Like a Vampire 4: Endgame

Capítulo 21- Beijada por fogo


Narração Priya

Acordei de manhã bem cedo. Ainda estava um certo climão na fortaleza pelas notícias de ontem.

Mas bem, o que eu poderia fazer pra acalmar os ânimos? Nada.

Só comer mesmo, que era exatamente o que eu ia fazer.

Coloquei fone de ouvidos e uma música alta enquanto pegava ingredientes pra fazer uma panqueca e passar o café.

Nas vezes que eu parava a música pra tentar achar outra coisa que prestasse na playlist ou pra focar em achar algum ingrediente, eu ouvia a muvuca dos criados na fortaleza.

Quando percebi que duas criadas se aproximavam com cestos de roupas, conversando, discretamente pausei a música e tirei um dos fones de ouvido.

—Mudaram Sr. Reijii de quarto.- Uma delas sussurrou, como se tivesse medo que eu escutasse.

Uma pena, né?

—Colocaram no quarto solo do Sr. Laito, eu ouvi.- A outra respondeu- Coitada da Sra. Victoria, lidar com o marido nesse estado…

—Coitada nada, não ouviu do caso dela com o Mukami?- A outra pareceu abismada- E também com a…

Ela não continuou sua fala, mas eu não precisava ser uma grande gênia pra entender que havia apontado pra mim.

—O coitado é o Sr.Reijii, então.- Ela disse em tom de risada.

As duas saíram com os cestos ainda em mãos.

Soltei um grande suspiro.

Dizer que eu era uma grande fã de Victoria seria um baita exagero, principalmente depois dos nossos últimos ocorridos. Mas a garota estava claramente deprimida. Não precisava que os empregados também discutissem sobre seu estado mental.

E como eu mesma já fui alvo de muito rumor, apesar de amar uma fofoca, sabia como isso podia ser ruim pra vítima.

Desanimada de repente, tirei os fones de ouvido e deixei em cima do celular, no balcão.

Servi minhas panquecas e comi elas tomando café sozinha na mesa.

Alonguei meu pescoço ainda sentada depois da refeição, exausta por ainda ter afazeres.

Foram menos de dois minutos depois do meu café da manhã acabar antes de algum criado aleatório vir me falar que Cousie estava requisitando minha presença.

Ou melhor, a Rainha Cousie. Vossa Majestade. Senhora Creedley, ou Senhora Tsukanami.

E todo o resto.

Corri até a sala do trono, onde eu entrei por trás.

A porta da frente era reservada pra quem queria fazer uma entrada.

Subi as escadas da porta de trás e depois desci as que levavam realmente pra sala do trono.

Olhei pra um cabide na parede e peguei um grande sobretudo preto.

O vesti e amarrei a fita na cintura.

Era o suficiente pra esconder meu pijama.

Respirei fundo e abri a porta de forma mais silenciosa possível.

Pude ver de canto Cousie e Carla nos seus devidos tronos. Eram menos chiques do que os seus verdadeiros, e bem mais empoeirados. Mas ainda eram tronos.

—Hudison.- Cousie deu um sorriso simpático falso enquanto olhava na minha direção.- Esse é o Lorde Wheathbear.

O homem era mais baixo que os seus guardas ou Carla, mas ainda era mais alto que eu. Não que isso fosse difícil.

Seu cabelo era acobreado e curto, e os olhos eram mel. Seu rosto sardento e velho estava destacado pela roupa toda azul Tiffany.

—Veio jurar lealdade.- Cousie continuou- Senhor Wheatbear, o que acha da senhorita Hudison?

Uma pausa desconfortável enquanto o senhor me olhava de forma hesitante.

—Muito esbelta, Vossa Majestade.- O lorde engoliu em seco.

—Acha que seria um bom par pro seu filho?- Cousie questionou.

O lorde arregalou os olhos. Olhei pra Cousie com a melhor expressão de "amada?" possível.

—…Tenho certeza que além de esbelta a senhorita é inteligente.- O lorde parecia desconfortável.

