Like a Vampire 2: Bloody Marriage

Capítulo 9- Azar no jogo e azar no amor


Narração Priya

Cada pedaço do meu corpo estava absurdamente relaxado, completamente em contato com a água da banheira. Não estava quente ao ponto de borbulhar minha pele, nem fria ao ponto de eu achar que iria congelar. Só na temperatura certa.

Meus cabelos pretos estavam presos num coque bem mal-feito graças á minha falta de paciência, e meu corpo ocupava apenas a metade da longa banheira. Não me surpreendia, visto que os moradores oficiais daquela casa eram gigantes.

Eu posso até ser pequena, mas pelo menos eu penso direito. Bem diferente daqueles Dráculas amadores.

Que dia era hoje mesmo? Acho que sábado... Ou domingo? Tanto faz, de qualquer jeito era um dia do final de semana. E ainda assim, as palavras das Herbert ecoavam na minha cabeça como um eco horrível.

Elas nos contando que os Sakamaki, com quem elas viviam antes, e os Mukami... eram vampiros. E o pior, Brunna confirmando tudo enquanto Daayene tinha ido com Kou para algum lugar e simplesmente não voltado até a manhãzinha.

Juro de pé junto que se eu fosse alguns centímetros mais alta e mais forte eu daria um belo de um soco na boca daqueles dois Mukami mais velhos por mexerem com minhas irmãs. Quem eles pensavam que eram?

Ah, é. Vampiros. É claro.

Tive que parar de pensar violentamente sobre aqueles garotos, já que meu corpo estava ficando tenso de novo.

Sem internet, não podia jogar o novo capítulo de Endless Summer 3. Sem sinal, eu não podia nem ligar pra algum ser humano me manter companhia. E aquela casa nem TV tinha.

Sério, ser vampiro deve ser um tédio. A parte da eternidade é até legal... Mas eternidade sem tecnologia? Sério?

Peguei meu celular, que estava não tão longe de mim, com a mão mais seca. Destravei-o quase que de olhos fechados. Estava tão acostumada com a senha que eu nem precisava olhar direito pra acertar.

Assim que o celular foi destravado, meus olhos bateram na minha imagem de fundo. Só uma foto minha e das minhas irmãs: Eu na frente tirando a foto, com Brunna bem do meu lado. Na frente de Brunna, curvada em uma pose estranha, estava Daayene, e Anna estava em minhas costas, com os braços envolvidos nos meus ombros.

Todas nós estávamos com uns sorrisões de orelha a orelha...

Não é como se nós não sorríssemos agora. Mas desde quando chegamos aqui Anna soltou no máximo duas frases, Brunna ainda está(surpreendentemente) fechada em relação com tudo e Daayene... está sendo Daayene.

Suspirei. Família era uma coisa complicada, mas eu estava disposta a fazer qualquer coisa pela minha família.

Acariciei minha barriga levemente, e logo depois passei a mão para a região do ventre.

É, eu faria qualquer coisa. Se pelo menos eu pudesse ter uma própria família biológica.

E com esse pensamento, a porta foi esmurrada e aberta com força. Me deparei com Yuma parado na frente.

—EI!- Ele parecia com raiva e se apoiou na pia de forma brusca- Vem me ajudar no jardim!

Eu me afundei um pouco mais na banheira, olhando pra ele de forma indignada:

—Ei digo eu! Não dá pra ver que tem alguém tomando banho aqui não?!

—Hm? Tch, eu pareço que me importo?- Ele se aproximou de mim, e começou a tentar me puxar pelo braço.

—TIRA A MÃO DE MIM SE VOCÊ NÃO QUER QUE EU DESTRUA SEU SONHO DE TER FILHOS NO FUTURO!- Eu berrei, me empurrando pra longe do alcance dele- Se você quer ajuda de verdade, você vai esperar eu terminar o meu lindo banho pra eu ir na merda do seu jardim te ajudar!

Ele pareceu indignado pelo meu modo de falar, porém não me contive de fuzilá-lo com o olhar.

—Se o seu problema é de eu te ver nua, saiba que você nem tem nada pra mostrar- Ele comentou, entre uma risada seca e irônica.

—Com licença?- Eu arqueei uma sobrancelha, cobrindo meu busto com meus curtos braços enquanto eu cruzava as pernas- Pode até dizer que não tenho nada pra mostrar, mas tenho certeza que essa vai ser sua única interação com uma mulher nua por um bom tempo.

Ele pareceu levemente furioso pelo comentário:

—Uh? O que está insinuando, idiota? Tanto faz, venha logo!

—Ah, já tô indo!- Reclamei, porém gesticulando em direção á porta- Fica me esperando na porta, você não merece ver uma deusa que nem eu!

