Organizar meus sentimentos!” Orihime continuava a repetir para si mesma enquanto caminhava pelas ruas de Karakura, no fim de tarde. Por mais que tentasse se manter positiva quanto a isso, não conseguia afastar a sensação de que não seria tão fácil assim. Por onde deveria começar?

Deveria ser por Ichigo, certo? Ela o conheceu primeiro e seus sentimentos por ele existiam já há tanto tempo. Levantou seu olhar, observando o céu já alaranjado do pôr do sol e ao sentir a brisa suave em sua pele e balançar as longas madeixas ruivas, foi fácil lembrar de quando o tinha conhecido.

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Primeiro dia de aula. Havia acabado de começar na escola secundária e o simples fato de conhecer apenas Tatsuki nessa nova parte de sua vida, já era aterrorizante o suficiente. Sentia-se nervosa e ansiosa, como as pessoas seriam lá? Faria amigos rápido? Os estudos seriam muito difíceis?

Nem mesmo a linda paisagem do farfalhar das cerejeiras na primavera podia lhe tranqüilizar agora, mesmo sabendo que teria Tatsuki ao seu lado. Respirou fundo antes de entrar na sala, nunca se sentira tão nervosa antes, e o fato de Tatsuki e ela estarem em salas diferentes não necessariamente ajudava muito.

Respirou fundo uma outra vez, teria que fazer isso mais cedo ou mais tarde. Contudo, antes que de fato, tivesse a chance de abrir a porta, sofreu um impacto que logo a levou ao chão. Confusa, não podia imaginar o que acontecera antes de levantar sua vista e finalmente ver um jovem de rebelde cabelo laranja e nem perto do quão alto era agora. Ele tinha as sobrancelhas franzidas e Orihime não pôde evitar em se assustar um pouco, ele parecia um rebelde.

–Foi mal.- Ele se desculpou lhe oferecendo a mão para que levantasse. Apesar de um pouco relutante, Orihime aceitou e logo depois dele, finalmente entrou na sala.

Até então tudo o que sentia por ele era a simples simpatia que ela tinha por todos e ainda um pouco de receio, pois não era um equivoco em intitularem Kurosaki Ichigo, um encrenqueiro. Ele estava sempre, de alguma forma, relacionado à brigas e confusões de todo tipo.

Quando as coisas começaram a mudar? Era difícil lembrar de um momento ao certo no qual se apaixonou por ele, afinal, esse tipo de coisa deve acontecer aos poucos. Lembrava contudo de como deixou de temê-lo ao saber que ele e Tatsuki eram grandes amigos e ela teve a chance de conhecê-lo melhor. Mas, mais significante que isso, a forma como ele foi gentil com ela depois da morte de seu irmão, e então...

No fim de tarde, como esse, ela voltava para casa quando viu uma confusão. E ao aproximar-se, ainda que um pouco receosa, teve a confirmação, como esperado Ichigo estava no meio da briga, e apesar daquilo não ser surpresa, descobrir que ele estava na verdade defendendo um garoto mais novo, certamente a surpreendeu. Aquele lado do Ichigo estava agora visível para ela e a partir disso as coisas começaram a mudar.

Orihime começou a ver mais esse lado dele em tudo o que fazia, ele parecia ter sempre uma boa razão para entrar numa luta, ou melhor quase sempre, as vezes eram apenas lutas contra os valentões de outras escolas que queriam impor sua autoridade.

Mas mesmo assim, conforme os anos iam passando, seus sentimentos pareciam apenas crescer cada vez mais. E finalmente, ela havia decidido que se declararia à ele. Tinha planejado tudo, o que diria e até mesmo tinha preparado biscoitos especialmente para ele.

Estava pronta, frente a escola, no fim de tarde. Nervosamente ensaiava em sua mente enquanto esperava que Ichigo saísse. Suas mãos estavam frias e até mesmo estava nauseada pela ansiedade de finalmente poder dizer-lhe o que sentia.

Até que ele enfim saiu. “É agora!” pensou consigo mesma, caminhando firmemente em sua direção.

–Kurosaki-kun!- Ela chamou fazendo com que ele se voltasse para ela.

–Inoue? O que houve?- Ele perguntou, enquanto curiosamente e talvez até preocupadamente lhe observava e esperava que dissesse algo. “É agora!” ela repetiu mentalmente para si mesma enquanto tentava dizer alguma coisa.

Não conseguia, sua mente estava em branco e as palavras pareciam simplesmente não funcionar. Por que aquilo estava acontecendo? Ela havia treinado tanto, se preparado tanto. E mesmo assim... Não conseguia dizer o que queria e quanto mais olhava nos olhos do ruivo mais sentia-se como se apunhalasse a si própria. Suspirou, não tinha jeito, era impossível.