—Bem, eu soube que seu filho está procurando uma esposa. Temos algumas solteiras na patrulha.- Cousie sorria de forma cínica- Como seu povo tem a fama de trair a si mesmos, um casório seria a forma perfeita de me garantir sua lealdade. Não acha?

—Ainda não respondeu a pergunta de minha

—Os Campos Livres sempre foram abertos ás senhoritas durante meu poder.- O lorde parecia desconfortável.- Sinto muito pelo passado de Vossa Majestade e suas irmãs. Mas minha terra sempre será sua.



—Eu nasci nos Campos Livres.- Cousie começou- Não que eu me lembre disso. Fugimos antes que algum assassino resolvesse acabar de vez com a nossa família. Assassinos cujos tiveram filhos, não estou certa?

O lorde não respondeu.

—Agora, eu me pergunto se algum filho soube que seus pais foram mandados para assassinarem pobres três garotinhas novas. Eu tinha apenas 17 na época, se não me engano. Minhas irmãs 13 e 12.

Cousie então se levantou do trono, desamassando a roupa de couro:

—Não que importe agora, é claro. Eu passei minha vida em terras estrangeiras. Tantos homens tentaram me matar que eu não me lembro de tods os seus nomes.

O lorde tremeu na base.

—Eu fui vendida como égua parideira.- Cousie olhou pra seu próprio marido- Eu fui humilhada e traída. Fui estuprada e machucada. Você sabe o que me manteve em pé em todos esses anos em quase exílio?

Cousie então parou de andar, no limite entre o chão onde eu pisava e o trono.

—Fé. Não em deuses. Não em mitos e lendas.- Cousie cerrou o olhar- Em mim mesma. Em Cousie Creedley. O mundo não tinha visto um drakon em séculos antes da minha patrulha trazer não um, mas três. Os rebeldes nunca se curvaram perante um monarca , mas se curvaram perante a mim.

Ela foi então até a frente dos lordes.

—Eu nasci pra governar os quatro reinos.- Os olhos de Cousie estavam raivosos- E eu irei.

—Eu nunca duvidei disso, minha senhora.- Disse o lorde.- Mas eu…

—Pode se retirar agora, Wheatbear.- Carla pediu.- Acredito eu que suas palavras de apoio já foram entendidas.

O lorde, hesitante, saiu pela porta da frente com suas tropas atrás.

—Não se preocupe, não planejo casar você com o Lorde Wheatbear Jr.- Cousie nem olhava pra mim enquanto um criado enchia sua taça de vinho- Tenho quase certeza que ele é gay.

—Por que me chamou então?- Questionei.

—Tem sido uma aliada mais fiel do que eu esperava, Hudison.- Cousie bebericou da sua taça- Manteve nossos segredos á sete chaves. Tem sido boa conselheira.

Bem, aquilo sim era inesperado.

E bem… mentiroso. Eu tinha quase certeza que era responsável por pelo menos alguma fofoca real vazar. E meus conselhos eram bem ok, pra ser sincera.

—Conversamos entre nós e minha esposa chegou á conclusão que adoraria que você virasse sua conselheira oficial.- Carla proclamou.

Meu coração quase parou.

—Eu acho que não seria sensato.- Retruquei, nada hesitante.

—Está questionando meu julgamento?- Cousie franziu o cenho.

—Não é isso.- Cruzei as mãos atrás das costas- Não… creio que seja a pessoa mais apta pra esse trabalho, só isso.

—Poderá pensar mais sobre isso.- Carla tossiu brevemente, e cobriu sua boca com o cachecol- Não temos planos de elegermos nossos conselheiros até que tenhamos um herdeiro confirmado.

Afirmei com a cabeça.

De repente a porta da frente se abriu.

—Queria me ver, irmã?- Era Haruka. Ela usava roupas de frio em tons claros de azul e branco. Seu cabelo estava preso.

—Ah, sim, Haruka.- Cousie fez um gesto pra que ela se aproximasse- Estávamos discutindo sobre seu debut na sociedade.

—O meu…- Haruka fez uma cara confusa- O que?

