Narração Sofie

Assim que eu vi que todas as luzes da casa haviam se apagado, eu me sentei na cama.
Faziam exatos dois dias que as Hudison haviam ido embora da Mansão Sakamaki. E exatos dois dias que nenhuma de nós seis saía do quarto de Lilith.
Durante o dia, já ouvimos sermões e vários gritos de Kanato mandando Sarah sair do quarto e lidar com seus atos. Também ouvimos Laito e Ayato praticamente demandarem que nos déssemos sangue pra eles. Subaru quebrando paredes. Shu pedindo por obrigação para que nós destrancassemos a porta. E Reijii pedindo pros meninos nos deixarem sozinhas por um tempo.
Era quase como se vivêssemos em cativeiro. Durante a noite saíamos pela janela e pegavamos comida da cozinha para durar por um dia inteiro. Não saíamos do quarto de Lilith pra nada. Eu, Lua e Nikki dormíamos na cama, Sarah e Victoria dormiam no sofá e Marie num amontoado de vários cobertores e colchas no chão. E nós passavamos o dia inteiro praticamente em silêncio.
E, graças á Reijii, os meninos eram proibidos de se teletransportarem pra cá.
É claro que a saudade das Hudison invadia bastante o quarto, principalmente durante a noite. Mas nós conversávamos por mensagem bastante ainda, e elas nos passavam a matéria da escola e faculdade (já que, claramente, nenhuma de nós seis estava indo estudar).
E era exatamente por isso que eu estava acordada.
Anna havia mandado uma mensagem falando sobre o papel de assinaturas para a Patrulha das Mulheres que estava com elas. Minha missão? Ir até a Mansão Mukami e pegar o papel para nós seis assinarmos e mandarmos direto pro KarlHeinz.
Coloquei os pés no chão, com cuidado para não acabar acordando minhas irmãs. Peguei um grande casaco de Marie que estava no chão e o coloquei no corpo, cobrindo grande parte da roupa. Perto da mesa de canto, havia alguns bilhetes :
"Sofie, a chave do carro está no banco do passageiro. Toma cuidado com ele e tenta não fazer barulho, por favor. E boa sorte - Mah"

"Sofie, boa sorte indo pras Hudison, lembra de falar pra elas que eu mandei um beijo e um cheiro! -Vic"

"Sôh, espero que dê tudo certo lá e que nenhum dos meninos te vejam! Vai dar tudo certo!- Sah"

"Eu vou te desejar boa sorte, mas já sabendo que vai dar tudo certo porque com você ninguém mexe! Boa sorte, irmã- Nikki"

"BOA SORTE SISTER, MOSTRA PROS SACANAS QUEM É QUE MANDA!- Sua irmã mais linda e simpática, Lua"

Não pude deixar de sorrir quando vi a caligrafia das minhas irmãs nos cinco pedaços de papel. Mesmo não falando, nós estávamos juntas até nas horas mais difícieis.
Peguei um lençol que estava separado e amarrado, o pendurei pela janela que já estava aberta. Sem pensar muito, eu segurei no mesmo e desci com certa facilidade por lá.
Praticamente pulei dentro do conversível, sentindo minha respiração ficar mais forte quando percebi que eu ia dirigir de verdade pela primeira vez.
Ah, que se dane. Não é hora de eu ficar pensando nessas coisas.
Peguei a chave no banco do passageiro, a posicionei e girei. Assim que senti o carro ligar, joguei a cabeça pra trás num sinal de "seja o que Deus quiser" e coloquei as mãos no volante.
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A viagem até a Mansão Mukami, por si só, foi até que tranquila. As ruas estavam escuras e vazias, e a escuridão da madrugada me deixava com um sentimento horrível dentro de mim mesma. Apesar de eu estar relativamente calma, ainda existia uma parte dentro de mim que estava me questionando sobre o que as Hudison podem ter passado só por voltarem pra lá.
Respirando fundo, estacionei o carro e coloquei os pés no chão. Eu me sentia realmente estranha de estar naquela casa de novo depois de... Tanto tempo.
