua face. Yu. Por que sempre aparecia quando ele finalmente estava aceitando o fim? Suspirou, engolindo as lágrimas antes de encher um vaso de água para colocar suas tulipas. Não tinha coragem nem rancor suficiente para jogá-las no lixo.

Tentou esquecer de tudo e se concentrar nas ideias que tivera para a continuação de seu livro. Não era essa a ideia inicial. Sempre gostou da forma como seus livros eram independentes e cada história tinha começo, meio e fim. Mas a cada vez que olhava para as flores sentia mais inspiração para uma continuação. Se recusava a ter qualquer tipo de esperança de reatar com Kanda na vida real, mas sempre podia sonhar com seus livros.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

Pela semana que seguiu, continuou com a sua rotina de levantar cedo, caminhar pela cidade, tomar café na cafeteria, chegar em casa, pegar a nova cesta deixada na sua porta, entrar, se emocionar com um novo cartão e colocar seus sentimentos pra fora através da sua escrita.

A cada dia Yu o surpreendia com uma declaração nova. Falava sobre seus gostos, como músicas e livros favoritos, e sempre lembrava de alguma ocasião especial. O pedido de namoro, a primeira noite de amor, o pedido de casamento, o casamento.

Foi difícil esconder dos amigos, principalmente de Lena, o que estava acontecendo. Mas se falasse sobre isso estaria criando esperanças, e ele não podia passar por tudo aquilo outra vez. Então simplesmente guardou segredo de tudo, pelo menos até no sábado, quando um furacão de cabelos ruivos e olhos verdes invadiu a sua casa na hora do almoço.

Naquela manhã Yu havia enviado um cartão falando sobre a lua de mel deles, acompanhado de uma cesta com vários tipos de doces japoneses, já que foi para o Japão que eles viajaram. Foi a primeira vez dele no país natal do seu companheiro, e havia ficado encantado por tudo, principalmente pelas comidas diferentes. Ele era britânico, mas havia sido criado em Paris, e como seu pai era sócio do escritório de advocacia de seu tio Cross Marian, que era um mulherengo e alcoólatra incorrigível, quase nunca conseguiam viajar. Então conhecer uma cultura tão diferente da sua o marcou muito.

E por isso, estava especialmente sensível naquele dia, mergulhado em lembranças, e não conseguiu prever a armadilha do ruivo até já ser tarde demais.

— Lindas flores essas que você tem aqui Allen. – o ruivo dizia animado, apontando para o vaso com as tulipas – Soube que são as suas favoritas.

— São sim. – disse de forma distraída, enquanto preparava um chá para o amigo.

— Eu ia te chamar para comer fora, mas você já deve ter se empanturrado com os doces. – o ruivo foi sorrateiro e ele não percebeu o sorriso contido na face do mesmo.

— Sim, acabei comendo tudo de uma vez. – apontou para o lixo que acumulava todas as embalagens dos doces recebidos na cesta da manhã.

— Yu vai ficar feliz em saber que você está apreciando os presentes dele. – e aquela foi a cartada final. Era uma vergonha para si, um exímio jogador de pôquer e advogado, mesmo que não exercesse a profissão, não ter visto essa chegando.

— Sim, os presentes são incríveis, assim como os cartões. – disse sem pensar muito. E só se deu conta do que havia acontecido quando escutou a risada do amigo atrás de si.

Virou-se quase em pânico, pronto para negar qualquer coisa, mas sabia que já era tarde. Então apenas fez sua melhor expressão emburrada.

— Desculpa Allen, mas você nunca me responderia se eu tivesse perguntado diretamente. – o outro parecia sincero, mas ainda continuava bravo.

— Talvez porquê isso não seja problema seu! – respondeu de forma dura.

— Allen, vocês dois são meus amigos, mas o Yu... – viu o ruivo se perder nas palavras, mas sabia o que ele queria dizer.

— Vocês são amigos de infância. Eu sei. – realmente sabia disso. Quando se conheceram, através da Lenalee, que já era namorada do ruivo na época, Lavi era o único amigo que o japonês tinha. Eles foram criados no mesmo orfanato, e quando finalmente tiveram idade para sair de lá, passaram a dividir um apartamento perto da faculdade, onde começaram o mesmo curso. Além disso eles tinham um emprego de meio período no mesmo bar, onde Lavi era garçom e Kanda ajudava no bar e na cozinha.

— Ele sempre foi muito reservado e nunca falou muito sobre seus sentimentos, mas nesses últimos dias, eu nunca o vi tão diferente. – podia sentir a seriedade nas palavras do amigo, mas se recusava a pensar nisso – Ele passou pelo inferno nos primeiros dias. Ao contrário de você que se fechou no seu próprio mundo, Yu ficou desesperado e mais irritadiço do que o habitual. No primeiro dia ele quebrou praticamente tudo o que havia na sala do escritório, deixado apenas o porta retrato que você deu de presente de aniversário de casamento ano passado. Depois disso se trancou em casa.

