Narração Priya

Acordei quase caindo da cama.

Eu ainda me sentia cansada. E devia ser quase onze horas, se a luz saindo da janela do meu quarto fosse de alguma indicação.

E o dia de antes tinha sido doloroso. Assim como o de antes. E o de antes também.

Olhei pro meu chão, percebendo Victoria embrulhada em edredons e cobertores, num sono profundo demais pra eu sequer pensar em acordar ela.

Rolei pro outro lado da cama, e só lá realmente desci e consegui sair do quarto.

Quando fui pra cozinha, disposta e com fome, me surpreendi ao dar de cara com Yuma.

—Bom dia.- Eu disse meio num resmungo.

—Bom dia.- Ele me respondeu, e eu percebi que suas roupas estavam sujas.- Só… vim tomar água. Tô cuidando do Jardim.

—Hm.- Eu respondi. Demorei dois segundos pra notar que tinha sido uma resposta estúpida.- Quer ajuda?

—Ahn? Ah. Não.- Yuma pareceu surpreendentemente desencorajado- Sabe se Victoria acordou?

—Está dormindo ainda, eu não a acordaria se fosse você. Tá num mal humor danado.- Respondi, pegando um pote de cereal da mesa e servindo numa tigela.- Por que? Quer que ela ajude você no Jardim?

Yuma pensou bem antes de responder:

—Não. Ela é muito menininha e Sakamaki pra aguentar mexer na terra.

—Você devia pensar num melhor jeito de flertar com mulheres, Mukami.- Respondi com um sorriso- Acho que chamar elas pra trabalhar não funciona com todas.

—Eu já te chamei pra ajudar no Jardim.- Yuma pensou.

—E isso incrivelmente acabou comigo presa numa parede com você.- Eu ri. E passei um tempo em silêncio.- Mas… se gosta dela, devia ir em frente. Se considere abençoado por mim.

Yuma fez uma careta com a última parte.

—Não é bem gostar. Ela é gata. E acabou de terminar com o Reijii.

—Gata mesmo. Alta. Tem uns pernões...- Me senti estremecer.- Enfim. Não vem ao caso. Eu e ela somos do passado.

—…Eu quase esqueci que você e ela…- Yuma começou.

—Não termine essa frase. Eu ainda me sinto uma destruidora de lares por isso.- Eu pedi.

—Ok.- Yuma pigarreou.- Mas a questão é. Ela é dos Sakamaki, a lealdade dela. E ela ainda é teoricamente casada com o Reijii já que ainda não se divorciaram. E ela tem um filho.

—Eu não tô te falando pra casar com ela, Yuma.- Eu ri.- Troca uns beijos, uns dengo. Sei lá. Não sei como funciona isso de vocês vampiros.

—Eu também não sei como é o de uma humana.- Yuma sorriu.- Se você quiser me mostrar, estou á ouvidos.

Quase engasguei. E depois estremeci.

Passos nos atrapalharam. Quando virei pra trás, vi Daayene. Ela estava em sua glória, o vestido rosa que usava apertando sua cintura e o brilho parecia mais forte com sua pele. Ela arregalou os olhos avermelhados quando viu Yuma.

—…Bom…dia.- Ela parecia lutar pra não gaguejar. O que era estranho. Até onde eu me lembrava, Daay não era de gaguejar.

Ou de qualquer estranheza social, diga-se de passagem.

—Bom dia.- Yuma pareceu meio desapontado.- Bem, vou indo. Boa refeição pra vocês.

E ele se retirou, indo pra seu Jardim.

Me perguntei se Subaru um dia ia ajudá-lo. Apesar de ser um vampiro um pouco lesado (Como todos seus irmãos, diga-se de passagem.) e que ainda cismava de me chamar de Priscila ou "Hudison de cabelo preto"… Ele era meio fissurado em rosas, e parecia bom em cuidar delas.

Não que eu achasse que Yuma ia gostar de rosas em seu Jardim. Bem ao contrário.

—Parece que está com a cabeça cheia.- Daayene sorriu de leve.

