"[...]When you feel my heat, look into my eyes, it's where my demons hide..."

Ainda desorientado, Ulquiorra caminhava pelas ruas de Karakura. Estava tão faminto, não conseguiria se controlar por muito tempo. Perguntava-se, o que teria causado tudo aquilo? Foi tão de repente.

Começou a repassar todo o dia em sua mente, tentando encontrar o exato momento onde tudo mudou.

Ele acordara como em todos outros dias. Havia ido ao mercado, e depois almoçar. Até ai tudo estava normal. O que aconteceu depois disso? Estava tudo tão confuso. Lembrava de decidir ver Orihime quando ela estivesse saindo do colégio. Mas depois... Sim! Ele havia ido até a cafeteria de Urahara Kisuke. Havia tomado um café comum, não havia nada de estranho nisso, mas... Mas foi depois disso que as coisas começaram a fugir de seu controle. Não pôde se controlar em perseguir a ruiva, deixar-se aproximar, e então agir como um rebelde incontrolável.

Mas o que causara isso? Não pode ter vindo do nada. O que teria sido? Havia algo no ar? Ou talvez... Talvez no café. Foi a única coisa que lhe veio em mente. Havia algo de estranho com a bebida e com Urahara, isso ele agora sabia com mais certeza.

Ele teria feito alguma coisa com ele! Urahara devia ter feito algo, e isso queria dizer que ele sabia de algo. Não era possível! Como o dono de uma cafeteria poderia saber sobre isso? Como poderia fazer alguma coisa contra ele?

Seus pensamentos começaram a ficar confusos. Ele estava perdendo o controle para a necessidade. Precisava antes de tudo resolver isso, e só então, lidar com Urahara. Passou a andar mais de pressa, mais furtivamente. A noite havia caído, mas ainda estava cedo, encontraria pessoas nas ruas.

Só precisava ser cuidadoso. Aguardava numa viela pouco movimentada, mais ainda naquele horário, era perfeito. E conforme o tempo passava, estava começando a ficar impaciente. A fome o consumia de forma bruta por dentro. Sentia suas veias queimarem. Seus músculos se enrijeceram como um verdadeiro predador, quando ouviu passos se aproximarem. Suas presas já estavam à amostra, seus olhos adaptaram-se a escuridão. Esperou silenciosamente. E então finalmente sua vitima estava próxima o suficiente.

Era uma mulher. Carregava consigo uma bolsa e sacolas de compras e estava distraída com o celular em mãos. Foi rápido. Tão logo pegou-a pelo braço, a encostou contra a parede, e enquanto tapava seus gritos com uma de suas mãos, lhe imobilizava com a outra. A posição deixou seu pescoço a amostra para que ele enfim pudesse cravar suas presas, rasgando sua pele, deixando o sangue escorrer.

A sensação era única. Não só o prazer de poder se alimentar, mas, até mesmo da vítima em suas tentativas frustradas de uma fuga e sua vida esvaindo-se aos poucos em seus braços, tudo aquilo lhe traziam uma satisfação inexplicável, imensurável.

Ela havia finalmente parado de se mexer, já não respirava. Ele a deixou despencar de seus braços, ainda sentindo toda a euforia do momento. Lambeu o excesso de sangue em seus lábios, mas antes que pudesse sair de lá, uma outra pessoa apareceu. Outra garota, essa parecia mais nova que a outra, ela vinha e parecia mais atenta, mais assustada.

–Milah! - Ela chamava enquanto, com passos incertos se aproximava.- Milah, você tá ai? - Ela devia estar procurando a outra, mas não podia ter encontrado momento pior para isso. Ele deixou que ela se aproximasse antes de percebê-lo. Ela aproximou-se mais e finalmente viu o corpo. - Milah! – A garota gritou em horror, e antes que pudesse escapar, ele a pegou.

Ele a encostou contra a parede, de frente para ele desta vez. Ela parecia estar assustada demais até mesmo para tentar gritar por ajuda – não que fosse adiantar muito de qualquer forma. Ele a olhou por um instante, sua feição estava vazia, como se soubesse o que estava para acontecer. Ele fez com que seu pescoço fosse revelado, sua pele era tão branca que com seus olhos que agora tinham um verde ainda mais brilhante, capaz de ver praticamente qualquer coisa, independente das barreiras que impediriam a visão humana, podia ver até mesmo a artéria pulsando. Podia ouvir as batidas de seu coração aterrorizado. E mesmo que apreciasse mais ainda quando a presa tentava escapar, dessa vez estava faminto demais e resolveu acabar com aquilo de uma só vez. Cravou suas presas e teve outra vez a sensação de êxtase ao alimentar-se de sua vida.

