[Capítulo Dois: Antipatia]

\"Se Kio corresse perigo, Soubi faria de tudo para salvá-lo”

Essa é uma das poucas coisas a respeito de Soubi que Ristuka poderia dizer com certeza. Não porque fosse sua opinião, mas porque haviam sidos palavras do próprio.

Mais uma vez se via pensando nos fatos de ontem, será que aquela maldita noite nunca faria sentido? Kio, ao ser obrigado a se afastar do grupo, havia sido sequestrado por Seimei.

Era verdade que nem ele nem Soubi sabiam disso, mas a simples menção de que Kio não estivesse bem fora suficiente para que o mais velho se alterasse, deixando bem claro que o salvaria. Não era comum Soubi falar de seu passado, então, talvez o simples fato de que Soubi houvesse explicado sobre como se conheceram e sobre como era sua relação fosse o suficiente para que Ristsuka percebesse que, mesmo sendo tal fato desconhecido de Soubi, era verdade que os dois se amavam.

“Kio e eu somos quase como um só” Soubi dissera. Na língua de Ristuka isso era classificado como uma declaração de amor. Talvez Youji e Natsuo tivessem razão.

Ristu treinara e educara Soubi.

Seimei o dominara e, com esse domínio, o ordenara que amasse Ritsuka.

Todos impostos por uma ordem, uma condição. Mas Kio não.

“Nós dois somos pessoas egoístas”.

Soubi sabia que Kio amava sua vida mais do que tudo.

“Viva sua vida ao máximo” Seria a explicação para o egoísmo de Kio. Era capaz de ultrapassar barreiras e atropelar pessoas para isso. Mas com Soubi não fora assim.

Kio sabia que Soubi gostava de ser subjugado.

“As ordens de Seimei foram claras.” Uma vez escolhido seu mestre, não importa a situação, as pessoas ao redor, ou nem mesmo sua própria condição física ou psicológica, ele as obedeceria.

Os objetivos de ambos eram egoístas. Conforme passavam, não seria exagero dizer que traçavam um rastro de destruição, mas quando suas rotas se encontravam, eles não se chocavam, mas apoiavam um ao outro, se completavam.

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[Flashback]

“Nenhum quadro chama tanto a minha atenção quanto os dele, por mais que eu houvesse procurado nessa primeira semana de aula. Esse cara, o tal de Agatsuma. Sempre atrasado, sempre mal humorado, sempre evitando as pessoas. E sempre esses lindos quadros.”



Começava com um borrão.

Desta vez havia sido vermelho. Um vermelho vivo e intenso, que aos poucos tomava forma. E surgiam as outras cores, branco, azul, um pouco de marrom e eventualmente uma borboleta ganhava vida. Não que Soubi só pintasse borboletas, mas ele parecia gostar delas.

- Eu vou falar com ele.

- QUÊ? Com Agatsuma-san? Tá louco, Kio? Se você for lá, ele provavelmente vai te ignorar e fazer uma daquelas caras estranhas... – O amigo de Kio Kaido, Pico, parecia que ia explodir.

- E daí? Tudo o que ele pinta é simplesmente maravilhoso... E, principalmente, quando são borboletas, os quadros ficam sempre tão cheios de sentimento... Não que sejam alegres, que tenham vida ou algo assim. Na verdade, é um sentimento que eu não consigo explicar, embora o entenda muito bem, sabe? É por isso que eu preciso falar com ele. Isso! É isso que vou perguntar, que sentimento é esse... O que ele quer transmitir com a obra e...

- Você vai se arrepender se falar com ele – Pico o interrompeu, segurando seu braço, justo no momento que Kio havia terminado de guardar os pincéis e se preparava para falar com Agatsuma Soubi.

- Você sabe que eu realmente não me importo. Definitivamente eu vou me tornar amigo dele... Vamos, Pico! Você sabe que ninguém resiste a esse meu charme – Piscou para o amigo exibindo um longo sorriso. Fosse resultado do seu ‘charme’ ou não, Pico sorriu e o deixou ir.

Kio encheu o pulmão de ar enquanto caminhava em direção a Soubi, que estava há apenas três cavaletes distante do seu. Quando chegou perto o suficiente para quase derrubar Soubi do banquinho tripé em que sentava, soltou todo o ar de uma vez, com uma saraivada de palavras.

