Little Things

XXII. i'll walk through hell with you


XXII

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{even if we can't find heaven, i'll walk through hell with you}

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O quarto estava escuro e em completo silêncio. Ainda assim, se você prestasse atenção, poderia ouvir o barulho inconfundível de dois adolescentes surtando internamente. Scorpius Malfoy e Albus Severus Potter estavam em suas respectivas camas, encarando o teto, sendo corroídos pelo nervosismo. Gritando mentalmente. As revelações daquela tarde, os impedindo de fechar os olhos e cair em um mundo de sonhos e inconsciência.

— Acho que a Rose tinha razão. — Albus finalmente disse, quebrando a paz ensurdecedora. Dizendo as palavras que ecoavam sem parar por sua cabeça — Sobre mim.

— Você está bem? — Scorpius indagou, aliviado por ter algo em que se concentrar que não Rose Weasley.

Como combinado na aula de poções, o casal se encontrara após o jantar. E tudo havia parecido errado. Fora de lugar. Nem mesmo os beijos da amiga haviam sido capazes de distraí-lo da sensação de que não era aquilo o que queria.

— Estou. Acho que sim. Não. Não sei. Eu só... eu só queria ser bom em alguma coisa, sabe? E eu demorei muito para encontrar essa coisa. Algo que pudesse ser meu. Só meu. E quando eu finalmente consegui... lá estava o Wood. Sendo tão bom quanto. Às vezes, até melhor. E não é como se ele fosse santo também. Na verdade, ele sempre foi tão competitivo quanto eu. Nós estamos brigando e nos irritando – mutuamente – há anos, ele só... parou de repente. Eu sei não por que. Não sei por que começou a tentar ser amigável, gentil, a me tratar diferente. Eu não sei o que diabos ele quer e isso está me enlouquecendo. Está me enlouquecendo de verdade! Nós sempre fomos rivais, o que infernos ele quer de mim agora? E ainda tem a porcaria dos N.O.M.s... Sei que não devia ter explodido hoje à tarde. Sei disso, eu só estou tão cansado, Scorp! Tão cansado. Só queria que esse ano idiota acabasse. Só queria ser o melhor em alguma coisa.

— Bom, você é o meu melhor amigo.

— Scorpius!

— O que? É verdade. Sei que talvez não pareça muita coisa, mas é verdade.

— E a Rose?

Rose era amiga de Scorpius, isso era um fato, mas também era outra coisa. Sempre havia sido outra coisa, ele finalmente percebia.

— A Rose é alguém muito importante para mim, mas você é o meu melhor amigo. E talvez não seja algo tão glamuroso assim, mas é algo importante pra mim. E você é ótimo sendo um amigo, Al. Lembra quando a gente se conheceu? Você nem sabia meu nome e me emprestou seu casaco mesmo assim. Eu era um estranho, desajeitado o suficiente para cair no lago negro, e você tirou seu casaco, em uma noite gelada, e o estendeu pra mim, porque viu que eu estava com frio. — o garoto disse, sendo invadido pela nostalgia — Você me empresta sua capa da invisibilidade – uma Relíquia da Morte, pelo amor de Merlin! – sem nem perguntar o motivo. E você me escuta, quando eu preciso desabafar, mas também sabe quando me dar tempo. E, Albus, você a pessoa mais engraçada que eu conheço. E sempre toma chá com o Hagrid, porque não quer que ele se sinta sozinho. E é a única pessoa de quem o Monstro gosta. E é o primo favorito da Dominique. A Dominique, que ainda é uma lenda tão grande na Sonserina, que só mencionar o nome dela faz as pessoas estremecerem. Eu não sei se você percebe, Al, mas você faz gente que não encaixa, gente de quem não é muito fácil gostar, se sentir confortável e aceita perto de você. E eu acredito que isso é mais importante que qualquer outra coisa.

Albus tinha lágrimas queimando em seus olhos e um nó se formando em sua garganta. Nunca havia parado para pensar naquelas coisas, que aquilo poderia realmente importar. Que significaria tanto apenas estender um casado, para um garoto com frio.

— Não precisa ficar tão emotivo, Malfoy. — respondeu irônico, afastando o principio de choro. Porque, bom, ainda era Albus.

Scorpius riu.

— Idiota.

— Obrigado, Scorp. — ele disse, por fim — Você também é o meu melhor amigo.

