Eu nunca havia me sentido daquela forma antes. Em todos os aspectos possíveis. Após nossa relação, Loki e eu nos vestimos sem trocar uma palavra. Não havia necessidade. Ele já tinha o que queria e eu também. E ambos tinham consciência disso. Assim, Loki preparou sua magia e nos levou de volta para os corredores escuros do Palácio de Asgard, de onde tínhamos saído anteriormente.

– Fury não vai gostar de nada disso... – Loki comentou, arrumando o sobretudo em meus ombros. Uma expressão divertida brincava em seu rosto, como se ele estivesse ansioso para ver o que Fury faria ao descobrir nossa pequena travessura longe de seus olhos autoritários.

– Não me importo com ele. Só vou fazer o que precisa ser feito. – Comentei, sorrindo de maneira ameaçadora.

Em seguida, eu me virei para sair correndo em direção aos Jardins. Havia uma batalha esperando por mim. Loki me impediu, segurando-me pelo braço.

– Onde está indo? – Ele indagou, ligeiramente confuso.

– Enfrentar um jogo perigoso. Bem perigoso. – Eu disse, revirando os olhos de ansiedade.

– Ótimo. São os meus jogos preferidos. – Argumentou Loki, com um brilho de urgência percorrendo seu olhar atento. Ele soltou meu braço e se pôs ao meu lado. Juntos, corremos para salvar Asgard. Apenas esperando que não fosse tarde demais.

•••

– Stella? Você está legal? – Lucca me perguntou, irrompendo do meio de vários Gigantes que atacavam.

– Eu estou bem... Por enquanto. – Comentei, já prestes a usar minha lança, caso fosse necessário. – E você... Pelo visto...

Lucca estava coberto de pequenas feridas e arranhões. Sangue fresco vertia de um corte leve em sua testa. E sangue seco se aglomerava em diversas partes de seu corpo. Ele arfava, segurando o machado firmemente entre as mãos. Apesar disso tudo, seu olhar amendoado revelava a expressão de alguém contente e realizado com a tarefa que executava. Um brilho perigoso perpassava seu semblante.

– Eu estou ótimo. Mas a barra está um pouquinho pesada. Não vamos conseguir vencê-los. Isso é um fato. Mas estamos fazendo tudo o que podemos para contê-los... – Explicou Lucca, correndo rapidamente na direção de três Gigantes que se aproximavam de nós. Loki ainda jazia do meu lado, apesar de Lucca claramente tê-lo ignorado.

E então eu percebi a dimensão da coisa: Um verdadeiro caos. Os Jardins Asgardianos ardiam não só em fogo, mas em gelo. As extremas forças pareciam conviver pacificamente em meio à guerra e à destruição. Centenas de Gigantes empunhavam suas armas e destruíam o que ou quem encontrassem pela frente. Estava nítido que os Legionários estavam em menor número, apenas lutando pelo mínimo de sua sobrevivência. Não estávamos conseguindo conter a invasão. Apenas estávamos tentando sobreviver.

Além disso, os Vingadores estavam espalhados, tentando conter o avanço dos Gigantes. Em vão. Ao longe, eu avistava vultos do que parecia ser o Hulk e o Homem de Ferro, mas éramos poucos em relação ao número de criaturas. Só restava uma chance para nós: Expandir nosso poder de fogo.

– Sinto muito. Muito mesmo. Mas essa invasão termina aqui. – Proferi ironicamente para o nada, estendendo minha lança para todo Gigante que pude encontrar.

Em seguida, eu e Loki nos separamos. Eu sabia que ele também tentaria lutar, ainda que relutantemente. Ele não deixaria o seu tão desejado império sucumbir daquela forma. Assim, só restava eu e a minha batalha. Eu não tomava conhecimento de nada ao meu redor. Apenas usava meus poderes combinados para derrotar e destruir todo monstro que meus olhos conseguissem alcançar. Eu usava magia para me transportar nas sombras, desviando-me das criaturas, para em seguida golpeá-las com minha lança de maneira pouco misericordiosa. Ou eu corria, desviava e usava algum feitiço para confundir os monstros levemente ou para contê-los. Combinei diversas formas de poder, enquanto atravessava o Jardim em linha reta, determinada em meu desafio pessoal de matar cada criatura que ainda respirava e exalava a morte.

