O dia passava depressa para Bruno.

Logo depois do almoço ele correu para o Kobrasol, um centro comercial à 15 minutos de ônibus da sua casa, e deixou em 5 empresas seu currículo. Ainda faltavam quatro, quais ele iria no dia seguinte. Afinal, Dona Martha havia feito um bom trabalho de pesquisa e estava crente que uma delas iria se interessar pela sua cria.
Ele, todavia, não tinha gostado de nenhuma.

Sabia que não havia muito o que escolher, porém mesmo assim achava que conseguiria algo melhor do que ficar dobrando roupas. Estava fazendo faculdade por esse motivo. Não queria ser vendedor nas casas Bahias, nem em loja de roupas. Tomava como verdade que não tinha jeito para a coisa, mesmo que nunca tenha tentado de fato.
Todavia, quando chegasse em casa iria correr atrás de vagas de estágio para ignorar a lista da mãe.

Depois foi direto para a faculdade, pois não tinha tempo para voltar em casa e comer algo.

Chegou cedo, então aproveitou o wifi da instituição para falar com Beatriz.

Ligou e como sempre ela o atendeu nos primeiros segundos. Como Bia estava sempre ao lado do telefone era um mistério.
Bruno tinha quase certeza que a garota não dormia.

— Vejam só se não é o babaca do viadinho do Bruno que me liga. — Falou alterada. — Tu tem noção que o Vitor veio aqui para casa às 5h da manhã e só saiu à pouco porque eu o escorracei? Heim? Eu tive que alimenta-lo! Tu sabes que odeio cozinhar, imagina fazer comida para uma família inteira! Porque ele normal já come para dois, agora todo caído e triste come para um clube de futebol inteiro!

Ele já esperava por isso, então nem se surpreendeu. Afinal, conhecia bem aquela garota enraivecida.

— Mas como ele tá?

— Liga para ele e descobre, oras. Sou pombo correio?

— Tu sabe como ele é manhoso. Não serve de nada eu ligar agora. — Falou sem ânimo. — Vamos, abre o jogo. Ele tá mal mal, ou mal péssimo?

Beatriz se sentou, já percebendo que não teria tempo para se emperiquitar para ir a faculdade.
O cômico de fazer um canal de beleza era que ela pouco podia se arrumar como queria. Sempre havia um compromisso mais importante para ser resolvido.

— Então, ele não tá bem. Tu sabe que o garoto era louco pela Camile, né? Eu sempre disse que essa palhaçada não ia dar certo. A guria só tem peitos, e por isso vocês caem em cima. Porque se perder dois minutos para falar com ela já vê a merdinha que é.

— Bia, é para falar sobre o Bruno e não destilar veneno.

— Tu fica quieto que tais sem moral comigo, entedeu? Continuando. Ele ficou chorando aqui, comeu vários doces, trouxe leite condensado. Esqueceu a dieta de vez. Voltou para casa agora e provavelmente vai faltar aula.

— Ok.

— Ok coisa nenhuma. Tu trata de dar um jeito entendeu! Não quero ele aqui em casa chorando pela Camile, ouviu?

— Isso tudo é ciúmes? — Disse brincando. Depois só ouviu o "tu tu tu".

E para quem ainda se pergunta: Sim, ela tinha desligado.

Bruno olhou para o celular e já recebeu logo depois a seguinte mensagem.

"Vc está avisado --'"

A aula foi cansativa, o professor não parecia preparado para ministra-la, e não tinha muita competência no improviso, então era o famoso leitor de slides. Aquela criatura chata que lê para você o que está na sua frente, achando que assim você vai gravar alguma coisa. Mal sabem que aquilo ali só gera sono. Ou sabem e fingem não reconhecer o próprio erro.
E ainda, o Quiridu passou um super trabalho para a semana seguinte, sem pena alguma de seus alunos.

No intervalo Beatriz apareceu para xinga-lo um pouco mais. Com certa razão, porém ainda era com grande grosseria. Foi visto então que Vitor tinha faltado, pois se não ele já estaria ali e os dois parariam de fazer vexame no refeitório em frente a todos.

Os três haviam escolhido estudar na mesma faculdade. Nenhum deles era Nerd e passar na Federal parecia fora de questão, então tentaram conseguir uma bolsa na faculdade particular que oferecesse os cursos pretendidos.
Bruno fazia economia, pois não havia passado para engenharia.
Beatriz cursava moda, 5º fase.
Victor fazia educação física.

O único que tinha um carro era o Vitor, e aquela seria uma longa semana pegando 4 ônibus para a faculdade. Muito longa.

Voltaram juntos para casa. Beatriz parecia já ter esquecido do assunto anterior e veio reclamando de um professor.

— Acredita que ele passou um trabalho para a semana que vem? Acredita? — Passou pela catraca. Deu “oi” para o cobrador e continuou. — Qual a demência daquele cara?

— Também tenho um para semana que vem. — Paguei e em seguida passei pela catraca.

— Caramba, então é uma demência geral desses professores. Marcar trabalho em semana de provas!

— O que?! — Aquela informação me pegou desprevenido. Semana de prova o que? Já? Mal começou o semestre!

Meu susto foi maior quando senti o puxão nas minhas costas. Um barulho. Todo mundo me encarando. “Ótimo! Agora sou o cara que trancou a mochila na catraca! Que lindo. Que belo.”

— Bia. Pega essas coisas ai. — Minha garrafinha d’água girava aos seus pés. Mas nada da guria ajudar a pegar as bagunças. Por que além de trancar a mochila eu literalmente a estourei. Sei que era velha, tipo desde o começo do ensino médio, mas assim... qual a necessidade?
Olhei para cima, pois a dona Beatriz não se mexia e a peguei com as mão na face, tentando conter o riso. Porém quando ela me viu caiu na gargalhada. E não foi a única. Várias pessoinhas começaram a rir também. Olhei feio e ela finalmente decidiu me ajudar.
Virei-me e fui surpreendido por uma boa alma que havia recolhido o que estava do outro lado da catraca. Porém, mesmo sendo agradecido imensamente pela ajuda não consegui expressar como devia.

O vermelho em sua mão esquerda era de um pulsar tão forte que não consegui desviar a atenção no primeiro instante, pois eu sabia exatamente o que aquilo significava.