—Cousie teve a ideia de bancar um baile aqui na fortaleza.- Carla explicou- Não só seria uma boa forma de reunir todos os lordes e ladies que lutam a nosso favor, seria uma boa oportunidade pra você...

—Ah, não.- Haruka o interrompeu- Nem ferrando. Nananinanão.

—Haruka, você já tem vinte anos.- Cousie a olhou quase sem piscar- Acredito eu que já tenha passado da hora de pensar na honra que trará a sua família.

—A honra que quero trazer á minha família pode ser adquirida com essas minhas mãos num campo de batalha.- Haruka permaneceu parada.- É isso que quero fazer.

—Iremos começar a buscar um marido apto pra você desde já.- Carla proclamou.

—Eu acabei de falar que não queria!- Haruka brigou- Além disso, nosso trato não era que eu só ia me casar depois que Eliza se casasse?

—Não sei se você percebeu, mas Elizabeth está numa situação frágil onde poderá não se casar.- Cousie parecia estar se irritando- Logo, você fica como a segunda filha.

—Eliza nem morreu ainda e você está excluindo ela do jogo?!- Haruka parecia furiosa- Quem você pensa que é?

—Eu penso que sou sua irmã mais velha e sua rainha.- Cousie apertou a taça.- Ou você me obedece ou é uma traidora.

Haruka pareceu tremer com a última frase.

—Não quero me casar com um homem que mal conheço. E nem amo.- Haruka falou mais baixo.

—Iremos garantir que se case com um homem bom.- Carla tentou amenizar a conversa- Tem minha palavra, Creedley.

Haruka respirou fundo e saiu correndo pela porta de trás.

Esbarrou comigo no caminho, e tentei a puxar pra conversar com ela. Foi inútil, ela já havia ido.

—Isso que eu chamo de sucesso.- Cousie virou o resto da bebida.

Atrás dos tronos havia uma grossa

parede. Apoiada nela, estava Shin.

A outra parte da sala do trono era mal iluminada, e tinha as paredes rebuscadas cheias de pinturas.

No centro, a maior pintura era da próprias Cousie e do Carla. Ela estava sentada numa cadeira branca usando um vestido verde, enquanto ele estava em pé. Sua mão enluvada tocava no ombro da esposa.

—É uma bela pintura.- Me aproximei de Shin.

—Lindos.- Shin cuspiu- O casal perfeito, eu diria.

—Está bravo por causa de Eliza?- Sugeri.

—Carla está doente a anos e ninguém nunca o considerou "quase morto". Inclusive ele e Cousie se casaram a pouco tempo.- Ele esbravejava- Mas de repente, quando Eliza está doente, ela é quase um zero a esquerda.

—Eliza está mais doente do que todos esperavam, eu acho.

—Por que ela não recebe o mesmo que Carla?- Shin tremia de raiva- Meu irmão passa anos com os melhores médicos, os melhores remédios e tudo do bom e do melhor. Minha noiva é obrigada a o que? Ficar trancada num quarto esperando a morte chegar?

Não respondi nada a isso.

—Não é justo. Isso é o que? Medo que eu e Eliza tenhamos um filho antes? Eles preferem ver ela morta do que com um filho na barriga primeiro do que a própria irmã?

—Não é justo.- Concordei, na falta do que falar.

—Carla fez isso comigo.- Apontou pro tapa-olho - Defendi nossa família e as Creedley da difamação dos Víbora, e foi assim que me puniu. E ainda assim cá estou, abaixando a cabeça pro canalha do meu irmão.

Fiquei assustada e mordi a bochecha.

—Por que ainda segue seu irmão se o odeia tanto?- Questionei.

Shin deu de ombros.

—Porque ele é meu irmão.- Respondeu sinceramente- Como se eu tivesse alguma outra escolha. Eu não serei rei se Eliza não for minha rainha.

E com isso ele saiu. Mas antes, pausou e nem olhou pra mim.

—Se eu fosse você, pensava antes de aceitar a proposta deles. Vai saber se você é só mais uma marionete no jogo dos tronos dos dois.

E assim ele saiu de vez.

Senti uma acidez subindo minha garganta. Eu saí da sala pela porta dos fundos.

