Living in the North

Capítulo 04 - Dave Russel


Dave acabara de acordar de um pesadelo. Sentou-se sobre a cama e percebeu que estava encharcado de suor. Depois de dois minutos, ele se levantou da cama e caminhou até um guarda-roupa velho que tinha em seu quarto. Dave ainda não tinha trocado nenhum móvel da sua casa, tampouco comprado um novo. Ainda ontem ele preenchera os formulários no cartório, depois passara pela imobiliária e por fim recebera os seus cem doho's.

Defronte ao guarda-roupa, Dave abriu uma das portas do mesmo e se olhou no espelho que tinha ali. Ele estava sem camisa e viu que parte do seu braço e ombro esquerdo estavam pretos, como se estivesse podre e sem vida. Uma lágrima escorreu de seus olhos. Se passaram duas semanas e três dias desde que Dave fora mordido, e ele não fazia ideia de como ainda não tinha se transformado pois sabia, assim como todos sabiam, que a transformação demorava no máximo quarenta e oito horas. Até o momento, apenas os seus amigos sabiam que ele estava infectado. O texano não tinha falado para ninguém de North Hopeville que fora mordido, e ninguém viu o braço infectado porque ele usava uma blusa de manga longa para esconder a mordida dos habitantes.

Ninguém disse nada à respeito de Dave esconder a sua mordida do resto da cidade, mas ele sabia que isso era errado. Eles me aceitaram e me acolheram aqui nessa cidade, pensou Dave, então eu devo dizer a eles que eu fui mordido. Mas como? Como eles irão reagir à isso? Acho melhor ir para um hospital e dizer isso à um médico... Dave vestiu-se com roupas longas e saiu da sua casa. Decidiu que iria andando até o hospital em vez de ir à cavalo.

Era uma manhã ensolarada e quente. Apesar do texano estar acostumado com o sol quente sobre a sua cabeça, o desta manhã estava incomodando o rapaz. Seu corpo transpirava bastante por causa das roupas longas, Dave estava sentindo tonturas e se apoiou na cerca de uma casa, só que não demorou muito para desmaiar na calçada.

— Sim, vamos usar o carro! – exclamou uma voz desconhecida para Dave. – Ei, moço... fique aí onde está. Eu e meu irmão vamos levá-lo para o hospital.

Quando Dave conseguiu abrir os olhos pôde ver melhor o dono da voz que falava com ele, ou melhor, a dona da voz. Era uma mulher magra de pele negra, cabelos black power e encaracolados, seus olhos que expressavam preocupação tinham a cor castanho-escuro. Mesmo com a visão turva, Dave achou a mulher muito bonita.

— Você desmaiou aqui em frente de casa – informou a mulher. – Como está se sentindo?

— Bem... estou bem – mentiu Dave. Ele sentou-se sobre o chão e percebeu que estava debaixo da sombra de uma árvore, e deduziu que a mulher arrastou seu corpo pra debaixo da árvore, pois o texano se lembrava que havia desmaiado debaixo de sol.

Eles continuaram conversando até que um jovem, também negro e muito parecido fisicamente com a mulher, saiu da casa correndo com a chave do carro nas mãos. A mulher ajudou Dave a se levantar e caminhou ao lado dele até ambos entrarem no carro.

— Obrigado – disse Dave, se acomodando no banco do veículo.

Em menos de dez minutos o rapaz estacionou o carro na porta do hospital, Dave e a mulher saíram do veículo e caminharam para dentro do local. Ele estava perdendo a sensibilidade das pernas e andava com muita dificuldade.

— Precisamos de um médico! – disse a mulher, olhando para uma recepcionista. – Ele desmaiou há pouco tempo, está suando muito... e mal consegue andar! – completou, ao ver o texano andando de maneira estranha.

Rapidamente apareceram dois médicos de plantão carregando uma maca, eles colocaram Dave na mesma e caminharam até um quarto vazio. A mulher estava acompanhando, mas foi interrompida.

— Me desculpe, senhora – disse um dos médico, educadamente. Tinha os cabelos louros e olhos azuis – Mas a senhora não pode entrar conosco. O que a senhora é dele?