—Você também.- Comentei.- Ainda tá meio pálida. Tudo bem?

Como se eu tivesse feito ela se lembrar de algo, ela ficou mais branca ainda e abriu a boca, como se tentasse achar alguma resposta.

—Eu…Hã…- Daayene fechou a boca e pigarreou.- Só cansaço. Sabe. Nós profetas… Não descansamos nem dormindo.

—Imagino. Teve alguma visão legal?- Questionei.

—Não muito.- Daayene foi rápida em responder.- Acho que foram… Eh… Mensagens do meu subconsciente. Sabe. Por causa da briga de ontem.

—Ah.- Concordei.- Temos que pedir desculpas pras meninas, falando nisso.

Daayene me olhou assustada:

—Como?

—Todo mundo exagerou ontem. Eu tava esperando as outras Herbert acordarem pra eu conversar sobre isso. Fiquei com dó de Marie, Sofie, Sarah, Brunna e Anna.

—Mas…

—Mas o que?- Questionei.- Estávamos todas irritadas e sobrecarregadas e dissemos coisas que não devíamos de um jeito gratuito e do nada. Se você não tem maturidade pra ver isso, não sei o que te falar.

—Ei!

—O que foi? É verdade! Você devia tá no ensino médio estudando, e tá metida nessa coisa de profeta!

—Você tá falando que nem a mamãe, cruzes.- Daayene tomou um gole de chá.- Quer dizer, tirando a parte dos profetas. Se ela soubesse que eu fosse isso, ia me chamar de macumbeira e só ia usar como mais um motivo pra me expulsar de casa.

Dei de ombros. É verdade.

Se mamãe havia me expulsado por eu quase ter tido um filho… saber no que estávamos envolvidas era basicamente uma sentença de morte.


—Mas eu continuo estando certa.- Suspirei.

—Como sempre.- Daayene bufou.

—Como sempre.- Concordei.


—Questionável.- Ouvi Brunna atrás de mim.

Ela e Anna estavam lá. Paradas. Elas pareciam meio cansadas e chateadas, mas com certeza mais calmas do que na noite passada.

—Ah!- Daayene guinchou. De um jeito bem agudo.- Estávamos falando de vocês!

—…Sa…sabemos…- Anna disse, um pouco baixo.

As duas se sentaram.

Pigarriei:

—Olha. A gente sabe que fez merda. Não posso falar pelas Herbert, mas podemos falar por nós mesmas...

—Eu sei.- Brunna me interrompeu.

—E a gente realmente tinha que formular um plano, vocês estavam certas.- Daayene continuou.

—A gente perdoa vocês.- Eu queria falar, mas Brunna me interrompeu- A gente se resolve depois com as Herbert. Mas agora… a gente tem um assunto mais sério pra resolver.

Ela acenou com a cabeça, e Ruki saiu de perto da porta. Ele pigarreou, e parecia meio ansioso.

—…Ai meu Deus, que não seja uma gravidez.- Foi a única coisa que saiu da minha boca.

—O que?- Brunna ficou meio vermelha- Oi? Não! Não é isso!

—Não por enquanto, pelo menos.- Ruki comentou com um sorriso. O que me fez engasgar com os Sucrilhos.

—Ok, pombinhos. Vocês são um sonho. Já entendemos. Agora desembucha.- Daayene pediu.

—R-Ruki...re…resolveu…- Anna respirou fundo- Resolveu falar sobre o Projeto Eve.

Engasguei de novo.

—Eu tive uma realização.- Ruki comentou- E com ela percebi que é nada menos que injusto não contar para as envolvidas o que estava ocorrendo. Principalmente considerando que minha própria mulher corre esse… risco.

Ele e Brunna trocam um olhar diferenciado.

Credo. Os dois eram tão fofos que me faziam querer vomitar.

—As Herbert…- Anna começou, mas Daay a interrompeu:

—A gente passa o resumo pra elas depois. Agora abre a boca, filhote.