Estava a poucos segundos do lado de fora antes de Yuma chegar em mim.

—Ou, Mesubuta, me segue.- Ele mandou.

—…Não?- Franzi o cenho.

—Como assim não?!

—Eu sei lá. Você chegou do nada mó assustador me pedindo pra te seguir.- Cruzei os braços.- Suspeito. No mínimo.

—Eu estava te esperando. Duh.- Yuma revirou os olhos.

—Então você sabia onde eu estava?

—Eu posso ter dado algum dinheiro pra uma criada aleatória lá me falar onde você estava.- Yuma respirou fundo- De que importa? Vem logo.

—E como sabia que eu ia pela porta de trás?- Insisti.

—Você é modesta demais pra ir pela da frente ao chamado da Vossa Majestade.- Yuma revirou os olhos ao falar o título.

—Admita.- Sorri debochada- Você é louquinho por mim.

—Você podia ser modesta com outras coisas também.- Ele revirou os olhos- Vai me seguir ou…

—Ok, ok, stalker.- Debochei de novo- Vá na frente.

Yuma andou calmamente pra dentro da fortaleza. Eu tive que correr algumas vezes pra conseguir o acompanhar.

Atravessamos alguns corredores antes de Yuma abrir a porta pro que parecia uma pequena estufa. O comôdo todo era de vidro e estava cheio de flores e outras plantas.

—O…k.- Cerrei a sobrancelha- E isso é estranho.

Apontei pra um lençol vermelho estendido no chão, com várias almofadas e uma cesta.

—Bem. Eu venho preparado.- Yuma debochou- Ih, Mesubuta, relaxa, é só um picnic.

O olhei, não acreditando nada naquela conversa.

—Eu que fiz a comida. Ingredientes frescos.- Yuma insistiu- Quer se sentar?

—Claro.- Dei de ombros.

Me sentei no lençol, e não demorou nada pra que Yuma se juntasse a mim.

—Eu quis fazer isso pra gente conversar.- Yuma esticou as grandes mãos no chão.

—Sobre Victoria?- Questionei, já abrindo a cesta pra procurar comida.

Yuma hesitou.

—Entre alguns outros tópicos, sim.- Finalmente ele respondeu- Tem umas frutas na cesta, se você gostar.

O encarei, e percebi que ele me observava fuçando a cesta.

—…Ok.- Engoli em seco.

Ficamos majs alguns segundos em silêncio. Achei uma vasilha de morangos na cesta.

—Por que toda vez que nós nos juntamos o assunto tem que ser Victoria?- Yuma questionou.

—Sei lá. Porque ela é sua namorada, talvez?- Sugeri.

—Não é minha namorada.

—Ah- Coloquei um morango na boca- Não sabiam que tinham terminado.

—Nunca tivemos um relacionamento sério.- Yuma suspirou- Pelo menos foi assim que começou.

—Tem certeza?- Debochei- Ela parecia ter bastante ciúmes de mim.

—Absoluta.- Yuma voltou a me encarar, e eu quase parei de mastigar o morango- Não demonize ela assim. Ela não é tão ruim.

—Ah, acredite em mim, eu sei.- Ri.- Se tem alguém que te entende nessa fortaleza inteira, sou eu.

Yuma estreitou os olhos castanhos.

—É. Isso é verdade.- Yuma pegou um morango da vasilha e mordeu. Finalmente consegui engolir a fruta.

Mais um tempo em silêncio.

—Quando você e a Victoria ficaram.- Ele continuou- Chegaram nos finalmentes ou…

—Não.- Fui bem ágil em responder- Foi só um beijo.

—Ah.- Yuma concordou com a cabeça- Mas você já…

—Com outra mulher?- Questionei- Sim, é claro.

—Não é tão claro assim.

—Onde você quer chegar com essa conversa?- Cruzei os braços.- Não puxaria esse assunto se não quisesse chegar a algum assunto.

Yuma hesitou.

—É vergonhoso.- Yuma bufou- Esquece.

—Agora você começou nisso.