Ao terminar, parecia ter outra vez controle de si. Pegou um lenço que escapava de uma das sacolas de compras da primeira vitima. Limpou qualquer resíduo que pudesse haver em si. E pouco antes de sair olhou para suas vitimas. Mais especialmente para a segunda. Com seus cabelos e pele claros. Seus olhos castanhos, como Orihime.

Não. Não podia pensar nela agora. Ele saiu de lá e seguiu para casa. Precisava limpar seus pensamentos, pois, caso contrário, a fome voltaria, e dessa vez com um alvo determinado. Ele não queria que isso acontecesse, e essa era a razão de tentar tanto mantê-la longe. Não era como se ele pudesse explicar, mas simplesmente não sentia desejo de machucá-la. Não sabia porque, talvez pena, talvez compaixão, talvez alguma humanidade... Não, isso não. Há muito não era mais um humano, e orgulhava-se por não carregar mais esses sentimentos tão típicos dos lixos mortais.

De qualquer forma, precisava chegar em sua casa, afastar-se daquele lugar. Enquanto se aproximava, contudo, os pensamentos sobre a ruiva não lhe haviam deixado ainda e as conseqüências já começavam a fazer efeito. Sua garganta estava seca outra vez. Somente conseguia pensar nela. Em seus olhos castanhos e cheios de vida, seus cabelos ruivos e sedosos, seu sorriso, sua voz, seu aroma... E também sua pele branca, macia, quente. A sensação que o traria em poder finalmente experimentar seu sangue, correndo nas veias, quente.

Começara a perder o controle. Não podia deixar que isso acontecesse. Estava já frente ao portão do prédio em que vivia. Se ao menos conseguisse abri-lo, teria acesso às bolsas de sangue que guardava para emergência e dessa forma, voltaria ao normal. Não conseguia destrancar. Estava tão fora de si assim? A chuva começou a cair sem que percebesse. Estava fria, ao menos ajudaria um pouco.

Foi então que ouviu a voz atrás de si.

–Hey, você está bem?- Aquela voz. Não podia ser, certo? - Ulquiorra-kun?- Ela o estava olhando curiosa. Aproximou-se.

–Você...- Mal podia acreditar. O que diabos ela estava fazendo ali? Precisava afastá-la o quanto antes. - O que quer?- Perguntou de forma grosseira. Ela precisava sair dali, precisava se afastar.

–Bom... eu te vi lá do outro lado da rua, você não parecia bem, então eu...- Ela começara a falar em seu sempre gentil modo.

–Eu estou bem.- Ele a cortou friamente.- Você devia se preocupar mais consigo mesma. Vá embora.- Depois de respirar fundo afim de controlar seus impulsos Ulquiorra conseguiu finalmente abrir o portão. - Não deveria arriscar sua própria vida assim. - Disse, mais como um conselho, sem voltar a encará-la. Precisava mantê-la longe.

–Espere!- Ela segurou seu pulso impedindo que ele se afastasse mais. Ulquiorra estava chegando ao seu limite enquanto tentava controlar-se, estava sentindo-se tão fraco... Despencou.

–Eu estou bem.- Estava em seus braços, tão acolhedores, não podia simplesmente ficar ali por mais um segundo sequer. Ela não conseguia entender? Não podia sentir o perigo que estava se expondo? Ele tentou não olhá-la diretamente, levantando-se.

–Não, você não está! Só... Só me deixa te ajudar, ok?- Porque ela não podia simplesmente deixá-lo lá? Qualquer um teria! Sua insistência o atormentava.- Eu sei, eu entendi que não me quer por perto, mas eu simplesmente não posso te deixar aqui... Eu só quero te ajudar.- Ele finalmente a olhou nos olhos outra vez. Não como um caçador, mas tentando entender o que a motivava a agir daquela forma. Ela era de fato, uma garota interessante. - Qual é o seu apartamento?

Uma vez em seu apartamento, podia finalmente se alimentar. Foi ao seu quarto e do míni freezer tirou uma bolsa de sangue. Bebeu toda ela sem hesitar. Pensar que Orihime estaria no outro comodo, o fez beber uma segunda e então uma terceira.

Agora estava bem. Respirou fundo. Suas presas voltaram ao tamanho normal e seu corpo relaxou. Antes de sair, trocou suas roupas. Por sorte, mais cedo Orihime não havia notado o sangue, mas isso talvez por que a chuva havia lavado parte dele. Procurou no espelho por algum resíduo de sangue em si. Estava limpo. Pensou então na ruiva e no quão frágil ela parecia ser. Olhou-a pela greta da porta de seu quarto, ela estava sentada no seu sofá. De fato, parecia com frio. Tão linda, tão delicada, como uma boneca.

Ela era tão preciosa. Sentia que se não fosse protegida, se faria em pedaços facilmente. Pegou uma blusa e calças para que ela usasse e deixou o quarto. Entregou-lhe as roupas.