Ruki se sentou bem ao lado de Brunna, sem parecer saber por onde começar.

Passamos alguns segundos em silêncio, até ele realmente decidir começar a falar:

—Primeiro de tudo. Vocês tem que entender o respeito e a… dívida que temos com KarlHeinz.

—Espero uma explicação plausível.- Sussurrei.

—Eu e os meninos… Nós todos viemos de lugares diferentes em situações diferentes.- Ruki continuou- O que nos uniu foi termos nos encontrado no mesmo orfanato. Lá… Como posso dizer… Não era um lugar conhecido por tratar bem as crianças que lá ficavam.

Daayene arregalou discretamente os olhos, mas empalideceu.

—A questão é que quase morremos lá. E KarlHeinz foi bondoso para nos salvar, nos transformar em vampiros. Ele criou um nome pra nossa família e nos deu uma casa. E ainda pediu ajuda com o plano dele, como único retorno.

—O projeto Eve.- Anna murmurou.

—Ele nos disse que se comunicaria por cartas conosco quando a hora chegasse.- Ruki continuou.- E em 2016, a primeira carta veio.

Fiz as contas. Dois anos antes de sermos sequestrada pra Mansão Mukami.

—Ele explicou do Projeto Eve. Falou que os profetas o mandaram uma carta citando três sobrenomes. Que o plano dele finalmente estava pronto pra começar. E que podia ou o glorificar pra sempre ou o destruir.- Ruki suspirou- Claro que ele prosseguiu mesmo assim.

Ficamos caladas. Ele continuou:

—Os sobrenomes… Eram Herbert, Hudison e Creedley. Nessa ordem. KarlHeinz disse que o plano ia começar com o teste do noivado de sacrifício, com a primeira família. Era um teste que, se elas passassem, poderia aumentar a força, o poder, o nível de sangue e até a fertilidade.

—Foi por isso que as seis foram pra Mansão Sakamaki.- Eu falei- As Herbert.

Ruki pensou por um tempo:

—Eh. Mais ou menos. Agora acho que tenha alguma coisa a ver com o passado de Molly… Mas enfim. No final de 2017, recebi uma segunda carta dizendo que os testes haviam sucedido nas Herbert e que outras três das possíveis Eve estavam no mundo dos demônios, começando a pensar em poder e se aliando com os Tsukanami.

—Creedley.- Brunna disse, respirando fundo.

—Exato. Então eu fiquei sabendo que elas eram as Creedley e me dei conta que as Hudison só podiam ser quatro. E seguindo a regra das duas outras familias serem de irmãs, provavelmente estas também eram.- Ruki nos explicou- O rei nos mandou observar vocês por dois meses na casa da tia de vocês, onde vocês moravam. Foi aí que descobrimos que Priya estudava na mesma faculdade que Marie e Victoria.

Fiquei meio aterrorizada e envergonhada.

—Fiquei animado. Achei que pudesse ser destino. Até eu descobrir que as Herbert ja estavam 100% leais aos Sakamaki e que Victoria estava casada.- Ruki pareceu estressado.- As Creedley também já estavam com lealdade posicionada, então percebi que teríamos que conquistar as outra quatro.

—E então... Vocês invadiram a casa da nossa tia e nos arrancaram de lá sem mais nem menos?- Estava confusa- Vocês sabem o que significa conquistar?

—Eu sei.- Ruki revirou os olhos- KarlHeinz disse que todas deveriam se encontrar pra serem comparadas e escolhidas. Tentamos achar as Creedley, mas claramente não deu certo. Mas conseguimos as Herbert. E…deu no que deu.

—E afinal de contas, você sabe quem é a Eve?- Daayene parecia ansiosa.

—…Eu gostaria de saber. Realmente. Mas todas as dicas que KarlHeinz me mandou foram confusas. Como eu poderia comparar dez mulheres em quesitos íntimos quando todas são diferentes? Ainda por cima com outras três possibilidades que eu nem conhecia.

—Minha profecia disse que era uma virgem. Quer dizer, não com essas palavras. Mas tipo isso.- Daayene explicou.

