My buddy and me don’t care what you think, you can shove it.

My buddy and me have to be on our own, and that’s final.

Don’t try to stick us in no mold,

Cause we won’t fit, no matter what we’re told.

— My Buddy and Me; And Now… The Runaways

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Sandy West

Sandy gostava de visitar seu avô no asilo. Depois de tocar bateria, essa era a coisa que ela mais gostava de fazer.

Ele era um homem pequeno e enrugado, de quase setenta anos de idade. Estava viúvo há mais de dez anos, e morava no asilo há quatro, por decisão própria – pelo que sempre dizia, preferia ficar lá, onde tinha amigos e tranquilidade, a ficar sozinho na casa vazia e antiga em que morava antes.

Tinha sido ele quem dera a primeira bateria de Sandy para ela, quando ela tinha apenas nove anos, e esse foi o melhor presente que ela recebeu na vida. Tocou e treinou por dia e noite, sem parar, até seu pai entender que ela não pararia tão cedo com aquela barulheira e colocá-la em um curso de bateria, para que ela ao menos aprendesse a tocar direito.

Era a aluna mais nova, mas não se deixou intimidar por todos aqueles adolescentes. E, logo, tinha se provado a aluna mais talentosa do curso.

Desde então, seu avô passou a lhe dar diversos discos de bandas dos anos 60, porque sabia que eram suas favoritas, e Sandy os colecionava. Também, quando ela e Joan se encontraram pela primeira vez e decidiram criar as Runaways, ele foi a pessoa para quem ela contou primeiro, e a que mais se orgulhou dela. Sempre que podia, Sandy lhe dava diversos discos e suvenires da banda, que ele pendurava em suas paredes ou colocava sobre sua escrivaninha.

Ela ficava feliz que ele não soubesse das drogas. Não aguentaria a decepção dele.

Eles tinham o hábito de tomar chá juntos todas as vezes que ela ia lá, o que ela tinha o hábito de fazer pelo menos duas ou três vezes por semana. Mas, daquela vez, já fazia muito tempo que ela não aparecia, e Sandy não conseguia esconder o quanto se sentia culpada e envergonhada por isso. Enquanto o avô derramava o chá quente do bule na xícara dela – uma cortesia do asilo, que sempre disponibilizava o chá e alguns biscoitos para quando ela ia até lá, e permitia que eles lanchassem no dormitório dele –, ela encarava suas mãos, sem querer manter contato visual.

— Então – ele começou a falar, com serenidade, colocando o chá na própria xícara. Parecia não notar o desconforto da neta. – O que você andou fazendo, Sandra?

— Tocando.

— Isso é bom – e ficou em silêncio, tomando seu chá e olhando pela janela do quarto. Até que Sandy sentiu-se forçada a falar mais:

— A Cherie saiu da banda. Ela nos deixou na mão.

O avô a olhou com bondade e compreensão, e ela se sentiu seus olhos queimarem. Estava há dias tentando não chorar, e não queria ceder agora. Deu um grande gole no chá, para disfarçar.

— Mas vocês não tinham conseguido uma garota para substituí-la?

Ela estranhou. Como ele poderia saber que...?

Então, entendeu que ele tinha se confundido. Sua memória já não era a mesma de antes.

— A Cherie, vovô. A cantora. Você está pensando na Jackie, a baixista, que saiu durante a turnê. E sim, ela foi substituída, pela Vicki.

— São muitos nomes – justificou-se ele, pousando sua xícara no suporte e pegando um biscoito. – Essa Cherie tinha uma voz muito bonita. Quem vai ser a próxima cantora?

— Joan – respondeu. Seu avô não teria dificuldades em saber quem era ela. Uma vez, no começo da banda, Joan tinha ido para a casa de Sandy para ensaiar, quando seu avô estava lá, e os dois tinham se conhecido e simpatizado um com o outro.

— E ela é boa?

— É, sim. Mas não é a mesma coisa – ela fungou, e as lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, sem sua permissão. – Os fãs gostavam de Cherie. Se eles não aceitarem a nova formação da banda, tudo vai estar acabado, vovô...

— Ei, ei – ele pousou a mão sobre a dela, afetuosamente. – Vocês têm várias músicas falando que são rebeldes, não têm? Meninas selvagens. E desde quando garotas assim têm medo de correr riscos? Vocês vão dar a volta por cima, Sandra. Se a Cherie não quer estar com vocês, bem, o problema é dela.

Ela se levantou para abraçá-lo, e os dois ficaram assim por alguns minutos. Sandy chorou como uma criança pequena, e ele ficou dando tapinhas consoladores em suas costas, sem dizer mais nada.

O momento foi interrompido quando ela olhou de relance para o relógio-cuco na parede e constatou que faltava apenas cinco minutos para o horário que ela deveria estar na Mercury Records, para o primeiro dia de gravações. Soltou seu avô e agarrou sua bolsa, alarmada.

— O que foi? – Perguntou ele, confuso.

