Lives

Capítulo 24


Capítulo 24

Eu sei que você quer tanto quanto eu, ressoava milhões de vezes a fala intimidadora de Jackson em Sarah, que por sua vez se sentia cada vez mais uma verdadeira idiota. Porém, estava pior ainda em relação a Sam.

Ótimo! O pai de meu filho é um viciado! Não preciso de mais nada na vida, ela está perfeita!, e bufava, enraivecida, enquanto media a pressão de um paciente qualquer - o nome já nem importava mais.

Esse trabalho não é meu! Cadê a bendita da enfermeira?, e o paciente gemeu ao ver o braço amarelar pelo aparelho que lhe apertava. Sarah pareceu nem ouvir.

- Doutora! – Ele chamou. Nada. – Dra. Peterson! – Nada mais uma vez. – Irá esmagar meu braço! – O paciente berrou deixando escapar gotas de saliva da boca de lábios finos e levemente enrugados.

Sarah arregalou os olhos e imediatamente o desfez do aparelho. Encabulada, se desculpou e esperou que ele se retirasse da sala.

- Se eu continuar assim, sem chance que conseguirei fazer a cirurgia hoje à tarde. – Murmurava a si mesma, preocupada, ao se dirigir ao assento rente à mesinha.

Dr. Willian, sorridente – normalmente um verdadeiro estresse em pessoa -, caminhou no corredor, olhou para dentro de uma das salas abertas, parou, cumprimentou Sarah que lhe deu apenas um sorriso insinuado, e seguiu em frente com uma série de papéis nas mãos.

- Olá, Selene! – Cumprimentou ele alguém, continuando a andar. – Oi Trish. – Lhe lançou um sorriso.

- Dr. Willian! Dr. Willian!

Era a voz de Sarah lhe gritando no corredor do hospital!
- Não é permitido berrar – ele se virou. -, nas dependências desse hospital!

Ela congelou. Estacou no meio do corredor, muda, pálida. Os residentes que ali passavam embranqueceram, também sem voz. Willian foi até ela, pousando a mão pesada em seu ombro esquerdo, sorrindo.

- Espero que eu não tenha que lhe relembrar mais uma vez das regras desse hospital, Dra. Sarah.

Sarah engoliu a custo a bola de saliva que se formava.
Ele acrescentou:

- Já é a décima vez essa semana, e a quarta, apenas hoje.

Peterson queria cavar um buraco no piso e ali se enfiar. Roxa de vergonha.

- S-sim, Doutor. – Ela falou, suando nas mãos. – Desculpe.

Ele lhe chamou para que o acompanhasse.

- Sarah, eu odeio fazer isso que vou lhe falar, mas se continuar assim, será necessário.

Não!

- O UCLA tem uma imagem a zelar, e nada, nada, pode manchá-la. Você me entende? – Ele esperou que ela sacudisse a cabeça, afirmando. – Eu valorizo ao extremo minha equipe... Só coloco os melhores, os mais capacitados... e eu acreditei em você, por isso que está nela... Você ganhou o dom de seu pai... – Parou. Sarah o fitou. – Mas terei que retirá-la da minha equipe se continuar violando as regras. Se está desatenta do jeito que está, imagine então o fará numa mesa de cirurgia?
- Tenho uma hoje, doutor. – Sarah lhe olhou de esguelha, receosa.

- Então me impressione, faça o melhor, e continuará ao meu lado no Ronald Reagan UCLA Medical Center.

- Mas, doutor...

Dr. Willian lhe apertou a mão.
- Confio em você! Até logo! – Olhou para o relógio de pulso. – Ande, precisa estar de própes, luvas e todo o resto em menos de uma hora!

Droga!

- Mas o que está fazendo, Sarah? – Indagou Kinsey ao lado de Honey, apoiadas na mesinha enquanto Sarah arremessava na caixa de papelão um bolo de “Dra. Sarah Peterson despedida”.

Sarah olhou para o antigo porta-retrato e o guardou na caixa.

- Estou limpando a sala.

- Só “limpamos” a sala quando somos despedidas, se é que me entende. – Falou Honey.

- Foi despedida? – Perguntou Kinsey, branca.

- Digamos que sim. – Ela hesitou. - Sim. – Respondeu Sarah.

- Sim ou não? – Enfim questionou Honey, confusa, cruzando os braços.

- Tenho uma cirurgia daqui a meia hora, o paciente vai morrer, serei despedida, e quem sabe depois processada pela família.

Kinsey fez um ricto.

- Bem otimista você, hein!

- Muito. – Retrucou Sarah ao terminar de jogar seu resto de “Dra. Sarah Peterson despedida”, na caixa. Entregou a Honey. – Leve para mim no carro? – E lhe deu a chave. – Te procuro quando sair da sala branca e quando ouvir choro de desespero.