—Fiz minha pesquisa.- Anna estalou a lingua.- Conversei com Cousie. Ela disse que isso tira a possibilidade dela e das irmãs dela.

Ela pegou um papel e uma caneta. Escreveu todos nossos nomes. E depois riscou o de Haruka, Eliza e o de Cousie.

—Isso também tira vocês três, obviamente.- Anna então riscou o meu nome, o de Brunna e o de Daay.

Fiquei aliviada por ela não ter elaborado mais que isso.

—O que tira Victoria, por outro motivo óbvio.- Anna riscou o de Vic.- E de acordo com as próprias, também tira Sarah e Marie.

Ela riscou o nome das outras duas Herbert mais velhas.

—O que sobra…- Anna continuou.

—Sofie, Nikki, Lua e…- Brinna parecia confusa enquanto lia- Você.

—Mas afinal, o que significa ser uma Eve?- Questionei.

—Esse é o próximo tópico.- Ruki pigarreou, e olhou meio confuso pra uma Anna que estava pronta pra fazer anotações.- Vocês são católicas, certo? Então sabem da história de Adão e Eva.

—Foram os primeiros humanos.- Daayene disse.

—Exato.- Ruki concordou- KarlHeinz criou uma teoria que diz que as raças mágicas não tem sensibilidade emocional, e que os humanos são fracos. Então ele tenta criar a fórmula perfeita pra criar um ser perfeito entre um humano e um ser mágico. É claro, ele escolheu um vampiro pra ser o ser mágico em questão.

Vendo nossos rostos confusos, Ruki continuou:

—Os feiticeiros e lobisomens são quase bárbaros pra nós. E os demônios… bem… estão morrendo aos poucos por causa da Endzeit. Claro que nada impede nada, mas…

—Já entendemos.- Brunna parecia curiosa.- Prossiga.

—A Eve, por motivos biológicos e mágicos, é o que vocês humanos chamariam de escolha divina ou destino.- Ruki obedeceu a namorada- Por critérios como força, pureza do sangue, magia, e até fertilidade, ela vai crescendo até chegar ao seu momento de destino.


—Que é…- Eu insisti.

Ruki respirou fundo:

—A Eve escolhe um Adam. Um parceiro. Por amor. Dizem que no momento da escolha, ele se tornará o homem mais forte de todos os reinos. E então eles devem… procriar. E o fruto desse amor será o herdeiro perfeito. E será o primeiro dessa nova raça. E passará a ser o homem mais forte.

—Então a Eve que vocês tanto buscam….- Brunna parecia magoada- É uma égua parideira?

—Sim…- Ruki pareceu assustado.- Mas não. A profecia diz que Eve ganhará muitos poderes, e que o ventre dela não será dominado. Significa que ela não deve ter filhos até o momento final da profecia. Talvez há um erro na tradução… ou na compreensão da profecia.

—Eu entendi.- Brunna parecia meio chateada- É só que... eu não consigo parar de pensar que…

Ruki segurou a mão de Brunna:

—Não posso falar pelos outros, mas te garanto que minhas intenções com você são maiores que uma profecia. Você me tem. Por completo. E estou aliviado de já estar fora das chances. Desse jeito não há oportunidade disso nos prejudicar. Principalmente por… eu não poder sem Adam.

Engasguei:
—Oi?

—Nem eu nem meus irmãos.- Ruki assumiu.

—Mas… Eu não entendo. Você pesquisou e se esforçou.- Brunna estava abismada.- Como só sabe agora que não pode?

—Reijii… visitou o pai dele.- Ruki parecia engasgado.- Foi uma tática de distração. De acordo com ele. Mas ele enviou uma carta pra mim. Disse que de acordo com suas , um vampiro transformado era "arriscado demais" pra conseguir ter um herdeiro perfeito. Disse que sentia muito.

—Eu… sinto muito?- Não sabia o que falar.

—Pelo menos não temos mais esse empecilho entre nós.- Brunna soriu- E mesmo que eu fosse a Eve, eu te escolheria e provaria que ele estava errado.