— Eu tenho de ir. Eu tinha de estar na gravadora – respondeu, correndo para a porta. E parou com a mão na maçaneta, hesitante. – Eu volto amanhã, certo? Eu prometo.

Ele assentiu, sem se mover.

— Leve uns biscoitos – pediu, e ela voltou para a mesa. Deu-lhe um beijo na bochecha, pegou dois biscoitos da travessa e saiu do dormitório.

O asilo tinha regras sobre não correr pelos corredores, mas Sandy o fez mesmo assim, enquanto engolia os biscoitos sem mastigar e ignorava a enfermeira que foi atrás dela para lhe dar uma bronca. Seguia a regra de Joan: “Se eles não podem te pegar, então eles não são um problema”.

Sua bicicleta estava do lado de fora, e ela pulou sobre ela, disparando para a Mercury Records em seguida. Devia investir na compra de um carro, quando conseguisse algum dinheiro.

Pedalando o mais rápido que podia, conseguiu chegar lá em quinze minutos, descabelada e ofegante, mas satisfeita pelo vento ter secado suas lágrimas. Prendeu sua bicicleta e correu para dentro da gravadora, parando enfim na portaria, onde uma mulher bem arrumada estava sentada atrás de um balcão, discutindo com um homem com cabelo e barba muito compridos.

— Senhor, não adianta ficar vindo aqui. Já disse que, assim que a nossa equipe ouvir seu o disco de demonstração, vamos ligar para você.

— É, é, mas eu já mandei o disco há três malditos meses.

— Temos muito material para avaliar. Por favor, vá para sua casa e aguarde – seu tom não abria brechas para questionamentos, e o homem socou o balcão com força. A mulher não se importou, e se voltou para Sandy. – Pois não?

— Sandy West, The Runaways – falou, rapidamente, e ela assentiu, conferindo uma prancheta que estava à sua frente.

— Segundo andar, estúdio 3 – informou. – Sabe onde é?

Sandy concordou e correu para dentro, a tempo de ouvir o homem voltando a argumentar:

— Eu poderia gravar outro disco...

O elevador não estava no andar, e ela não queria esperar por ele, então foi pelas escadas. Subiu dois lances e chegou ao estúdio 3 tão esbaforida que Joan, que estava sentada no peitoril da janela, já foi dizendo, ironicamente:

— O que é isso? A polícia está aqui?

— Está, atrás de uma morena com uma guitarra – retrucou ela, apoiando as mãos nos joelhos e tentando recuperar o ar. – Eles disseram que ela fugiu da prisão juvenil.

Joan riu.

— Há muitas garotas assim na Califórnia, hoje em dia.

— Pelo que ouvi, essa é especialmente perigosa – encerrou Sandy, percorrendo o aposento com os olhos.

Na falta de cadeira, Lita e Vicki estavam de pé, encostadas na parede. Elas se cumprimentaram com acenos, e Sandy deu pela falta de uma pessoa – e não era Cherie.

— Cadê o Kim?

— Ele não pôde estar presente hoje – respondeu uma voz masculina, e ela se sobressaltou. Não tinha reparado no pequeno e atarracado homem parado perto do equipamento de gravação. – Então estou aqui para substituí-lo. Você já me conhece.

Ela realmente conhecia, mas demorou até conseguir relacionar o rosto do homem com um nome – Toby Mamis, produtor musical. Ele tinha ajudado na gravação de seus álbuns anteriores.

— Ah. Oi, Toby – falou, trocando um olhar com as outras garotas.

Muitas vezes, Kim não as acompanhava durante shows e entrevistas, mas sempre estava lá para as gravações. Qual seria o grande plano dele, desaparecendo daquele jeito? Deixá-las sozinhas, como protesto por Cherie não estar mais na banda? Sandy sabia que as outras estavam pensando o mesmo, e que, assim como ela, fingiram não dar a mínima.

— Temos muito trabalho pela frente. Melhor começarmos – disse Lita. Joan desceu do parapeito, espreguiçando-se, e Sandy endireitou a coluna.

— Na verdade, garotas, eu tenho alguns recados para dar antes – interveio Toby. – Vocês preferem ouvir primeiro o bom ou o ruim?

— O ruim – respondeu Joan, desconfiada. Todas concordaram.

— Tudo bem. O contrato de vocês com a Mercury Records está acabando, e a gravadora não está segura quanto a renová-lo. – Ele deu um segundo para as garotas soltarem exclamações de indignação antes de continuar: – O destino da banda vai depender da aceitação do álbum que vocês estão prestes a começar a gravar. Por isso, vocês precisam dar tudo de si para o Waitin’ For The Night.

Elas assentiram com a solenidade de um soldado aceitando uma missão de vida ou morte.

— Agora, qual é a notícia boa? – questionou Vicki.

— Calma. Eu ainda não dei a notícia ruim – avisou ele, o que aumentou a revolta geral. – A Mercury Records decidiu diminuir o prazo para a entrega do álbum, também. Em vez de um mês, vocês vão ter dezoito dias para gravar.