- Que horror! - Exclamou Kinsey, inconformada.

- Ok. – Assentiu Honey. – Mas depois vamos conversar seriamente “Dra. Sarah”.

Ela lhe lançou uma piscadela.
- Mate o paciente que sou eu quem vai te matar de depois! - Ameaçou Honey.

- Morgan, sabe onde está Dowall? – Perguntou Jackson ao sair da cozinha.

- Disse que precisava sair, mas avisou que logo voltaria.

Michael entortou a boca, pensando.

- Ok. Então você vai me ajudar. – Agarrou-a pelo braço e arrastou-a ao dormitório. – Quero que me ajude a organizar a mala.

Morgan franziu a testa.

- Tudo bem, então.

Michael se agachou e retirou debaixo da cama uma mala de rodinhas, cor vinho. Jogou-a na cama.

- Vou pegar as roupas e quero que me ajude a organizá-las. – Sorriu, sem graça. – Sou péssimo para dobras.

- Sem problemas, senhor.

Se você soubesse que não pisará fora dessa casa vivo depois de amanhã... , pensava Morgan ao deslizar o zíper da mala. Olhou para o closed e o viu recolhendo algumas camisas, e adiantou-se em libertar alguns botões de seu uniforme, revelando o par de seios fartos e firmes.

- Pronto. – Michael voltou com camisas, calças e meias. Deixou-as na cama. – Vou buscar o resto!

- Não, não, senhor!

Jackson parou.
- É melhor terminamos esse tanto primeiro. Assim fica mais fácil. – Aconselhou Morgan.
- Oh, tudo bem!

Ele não pode deixar de reparar nas inclinações da criada ao dobrar e ajeitar as roupas na mala; estava tudo muito “visível”. Morgan fingiu uma timidez ao perceber os olhares.

- Hã, Morgan... – Michael falou – Acho que um botão de seu uniforme está aberto. – E voltou a tentar dobrar as camisas.

- Oh – Ela mostrou-se surpresa. Imediatamente fechou-os. -, obrigada.

Ele lhe sorriu sem jeito.

- Sucesso! Grande trabalho, Dra. Peterson. – Elogiou Dr. Willian.

Sarah nem acreditou.

- Ótima cirurgia, doutora! – Exclamou um enfermeiro do outro lado da sala, saindo com o paciente na maca junto a mais três membros da equipe.

- Foi a melhor cirurgia que já vi na minha vida! – Comentou um residente.

- Viu? – Falou Honey. – Você foi incrível!

- Sorte. – Sarah caminhou até sua sala.

- Competência. – Retrucou Kinsey.

- Sorte. – Insistiu Sarah.

Honey deixou sobre a mesa a caixa de Dra. Sarah Peterson despedida”. Virou-se.

- Já sabemos de tudo!

Sarah estacou.

- Tudo o quê?

- Sam. Isso te responde?

- Não.

- Sim. – Honey disse ao deixar-se sentar na cadeira.
- Por que não nos falou nada, Sarah? – Perguntou Kinsey.

Pausa.

- Por que só contou à Cinthia?

- Me desculpem, eu nem sei o que pensar.

- O hospital precisa saber. – Comentou Honey. – Sei que é falta de ética quanto ao colega, mas temos que pensar no bem comum. Não podemos ter um drogado como profissional de medicina.

- Se contarem, ele vai me matar! – Sarah teve medo.

Kinsey tossiu, e falou:

- Não deixaremos que isso aconteça. Aliás, Sam é um viciado e não um assassino.

- Ele é um drogado, e quando em uso não pensam no que dizem ou fazem. – Honey comentou.

- Ele precisa de ajuda! – Anunciou Kinsey.

- Não diga! – Honey revirou os olhos, irônica.

Sarah se levantou e caminhou até a janela, com o olhar perdido naquela imensidão movimentada.

- Já sabem que ele é o pai de meu filho.

Kinsey passou o braço em seus ombros.

- O pai pode ter te decepcionado, mas saiba que ele terá tias que o amará até enjoar. – Sorriu ao olhar para Honey que também revelou os dentes brancos. – Não está sozinha, Sarah. Não há por quê se sentir assim. Só não somos irmãs de sangue, mas somos irmãs.

Peterson deixou uma lágrima lhe contornar o rosto. Abraçou ambas.

- Obrigada por tudo, irmãs.

- Sabe que não precisa pedir, querida. – Dowall lhe beijou e abraçou. – Sr. Jackson deve estar lhe esperando. Acredito que ele esteja na biblioteca com as crianças.

- Obrigada, Dowall.