—Eu não tenho experiência com mulheres.- Yuma reclamou.- Na maior parte das vezes, elas correm de mim ou desmaiam. Ou tentam me bater.

—Compreensível.- Coloquei mais um morango na boca.

—Eu não entendo porque mulheres piram que nem ela pirou.- Yuma parecia frustrado- Uma hora ela disse que não queria nada sério. Aí fica com ciúmes de mim. Aí tenta transar comigo bêbada.

Fiquei meio assustada com a última parte.

—Argh. Mulheres são frustrantes.

—Não tanto quanto homens, eu te garanto.- Me estiquei.

—Pelo menos somos diretos sobre o que queremos.- Yuma retrucou.

—Nem tanto. Ayato demorou 3 anos pra ficar com Sofie porque ele não coneeguia engolir o orgulho dele…

—Mas quando ele pediu em casamento ela recusou!- Yuma respondeu.- Você teve experiências com homens e mulheres, não acha mulheres frustrantes?

—Na verdade não.- Dei de ombros- É bem fácil entender e saber o que a pessoa quer quando vocês duas tem a mesma biologia. É claro, cada pessoa é uma pessoa diferente..

—Pervertida. Eu nem estava falando sobre isso.- Yuma beliscou minha perna.

Chutei a mão dele.

—Nem eu estava, tarado!- Me afastei- Você que começou com esse papo bizarro de saber se eu já fiquei com a Victoria em outro nível.

—Fala sério, garotas são íncriveis, mas eu tenho raiva de vez em quando.- Yuma suspirou- Eu poderia namorar um cara.

Ri.

—Acredite em mim, colega, se você fica estressado com a Victoria, que é uma menina legal, imagina um cara.

—Caras podem ser legais.

—Bem, quantos caras realmente legais você conhece?- Arqueei a sobrancelha.

Yuma não respondeu.

—Encerro aqui meu argumento.- Fiz uma reverência falsa.

—Aposto que é mais fácil transar com um homem do que com uma mulher.- Yuma retrucou, e eu quase engasguei na minha risada.

—Mais fácil pra mim ou pra você?- Questionei.

—Pros dois.- Yuma respondeu.

—Mais fácil não necessariamente significa melhor.- Comi mais um morango.

Fiquei frustrada ao ver que era o último.

Yuma me olhou de novo:

—O que quer dizer?

—Nada demais. Só que… transar nem sempre é uma experiência legal.- Priya suspirou- Especialmente pra mulheres. Ficaria surpreso.

Yuma cerrou o cenho.

—Surpreso com…?

—Com a quantidade de mulheres que morrem sem nunca sentir prazer, idiota.- Fiquei irritada e quase envergonhada por ter que falar tudo timtim por timtim- Porque existem homens por aí que acham que tudo é sobre eles.

—Se tudo for sobre uma pessoa só, é pra isso que existe masturba...

—Exato.- Suspirei fundo.

—Priya, você tá falando do seu último namorado?- Yuma questionou depois de um tempo- Porque ele é uma exceção.

—Do babaca do meu namorado, dos homens que já ficaram com a Daayene…- Respirei- Nem tudo são flores nas nossas vidas, como pode perceber.

—Estou tentando ser um homem melhor.- Yuma se apoiou nos braços- Pra que meninas não passem pelo que você e suas irmãs passaram.

Bem, seria ótimo se isso realmente fosse tão fácil. Mas sorri de forma simpática.

—Não sei ainda se foi uma boa ideia guardar minha primeira vez. Devia ter gastado em uma outra mulher, não em Victoria.

Aí eu quase engasguei de novo.

—Algum problema?- Yuma nem me olhou.

Eu encarei ele, abismada.

Como assim ele era virgem antes da Vic ? E todas as piadas que fazíamos em relação á...

Me senti quase envergonhada de mim mesma.

—Nada.- Respirei fundo- Obrigada por…eh… confiar em mim pra desabafar.

—Eu sempre confiei em você.- Yuma deu de ombros- É bem honesta, não tem medo de me zoar ou me xingar quando precisa, e sabe muito de muita coisa.

—Eu não sei bem…- Comecei, mas ele me interrompeu.