Andando calmamente em direção da porta, me encolhi com o frio. Ou talvez só de nervoso, ainda não sei. A única coisa que eu conseguia entender era que o jeito que meu coração estava batendo forte não era bom sinal.
Bati uma única vez na porta, sentindo minhas mãos começarem a tremer.
Quem abriu a porta foi Daay. Ela estava usando um moletom amarelo grande demais pro seu corpo, e os cabelos castanhos-claro estavam num coque bagunçado. Percebi o jeito que seus olhos brilharam quando ela me viu:
—Sofie! Você veio!
—É claro que eu vim- Eu sussurrei,e Daayene pareceu entender que devia fazer o mesmo- Nós não podíamos deixar vocês de lado.
—Por favor, parem de causar uma cena logo na entrada da casa- Priya nos interrompeu, não deixando de sorrir quando se aproximou de mim.
—Ai, sua sem coração!- Daayene revirou os olhos- Não é minha culpa se você não sente saudade das Herbert.
—T-todas nós sentimos- Anna surgiu no meio das duas, e Priya envolveu um braço em torno da irmã mais nova- M-mas o que Priya quer dizer... É que não temos m-muito tempo pra reencontros.
—Isso é verdade- Eu concordei- Os meninos estão dormindo?
—Menos o Azusa- Priya brincou com as pontas do cabelo- Mas ele sabe que você veio pra cá. Acho que ele não tem ideia do que significa fazer nós ficarmos juntas.
Caos. Nós dez juntas causávamos puro caos.
—O papel tá no quarto da Brunna- Anna comentou, percebendo meu olhar distante- Pode ir lá, a gente toma conta aqui de baixo.
Concordei com a cabeça, e então subi de fininho a escadas.
Praticamente prendi a respiração quando cheguei no segundo andar, no andar dos quartos dos meninos. Azusa estava parado no corredor, mas simplesmente me deu um aceno que eu respondi na hora. Voltei a subir os degraus.
Assim que cheguei ao terceiro andar, me dei a liberdade de respirar de novo. E então me dirigi ao quarto de Brunna. O quarto que nós chegamos a dividir.
Bati na porta de forma extremamente fraca. E logo depois abri.
O que eu achei foi uma Brunna sentada no sofá, com um livro entre as mãos. Os cabelos loiros dela estavam bagunçados, e ela usava uma camisola preta coberta por um casaco.
—Sofie!- Ela colocou o livro na mesa de canto e correu pra me abraçar. Não retribui o abraço por alguns segundos, antes de suspirar e abraça-lá de forma fraca.
Eu realmente não gostava de abraços.
—Oi pra você também, Brunna- Eu suspirei, assim que ela se separou de mim.
—Ah, esqueci que você não gosta de abraços, desculpa- Brunna mordeu o lábio, os olhos azuis brilhando com uma certa... Tristeza- Você veio só pegar o papel... Né?
Me senti automaticamente culpada por ter agido daquele jeito.
—Sim, mas eu também senti saudades de vocês quatro- Olhei brevemente pra distância, percebendo algumas coisas pequenas minhas que haviam ficado no quarto- Eu perdi minha única companheira de assuntos cdf's por uma única semana.
Ela riu com meu comentário, concordando:
—Exatamente. Com quem eu posso conversar sobre livros se não com você?
Eu revirei os olhos. Eu não era lá uma grande fã de literatura, mas eu adorava ouvir Brunna falar sobre todos os livros que ela amava.
Senti meu coração voltar a bater rápido demais com uma certa dor.
Eu tinha que voltar.
Brunna pareceu perceber meu olhar triste e colocou uma mão em meu ombro:
—Ei, relaxa. Vocês vão ficar bem. A gente ainda pode ligar umas pras outras e mandar mensagem, né?
—Não é exatamente com isso que eu e minhas irmãs estamos preocupadas- Respondi sinceramente- Fala sério,passamos no máximo uns dois ou três meses aqui. Mas mesmo assim não sabemos muito sobre o que os Mukami são capazes de fazer com vocês, não é?
—Eh... Quanto a isso...-Brunna corou,e eu me senti ficando automaticamente preocupada.
O que diabos ela tinha aprontado dessa vez mais?