— Lavi, eu realmente não quero... – tentou interromper, porque não queria saber sobre o sofrimento do moreno. Isso dilacerava o seu coração. Sempre foi assim, a dor do outro sempre machucava mais do que a sua própria.

— Eu não sei em que momento ele conseguiu o seu livro, desconfio de que foi seu editor que enviou, mas quando ele terminou de ler ficou ainda mais arrasado. – ouviu um suspiro. Apenas podia imaginar a expressão sofrida do ruivo, porque havia passado a encarar o chão quando ele começou a contar sobre Yu. Não queria mais chorar por isso, mas sabia que não tinha como evitar – Ele passou uma semana apenas bebendo, amaldiçoando e resmungando que os sinais estavam lá e que ele foi um tolo cego. E então um dia ele simplesmente levantou e gritou que te conquistaria novamente.

— Lavi, eu não sei o que dizer. – disse com um fio de voz – Eu não sei o que sentir. Eu não sei se meu coração aguenta passar por tudo outra vez.

— Eu não estou dizendo para você voltar para ele, Allen. – a voz do ruivo também era baixa – Eu apenas quero que você pense a respeito. Ele está realmente arrependido de tudo.

— Eu não posso prometer nada Lavi... – suspirou.

— Bem, você não pode me culpar por tentar. – viu o ruivo levantar e se dirigir para a porta – Eu fiz o que podia, o resto é com vocês.

— Obrigado Lavi, por tudo, por cuidar dele. – foi sincero, estava mesmo agradecido.

O outro apenas acenou com a cabeça antes de sair.

Passou o resto do dia pensando nas palavras do amigo ruivo, mas não sabia o que sentir ou fazer. A única outra interação que teve no dia foi uma troca de mensagens simples com seu editor, onde ele perguntou se ele enviou uma cópia do livro para seu ex, e recebeu apenas um “sim” como resposta. Mesmo que se passassem mil anos, ele nunca iria entender as atitudes do moreno.

Na manhã seguinte, como era domingo e estava com a cabeça cheia, se permitiu dormir até um pouco mais tarde. Resolveu pular a parte da caminhada e ir direto para o café da manhã, já que estava faminto. Estava tão distraído enquanto saía de casa que não percebeu a figura alta que se encontrava em sua porta até trombar com ela.

— Me desculpe! – começou a dizer, enquanto perdia o equilíbrio. Tinha certeza de que iria cair, mas uma mão forte o manteve firme no lugar.

— Você está bem? – sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo quando aquela voz penetrou todos os seus poros. A segunda coisa que sentiu foi o cheiro de lótus. Ele estava mesmo ali.

— Yu? – perguntou surpreso, mesmo tendo certeza de que era o moreno.

— Bom dia Allen. – viu um meio sorriso aparecer no canto dos lábios do mais velho.

–O-o que você está fazendo aqui? – gaguejou levemente ao falar, porque ainda estava bem seguro dentro de um dos braços do moreno e toda aquela aproximação era atordoante.

— Bem, eu... – viu um rubor surgir no rosto do outro e por um segundo desejou muito estar com o seu celular em mãos. Quando havia sido a última vez que viu Yu corar? Há uns dois ou três anos talvez. Foi tirado de seus pensamentos quando viu o olhar constrangido que o moreno direcionava à sua outra mão.

Acompanhou o olhar e viu que ele segurava uma cesta, igual àquelas que haviam sido deixadas na sua porta durante a semana.

— Oh! – estava surpreso – Eu não imaginei que você as estava trazendo pessoalmente.

— Eu não confiaria isso a ninguém, é importante demais. – podia ver que ele estava se esforçando para ser sincero. Sem meias verdades ou desculpas.

— Como eu não te vi em nenhum dos dias? – a curiosidade suprimiu qualquer outro sentimento que pudesse aparecer no momento. Havia decidido na noite anterior que deixaria as coisas acontecerem. Ia ver até aonde isso ia dar.

— Eu esperava você sair para caminhar antes de subir? – o maior respondeu meio tímido, enquanto o soltava e colocava algum espaço entre eles.

Sentiu a falta do calor do moreno no momento em que os seus corpos se separaram, mas achou a atitude do outro delicada, respeitando seu espaço pessoal. Depois de tanto tempo, e da briga no hotel, achou que quando o visse novamente seria doloroso e triste, mas ele estava leve, talvez até um pouco divertido.

— Então você ficava de tocaia na minha porta, todos os dias, esperando a casa ficar vazia? – perguntou com uma pequena risada querendo escapar pelos seus lábios – Isso não é algo muito adulto, Yu.