— À disposição, Al. Mas eu acho que você deveria pedir desculpas para o Wood. E aceitar a ajuda dele, se a oferta ainda existir. Ele é melhor em poções do que eu e a Rose. É melhor que a turma inteira.

— O que não é justo. — o Potter resmungou. E realmente não parecia justo que alguém pudesse ser tão bom em Quadribol, tão inteligente e tão... bonito — Mas você está certo. Vou pedir desculpas para aquele idiota. Embora seja provável que esse simples ato, cause um dano irreparável ao meu orgulho, me fazendo entrar em combustão espontânea e morrer.

O Malfoy riu.

— Você é mesmo um babaca. — ele disse entre gargalhadas.

— Eu sei.

— ...

— ...

— ...

— Scorpius...

— Sim?

— Já que estamos sendo honestos, sentimentais e toda essa baboseira, que eu espero que não se repita tão cedo, eu... eu sou gay. — Albus finalmente contou aquilo que vinha querendo dizer a qualquer outra pessoa, além de Dominique, desde o verão.

— Eu sei.

— Sabe?

— Bom, não tinha certeza, mas imaginava. — ele disse, dando de ombros.

— Por que nunca falou nada?

— Falar o que? Isso é algo seu, só você pode decidir falar ou não a respeito. Além disso, não muda nada para mim.

— Não muda? — havia um misto de esperança e medo na voz do garoto. Como se a reação do amigo significasse o mundo inteiro para ele.

— Talvez eu precise socar alguns homofóbicos, se você precisar.

— Você nunca socou ninguém na sua vida inteira. Nem mesmo para sua própria proteção.

— Eu socaria por você. Pelo menos, tentaria. Não acho que sou muito bom nesse departamento, mas posso pedir para a Lily me ensinar. De qualquer forma, sempre há a possibilidade de intoxicar a pessoa com alguma planta venenosa.

O Potter riu.

— Obrigado, Scorp. Eu também envenenaria alguém por você.

— Estou falando sério, Al. Você é meu melhor amigo, é meu irmão. E eu sei que você tem irmãos e não precisa de mais família, mas você é meu irmão.

— Acho que eu posso arrumar espaço na minha vida para mais um irmão. Na verdade, já arrumei há cinco anos.

Os dois sorriram e, mesmo no escuro, conseguiram sentir o sorriso um do outro.

— Al...

— Sim?

Scorpius respirou fundo, reunindo coragem.

— Já que estamos sendo honestos e sentimentais, eu estou ficando com a Rose. Sem compromisso.

— Eu sei.

— Sabe?

— Claro que sei. Vocês dois são óbvios demais.

— Por que não falou nada?

— Não sei, achei que talvez vocês não estivessem prontos para falar sobre isso e que não era da minha conta. Além disso, estava me divertindo muito com as desculpas esfarrapadas que vocês dois arrumavam para desaparecer. Sério, vocês são péssimos mentirosos. — o rapaz hesitou por um minuto — Essa é uma ideia perigosa. Você sabe, certo?

— É, acho que sei. — o outro menino disse com um suspiro — E eu acho... acho que gosto da Rose. Mais do que como amigos. — ele esperou uma reação, mas não recebeu nenhuma — Você também sabia disso?

Albus deu de ombros.

— Você olha para ela como alguém que passou séculos no escuro e está finalmente vendo a luz. Então, sim, eu imaginava.

Scorpius sentiu o rosto esquentar.

— Eu não sou tão óbvio!

— Na verdade, você é. Só a Rose não percebe. Mas não sei se a Rose perceberia, quando ela tem todas essas ideias loucas sobre amor não ser para garotas como ela.

— Eu não faço ideia do que fazer agora, Albus. Não quero que minha amizade com a Rose seja arruinada. Não quero perdê-la.

— Eu adoraria te ajudar com isso, Scorpius, mas não tenho nenhum conselho para dar. Não sei muito sobre o departamento romântico. Na verdade, agora que finalmente aceitei que gosto de garotos, estou começando a entender como eu me encaixo nisso tudo. Só posso te oferecer meus ouvidos e um ombro amigo. E torcer para que não acabem machucando um ao outro.

Scorpius fechou os olhos, sentindo o medo se contorcer em seu estômago. Não queria sair machucado de toda aquela história. Mas, acima de tudo, não queria machucar Rose. Aquela era sua única certeza.