–Não é nada, desculpa.- Ela forçou o melhor sorriso que pôde.- Até amanhã.- Despediu-se e tão logo seguiu seu caminho para casa.

Como podia ser tão estúpida? Como podia ser tão fraca? Só precisava dizer algumas palavras e então... mesmo que não tivesse uma chance com ele, ao menos ele saberia de seus sentimentos, ao menos não teria que carrega-los e tê-los sufocando-a por mais tempo. Mas não pôde, não conseguiu e não sabia se algum dia de fato conseguiria fazê-lo.

E então, finalmente parecia ser tarde demais. A chegada da aluna transferida, Rukia Kuchiki, que a principio parecia algo cotidiano e não necessariamente lhe afetava em nada, lhe fez encarar outra realidade. Orihime sempre foi amigável e acolhedora e com uma personalidade tão forte e gentil que Rukia trazia, elas tão logo se deram bem. Mas com o passar do tempo, a proximidade entre Kurosaki e Kuchiki parecia tão forte. Eles passavam a maior parte do tempo juntos, fosse em projetos de escola, na hora do lanche e até mesmo iam e voltavam da escola juntos.

Orihime sentia como se agora de fato fosse tarde demais. Assim como seus colegas de classe notavam e comentavam do relacionamento entre eles, Orihime não só sentia o mesmo como lhe machucava mais do que ela pudera imaginar. Agora podia apenas culpar a si própria por ser tão fraca antes, pois naquele momento, enquanto caminhava para casa e via, pouco à frente Rukia e Ichigo andando e rindo, conversando, a forma como se olhavam de vez em quando, tão próximos, sabia que sua chance estava perdida.

Continuou a caminhar, mesmo que agora já não importasse para onde estava indo. Sentia seu coração pesado, tanto quanto as nuvens escuras no céu, não agüentaria por muito mais tempo, sentou-se num banco do parquinho pouco à sua frente. E sentiu aos poucos, seu mundo despencar em forma das lágrimas que agora, passariam despercebidas por entre as gotas de chuva.

Foi somente depois de acalmar-se, quando notou que não estava sozinha. No banco frente ao seu, o rapaz de cabelos negros e pele pálida, parecia aproveitar a chuva, de olhos fechados, enquanto as pessoas que passavam por lá lançavam, para ambos, olhares estranhos, como se fossem loucos em simplesmente sentar-se e deixarem-se molhar pela chuva. Foi a primeira vez que viu Ulquiorra.

De alguma forma, observá-lo e tentar imaginar o que podia tê-lo trazido ali naquele momento, lhe trazia algo novo para pensar, lhe distraía de seus próprios problemas, e era exatamente o que ela precisava.

A partir daí, as vezes que se encontravam eram mais constantes e em algum momento, mesmo que inconscientemente, ela passou a desejar e esperar por vê-lo em uma esquina ou praça qualquer, ele parecia surgir em sua mente com mais freqüência que os pensamentos e sentimentos que a estavam machucando, e isso lhe deixava aliviada. Ter algo novo para concentrar-se era tudo o que ela precisava, e agora ela finalmente tinha.

Mas seus sentimentos por ele? Como poderia explicar isso? Estar apaixonada por ele iria contra suas próprias crenças sobre o amor, ela acreditava que deveria acontecer aos poucos, como os raios de sol que surgiam por entre o breu da noite lentamente tornando-a em dia... Mas com ele, simplesmente parecia tomá-la por completo, rapidamente, impossível de conter, como um vulcão que esteve se preparando durante todo esse tempo, e agora estava pronto para explodir em chamas e ardente lava.

Sim, algo incontrolável, selvagem e poderoso como isso, era a unica forma que ela conseguia encontrar para pôr em palavras o que agora lhe tomava por completo. Não conseguia dizer ao certo o que estava sentindo, mas sabia com toda certeza que era mais poderoso do que ela esperava, mais do que já sentira antes.

Contudo, lembrava-se ainda do que acontecera na noite anterior. A forma como ele lhe afastava... Perguntava-se se ele sentia ao menos algo por ela, perguntava-se se seria certo persistir nesse enigmático e talvez até mesmo imprudente relacionamento que tinham agora, e mais ainda se ele desejava que o fizesse.

Deu-se por vencido. Planejava organizar seus sentimentos, mas ao invés disso, sempre que se tratava de Ulquiorra, parecia impossível de arrumar, impossível de pôr em ordem. Uma vez já em casa, resolveu ao menos, pôr em dia o sono que perdera na noite anterior.