—Quais são esses grandes poderes que você falou?- Anna questionou- Tipo… quão grandes?

—…O suficiente pra matar o KarlHeinz, acredito eu.- Ruki respondeu.

Entrei em choque.

Com a morte de KarlHeinz… Teríamos um tirano a menos pra derrotar. Era o plano das Creedley. Tomar o reinado.

E meu Deus.... era horrivel dizer isso, mas talvez achar a Eve e o Adam fosse nossa única esperança.

KarlHeinz não sabe quem é esse casal. Mas ele quer que ele aconteça e que eles tenham um filho, mesmo que essa relação acabe com a morte dele...

E, graças aos deuses, tínhamos os casais perfeitos pra essa oportunidade.


KarlHeinz não tinha acesso a profecia ainda. Então, basicamente qualquer um de seus filhos funcionaria.

Marie e Laito.

Sarah e Kanato.

Sofie e Ayato.

Nikki e Shu.

Lua e Subaru.

E até Victoria e Reijii.

Parecia que Brunna tinha me entendido, pois tascou um selinho na boca do seu namorado e se levantou:

—Muito obrigada pelas informações, meu amor. Meninas, acordem as Herbert e chamem as Creedley. Temos um LONGO plano pela frente.

*

O homem andava sozinho. Estava frio e já quase escurecendo. Nublado.

Suas espionagens não eram de muito sucesso. Trabalhar sozinho em geral não era.

As meninas estavam em maior número e ainda eram aliadas de seus sobrinhos. KarlHeinz poderia ter um ataque sabendo disso.

Que podia ser tanto de felicidade quanto de desgosto.

Por isso vender informações para a família Rosemary parecia uma boa ideia.

Ele sabia do perigo. Muitas pessoas achavam que ele estava morto, inclusive. Mas saber que Sofie era uma noiva refém de Robert, assim como a vadia da mãe dela, era bom demais pros ouvidos. Sofie era com certeza a mais inteligente, e estava fragilizada.

Além disso, a mais forte, Nikki, estava presa na hora.

E Sarah estava fora de casa.

Ele já imaginava que iam descobrir tudo. Que iam ajudar Nikki a fugir e sabia até da batalha na Mansão de sua família.

Mas tudo o que havia visto aquela semana era a Hudison mais nova treinando e um pouco de conspiração entre as Creedley. E Victoria trocando olhares com um dos Mukami

Ele estava começando a ficar preocupado com isso.

Ele ja tinha entregado para os profetas uma carta oficial falando sobre Heisuke. O filho nascido de Victoria e Reijii. Que estava, pasmem, com o vô no mundo humano.

E essa carta incluía detalhes sobre a maternidade de Victoria e suas irmãs. Não podia ser mais delicioso.

Mas ele precisava de um plano B.

Tinha que quebrar a aliança entre os dez homens e as treze mulheres. Mas não sabia como.

Principalmente quando seis casais estavam formados e fortes.

Talvez uma sétima noiva de sacrifício. Ainda tinha um pouco do cristal que era o coração de Cordelia. Talvez ele colocasse na garota profeta bonita.

Ela era forte. Passaria por um despertar. E as meninas já a desprezavam. Talvez ela pudesse fazer os homens duvidar de quem é a verdadeira Eve.

Ou talvez…

—Parado aí, papai.- Uma voz conhecida fez Ricther estremecer.

Sua filha. É claro. Ela ainda era quase tão alta que nem ele. Os cabelos pretos estavam sujos e desgrenhados e mais longos do que quando se viram pela última vez. Ela estava descalça. Surpreendentemente, usava uma calça e uma blusa larga pretas. Além de uma capa longa da mesma cor.

Ela estava suja de terra e de sangue. Pelo cheiro, com certeza uma mistura de animais e até seres mágicos.

Ela tinha uma faca de prata presa na cintura. Do primo, claramente.

—Claro. Minha linda filha.- Richter riu.- O que faz aqui?