—Antes que você fique preocupada, eu só andei conversando bastante com o Ruki esses duas- Ela continuou, e eu cruzei meus braços- Ele machucou o peito quando aqui foi atacada. E ele falou que ele tem que manter nós dez vivas, á pedido do KarlHeinz. E ele me abraçou enquanto contava algumas coisas sobre a vida dele pra mim, mas isso é a outra história.
Passamos alguns segundos em silêncio.
—Para com isso- Brunna demandou de repente.
—Isso o que?- Eu perguntei, realmente confusa
—Eu sei lá- Brunna olhou seriamente pra mim- Você tem todo esse olhar de quem está me julgando silenciosamente ás vezes.
—Eu não faço isso!- Eu arqueei a sobrancelha.
—E quando você arqueia a sobrancelha, fica ainda mais nítido seu deboche e julgamento- Brunna suspirou, e depois pegou um papel e me entregou- Enfim, cá está. Lembra que você tem que passar pras suas irmãs assinarem e só depois você pode entregar pro Rei KarlHeinz.
—Não se preocupe- Eu lambi os lábios, olhando pra folha em minha mão- Eu pretendo enviar a folha pro Rei assim que nós terminarmos de assinar. Tem uma caneta pra mim?
Ela pegou uma caneta que estava perto de seu livro, e me entregou-a.
Girei a caneta entre meus dedos por alguns segundos, vendo as assinaturas nas primeiras quatro linhas por alguns segundos.
É, aparentemente já era hora de fazer algo de verdade.
Na quinta linha, assinei meu nome de forma bem decidida.
Brunna de repente segurou minhas mãos:
—É melhor você ir agora, antes que alguém...
—Olha só quem está aqui- Eu ouvi a voz de Ayato, e saltei pra longe de Brunna quando vi ele na janela- Tch, Chichinasi achou que ia conseguir escapar fácil.
—Como.... Como você me achou?- Eu perguntei, mordendo o lábio.
—Eu vi você saindo com o carro da sua irmã, idiota- Ayato respondeu bruscamente. E isso só me fez pensar que ele estava o tempo todo olhando pro jardim para me ver- E claro,você tinha que ver sua namoradinha aqui.
—Quanto a isso...- Brunna começou, mas parou sua linha de pensamento quando viu ele segurando meu pulso- Ei, ninguém te deu permissão de tocar nela assim!
—Eu não vou me segurar só porque ela é sua namorada, Tch.- Ayato estalou a língua.
—Isso não é questão dela ser minha "namorada"- Brunna respondeu, colocando as mãos na cintura- É questão de que ela é um ser vivo e você está claramente machucando ela segurando-a assim.
Ayato olhou pra mim, como se esperasse alguma confirmação. Eu apenas acenei com a cabeça e ele foi rápido em me soltar.
E então a porta se abriu:
—O que está acontecendo aqui?
Ruki estava parado na frente do quarto, e fechou a porta atrás de si quando nos viu:
—Brunna, você poderia se explicar?
Percebi que a loira engoliu em seco, então eu tomei a liberdade de falar:
—A culpa não foi da Brunna, Ruki. Eu vim pra cá pegar algumas coisas que eu havia deixado aqui, mas uma CERTA PESSOA resolveu me seguir.
—Oy!- Ayato esbravejou, cruzando os braços- Como ousa falar com Ore-Sama assim?
—Eu sinto muito, Ruki- Brunna disse, olhando pra mim receosa- Não foi nossa intenção causar esse tumulto.
—Eu imagino que não- Ruki suspirou, as mãos passando pelo seu cabelo preto- Irei livra-la de uma punição dessa vez, mas esteja avisada que da próxima vez eu não serei tão bom com você.
Cruzes, ele parecia o Reijii com esse papo de punição.
—Então agora você vem comigo, Chichinasi- Ayato pegou minha mão de novo, me olhando com certa raiva- E melhor se despedir da sua namorada.
Por que eu estava me escondendo?
Será que, dentro de mim, eu tinha medo do que os Sakamaki poderiam fazer comigo se eu me mostrasse de alguma forma indefesa?
Até onde eu planejava ir com aquela desculpa esfarrapada de namorar Brunna? E pra que exatamente eu estava fazendo aquilo?