Próximo à biblioteca Peterson pode ouvir risos infantis. Se apoiou no batente da grande porta enquanto via as quatro figuras no chão montando um quebra-cabeça de um personagem da Disney, acompanhados de Smile ao vivo por Michael.

"Smile,
Though your heart is aching
Smile,
Even though it’s breaking
When there are clouds in the sky
You’ll get by"

Para a sua surpresa, Dowall lhe surgiu logo atrás pousando a mão em seu ombro. Sarah esboçou um sorriso contornado pelo batom rosado.

- É lindo quando eles se reúnem assim. Sr. Jackson se sente tão bem. – Comentou Dowall ao seu lado.

- É lindo mesmo.

Sarah se imaginou assim, um dia, com uma família. Não se esquecia da casa de cerca branca, do cachorro e das crianças. Porém, dessa vez, não era Matthew que estava ao seu lado, era Michael.

- Crianças – chamou Dowall ao entrar -, vamos jantar! – Segurou a mão de Blanket. – Venha, senhor!

- Estou sem fome. – Falou suavemente ao ver as crianças se levantarem. Continuou a tentar resolver o jogo quando percebeu a presença de um “toc-toc” de sapatos de salto alto. Olhou de soslaio e não conteve o sorriso ao se pôr em pé. – Sarah!

- Boa noite, Michael. – Lembrou da advertência.

- Eu pensei que não viria mais. – Confessou ele.

- Na verdade, eu não viria mesmo. – Ela parou em sua frente, séria.

Ele virou-se e se agachou para recolher as peças do jogo. Olhou para cima.

- Então o que a fez mudar de idéia? – Pegou um montante de peças e guardou na caixinha.

Sarah juntou-se a ele. Deixou a bolsa e pasta no chão. Olhou-o. Encheu a mão de peças e jogou na caixa.

- Tenho um compromisso com você.

Silêncio.

- Sou profissional. –Fitou-o. – Mas também sou mulher e me machuco quando me apaixono por um homem que eu sei que é “inacessível” por mais que isso não pareça. – Arremessou mais peças na caixa. Michael lhe agarrou a mão. Ela tremeu. Encarou-o.

- Imagine então o que é para um homem se ver assustadoramente atraído por uma mulher que assim pensa. – Ele ergueu uma das sobrancelhas. Largou-a. Fechou a caixa e se levantou em direção a uma estante, onde havia uma série de jogos. Virou-se para olhá-la.

Ela ainda estava no piso amadeirado, muda. Olhou-o e acrescentou:

- E se ela pensasse isso devido a ele ser o homem mais conhecido do planeta? – Foi a vez dela de erguer a sobrancelha e esperar a resposta.

- Isso não justifica. – Michael foi até ela e lhe estendeu a mão para levantá-la. – Isso não passa de uma desculpa banal, claro, em partes. – Ponderou. – O que realmente importa é que eles se gostem. O resto não passa de resto.

- E se ele tivesse filhos? – Melhor, e se ela esperasse um filho?

- Qual o problema?

- Qual o problema pra você?

- A pergunta é minha! – Michael repreendeu.

- E daí?!

- Ah, deixa pra lá! – Ele rumou até a poltrona e se sentou inclinando-se para frente. – Para mim não teria problema algum, eu adoro crianças. O mesmo para ela. O aceitaria como um filho. – Franziu a testa para vê-la caminhar até a poltrona em sua frente. – Mas por que isso?

- Nada. – Sentou-se.

- Sarah!

- Hum?

- Acredita em mim?

Ele pareceu bem sério.

- E por que não acreditaria?

Jackson caminhou até ela.

- Se eu lhe dissesse que estou realmente interessado em uma mulher, você acreditaria?

Ela engoliu seco.

- Claro.

Não sei.

Sarah também se ergueu, fitando-o.

- Sarah – falou Michael. -, pode me abraçar? – Seus olhos estavam mais brilhosos que o normal. – Por favor.

Sarah estremeceu com aquele aperto de corpos; sentia-se desacelerada por dentro. Jackson lhe sussurrou ao ouvido, suavemente:

- E se eu lhe dissesse que estou abraçando-a agora?

Pensou que fosse desmaiar.

- E-eu não sei o que... o que dizer...

- Shhh... Não fale, não fale. Deixe-me sentir.

Ele lhe afagou os longos cabelos loiros e macios. Encheu as mãos com eles, massageando-lhe a nuca e aproximando o rosto aos fios para senti-lo na pele. Cheirou-os. Acariciou-lhe tez branca da face e acarinhou com os lábios o lóbulo de sua orelha até o pescoço.

- Você é tão bonita. – Sussurrou. Ela sentiu os pelos arrepiarem. Arfou.

Ele sorriu contra a sua pele.