Limoeiro

Mais uma vez.


“Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Finalmente vou voltar para casa.”

“Já faz 9 anos desde que tudo aconteceu.”

=~^~ ºº~^~=

O céu manchado de nuvens cruéis pairava por sobre todo o bairro do limoeiro, escurecendo as casas e nossas vidas. Eu e meus amigos voltávamos correndo do que seria nossa ultima aventura juntos.

A nuvem negra e marrom nos seguia como um predador, e eu só queria voltar para casa. Eu só queria que nada daquilo estivesse acontecendo.

Assim que chegamos em casa, nossos pais já estavam em pânico do lado de fora. Meu pai já havia chego do trabalho. Nunca vou esquecer o horror em seus olhos.

Minha mãe me abraçou forte, e me levou para dentro de casa; não demorou e logo todo o local estava cercado de oficiais. Eu tinha apenas 7 anos, não entendia o que estava acontecendo ali.

E acho que ainda não entendo.

Foram três horas entre o momento que fugimos, chegamos em casa para tomar um banho e os homens do governo chegaram para tirar nossas casas. Eu gritei e esperneei. Mas não tinha o que fazer. Foi o pior dia da minha vida. Um dia negro. Literalmente.

Horas antes...

O sol raiava e a turma brincava no campinho como sempre, vestida com meu vestidinho vermelho e andava descalça. Cebolinha e Cascão aprontaram mais uma daquelas para roubar o meu querido sansão. (Como sinto saudades disso). Eu os segui nervosa como sempre, Magali, minha melhor amiga me seguia de longe rindo e preocupada, já estava acostumada.

Mas algo foi diferente, justo neste dia.

Cebolinha estava a poucos centímetros e quase o peguei, mas ele arremessou o meu coelhinho para o Cascão que era bem mais veloz. Ele salta e pega, porém na hora de saltar acaba escorregando e cai de um barranco.

Minha raiva desaparece. Eu só queria saber se o meu amigo estava bem.

Todos nós paramos a frente do barranco olhando preocupados; não o achávamos e logo descemos a sua busca. Não demora, e logo o Cebolinha encontra o meu coelhinho, mas nada do Cascão.

Ao se levantar ele gela, me entregando o sansão.

Depois disso eu não me lembro bem... foi a tanto tempo. Só me lembro de encontrarmos o Cascão. E ele estava em perigo. Sangrando. Nunca senti tanto medo.

Me lembro de fugir de uma fabrica e de um homem careca vindo atrás de nós. Me lembro de criaturas feitas de lixo nos perseguirem e de um pequeno anjo nos proteger!

Deve ter sido coisa de criança. Mas eu me lembro.

Os homens conversavam com o meu pai enquanto minha mãe chorava. Eles estava nos mandando para longe... Era só o que eu sabia.

Algo naquela fabrica que caímos havia vazado e contaminado todo o bairro. Estávamos sendo evacuados às pressas.

Enquanto nossos pais arrumavam as coisas para partirem, eu e meus amigos nos refugiávamos em nosso clubinho. Todos estavam em polvorosa; não sabíamos o que fazer.

Tínhamos medo de nunca mais nos vermos.

~~ºº~~

E de fato foi o que ocorreu.

Tenho uma mistura de borboletas no estomago com nó na garganta, conforme o carro vai se aproximando da minha antiga casa.

Já tenho 16 anos.

~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~x~

As casas abandonadas as pressas há nove anos atrás estão idênticas. Consigo ver meus amigos ainda com 7 anos brincando no campinho. Claro que eles não estão mais assim...

=~^~ ºº~^~=

Chego em nosso pequeno clubinho de madeira. Todos estão em pânico. Franjinha sempre foi o mais sábio de nós e falava sobre tudo ficar bem. Ele havia ouvido o que os federais disseram e estava a acalmar a todos. Incluindo a mim...

Mas de repente a porta se abre.

–--- Isso é uma idiotice! ---- ele grita irritado. Eu podia ver lagrimas em seus olhos; aquelas lagrimas me assustaram mais do que seu grito. Nunca havia visto ele corar; não importa com que força eu bate se nele. Ele nunca chorava, nunca chorou. ---- Vocês acham mesmo que todo vai acabal bem? Que vamos nos vel semana quem como semple foi? Acabo! Nós vamos embola!

–--- Cebolina! Eu não acho que você... ---- o Cascão tentou acalmá-lo, mas foi ignorado. E não só pelo cebolinha.

–--- Eles falalão que só podemos voltal daqui a 9 anos. nos temos 7! Daqui a 9 anos não vamos nem nos lembrar daqui! Não vamos mais lembrar uns dos outlos... acabou.

Eu nunca vi o Cebolinha daquele jeito. Aquilo me assustou mais do que a tudo. Ele era a pessoa mais corajosa e forte que eu conhecia.

Eu o vi sair pela porta. Fiquei em silêncio. Na verdade todos nós ficamos em silêncio. Ninguém mais ousou falar nada. Todos sabíamos que ele estava certo. Tudo estava desmoronando a nossa volta...

Todos ficaram calados em seus pensamentos.

Eu sai... fui atrás dele.

Ele estava no seu quarto atirando as coisas em uma bolça. Pulei a janela desajeitada. E cai. Ele nem olhou pra mim. Normalmente estaria zombando.