—Em relação a isso, Sakamaki- Eu o parei, fazendo seu olhar se encontrar ao meu- Eu acho que você deveria saber de uma coisa.
Ayato estreitou os olhos, e eu me senti tentada a olhar para Brunna e Ruki, mas mantive meu olhar firme no rapaz em minha frente:
—Eu e a Brunna... Nós não somos um casal de verdade.
—O quê?!- Ayato parecia confuso, e até chocado. Senti meu corpo quase queimar pela situação vergonhosa.
—Eu e a Brunna- Eu repeti, dessa vez com pausas maiores entre as palavras-Nós na verdade nunca namoramos, e foi tudo um fingimento.
Ayato passou alguns segundos em silêncio.
—Você tá me falando- Ayato parecia furioso, seu olhar verde me queimando inteira- Que você e sua "amiguinha" mentiram pra nós por... Cinco meses e meio?!
—É, basicamente isso- Eu concordei, mexendo minhas mãos de forma nervosa.
—Antes que você a questione, eu acho que te devo uma explicação- Brunna nos interrompeu, se colocando na frente de Ayato- Olha, lá no mundo humano é até que comum que, quando as meninas vão pra balada e tem uns caras chatos enchendo o saco delas, elas falem que estão namorando suas amigas pra eles a deixarem em paz. Isso é ridículo, mas foi um instinto meu pra defender a Sofie.
—Então vocês estão me comparando a um cara chato?- Ayato arqueou uma sobrancelha.
—É, na verdade sim- Brunna deu de ombros- Mas... Esse fingimento foi muito importante pra mim. Se não fosse por ele eu talvez não teria conquistado toda essa cumplicidade e parceria que eu tenho com a Sofie COMO AMIGA.
—Vocês são perigosamente sinceras- Ruki suspirou, olhando pra nós duas- Eu me perguntava quando vocês iam contar pra todos a verdade.
—Você está brincando que até esse Mukami ridículo sabia e eu não?!- Ayato brigou de novo, e eu revirei meus olhos:
—Os únicos que não sabiam eram você e seus irmãos, Sakamaki.
Ayato bufou, e nós fomos interrompidos por um toque de relógio.
—Acho que você já deveria ir, Sofie- Ruki comentou, olhando pra mim- A Lua já está ficando azul.
Olhei para a janela, e percebi que era verdade o que ele estava falando. Mesmo não entendendo muito bem o que aquilo significava, eu concordei com a cabeça.
Brunna me abraçou forte:
—Boa sorte lá com os meninos. E diga pra suas irmãs que eu disse "Oi" e que minhas irmãs sentem saudade delas.
—Não se preocupe, eu irei- Me desvincilhiei do abraço e apertei um pouco as mãos de Brunna-Então, eu acho que isso é... Um Adeus?
—É, parece que sim- Brunna sussurrou, e então piscou algumas vezes- Ah, Sofie Herbert! Vai embora antes que eu comece a chorar!
Dei uma risada baixa, antes de me virar pra Ayato.
O ruivo já estava em pé na janela, como se esperasse algum tipo de manifestação minha:
—Oy, Pronta pra ir, Chichinasi?.
—Como eu sempre estarei- Suspirei, e então segurei a mão que ele estendeu pra mim.
Quando eu pisquei, estávamos em frente do carro de Marie.
Enquanto Ayato se acomodava no banco do passageiro, eu dei partida no carro e coloquei as mãos no volante.
—Esse caro até que não é tão ruim- Ayato resmungou,e eu olhei pra ele quando pisei um pouco no acelerador e o carro começou a se movimentar- Tch, Chichinasi, como aprendeu a dirigir?
—Meu pai me ensinou quando eu tinha uns catorze anos- Eu respondi automaticamente, sob o olhar curioso de Ayato- Ele ensinou pra mim e pra Sarah, mas acaba que ela gosta muito mais de moto do que de carro.
—Não consigo imaginar Sarah andando de moto- Ayato riu com certo desprezo- Ela parece o tipo de garota que ia se assustar com tudo.
—Então você não conhece minha irmã direito- Eu sorri pra mim mesma- Ela é bem mais que isso.