–Não tenho nenhuma roupa feminina aqui, você pode usar essas se quiser.

–N-não precisa!- Ela respondeu timidamente enquanto ele as colocava em suas mãos.

–Você quem sabe, mas vai se resfriar.

–M-mas... Eu quem vim cuidar de você...- Ela parecia sem jeito e confusa, era de certa forma divertido.

–Bom, eu te disse que estava bem. - Respondeu sentando-se ao seu lado. - Como você se preocupou tanto, acho que devo o mesmo.

–Ok... onde é o banheiro?- Ela havia se dado por vencido enfim.

–Final do corredor. - Ulquiorra apontou na direção, pegando o livro na mesinha e lendo-o em seguida.

–Ok. - Orihime então foi até o banheiro para se trocar.

Mesmo que estivesse com o livro em mãos e parecesse lê-lo, na verdade Ulquiorra não conseguia se concentrar na leitura ou em qualquer outra coisa que não fosse Orihime. Aquilo o estava incomodando. Resolveu preparar um pouco de café, e ao pensar nisso, lembrou-se que teria que investigar à fundo Urahara Kisuke. Aquele maldito... o que fez com ele? Estava irritado... tão irritado! Precisava acalmar-se, não resolveria nada naquele momento.

Antes de se levantar, contudo, ela saiu do banheiro.

–Hmn... Onde eu devo colocar as roupas molhadas?- Ele levantou seu olhar para ela, ela parecia ainda desconfortável e desviou seu olhar.

–Pode colocá-las na secadora, na área de serviço.

Servia já seu café quando ela voltara. Não pôde evitar em olhá-la outra vez. As roupas estavam um pouco maiores que ela, mas ao invés de fazê-la parecer estranha, na verdade lhe deixava mais... adorável.

–As roupas ficaram bem em você.- Comentou e a viu corar e sorrir levemente. - Você quer café?

–Ah, não. Café me faz perder o sono. - Orihime respondeu timidamente e voltou para sentar-se no sofá. Ulquiorra tão logo a acompanhou. Bebeu um pouco de café. O sabor da cafeina servia para fazer seus pensamentos direcionassem-se para outra coisa que não ela.

Tentou voltar a ler seu livro. Como de se esperar, não conseguiria. Quando resolveu se dar por vencido e observá-la mais um pouco, notou que ela já o estava fazendo, distraída, e quando o notou olhando de volta, desviou seu olhar. Ele tomou mais um gole de café, além ser uma tentativa de distraí-lo dela, era também uma forma de tentar controlar seus impulsos.

Tentou outra vez com o livro, mas conseguia ouvir sua respiração calma e os batimentos de seu coração. Fechou o livro. De que adiantava evitar observá-la? Ele via as veias que pulsavam seu sangue, e àquela distancia, podia até mesmo sentir seu calor.

Foi então que ela voltou-se para ele, um pouco surpresa. E quando ela o fez, ele viu além das veias, além do alvo do caçador, além do desejo de alimentar-se dela. Ele viu seus olhos que brilhavam a vida e inocência que só mesmo nela ele conseguia encontrar. E então, instintivamente seus lábios rosados e de aparência tão suave. Não era mais seu sangue que ele desejava, e da mesma forma que não podia antes controlar a fome, não conseguia controlar isso.

Aproximou-se dela e da forma mais delicada que conseguia, tocou seu rosto. Ela estava vermelha em embaraço, mas não havia recuado. Ela olhava em seus olhos em espanto? Não, não era isso, surpresa talvez. Aproximou seu rosto do dela e suas testas se tocaram suavemente. Ela lentamente fechou seus olhos enquanto levava sua mão ao rosto dele, gentilmente, como tudo que fazia. Ele sentiu sua respiração acelerar enquanto seus lábios finalmente se tocaram de forma tão delicada como precisava ser. Era uma sensação melhor do que sequer podia imaginar, tudo nela parecia lhe deixar extasiado, seu calor era como ser abraçado pelo próprio sol, mas de uma forma tão afetuosa que o fazia sentir parte de si. Seus lábios eram mais os doces, seus toques tão carinhosos.

Abriu seus olhos e encontrou os dela. Seu rosto estava ainda mais corado em timidez. Como poderia machucar uma criatura tão bela como ela? Impossível. Agora ao invés disso, sentia-se impulsionado a mantê-la por perto, daquele jeito. Orihime lhe fazia questionar algumas coisas sobre si mesmo, coisas importantes que o deixavam mais certo de que ela precisava continuar viva, ela não era uma simples caça. Precisava que ela fosse sua, e sua apenas. Beijou-a outra vez e era como se as coisas começassem – depois de tanto tempo, a mudar dentro dele.