—Aqui.- Yuma limpou a garganta.- Deixa eu te mostrar.

Yuma abaixou uma das mangas da blusa. Fiquei levemente envergonhada de primeira, mas depois resolvi ignorar.

Caramba, Priya. Você tem 21 anos. Você já viu muitos outros caras sem camisa. Inclusive bem mais bonitos do que o Yuma.

Não era hora de ficar vermelha por causa do ombro de um menino.

Ele gesticulou sua cabeça na direção do seu ombro nu, onde vi uma grande cicatriz marcava quase seu ombro todo. Por baixo, uma pequena mancha.

Não sabia o que falar. Nem entendi o que ele queria me mostrar.

—Eu tenho elas desde quando eu me lembro.- Yuma pareceu entender o que passava na minhan cabeça- E eu não me lembro de muita coisa.

—Como assim?

—Minha primeira memória vívida é de quando eu tinha… o que, dez anos?- Yuma fez uma careta, como se tivesse dúvida.- Eu estava… bem, não importa onde eu estava. Mas foi pouco antes de eu ir pro orfanato.

—O orfanato onde você conheceu os meninos?- Perguntei, mesmo já sabendo a resposta.

—Mesubuta, você nunca vai entender como era lá. Sua vida foi difícil, mas eu e os meninos demoramos tempo demais pra conseguirmos fugir.

—Você teve uma segunda chance.- Dei de ombros- Agora você é imortal e tem uma família!

—Sou agradecido pelo homem por ter me dado isso.- Yuma ajeitou sua blusa- Sempre o obedeci muito, mas falar que eu ligava pras suas ordens é um pouco demais.

Yuma me encarou.

—Não acho que vou obedecer o Plano Eve mais. Não o quero, isso é.- Yuma afirmou.

—E por que?

Seus olhos me analisaram:

—Motivos.

Me senti quase estremecer. Peguei e servi um copo de ponche pra mim.

—Bem, você certamente confia em mim.- Bebi um gole de ponche- Não é a melhor decisão de todos os tempos, mas… eu fico honrada. De verdade.

—É minha única chance de ser bom que nem você, eu acho.- Yuma não parecia se importar muito.

—…Você me acha boa?- Me assustei.

—Quando eu te conheci eu te achava meio doida.- Yuma considerou- Tipo, você fala bem mais do que deveria e eu ás vezes checava embaixo das casas e atrás das portas se você não estava se escondendo pra me matar.

Quase engasguei na bebida.

—Mas então eu te conheci.- Yuma chamou minha atenção, ignorando minha quase morte- Eu não sei nem como falar isso, mas você me fez sentir algo.

Ele então colocou a mão na parte direita do peito.

—Bem… aqui.

—O seu coração é do outro lado do peito.- Me sentei em cima dos meus próprios pés, corrigindo a posição da mão dele com a minha própria.

Yuma segurou a minha mão por cima de seu peito.

Perto dele, eu era realmente muito pequena.

—Tá batendo bem rápido.- Yuma pigarreou.

Tirei minha mão dele, tentando me distrair.

Bem, ficava difícil quando meu rosto parecia pegar fogo.

—Você quer beber?!- Minha voz saiu um pouco mais aguda que o normal.

Ele não respondeu mais do que um "Uhum".

Servi um copo pra ele do drink vermelho:

—Ponche. Não se preocupa, é sem álcool.

—As coisas que você disse. Foram bem legais.- Yuma estava meio rouco. Estendi o copo pra ele.- Obrigado.

—Bem…- Sorri- Um brinde!

—Um brinde.- Yuma analisou o pequeno copo- Parece aqueles de avião. Os copos…

Tomei o resto da minha bebida e coloquei no chão ao meu lado.

—Ah. Você tá com a boca toda…- Yuma apontou pra sua própria boca.- Vermelha. Espera, deixa eu te ajudar.

Yuma passou um dos seus dedos no meu lábio superior, que foi recuado numa coloração vermelha.

O encarei, engolindo em seco.

Yuma limpou o dedo na calça de forma desconfortável.