Eu gostava de uma boa luta. Essa invasão me revigorava, e eu também sentia prazer em destruir cada criatura... Era como se cada morte produzida por mim gerasse ainda mais poder. Eu sentia que tinha mais domínio sobre meus atos letais. Meus poderes ficavam mais intensos e profundos. Meus reflexos melhoravam e se aperfeiçoavam... Eu conseguia produzir mais feitiços. Não havia espaço para clemência dentro de mim ou em cada gesto meu. E a cada morte, essa sensação aumentava. Eu queria sentir o poder. O poder que era exclusivamente meu. A sede de poder me dominava. A glória pela morte de um inimigo me consumia. Eu tinha mais vontade de matar. Matar cruelmente. Com um baque de razão, eu percebi. Eu estava, definitivamente e de uma vez por todas, absorvendo a Magia Sombria.

•••

E era um sentimento inevitável. Um desejo infinito. Quanto mais poder eu tinha, mais eu queria. E eu sabia que poderia conseguir todo o poder que eu desejasse. Causar a morte dos Gigantes me deixava forte... Plena. Não havia espaço em minha mente para ser racional ou medir consequências. Possuir o poder era tudo o que importava. Talvez, a única coisa que realmente importava. E cada vez mais eu sentia que absorvia essa energia. Eu continuava minha sangrenta saga, matando sem precedentes, sentindo essa magia absurda me dominar, tomando conta de mim por inteira. Eu alcançava a plenitude do poder. Eu podia sentir uma áurea negra de energia pairando levemente ao meu redor. E parar de lutar era impossível. Eu tinha sede de poder. Nada era mais forte do que isso. Mas, em algum lugar do meu subconsciente, eu sabia por que estava fazendo tudo aquilo.

Os Vingadores precisavam de mim. Eu obter a Magia Sombria era nossa única chance de vencer os Gigantes. Eu possuiria um poder único capaz de deter esses inimigos. Por isso eu fora com Loki até a prisão, onde eu havia sentido o poder pela primeira vez. Enquanto eu me unia a Loki, sentindo todas as sensações daquele momento, o poder se apossara de mim. Agora, fazia parte de quem eu era.

Eu estava exausta. Ao meu redor, eu via uma mistura de fogo, de gelo, de ruínas, de soldados sucumbindo, de gritos... Eu ajoelhei no chão, caindo. A lança estava escorregando de minhas mãos... Uma voz conhecida me chamava... Trazia-me de volta para a realidade que eu me recusava a enxergar.

– Stella! Stella! Para!

Eu arfei, apoiando minhas mãos no chão. Uma tontura me consumia. Eu usara meus poderes até o limite. Eu estava esgotada, mas o impulso de matar ainda estava presente no meu interior. Senti braços firmes me envolverem, tentando me levantar do chão. Num ímpeto, agarrei fortemente minha lança, impedindo-a de cair. E avancei para a pessoa que me abraçava, desejando atacá-la para possuir mais poder.

Com um susto repentino, percebi que era Steve quem tentava me levantar do chão. E, com mais susto ainda, percebi que eu tentara atacá-lo. Fiquei alguns segundos sem reação... Larguei minha lança na grama pisoteada. Em seguida, enterrei meu rosto no abraço de Steve, que ainda me esperava como se nada tivesse acontecido.

Não sei quando tempo fiquei assim, nos braços de Rogers, lamentando e agradecendo simultaneamente o que eu havia me tornado.

– Está tudo bem, Stella. – Dizia Steve o tempo todo, mas eu sentia que eram palavras relativamente vazias. Para mim, pelo menos.

Eu chorava silenciosamente, pedindo desculpas com uma exagerada repetição. Steve olhava-me com resquícios de pena e algo que eu me recusava a acreditar: Vontade de me ajudar. Eu não merecia a compaixão dele. Era algo puro demais para uma pessoa como eu.

Agora eu entendia tudo. Eu possuía a Magia Sombria dentro de mim. Inteira. Inquebrável. Letal. E eu entendia também como eu a conseguira.

– Steve... Não deve ficar sozinho comigo. Eu... Eu não sei se posso resistir. – Eu dizia, tentando me desvencilhar dos braços dele. Steve se recusava a me deixar, e a lembrança da noite com Loki na prisão pareceu me incomodar um pouquinho.

– Está louca? Não vou deixá-la... Você destruiu os Jotuns dessa área, mas existem mais na lateral. Os Vingadores estão lá. – Steve disse, parecendo preocupado.

– Steve... Não temos muito tempo. Precisamos ajudá-los. Mas primeiro, eu vou contar para você o que aconteceu comigo.

•••

Steve ficou me encarando. Eu suspirei, escolhendo rapidamente as melhores palavras.