Coloquei o papel em meu bolso, e o apertei dentro do mesmo. Senti meu coração disparar mais uma vez, doendo a cada vez que eu tentava acelerar mais um pouquinho. Eu já sentia minha garganta seca tendo dificuldades pra engolir a saliva, e percebi minhas mãos tremendo no volante.
Aparentemente, eu não fui a única a perceber isso, já que Ayato olhou pra mim preocupado:
—Oy, Chichinasi! O que está acontecendo?
Dessa vez, não tinha nenhum tipo de fogo ou calor. Só o sentimento horrível que algo ruim podia acontecer.
E que eu estava sozinha.
—Oy!- Ayato, apesar de parecer querer soar confiante, estava claramente meio nervoso- Por que está ignorando Ore-Sama?
Eu parei o carro no acostamento, batendo minha cabeça no volante repetidas vezes para tentar me impedir de chorar.
—O-OY- Ayato me segurou, e me obrigou a olhar pra ele para que eu parasse de me agredir- Chichinasi está tendo... Uma crise?
Não respondi, apenas me afundei na cadeira e tentei olhar pra algo que não fossem os olhos verdes de Ayato.
Ficamos em silêncio por algum tempo, até o garoto quebra-lo:
—A sua mãe... Como ela era?
Eu finalmente olhei pra ele, arqueando a sobrancelha.
—Com licença?- Engasguei na própria saliva.
—Oy, não venha rir de mim- Ayato resmungou- Você sempre parece se acalmar quando fala da sua mãe, por isso eu tive essa ideia.
Sorri pra mim mesma. Ayato, mesmo que levemente idiota às vezes, era bom em fazer as pessoas ficarem bem quando queriam.
—Ela era... Incrível- Eu abracei meus joelhos, me escorando na porta- Eu era bem novinha quando ela... Você sabe. Mas eu lembro da minha mãe sendo extremamente carinhosa, sincera, aventureira, talentosa, inteligente... E ela cantava muito bem também.
—Ela morreu de que mesmo?- Ayato perguntou, lambendo os lábios.
—Ataque cardíaco.- Eu dei de ombros e olhei pro céu- De vez em quando eu ainda sinto saudade dela... Mas aí eu lembro que ela odiaria me ver assim, e fico melhor.
Joguei os cabelos pro lado. Eram várias às vezes que eu me perguntava se minha mãe estaria orgulhosa de onde eu e minhas irmãs chegamos. E por mais que, quando eu colocasse esses sentimentos pra fora, minha irmã sempre me dissesse que ela estaria morrendo de orgulho, eu tinha algumas das minhas dúvidas.
—E a sua mãe?- Eu me peguei perguntando- Eu sei que ela não era das melhores, mas... Me conta mais.
Quando eu vi o olhar de Ayato tremer, me arrependi amargamente da pergunta:
—Não precisa responder se não quiser...
—Eu respondo!- Ayato falou algo demais, claramente nervoso- É só que... A minha mãe não era das melhores, e eu quase nunca via meu pai quando eu era pequeno. Parece surreal pra mim que alguém no mundo tenha uma família tão carinhosa quanto a sua.
Pela postura dele, dava pra ver que ele nunca tinha contado isso pra alguém.
E como eu podia culpar ele? Eu já tive uma péssima experiência com a mãe dele, o pai dele é um babaca mentiroso, e ele com os irmãos mal se falam.
Era quase o oposto da minha família: Minha mãe, apesar de ter morrido cedo, sempre cuidou de nós. Nossos pais sempre nos criaram maravilhosamente, e nós tínhamos um relacionamento invejável. Eu não conseguia me colocar no lugar dele, mas conseguia imaginar como ele se sentia.
Me lembrei do que Daayene havia nos contado sobre o sonho dela, e me senti contorcer de agonia por dentro.
—Eu que matei minha mãe- Ayato falou de repente, e eu me senti congelar por alguns segundos- Eu e meus irmãos. O que ela fez comigo já era ruim, mas quando eu descobri o que ela fez com Laito...
Ele fechou o punho com força, e eu senti uma confusão misturada com uma certa Piedade do garoto.