Notei como ele desviava o olhar de mim. Me senti dominada por uma espécie de arrepio. Uma friagem.

Uma coisa estranha que eu não sentia a anos.

Não, eu precisava parar isso agora. Um romance é tudo que eu menos preciso agora, e estamos numa situação enrolada demais sem algo…

—Sabe que pode me beijar se quiser.- Falei, muito sem pensar.

Eu quase me esmurrei mentalmente.

Maldita vozinha da cabeça que fica me enchendo o saco ou me deixando fazer coisas estúpidas.

—Eu quero.- Os olhos castanhos de Yuma deslizaram pra minha boca. O arrepio voltou.

Ele não teve que engatinhar muito pra chegar onde eu estava. Suas mãos grandes me deitaram sem nenhum esforço na almofada logo atrás de mim.

Não que eu tenha me esforçado pra impedi-lo, isso é.

Yuma estava basicamente em cima de mim, entre minhas pernas que fe,lizmente estavam protegidas por uma grossa calça jeans.

Eu não sabia nem pra onde olhar. Meus lábios estavam entreabertos, e eu mal sentia o oxigênio preencher meus pulmões.

Quando Yuma me beijou, fechar os olhos foi basicamente um instinto.

O peso de Yuma não parecia tão grande quando ele se apoiava com os braços ao lado do meu corpo. O cabelo dele estava brevemente solto e fazia cócegas na minha bochecha.

Yuma se separou de mim. Por poucos centímetros. Eu tive poucos segundos pra respirar e refletir no que eu estava fazendo antes de nossas bocas se colidirem de novo.

Meus braços, antes imóveis, começaram a passear pelos ombros dele. Tentando traçar a cicatriz no seu ombro direito que havia me mostrado antes.

Senti o corpo de Yuma se enrijecer em cima de mim. Abri meus olhos rapidamente.

Ele de repente se desgrudou de mim, com uma expressão levemente confusa e desesperada.

Ele saiu de cima de mim tão rapidamente quanto havíamos chegado naquela situação. Ficou em pé, claramente tenso.

Me sentei no lençol, confusa.

—Eu fiz alguma coisa de errado?

—Não… Eu só…- Yuma estava ruborizado, e seus olhos estavam arregalados- Eu só… eu só preciso ir. Não fale pra ninguém sobre isso, ok?

Yuma se teletransportou do ambiente, me deixando sozinha com uma cara de sonsa.

Escondi meu rosto nas mãos, tentando acalmar minha respiração

Fiquei deitada tomando ponche por mais uns bons minutos, antes de eu finalmente ser capaz de me levantar e ajeitar meu cabelo.

Não ia ser eu que ia correr atrás do maluco.

Fui andando devagar com as mãos no bolso. Olhei pela janela, percebendo que já ia chegando o meio da tarde.

Mesmo sem notar, cheguei na famigerada sala de estar da fortaleza.

—Você tem certeza que deveria estar bebendo?- Anna não parecia nada convencida.

—Aninha, eu vou morrer de qualquer jeito.- Marie estava segurando um copo de algo que parecia uísque.- E eu nem estou exagerando. Um copinho não vai fazer eu passar mal.

—Por que eu tenho minhas dúvidas sobre isso?- Daayene não parecia nada convencida.

Fui até ela e peguei o copo de sua mão.

—Ei!

—Seja um bom exemplo e não beba durante sua gravidez.- Debochei.

—Você é muito sem graça.- Marie revirou os olhos- E uma desobediente. Preciso te lembrar que eu sou mais velha?

—Ser mais velha nunca foi sinônimo de responsabilidade, como podemos ver as provas bem aqui nessa fortaleza.- Daayene falou meio baixo.

Me senti rangir os dentes.

—Boa tarde, meninas!- Eliza desceu de seu quarto. Percebi que ela parou e se segurou no corrimão, como se estivesse ficando tonta.

—Boa tarde.- Anna falou meio baixo- Você não devia estar descansando?

—Que isso. Já faz quase 12h que eu não cuspo sangue.- Eliza brincou- E uns dois dias que eu não desmaio. Acho que é um bom sinal.