Ele resmungou algo sobre eu “não ser deusa coisa nenhuma” e ser “muito lerda”, porém ignorei. Assim que ele bateu a porta do banheiro, eu me levantei e vesti um vestido floral, calcei meus chinelos e soltei meu cabelo preto.

Ah, bendita seja Lua Herbert por me emprestar roupas. Vestido não era muito minha praia, mas dava pro gasto.

Assim que abri a porta para sair, dei de cara com Yuma Mukami me esperando.

—Eu não estava falando sério quando eu disse pra você me esperar na porta- Eu bufei, já sentindo vontade de me fechar no banheiro novamente.- Vamos logo, não foi você que me mandou não demorar?

E eu andei na frente, sendo seguida por um Yuma parecendo bastante estressado.

Assim que chegamos ao jardim, eu suspirei profundamente quando senti o vento balançar meus cabelos.

Melhor eu prender de novo, antes que eu comece a querer matar alguém por acabar sujando meu cabelo de terra.

Yuma foi na frente, já se ajoelhando na frente de alguma coisa, parecendo pronto para colher algo. Eu, com os maiores passos que minhas pernas conseguiam andar ( que não era grande coisa) fui até ele e me sentei ao seu lado.

—O que você quer que eu faça?- Perguntei, e não muito tempo depois me senti incomodada pela diferença de altura entre nós dois.

Por que a vida era tão injusta? Enquanto ele tem praticamente dois metros de altura, eu tenho que me satisfazer com um metro e meio.

-Você divide quarto com aquela de cabelo azul, né?- Ele me perguntou, ignorando completamente a pergunta que eu havia feito á sua pessoa. Ele devia estar falando de Nikki-Ela disse alguma coisa sobre o noivo dela?

Que mudança de assunto. E assim, do nada.

—Ah, ela falou alguma coisa sobre ter um noivo dos Saka-sei-lá-o-quê- Respondi com sinceridade, sentindo o sol bater com força em meus olhos- Mas não falou nada especificamente do noivo dela.

Ele estalou a língua, colhendo um tomate e o colocando dentro de uma cesta. O observei com curiosidade e cuidado.

—Sow, vai ficar me olhando que nem idiota?- Yuma perguntou, mirando os olhos diretamente pra mim. Ainda assim, ele parecia perdido em pensamentos.

—Ué, eu perguntei pra você o que o senhorio queria que eu fizesse e você vem me falar do noivo da Nikki- Eu respondi, jogando minhas mãos pra cima em sinal de redenção-Não vem me dizer que você está afim do menino!

Ele olhou pra mim com raiva diante da minha provocação. Eu dei uma risada, sabendo que havia funcionado perfeitamente:

—Você leva as coisas á sério demais, Yuma Mukami.

—Posso saber o que os dois estão fazendo aqui fora?- Uma voz melodiosa que eu conhecia bem me fez olhar pra trás, onde Victoria estava parada e no olhando. Um sorriso brincava em seus lábios- Está chegando no meio da tarde, vocês deveriam voltar se não querem que suas peles se queimem.

Eu senti minha pele queimar pelo tom de preocupação na voz de Victoria. Não pelo sol, mas pelo fato de que ela estava preocupada comigo.

Não importa o quanto eu tentasse negar, eu nunca conseguiria esquecer o fato que Victoria era uma das meninas mais bonitas que eu já havia visto na minha vida. E eu já vi muitas meninas bonitas por aí.

—É o que acontece quando você vira escrava de um vampiro-Eu comentei, sorrindo nervosamente enquanto colocava uma madeixa do meu cabelo atrás da minha orelha- Então seja o que Deus quiser, não é mesmo?

Victoria riu, como se considerasse o que eu havia acabado de falar. Ela mexeu nas pontas dos cabelos castanhos-claro, enrolando os dedos nos fios. E então ela virou em seus saltos e voltou para a cozinha.

—Você gosta dela.- Yuma parecia chocado, e quase berrava- Você gosta muito dela!

—Espera aí, o quê?- Eu arqueei uma sobrancelha em sua direção, parecendo indignada- Você tá insinuando que eu gosto da Victoria?

—Eu não tô insinuando nada, Sow, estou afirmando!- Yuma deu uma risada brusca.- Você ficou toda idiota com ela preocupada

—Eu não gosto da Victoria. Não nesse sentido, pelo menos. Ela realmente é bonita, e eu super ficaria com ela. Mas é só isso. Não é como se eu fosse pensar em me casar e adotar 200 filhos com ela.- Revirei os olhos, mesmo não podendo ignorar que fiquei vermelha- Quer dizer, eu vou ter que adotar mesmo se eu quiser ter filhos. Mas não necessariamente com ela.

—Nunca te vi como jogadora do outro time.- Ele zombou, me fazendo dar um sorriso de canto.