O quê?! — Gritou Lita.

— Nós ainda nem terminamos de adaptar a banda! – Lembrou Joan.

Elas começaram a falar juntas, alto, protestando e xingando, e Toby se encolheu, intimidado. Não era como Kim, que gritaria com elas e as humilharia até que elas calassem a boca ou ficassem ainda mais irritadas.

Sandy foi a primeira a parar. Respirou fundo e fez o que seu avô gostaria que ela fizesse – pensou com mais cuidado na situação. A gravadora tinha feito uma decisão que as prejudicaria, e isso era uma merda. Mas de nada adiantaria reclamar ou gritar com Toby Mamis, que estava tentando ajudar.

Geralmente, era Joan quem tentava colocar um pouco de juízo na cabeça das outras e apartava as brigas. Contudo, daquela vez, Sandy viu que era sua vez de fazer aquele papel.

— Ei, vocês! – Berrou, por cima das vozes delas, e elas pararam de falar na hora, surpresas. Sandy raramente se impunha daquela forma. – Qual é o grande problema? Se vamos ter uns dias a menos, beleza, a gente dá um jeito. Ficamos aqui até mais tarde todos os dias, se necessário. Nós somos as rainhas da rebeldia, porra! Todo mundo nos conhece assim. Nós não nos rendemos, nós provamos para o mundo do que nós somos feitas. Já tivemos várias crises piores antes e sobrevivemos, não é?

Pelo jeito decidido com que ela falou, mal parecia que estava chorando nos braços de seu avô havia menos de uma hora, enquanto ele era quem lhe dizia todas aquelas coisas. Elas ficaram sem reação por um momento.

— Vocês deviam ouvi-la – comentou Toby, timidamente.

Joan suspirou, parecendo, de repente, muito cansada, e penteou os cabelos para trás com os dedos.

— Certo. Sandy tem razão – admitiu, em voz baixa, e depois voltou para o tom normal: – Foda-se a Mercury Records. Se eles querem a gravação pronta em dezoito dias, vamos dar para eles. E vai ser o melhor álbum que já fizemos.

Tem de ser o melhor álbum que já fizemos. Ou vai ser o último álbum que faremos – Lita replicou, com amargura.

— A banda já existia antes da Mercury Records nos contratar – disse Joan, e as duas pareciam prestes a entrar em uma daquelas longas discussões que abrangiam o passado, o presente e o futuro, de forma que Sandy viu que teria de intervir de novo:

— A outra notícia, Toby – pediu.

— Ah, certo. Essa é muito boa – ele se animou um pouco, aliviado por se ver livre daquela dor de cabeça. – Quem de vocês gosta dos Ramones?

— Eu gosto dos Ramones – Vicki falou rápido, e Joan acrescentou, um pouco perplexa com a pergunta:

Todas nós gostamos deles. Por quê?

— Bem, eu provavelmente deveria deixar isso para Kim contar a vocês, mas... Entramos em contato com o empresário deles, e surgiu o assunto de uma possível turnê em conjunto. Ainda não podemos dar certeza, mas eu diria que há grandes chances de dar certo.

Foi como se elas tivessem se esquecido dos problemas com a gravadora. As carrancas se suavizaram, e a onda de empolgação foi notável. Até mesmo Lita pareceu abaixar a guarda.

— Quando? – Perguntou, esforçando-se para manter o tom duro. Recusava-se a ceder com facilidade, por melhor que fosse a mensagem.

— Final de novembro, começo de dezembro... A data exata ainda não foi confirmada. De qualquer maneira, vocês devem se preparar para passar o Natal na estrada.

— Eu nunca participei de uma turnê – Vicki falou. Estava com um sorriso bobo e ligeiramente chocado. Sandy passou um braço em torno dos ombros dela e apertou amigavelmente.

— Bem vinda às Runaways.

— Bem, o Toby disse que não era certeza – ressaltou Joan, depois de um segundo, fazendo todas olharem para ela aborrecidas, se perguntando o porquê dela estar querendo acabar com a graça. Ela também sorria, quase imperceptivelmente. – O que foi? Depende de nós garantir que seja. Vamos lá começar a gravar esse álbum.

Toby bateu as mãos uma vez.

— Muito bem. Vocês já sabem como funciona. Vamos começar gravando todas vocês juntas, e depois será um instrumento por vez. Que tal começar pela faixa título?

Elas aceitaram e entraram na cabine, onde os instrumentos as esperavam. Sandy sentiu uma onda elétrica percorrendo seu corpo, seguida por aquele formigamento agradável que sempre sentia antes de entrar no palco, com um grande público à sua frente – mesmo que agora estivessem sozinhas. Sentou-se atrás da bateria e pegou as baquetas, determinada.

Suas próprias palavras ecoavam em sua mente: Provar para o mundo do que nós somos feitas.

E, quando estava tocando bateria, ela sempre sentia ser feita de um material indestrutível.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.