– O que está havendo, Stella? Eu estou preocupado! – Ele disse, urgente. Steve olhava frequentemente para os lados, para se certificar de que estávamos bem e sem interferências externas. Ao nosso redor, só havia ruínas do que antes era a entrada do Jardim.

– Steve... – Eu comecei, hesitante. O Capitão segurava minhas mãos com apreensão. – Você sabe... Existe, no universo, uma Magia Sombria. Essa magia... Repousa em seu devido lugar. Mas, de vez em quando, precisa de um hospedeiro para reavivar-se. Eu possuo as características de um hospedeiro perfeito. A Magia tomou conta de mim. Ela me dá um poder inimaginável. Por isso consegui derrotar grande parte dos Jotuns.

Steve engolia em seco, prestando atenção em cada palavra que eu proferia. Em nenhum momento ele pareceu desistir de mim. Ou odiar-me pelos meus atos. Steve entendia o sacrifício que eu fizera, antes mesmo de eu terminar de contá-lo. Ele entendia porque, possivelmente, faria a mesma coisa. Porque isso incluía o futuro de um grupo e de uma civilização inteira.

Ele assentiu para que eu continuasse. Seus olhos azuis eram sérios e firmes. O Capitão encontrava a força e a estabilidade num momento de trevas e trovões. Como sempre.

– Agora que possuo o poder, eu o entendo completamente. A Magia Sombria fora dividida em três partes, para que ninguém pudesse recuperá-la e usá-la. Uma parte estava na caverna onde eu fiquei soterrada há muito tempo, durante nossa expedição. Outra estava na prisão. E outra estava aqui mesmo no Palácio. Era atrás dessas partes que os Jotuns estavam atrás. Eles achavam que poderiam reunir as partes e obter o poder.

Eu tinha que reprimir as lágrimas para que elas não me traíssem. Eu parava ocasionalmente para respirar, procurando nexo em minhas palavras. Steve permanecia forte, segurando firmemente minhas mãos e olhando-me incisivamente quando eu parecia prestes a desmoronar. Steve era a força e a determinação de uma causa nobre. Algo que eu nunca teria plenamente. Eu continuei:

– Por um golpe de sorte ou azar, eu estive em contato com essa magia várias vezes. Em cada contato, um pedaço dela se apossava de mim. Assim, quando eu visitei a caverna, a energia tomou conhecimento da minha existência. Isso fez com que, quanto mais eu estivesse nesses lugares, mais quantidade de energia se apossasse de mim. Eu entendi isso... E entendi que a única maneira de evitar que os Jotuns pegassem a energia era eu mesma pegá-la. Além disso, eu poderia destruí-los e evitar qualquer invasão. Eu poderia salvar Asgard e os Vingadores...

Steve assentiu, abraçando-me levemente.

– Então eu fugi da cela em que Fury me colocara. Fui até a prisão. Obtive a segunda parte da Magia. E vim para cá, absorvi a terceira. O poder pertence a mim agora.

Depois de um tempo em silêncio, nos braços de Steve, eu estava ficando mais nervosa. Ele não dissera uma palavra. Então, gentilmente, Steve me afastou de seus braços.

– Precisamos ajudar os outros, certo? – Ele confirmou. Sua voz grossa falhava. Ele parecia... Desolado.

– Certo. – Confirmei. Eu me sentia na obrigação de ser forte – ou pelo menos fingir ser – para evitar a desolação de Steve. Mas eu não era tão capaz quanto ele.

Eu sorri tristemente, caminhando em direção a outra parte do jardim. Sozinha. Os Vingadores precisavam de mim. E eu iria ajudá-los.

– Stella... Espera. – Steve chamou-me, quase murmurando. Eu não me virei para encará-lo. Eu simplesmente parara onde estava, ouvindo sua voz ressoar contra o vento.

– Isso... Isso que você fez. Isso tem efeitos colaterais, não tem? – Steve perguntou, receoso. A sua voz lhe traía. E eu entendi porque o Capitão parecia preocupado. Ele temia a mim. Temia aquilo me destruía por dentro.

– Tem. – Falei, alteando o tom de voz, já que Steve estava longe de mim e eu não podia vê-lo, pois estava de costas. – Fúria. Instabilidade... O meu futuro não está mais em minhas mãos.

Era um jeito gentil de dizer que eu não sabia se viveria ou não. Steve entendera isso. E eu não podia ter certeza, porque não o olhei. Mas eu sabia que em algum lugar, Steve suspirava e lamentava. Por mim.