—Homens, mulheres... Quando a pessoa é maravilhosa, nada mais importa. Nem gênero. - Eu respondi, pegando um tomate e colocando no cesto- Mas não faz tanta diferença. Como eu disse, eu não iria querer namorar ou me casar com ela. No máximo alguns beijos.

Maravilha, agora estou desabafando sobre meus sentimentos em relação á uma menina que por acaso é minha amiga e por acaso está morando sob o mesmo teto que eu. Muito inteligente da sua parte, Priya. Está de parabéns.

Mas, olhando bem de perto. Até que esse Yuma é bonitinho.

Ok, ele era bem bonito. Mas ele era tão... brusco e medonho... E isso tirava um pouco da beleza dele.

Ou eu que era chata mesmo. As duas opções são bem prováveis.

—Argh, esse papo todo me deixou com sede- Reclamei, me levantando pra tomar água- Será que eu posso ir beber um pouco de água, senhorio?

Olhei pra ele com ironia, e percebi que os punhos do garoto se fecharam. Metade de mim ficou levemente assustada.

Esse cara devia ter mais do dobro do meu tamanho, e com certeza o triplo da minha força. Quem em sã consciência não ficaria com um pouquinho de medo do que ele podia fazer comigo?

—Que coincidência- Ele se levantou, deixando ainda mais clara nossa diferença de altura- Eu também fiquei com sede. Mas não de água, e sim do que está na minha frente.

E com isso, ele pegou meus dois pulsos com força e me prendeu contra a parede da casa.

Ok, ok. Isso definitivamente não é um bom sinal.

Percebendo que aquela não era a melhor posição pra morder um ser humano, Yuma me levantou com os braços e fez com que eu envolvesse minhas pernas pela sua cintura.

Corei com a posição que estávamos, tentando impedir pensamentos pervertidos que passavam pela minha mente. E falhando miseravelmente nessa tentativa.

Ele puxou meu rosto para mais perto de si. Eu me xinguei mentalmente cerca de 180 por não conseguir me controlar e ficar mais vermelha do que um tomate.

A próxima coisa que eu senti foi a manga do meu vestido deslizando pelo meu ombro, e duas presas afiadas mordendo a área.

Cerrei meus olhos com força, e mordi meu lábio da forma mais forte o possível para tentar relaxar a dor. Coisa que não funcionou muito bem.

Eu sentia algumas gotas de sangue se espalharem pelo meu braço e meu ombro. Ao mesmo tempo que minha visão ficou turva, e a mordida se aprofundou mais.

E então minha visão virou um puro escuro.

Eu nunca desmaiei na minha vida. E eu nunca tinha achado que as pessoas sonhavam quando desmaiavam.

Bem, eu estava errada.

Eu conhecia bem onde eu estava. Banheiro da casa dos meus pais, onde eu podia ver claramente uma versão mais nova minha sentada no chão frio, nas cores azul e vermelho.

Quer dizer, o chão em si era azul. Só o sangue que saía do meu short super fino fazia ele ter algumas gotas vermelhas.

De sangue.

Eu me lembrava tão bem desse dia que eu quase conseguia sentir a dor: A cólica que me predominava, e a dúvida de por que eu estava sentindo esse tipo de dor, sendo que eu estava grávida.

Me perguntei se já estava na hora do bebê nascer. Seria praticamente impossível, eu estava apenas com dezenove semanas. Meu filho nasceria tão prematuro assim?

A minha dor intensa na lombar e no abdômen me confirmaram que não, aquilo definitivamente não era trabalho de parto.

Meu short estava quase todo sujo de sangue. E eu sentia uma dor emocional que eu nunca tinha sentido na minha vida: A dor de perder um filho.

Claro, não tinha sido planejada aquela gravidez na minha vida. Eu não tinha apoio nenhum, tirando o de Brunna. Meu namorado tinha me largado ao saber do filho, e eu não tinha contado até agora pros meus pais e pra Anna e Daayene do que eu carregava na minha barriga.

Carregava. No passado. Porque agora eu não tinha nem mais ele na minha vida.

Saí das minhas lembranças quando a Priya do passado se levantou, os olhos inchados de tanto chorar e a maquiagem toda borrada.

Ao ouvir gritos vindo da sala, ela foi até lá.

Me lembro de ter me achado burra por ter ido até onde meus pais estavam com meu short cheio de sangue. Não era aquela época do mês. Não era pra ser.

—Eu só não sei onde foi que eu errei com vocês três!- Eu vi minha mãe, Angelica Hudison, gritando. Seus olhos negros choravam de pura raiva, e ela puxava seus cabelos loiros num ato de desespero- Vocês três pecaram tanto com nós, com vocês mesmas e com a sua fé!

Daayene, Brunna e Anna estavam todas de cabeça baixa, sentadas no sofá a beira de lágrimas.