—Procurando minha família.- Lilith respondeu amargamente.- Talvez você conheça. Um bebê de poucos meses. E um lobisomem.

—Não sei do que está faland…

Lilith o agarrou pelo colarinho:

—Eu sei que foi você. Pode negar o quanto quiser. Mas eu sei. Você foi perdoado muitas vezes. Dezenas até. Mas você mexer com a família que eu construí e conquistei é golpe baixo.


—Sua família é quem você está ameaçando.

—Não. Você destruiu a nossa família.- Lilith respondeu.- Mas eu me apaixonei e fui capaz de seguir em frente. Só porque você é um péssimo pai, não tire minha chance de tentar.

—Então por que não me mata?- Richter questionou- Pega a faca do seu primo e enfia na minha garganta.

—Minha prima carrega essa responsabilidade .- Lilith sorriu.

Richter caiu no chão, e uma lâmina ficou contra seu pescoço.

—Eu sou melhor com as armas.- A voz era doce. Infantil. E de alguma forma violenta.

A dona era uma menina pequena. Claramente tinha menos de dezesseis anos. Os cabelos estavam curtos e eram castanhos claros. Pelo corte, torto e claramente de uma espada, era óbvio que era recente. Os olhos eram castanho avermelhados.

Ela usava uma roupa toda cinza e larga. Na cintura tinha uma espada e contra a garganta do homem uma faca de bronze.

—Você vai apelar pra uma criança? É tão covarde assim?- Richter riu.


—Ficaria surpreso se visse o que ela pode fazer e falar.- Lilith sorria.- Última chance. Cadê Igor e Oliver?

Richter riu:

—Como se eu fosse te falar. Eu sei onde estão. Eu dei a localização pra rebelião. Você não merece a felicidade da qual me privou. Você foi uma desgraça que nasceu e tirou sua mãe de mim… E Cordelia…

—Ele é todo seu.- Lilith disse com ódio.

—Mas eu sou seu pai… Se não fosse por mim…

—Eu ainda teria uma mãe. E uma casa. E talvez eu tivesse tido infância. Eu te avisei papai. Acredito em primeiras chances. Talvez em segundas. Mas nunca em terceiras. Eu não vou deixar você me culpar pelos seus erros. E eu estou farta de você tentar sempre acabar com a minha felicidade. Adeus.

E ela deu as costas.

A menina ergueu o pescoço do homem, o obrigando a olhar pra ela.

—Eu quero que olhe pra mim e preste atenção.- Ela tinha tom autoritário.- Sou Mun Sakamaki. Essa vai ser a última coisa que vai ver. Uma Sakamaki, filha de KarlHeinz, sorrindo pra você enquanto você morre.

Antes que Ricther pudesse retrucar, a afiada lâmina passou pelo pescoço do homem, encharcando a roupa cinza de Mun de sangue.

Ela se levantou, e terminou o serviço de arrancar a cabeça dele com a espada.

—Quer ajuda?- Lilith gritou.

—Não quero que veja isso. Tá bem feio.- Mun brincou.

—Você não sabe o que eu já vi.- Lilith se aproximou. E arregalou os olhos- Você fez uma… Boa bagunça. Onde aprendeu tudo Isso?

—Eu tive bons professores.- O sorriso de Mun era sapeca. Quase como o de uma menina de doze anos. O que ela era.- Mas o seu pai entortou minha faca. Como ele faz isso?

Mun chacolhou sua adaga de bronze, agora meio torta e suja de sangue.

Lilith pegou a faca de prata da cintura e entregou pra prima:

—Toma essa. Você vai saber usar melhor.

A criança não gastou nem dois segundos pra esquecer da sua adaga de bronze e logo pegou a de prata. Lilith sorriu:

—Você tem futuro, sabia?

Mun sorriu de volta:

—Tô tentando.

—Vamos.- Lilith deu um pequeno empurrão na prima- Antes que achem a gente.

E as duas sumiram na distância. No meio da noite.

Longe demais de casa pra serem encontradas.