–--- Cebolinha, você esta bem? ---- ele não me respondeu. Continuou de costas a socar as coisas na mochila. Depois pegou um grande caderno. Mais parecia um amontoado de folhas coladas de péssimo jeito e grampeadas. Todas tortas e amassadas.

Ele encara o caderno improvisado por alguns segundos. Antes de começar a rasgar tudo freneticamente. Seguro seu braço o impedindo. E ele finalmente me encara.

–--- Polque? Polque! ---- ele grita comigo e puxa o braço voltando a rasgar tudo. Eu o seguro de novo. Nós brigamos.

Ele cai de joelhos e seca as lagrimas me olhando.

–--- Plaque selviu isso? Eu nunca consegui te vencel... Eu nunca mais vou conseguil...

Ele já havia caído de barrancos, explodido e quebrado braço e perna. Mas nunca tinha o visto chorar. Mesmo tendo só 7 anos, ele é a o homem mais forte que eu conhecia. E velo daquela maneira estava me desesperando. Eu não podia ficar sem fazer nada.

Ergui meus braços e peguei o sansão que estava comigo, e fui ate ele. Ele não entendeu quando eu sorri e o entreguei o sansão. Ficou me olhando... ajoelhei na frente dele e ficamos sentados por um tempo. Em silencio. Não sei quanto tempo...

–--- Mônica. O que você esta fazendo? ---- ele ainda estava com o caderno nas mãos e eu o peguei, para mim.

–--- Você tem mesmo todos os planos infalíveis anotados aqui? ---- Perguntei ao abrir o que restava do caderno arrumando as folhas. ---- Já que você não quer mais... Da ele pra mim?

–--- Pla que você quel este lixo? ---- ele franze todo o rosto ainda com raiva. Seus olhos cintilavam. Queira chorar mais... Mas não iria. Não na minha frente... .... tão fofo.

–--- Pra me lembrar de você. Digo... Você esta certo. Nove anos é muita coisa. E aqui esta todas as nossas aventuras. Tem todo mundo. Toda nossa vida.

Ele ficou em silencio me encarando. Depois balançou a cabeça como se estive se despertando e empurrou o caderno para mim; e se virou. Acho que ele ficou corado.

O silencio reinou mais uma vez, e desta vez foi ele quem tratou de despachá-lo.

–--- Polque você esta me dando o sansão? Ou eu entendi elado...

Ele ainda estava de costas para mim, mas tinha se levantado e estava a mexer em suas coisas.

–--- Porque... Você sempre quis pegar ele.

–--- EU NÃO QUELO O SEU COELHINHO ENCALDIDO!!! ---- Ele gritou se virando.

Mas eu sorri.

E o entreguei o sansão. Foi a ultima vez que segurei aquele pelo macio e azul.

–--- Assim eu vou ter uma desculpa para ir atrás de você. Cuida bem dele pra mim... tudo bem?

Eu não entendi, e continuo sem entender ate hoje. Garotos são complicados...

Ele pegou o sansão e ficou olhando pra ele. Não parecia feliz e nem triste. Só ficou ali o olhando por pouco tempo.

Eu não vi quando ele se aproximou de mim. Foi tão rápido!

Não foi um beijo. Ele só encostou os lábios nos meus.

Nunca vou perdoar a mãe dele por te-lo chamado justo naquela hora! Ele se afastou de mim e me olhou bem fundo nos olhos como nunca tinha feito antes. (Não sabia que seus olhos eram verdes.) Então ficou vermelho da cabeça aos pés. E tratou de sair correndo para ver o que sua mãe queria.

Eu o segui correndo com o caderno nos braço. Só para que minha mãe me pegasse e me pusesse dentro do carro. Ela estava chorando muito.

Os carros começaram a sair e eu só pude acenar para minha melhor amiga no outro carro. Todos íamos para a mesma direção. Cascão estava agarrado a seu porquinho de estimação. Ainda estava bem machucado. E quando já havia perdido as esperanças de vê-lo uma ultima vez lá estava o carro dele. Bem ao meu lado. Gritei tchau! Ele não falou nada. Apenas se abaixou e pegou o sansão. Pegou a patinha dele e fez com que me desse tchau.

Eu chorei muito.

~~ºº~~

Finalmente estou de volta a o meu lar.

Minha mãe descarrega as coisas do carro enquanto eu e meu pai vamos ate o caminhão de mudança. Eu não me lembrava, mas nossa rua sempre foi um beco sem saída em forma arredondada?

Vejo outros caminhões de mudança pela vizinhança e me alegro muito. Entro no meu antigo quarto só para rir um pouco. A pequena cama e armários meigos de coração, bichinhos de pelúcia esquecidos. Pego um grande elefante verde e o abraço antes de cair na cama.

–--- Sansão...

[Tok Tok]

–--- Pode entrar mãe.

–--- Você não vai ajudar com a mudança? Você não cabe mais nesta caminha. Precisamos por a outra logo.

–--- Verdade; me desculpa. ---- Eu estava tão feliz.

Não demora e aquela casa abandonada há anos volta ater vida. Tudo estava em seu devido lugar. Alguns moveis velhos são mandados embora. Outros ficam.

Eu não vejo a hora de sair e ver meus amigos. Mas as casas em volta da minha estavam vazias. Nenhum deles havia voltado.

Teriam se esquecido do nosso combinado?



Ass Monica Sousa.