— Hum... vizinha – respondeu. – Na verdade, eu não o conheço.

— Entendo. Daremos informações sobre ele o mais rápido que pudermos.

Após dizer isso o médico entrou no quarto, enquanto colocava sua máscara descartável para trabalhar, e viu que Dave estava desacordado na maca. Logo ele e seu companheiro começaram a examinar o texano, até que em um momento eles tiraram a blusa de Dave e deram um salto de susto ao ver a enorme mancha negra do rapaz.

— Mas que droga é essa?!

— Não faço ideia – respondeu o outro médico. Este tinha os cabelos negros e barba rala no rosto, e seus olhos eram castanho-claro, quase amarelo.

— Parece que a pele está morta... olha isso – disse o médico louro.

Os dois se entreolharam em silêncio quando viram a mordida no meio da mancha negra, e voltaram a trabalhar. Eles colocaram Dave em uma cama, retiraram uma seringa de sangue e aplicaram soro no rapaz. Enquanto o texano permanecia desacordado na cama, os dois médicos foram pra outra sala, e essa sala parecia um laboratório, pois tinham telescópios, béqueres de vidro, frascos de diversos tamanhos e formatos, produtos químicos, dentre outras coisas.

— Isso é inacreditável – sussurrou o médico louro.

— Sim... é inacreditável. Os glóbulos vermelhos do rapaz reagiu de uma forma inacreditável contra o vírus... Meu Deus, isso é... – gaguejou e engoliu em seco. – Isso pode ser a cura. Quero dizer, finalmente a cura. Tentamos várias vezes, junto com cientistas e biólogos encontrar uma cura... mas isso é de longe a melhor forma que temos para desenvolver um antídoto.

— Vou informar o Sr. Kellerman imediatamente! – disse o médico louro, se retirando do laboratório.

O outro médico ficou no laboratório, examinando admirado pelo telescópio o sangue do Dave. Depois de alguns minutos, o médico parou de examinar o sangue e voltou para o quarto onde o texano estava. Ao entrar no quarto o médico viu que o seu paciente estava acordado novamente. Sentou-se em uma cadeira próxima a cama de Dave, e então começou a contar para o rapaz o que descobriu.

— Quer dizer que sou imune? – perguntou Dave, confuso e animado ao mesmo tempo.

— Não é bem isso... Você conseguiu resistir ao vírus por mais tempo do que o comum por causa dos seus glóbulos vermelhos, mas isso não quer dizer que você é imune – respondeu o médico. – O motivo de você ter desmaiado foi por causa do vírus.

De fato, desde que Dave fora mordido no shopping, ele passou a desmaiar muitas vezes, principalmente depois de ter passado quarenta e oito horas do momento em que fora mordido. Dave se lembrava da primeira vez que desmaiara. Ele caminhava ao lado de seus amigos à procura da cidade North Hopeville, estava se sentindo perfeitamente bem até que sentiu uma onda de calor abraçar o seu corpo, perdeu o equilíbrio e apoiou as costas em uma parede, deslizou por ela e caiu sentado no chão já desmaiado.

— Não sou imune? Então, cedo ou tarde eu irei morrer?

— Sim. Lamento te dizer isso – disse, com a voz triste. – Contudo, podemos desenvolver a cura se coletarmos mais do seu sangue.

— Cura?! Isso é possível, doutor? – o texano demonstrou uma certa ansiedade e felicidade ao ouvir a palavra "cura".

— Sim, é totalmente possível.

Dave compreendeu o que estava acontecendo ali. Uma hora ou outra ele iria morrer, e o seu sangue tinha o poder de desenvolver a cura. Então Dave, sem pensar duas vezes, decidiu que iria se submeter a doar o quanto de sangue fosse necessário. Mas o que iriam fazer depois que tivessem a cura? Grupos de pessoas iriam sair fora da cidade para pegar mortos-vivos e injetar a cura neles? Será que os mortos-vivos teriam a sua memória de volta quando fossem curados? Ou os mortos-vivos não tinham chance de serem curados, a cura seria apenas para pessoas infectadas que foram mordidas há pouco tempo? Seu sangue seria o suficiente para curar quantas pessoas? Dave tinha essas dúvidas na cabeça e pensava nas possibilidades. Iria fazer essas perguntas para o médico, mas acabou perguntando outra coisa.