—Se você diz.- Dei de ombros- Shin está cuidando de você?

—Bem, ele está fazendo o possível.- Eliza se sentou ao lado de Marie- De vez em quando eu tenho que lembrar pra ele não me beijar já que eu posso vomitar na cara dele a qualquer instante, mas acho que estamos bem.

Me lembrei da nossa conversa de antes, e me senti morder a bochecha.

—O casório de vocês está marcado?- Marie riu.

—Quem me dera.- Eliza sorriu fracamente- Não sei se vão me permitir de casar nesse estado. Até porque eu acho que não ficaria bonita num vestido de noiva com esse corpo.

Notei os ossos já bem vísiveis por baixo da pele de Eliza.

—Você… não tem poder de mudar a aparência?- Anna questionou.

Eliza fez uma expressão frustrada.

—Acho que meus poderes estão ficando fracos. Mal consigo mudar a cor do meu cabelo esses dias.- Soltou um suspiro- O último pico de poder do qual me lembro foi…

Ela trocou um olhar com Anna.

—Bastante tempo atrás.- Voltou a dizer.- Mal consigo me lembrar.

—Você vai melhorar, Eli.- Daayene sorriu- É extremamente forte.

Eliza sorriu, mas seus olhos não brilhavam:

—É claro que vou.

De repente ouvimos uma porta batendo no andar de cima.

Passos apressados. Fortes.

Nós cinco nos entreolhamos, todas ouvindo o mesmo som.

O barulho ficou mais próximo, nas escadas.

Fui tomada de surpresa com a imagem de Victoria. Estava claramente cansada e com uma expressão derrotada. Seu cabelo estava todo decorado em nós, e suas roupas pareciam sujas e abarrotadas.

Mas em seu corpo, cabelo, rosto e roupas, existiam grossos respingos de sangue.

—Meu Jesus, Victoria, o que aconteceu?!- Daayene se assustou.

Victoria apertou a faca ensaguentada que havia em sua mão. Seus olhos se encheram de água.

—Foi um a…aci…acidente.- Victoria chorou. Seus olhos estavam arregalados, seu corpo todo tremia.- Eu não fiz por mal, eu juro!

—Tudo bem, mas o que houve?- Marie estava pálida, claramente preocupada.

—Ela tentou me atacar!- Victoria rangia os dentes, apesar de estar mais quente que o normal- Eu não sa…sabia o que fazer… foi um aci…acidente!

Seu corpo caiu no chão em prantos, tremendo. Sua faca bateu algumas vezes, fazendo um barulho de metal antes de ficar parada.

Anna foi até ela e pegou a faca.

—Prata.- Anna engoliu em seco.

Nós cinco nos entreolhamos.

—Merda. Reijii.- Arregalei os olhos.

O choro alto que seguiu de Victoria confirmou minha teoria.

—Não vamos ter outra escolha.- Eliza falou de repente- Teremos que tomar medidas drásticas. Chamem as minhas irmãs. E os Tsukanami.

—Espera aí, Lindinha.- Daayene franziu o cenho- Eu sou a mais poderosa aqui. Mais do que você e suas irmãs, inclusive.

—Não se preocupe. Estará incluída.- Eliza sorriu de leve- Tenho um plano.

—Que seria…- Anna insistiu.

Marie fez uma pequena careta.

—A vida paga a morte, a morte paga a vida.- Eliza respondeu.

Daayene e Anna se entreolharam também. De uma forma bem mais demorada e confusa.

—E eu faço o que?- Questionei.

—Priya.- Marie parecia sem ar.- Me leva pro quarto. Por favor.

Olhei pra ela, assustada.

Ela estava com uma das mãos na barriga, e respirava profundamente como se sentisse dor.

A levantei antes de tentar apoiá-la com meu corpo.

—Anna, você vai garantir que o resto do pessoal não atrapalhe nossos planos.- Eliza deu uma breve tossida.

Anna concordou e saiu correndo.

—E o que a gente faz?- Daayene respirou fundo.

Eliza a encarou:

—A gente salva um vampiro.