- Bem, bom dia! – Seu tom era de quem começava um discurso, mas conforme se empolgava com a situação, e com ‘perigo’ que corria, falava mais e mais rápido, atropelando as palavras, como se tivesse medo de parar. – Meu nome é Kaido Kio. Mas você pode me chamar só de Kio, ok? – Não tendo resposta de Soubi, continuou – Mas parece que você não vai chamar, não é? Você parece sério, então Kaido-san cairia bem se fosse dito por você, que tal? – Dessa vez não esperou resposta e continuou a tagarelar - Eu reeeealmente admiro o seu trabalho! Digo, os seus quadros sabe? E dessas borboletas, eu gosto delas! Parece que elas vão sair do quadro voando e lalalalalala – Girou e bateu as asas, provavelmente imitando uma borboleta, enquanto ria – Se bem que eu acho que eu sairia correndo caso isso acontecesse – Quando percebeu que todos olhavam para ele, seu riso acalmou-se e se transformou num sorriso meio sem graça. Era verdade, todos olhavam para ele, menos Soubi, e era essa a parte que o incomodava – Ei... Agatsuma-san...

Sem resposta.

Soubi continuava a pincelar as folhas ao redor de sua borboleta, como se as palavras de Kio não passassem do zumbido de uma mosca.

- Ei... Soubi-kun? Soubiii... AGATSUMA SOUBI!

Ainda sem resposta.

- Parece que você vai me ignorar, não é? Será que estou perdendo meu tempo, Agatsuma-san? – na tentativa de se esquivar da aproximação de Kio, Soubi estava se tornando difícil, mas mal sabia ele, que seria justamente essa dificuldade que faria com que o jovem Kaido se interessasse ainda mais em falar com ele – Sabia que fico triste em saber que você não tem amigos?

“Ele deve saber, e também não deve dar a mínima” Kio riu quando este pensamento se formou em sua mente. Decidiu esperar, talvez Soubi esboçasse algum tipo de reação, deixasse escapar um risinho sequer... E nada, de novo. Puxou um banquinho tripé igual ao do outro e sentou-se, colocou os cotovelos sobre as pernas e apoiou o queixo nas costas das mãos, olhando fixamente para Soubi, com o intuito de provocá-lo. Já ele, percebendo que o outro, mesmo agora estando calado, não iria embora, puxou um maço de cigarros do bolso e acendeu um deles, usando uma só mão, sem que a outra precisasse soltar o pincel. Esforçou-se para colocar o máximo de indiferença em cada gesto, mas mais uma vez, sem saber que isso incentiva Kio ainda mais, e não o contrário.

- Cigarro?! Isso é um pouco grosseiro, sabia? A maioria das pessoas aqui ODEIA cigarro, você não vai conseguir amigos assim, Soubi-kun.

-Eu só vim aqui para pintar, fazer amigos nunca foi minha intenção. - Soubi respondeu enfim. Sentia a nicotina aspirada isso o relaxava e acalmava, fazendo Kio e suas investidas serem quase suportáveis. No entanto, não deixou de lançar um olhar entrecortado ao loiro antes de voltar sua atenção para o quadro.

No pensamento de Soubi, sua resposta com palavras claras e bem elaboradas seria como um tapa na cara, capaz de fazer qualquer infeliz fugir. Mas logo nesse primeiro encontro, ele descobriu que Kio Kaido não era um infeliz qualquer. Ele era gentil, talvez efusivo ao extremo mas, o que era aquilo nos olhos dele? Alarme, preocupação?

- Ah, não! Você deve ser sozinho demais pra pensar desse jeito – Kio colocou a mão no ombro de Soubi, que desistira de ignorá-lo e passara a olhá-lo estupefato – Ser tão sério não pode te fazer bem, sabe?

- Do que está falan... – Soubi tentou balbuciar algumas palavras, na verdade queria levantar e gritar “Não me toque!” mas algo além de sua educação o impedia. O que Kio estava tentando fazer? Ser sua mãe? Introduzi-lo na nova turminha do jardim de infância? Levá-lo pro lado cor de rosa da força? Ele já devia ter virado de costas e ido embora. Qual era o problema dele? Talvez não entedesse bem japonês. Resolveu perguntar, colocando o máximo de polidez em cada sílaba – Você não fala japonês direito?

- O que? Falo sim, por quê? – Kio levantou uma sobrancelha, teria Soubi o entendido mal ou simplesmente estava brincando com ele? Bem, ele não tinha muito um ar de brincadeira... – Não entendeu o que eu disse? Quis dizer que você devia viver sua vida ao máximo, sabe?

- Deixa pra lá... – Kio Kaido definitivamente falava bem japonês.

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Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.