—Eu não acredito que vocês fizeram isso com a gente- Meu pai, George Hudison, também parecia furioso. Mas ele sempre foi mais calmo com a gente do que nossa mãe.- Eu criei uma drogada, uma vadia e uma louca por atenção. A gente sempre deu tudo pra vocês. POR QUÊ?

A cada adjetivo que ele dava pras minhas irmãs, ele apontava pra uma diferente.

Brunna estava pálida, e com uma lata grande de cerveja em suas mãos, com um cigarro preso na tampa. Só pelos olhos azuis cheios de lágrima, eu vi que ela foi pega usando drogas.

Daayene estava chorando mais do que as outras meninas. Ela usava maquiagem pesada e roupas curtas e justas. Ela ficava linda naquelas vestes, admito. Mas naquela hora seus olhos estavam cheios de desespero. Nossos pais haviam visto ela trabalhando na boate de strip. Ou na seção de prostituição. Não sei qual deles era pior.

E Anna estava calada, porém parecia absurdamente indefesa. Só percebi naquele momento que ela estava apenas de sutiã, e sua blusa estava nas mãos de meu pai. Naquele estado seminu, todos nós podíamos ver suas marcas de cortes e cicatrizes na sua cintura, barriga e braços.

Um sentimento de culpa me dominou, como se fosse a primeira vez que eu visse aquela cena. Desde que o dinheiro se tornou luxo na nossa casa e meus pais entraram na maior crise de seu casamento com a grande possibilidade... Eu e minhas irmãs achamos nossas formas de escapar daquilo, ou de tentar ajudar.

Brunna fumava e bebia, como se aquilo a fizesse escapar do mundo real. Eu passava cada dia mais tempo na casa do meu ex-namorado. E isso resultou no bebê. Ou melhor, tinha resultado.

Daayene trabalhou num clube de strip por pelo menos dois meses, tentando ajudar nossos pais. Ela falava que era monitora do curso de inglês. Não a culpava, o dinheiro era vantajoso. Até ela ser levada á “seção de prostituição” do clube e ter trabalhado lá por pelo menos um mês. Eu só conseguia sentir a dor que ela deve ter sentido, tendo apenas 15 anos e tendo homens nojentos rasgando suas roupas e fazendo coisas nojentas.

Anna não fazia nada. Ela olhava eu e minhas irmãs piorarem nossas vidas a cada dia, com segredos escondidos dos nossos pais. Ela tinha segredos de nós também. Sempre tão calada, tímida e quieta, ela acordava cada dia mais tarde pra ir pra escola. Ela não achava energia pra fazer as coisas, e se auto-mutilava.

Eu nunca ia entender como era passar por aquilo, sendo que eu nunca havia passado. Eu só sei que doía meu coração.

E então meus pais se viraram pra mim. E tudo virou preto de novo.

Eu não precisava ver mais pra me lembrar do que tinha acontecido. Meus pais perguntando o que tinha acontecido, eu falando da perda do meu filho. Eles nos expulsando de casa, por mais que com os corações partidos. Nós 4 sermos mandadas pra casa da nossa tia, e vivido lá.

Até agora. Não podia dizer que essa vida era pior do que a que a gente viveu por todo esse tempo.

Mas nós nunca estivemos sozinhas. Desde daquela época, sempre pudemos contar uma com as outras.

Acordei com alguém colocando uma toalha quente por cima da minha testa. Quando abri meus olhos, eu estava na cama do meu quarto. Nikki estava ajoelhada do meu lado, cuidando de mim.

—Ah, você finalmente acordou- Nikki sussurrou, olhando pra mim com um carinho bem discreto nas orbes vermelhas- Parecia que estava tendo um pesadelo. Você tá bem?

Olhei pra ela, indignada:

—Você viu que eu estava tendo um pesadelo e não me acordou?

—Não me culpe!- Nikki jogou as mãos pra cima em sinal de defesa. Só então eu percebi como seus braços eram malhados- Eu me preocupei mais com você sobrevivendo!

Ela então se deitou do meu lado, e eu suspirei pesadamente.

—Melhor?- Nikki perguntou, sua voz grossa ecoando nos meus ouvidos.

—Melhor agora- Respondi, tirando cabelo da minha cara- Agora eu sei como deve ser uma porcaria ser mordida por um ano inteiro.

Nikki riu com vontade:

—Você nem imagina. Meu noivo me tratava como um pedaço de carne.

—Pelo menos você seria um pedaço de carne maravilhoso pra ele.- Eu comentei, levando um soco de leve da menina- Eu tô falando sério! Por falar nisso, quem era seu noivo?

Ela sorriu de canto, seu olhar suavizando:

—Shu Sakamaki. Um maldito idiota.