—Eu suguei o sangue dela até ela ficar fraca naquela noite- Ayato continuou, seu olhar indo para a estrada- Ela correu até Laito, pedindo ajuda e falando que o amava. E ele a jogou da sacada da nossa casa, e quando Kanato a encontrou para cremá-la, ela já estava sem coração.
—Deixa eu adivinhar, o pai da Lilith tirou o coração da sua mãe pra colocar nas noivas de sacrifício?- Eu palpitei, e Ayato concordou com a cabeça.
Eu quase tive dó de como Ayato parecia indefeso naquele momento. Ele tinha literalmente engolido o orgulho dele pra... Desabafar... Comigo.
Quem diria que esse dia ia chegar: Onde Sofie Herbert e Ayato Sakamaki trocavam experiências de vida.
Ele parecia querer se explicar, falar alguma coisa.
Sem pensar muito, me peguei passando as mãos no cabelo ruivo de Ayato.
Uau, era ainda mais macio do que o da Vic. O que diabos esse menino passa no cabelo?
—Não se preocupe, Sakamaki- Eu sussurrei, me curvando mais na direção dele- Você não precisa me contar tudo agora. Tome seu tempo.
Ayato olhou pra mim, com as orbes verdes arregaladas. Principalmente depois de perceber que, graças a eu ter me curvado pra ele, estávamos com os rostos extremamente próximos um do outro. O suficiente para eu já sentir o hálito dele bater em minha face.
E, claro, eu estava com a mão no cabelo dele.
Porém, um uivo fez com que nós dois nos sentassemos de novo no carro.
—O que está acontecendo?- Eu perguntei para Ayato, que respondeu "Não sei"- Foi uma pergunta retórica. Mas obrigada pela sua participação, Sakamaki.
Saí do carro, batendo a porta, para ver o que estava acontecendo.
E eu me assustei quando vi lobos nos cercando. Os malditos lobos demônios.
Lembrando o que eles fizeram com Anna me fez ficar com medo, e quase nervosa.
—Sakamaki, você tá falando sério que vai ficar aí dentro do carro enquanto eu tô sozinha aqui?- Eu perguntei, me sentindo recuar e escorar no capô do carro quando um dos lobos rosnou pra mim.
—Oy, Chichinasi, foi você que decidiu sair do carro- Ele respondeu amargamente- Além disso, eles parecem estar procurando por você.
Eu me ajoelhei lentamente, olhando nos olhos do bicho.
Ok, primeira regra pra sobreviver com animais silvestres: Ganhar confiança deles.
Se bem que esses lobos não eram BEM animais silvestres, mas dá na mesma.
O lobo pareceu se acalmar e deu uma recuada. Porém, no lugar dele, um lobo maior e diferente apareceu.
Esse tinha o pelo levemente puxado pro rosa, os olhos dourados com um deles sendo coberto por um tapa-olho. Além disso, ele também era o maior da matilha.
Num inverno rigoroso, um lobo solitário morre, mas a matilha sobrevive. Por isso ela deve ficar sempre unida, não importa o que aconteça.
Quando me lembrei da filosofia de Chronos, senti meu corpo tremer. Eu estava mais pra loba solitária, já que minha matilha não estava por perto.
O lobo maior pareceu olhar pros outros, e depois começou a tentar me puxar pela barra da minha calça.
Vendo que eu estava sendo arrastada, tentei ao máximo me segurar na ruas(sem sucesso algum). Contei até cinco e me levantei rapidamente, só pra ser recebida com uma mordida na panturrilha.
Gani de dor, e caí perto do carro. Foi então que eu ouvi muitos uivos.
Em minha frente, parou um lobo diferente. Azul escuro, relativamente menor que o resto dos lobos.
Ele começou a rosnar e a uivar pros outros lobos, como se tentasse ameaça-los.
—Jack...son?- Me peguei sussurrando,e então o lobo se virou pra mim e me olhou quase com dó com aqueles olhos azuis.
Fiz um afago de leve na cabeça do lobo azul.
Assim que outro lobo brotou de trás da árvore. Esse era bem maior do que o que havia me defendido, e tinha o pelo e os olhos marrons. Ele emanava um poder incrível, e rosnou para os lobos acinzentados.