— Tsc! – foi a única resposta que recebeu, junto com um cruzar de braços e uma expressão envergonhada, que o maior tentou esconder olhando para o lado e deixando a franja cobrir uma parte do seu rosto.

Foi o que bastou para uma risada escapar. Risada que se tornou uma gargalhada ao ver o quando o outro estava se controlando para não iniciar uma briga. Yu Kanda não era um homem conhecido por ser controlado. Ele era feroz e irritadiço, sarcástico e até mesmo quase cruel, dependendo da situação. Por isso era até divertido ver ele sendo tão cuidadoso com a situação.

Com muito custo conteve a risada e trocou a diversão por uma nova curiosidade a respeito da cesta que o moreno carregava. Esticou as mãos para pegá-la, o que fez o maior o encarar confuso.

— O que você...?

— É pra mim, não é? – apontou para a cesta que ainda permanecia firme nas mãos do japonês.

— Bem, sim... – ele parecia inseguro.

Esticou novamente as mãos, e depois do que pareceu uma eternidade, Yu lhe entregou o embrulho, com uma expressão quase sofrida.

Ele ignorou isso completamente e foi logo inspecionar a cesta para ver o que tinha dentro. Viu vários itens de café da manhã, mas ficou decepcionado quando percebeu que estava faltando alguma coisa.

— Não tem cartão... – comentou triste, mais para si mesmo do que para o outro escutar.

— Hoje eu queria te dizer pessoalmente. – o voz do moreno havia ficado mais confiante e seu coração quase falhou uma batida quando viu o sorriso que delineava seus lábios.

Isso era algo que sempre o afetava. Ninguém além dele via os sorrisos de Yu. No início do namoro, há quase dez anos atrás, havia perguntado ao moreno porque ele nunca sorria para outras pessoas, apenas para ele, e a resposta ainda mexia com ele “Porque você é o único que possui meu coração”.

— Você gostaria de entrar e tomar uma xícara de café? – perguntou sorrindo. Estava cansado de sofrer e se o outro estivesse disposto a mudar sua postura, talvez ele devesse dar uma chance.

— Eu adoraria, moyashi. – abriu a porta atrás de si com um sorriso ainda maior em seu rosto.

— Fique à vontade, baKanda! – a pequena troca de farpas entre eles foi o suficiente para aliviar qualquer tensão que ainda houvesse entre eles.

Eles passaram a manhã toda conversando sobre o relacionamento. Kanda estava disposto a qualquer coisa para ter seu amado de volta, mesmo que isso significasse abrir mão do seu orgulho.

Decidiram, na verdade Allen decidiu e Kanda se limitou a concordar, que eles fariam as coisas aos poucos. O relacionamento deles havia se perdido em algum momento e a culpa era de ambos, por isso precisavam encontrar o caminho de volta juntos. Voltaram a namorar como quando eram adolescentes, trocando mensagens durante o dia e marcando encontros, ainda vivendo em casas separadas.

Kanda passou a dividir a maioria das responsabilidades do escritório com Lavi, para que ambos pudessem ter uma carga horária tolerável e ainda tivessem tempo livre para a vida pessoal. Após uma pequena discussão com Tiky sobre ele se meter demais em sua vida, Allen estava trabalhando no livro novo, a continuação do seu último lançamento e atual maior sucesso de vendas da sua carreira.

Apenas no Natal, meses depois, Kanda convenceu Allen a finalmente voltar pra casa. Passaram a véspera toda trabalhando na mudança. Para surpresa do albino, o mais velho havia tirado quinze dias de férias, para que eles pudessem aproveitar o momento juntos.

Depois de organizarem todas as coisas, fizeram a ceia juntos, como costumavam fazer no começo do relacionamento. Como também era aniversário do menor, Kanda concordou com todos os desejos do marido, terminando com uma ceia grande o suficiente para alimentar o bairro todo, não apenas os dois, que eram os únicos que estariam em casa, mas não se importou. A única coisa que importava era o brilho nos olhos do seu amado. Era isso o que trazia a sua verdadeira felicidade.

Quando os fogos começaram a iluminar o céu e a Torre Eiffel, ambos se abraçaram na sacada do quarto, aproveitando do fato de que a casa deles ficava apenas há dois quarteirões de distância da torre e tinha uma vista privilegiada.

Okaeri, Allen. – o moreno sorriu antes de depositar um beijo nos lábios de seu amado.

Tadaima, Yu.

O coração de ambos poderia explodir de tanto amor e carinho. Enquanto abraçava seu marido e único amor, sentindo o calor de seu corpo o manter aquecido mesmo contra o vento frio do inverno, Allen soube que finalmente havia reencontrado seu caminho, que poderia continuar caminhando com Yu ao seu lado.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.