— Doutor, vocês precisarão do meu sangue enquanto eu estiver vivo, né? Quero dizer, depois que eu morrer o meu sangue não será mais útil, certo?

— Exatamente. Temos que agir o quanto antes e também...

— Tudo bem! – interrompeu-o. – Eu faço! Se vou morrer de qualquer jeito, quero fazer isso para que vocês possam desenvolver a cura.

O médico apenas assentiu e sorriu de canto. Minutos depois o médico louro voltou acompanhado de outra pessoa, o Sr. Kellerman, que tinha o cabelo curto e branco, barba espessa por todo o rosto da mesma cor do cabelo, e usava um óculos quadrado de grau. O médico louro disse para Dave que a mulher negra que o levou até o hospital tinha ido para a casa, pois ele, o médico, dissera para ela que Dave estava bem, porém, ele não contara nada para a mulher sobre a descoberta que tinha feito com o sangue do rapaz. Enquanto isso o outro médico e o Sr. Kellerman conversavam energicamente sobre a cura.

Então, depois do almoço, o Sr. Kellerman estava retirando mais sangue do Dave e disse para o rapaz que teria que retirar sangue mais vezes, para a pesquisa. O texano, além de almoçar, teve que tomar o café da tarde no hospital, ainda na sua cama. A cada minuto que passava ele se sentia mais fraco.

A noite chegou e Dave foi avisado que teria que dormir no hospital naquela noite. Retiraram sangue mais duas vezes do rapaz, totalizando quatro vezes que ele teve o sangue retirado. Deve ser por isso que me sinto fraco, pensou Dave antes de adormecer. Mas não era isso que o estava deixando fraco, era o vírus. Cada vez que retiravam sangue de Dave, ia junto os glóbulos vermelhos que o defendia do vírus, e por isso o vírus estava fazendo um efeito diferente, uma reação diferente no corpo do rapaz.

Os dois médicos, o Sr. Kellerman, vários biólogos e cientistas, além de outros médicos do hospital estavam trabalhando arduamente durante horas com a coleta de dois litros e meio do sangue do texano. Dave continuava dormindo em seu quarto enquanto o pessoal trabalhava sem parar no laboratório no meio da madrugada.

Quando amanheceu, todos que estavam trabalhando no laboratório fizeram uma pausa para descansar. Todos eles estavam com as pálpebras caídas e pesadas, com olheiras pretas e com os olhos vermelhos de tanto sono e cansaço. Parecia que eles faziam um enorme esforço só para se manterem em pé.

— Vamos descansar – disse o Sr. Kellerman. – Voltaremos ao trabalho daqui oito horas.

E após ouvirem o Sr. Kellerman, todo mundo saiu do laboratório se arrastando.

Duas horas depois que todos terem saído e terem ido descansar em suas casas, uma enfermeira entrou no quarto de Dave para acordá-lo e fazê-lo tomar o café da manhã. Porém, Dave não acordou. Estava morto.

A enfermeira continuou tentando acordá-lo inutilmente, e quando percebeu que o rapaz estava morto, saiu do quarto apressadamente e foi chamar um médico. O médico verificou o pulso do texano e concluiu que ele realmente estava morto.

— Está morto – disse o médico. – Sabe o que temos que fazer – olhou para a enfermeira, e ela assentiu com uma expressão triste no rosto.

Como Dave havia sido mordido, o cérebro dele teria que ser executado para que ele não voltasse. O médico e a enfermeira fizeram o que tinha de ser feito.

Antes de Dave morrer enquanto dormia, ele sonhou que o pessoal tinham conseguido desenvolver a cura com o sangue dele. Isso tranquilizava o texano, e então ele pôde morrer sem preocupações. Mas infelizmente o sonho de Dave não se concretizou, mesmo com toda a equipe de especialistas trabalhando duro por meses para desenvolverem a cura, eles não tiveram sucesso.

Dave morreu e a cura continuou inexistente.