Após um assobio vindo da distância,os acinzentados e o que parecia ser seu líder foram embora.
Eu olhei para o lobo azul e o marrom, como se eu agradecesse pela defesa. Ele só saíram correndo pelas árvores como resposta.
Me levantei com dificuldade, e arqueei a sobrancelha quando vi que Ayato estava no exato mesmo lugar:
—É sério isso?
—Você tem noção do quanto esses caras me odeiam,Chichinasi?- Ayato me perguntou enquanto eu me sentava de novo no banco do motorista- Imagina o que eles tentariam fazer com você se eu me metesse no meio.
Respirei fundo como resposta, ligando o carro e pisando no acelerador.
Coloquei as mãos no volante, enquanto me distraia da dor na panturrilha.
—Oy, Chichinasi-Ayato me perguntou no meio do caminho- Por que você e suas irmãs se trancaram no quarto da Lilith?
—Porque a Sarah queimou o Teddy e se ele ver alguma de nós provavelmente vai querer nos queimar vivas- Respondi sinceramente, apertando minhas mãos no volante- E nós obviamente não vamos querer isso.
—É óbvio que ele não vai matar vocês- Ayato tentou me confortar- Talvez machucar gravemente, mas não matar.
—Uau, obrigada pelo seu apoio- Ironizei, pisando um pouco mais no acelerador.
Assim que paramos o carro, Ayato me ajudou a me levantar. Apesar de eu dizer pra ele que não tinha necessidade, ele falou que era a tarefa dele cuidar de sua propriedade.
Assim que entramos na sala, todos estavam lá.
—Ah, finalmente você chegou!- Marie olhou pra mim- Eu já estava começando a ficar preocupada e-O QUE É ISSO NA SUA PERNA?
Todas as garotas olharam pra minha panturrilha juntas. Sarah e Nikki me ajudaram a sentar entre elas.
—Os lobos...- Eu respirei pesado- Eles voltaram e fizeram isso. Enfim, o que eu perdi?
—Ah, nada demais, só estávamos fazendo uma intervenção para nós paramos de nós trancar no quarto por medo do Kanato- Victoria explicou, esticando os braços atrás de si.
—Isso não foi um intervenção- Reijii negou.
—Com certeza foi uma intervenção- Shu suspirou- Podemos ir embora? Já acabamos o assunto.
—Eu ainda não ouvi a garantia de que nenhuma de nós vai ser esganada quando dormirmos- Lua levantou as mãos em sinal de redenção.
Kanato olhou pra Sarah, quase apertando o nada:
—Você me deve cookies pro resto da sua vida.
—Ai, obrigada, deuses!- Sarah parecia aliviada- Eu queria realmente viver até o primeiro ano da minha faculdade.
—Por falar em faculdade, vocês vão fazer vestibular esse ano, né?- Nikki perguntou, olhando pra mim e pra Sarah- Como estão?
—Eu vou cursar Engenharia Civil na Universidade de Okyo- Respondi, me apoiando no ombro da de cabelos azuis- E Sarah vai fazer Artes Plásticas.
Sarah sorriu timidamente, concordando com a cabeça.
—Aquelas suas amigas Brenda e Priscila também vão fazer vestibular, né?- Subaru perguntou, brincando com o pingente de rosa vermelha.
—Eh, quem?- Marie questionou, confusa.
—É assim que ele chama a Brunna e a Priya- Lua explicou, apertando seu pingente de rosa branca- Brunna não vai prestar, ela não quer fazer faculdade por enquanto. E Priya vai prestar para sair do curso de Ciências da Computação e entrar no de Artes Cênicas.
—Por falar nelas, já viram que a casa tá bem mais silenciosa?- Ayato perguntou.
—E bem mais vazia também~~ Elas eram tão divertidas- Laito suspirou, e eu não pude deixar de olhar pro teto no meio de uma respiração profunda.
É, a casa estava bem mais vazia e silenciosa sem as Hudison por perto.
Eu me pergunto quando a gente vai ver elas pessoalmente de novo.
Minha matilha têm quatro membras faltando.
Quando será que ela vai se completar?