Like Ghosts In Snow

All I See Is Trouble


Havia um zumbido ecoando na mente de Ulquiorra insistentemente durante a última hora. Estava confuso e irritado, e ao mesmo tempo, sentia-se impotente. O silêncio no apartamento era cortado apenas pelo incessante falatório da garota à sua frente. A jovem lhe contava todo tipo de coisas sobre sua vida e sobre si, com uma despreocupação alarmante para ele. Nada daquilo fazia sentido algum. Ulquiorra passara os últimos dias acordando de repentinos blackouts seguidos de corpos ensanguentados lhe rodeando, sem que sequer lembrasse de como tudo acontecera, e agora, de alguma forma, se deparava com uma garota que não só sobrevivera a ele, como também parecia impossível de influenciar com sua nova habilidade. Seu único desejo era acabar com sua vida bem ali, e a garota parecia ter lido a fúria em seu olhar, quando interrompeu a própria fala e um sorriso a princípio inocente e então, cínico surgiu em seus lábios.

—Ora, não me olhe assim, meu amor. - Sua voz era composta e suave. - Você não quer me machucar, não de verdade. - Seu olhar era ousado e havia uma loucura escondida neles. - Pense no que aconteceria! - Ulquiorra não sabia dizer se aquela preocupação em seu tom vinha de sarcasmo ou apenas um delírio genuíno. - Não quero pensar em você machucado, morto… e sabe-se lá o que mais poderiam fazer… sei que te machucariam de todas as maneiras possíveis. - Suspirou parecendo estar angustiada. - Me diz, tem alguém que ama? - Havia apenas uma pessoa para quem seus pensamentos se direcionaram e pensar em sua princesa se envolvendo nisso de alguma forma, trouxe a fúria uma outra vez ainda maior que antes. - É claro que tem! - Ela sorriu. - Quem sabe o que poderia acontecer, não é mesmo? - Fingiu a expressão preocupada uma outra vez, e então, depois de um outro suspiro, lhe exibiu um sorriso doce. - Mas tenho certeza que não teremos esse problema, não é mesmo? - Ela tocou sua mão por sobre a mesa e ele se afastou, controlando a ira dentro de si.

—O que você quer de mim? - Finalmente perguntou. Havia ficado em silêncio todo esse tempo, tentando entender, tentando se impedir de despedaçá-la ali mesmo.

—Ah, sua voz é como música aos meus ouvidos! - Seu rosto tomou um leve tom de rosado quando sorriu. - Bom, não quero muito de você, meu amor… - Ela levantou-se e caminhou sedutoramente em sua direção. - Apenas sua atenção e sua dedicação total. - Disse envolvendo-o por trás. - Por enquanto, pelo menos. – Riu, um som que carregava sua verdade dissimulada. Ulquiorra já não mais podia suportar aquela situação, não era uma vítima, não ele, menos ainda de uma mera humana, independentemente do quão louca fosse, não podia verdadeiramente acreditar que não só lhe ameaçaria, como também à sua princesa e sairia ilesa. Virou-se rapidamente e lhe agarrou pelo pescoço, imobilizando-a contra o chão.

Caída, indefesa e apavorada, sim, essa era a reação que queria, a reação com a qual estava habituado. Podia sentir a fragilidade de sus ossos sob sua força, podia ouvir seu coração em completo desespero, mas não acabaria com aquilo tão rápido. A ira que sentia, agora tornara-se combustível para seus impulsos sádicos. Queria fazê-la sofrer. Pressionou seu pescoço com mais força, mas não o suficiente para sequer desmaia-la. Podia ver o medo em seus olhos enquanto tentava se libertar. A garota se debatia, tentando afastá-lo, lutando para respirar, emitindo sons que poderiam ser palavras. Na verdade, sua determinação era tão grande, a ponto de intrigá-lo a ouvir suas últimas palavras.

— .... Matá-la... – Ela tentava dizer ao mesmo tempo que se esforçava para respirar. – .... Ela morrerá... – Não podia... estava uma outra vez ameaçando a vida de sua amada, será que era realmente louca a esse ponto? Ele afrouxou um pouco mais o as mãos em sua garganta, talvez apenas para deixar que selasse seu próprio destino. A garota tossiu um pouco, massageando a área e afastando-se como um animal ferido.

—Diga de uma vez o que tem a dizer! – Ele ameaçou e ela se encolheu um pouco mais.

—Tudo que sei... é que ela também se machucará se algo acontecer comigo... – Ainda lhe faltava o ar, quando disse. – Falo a verdade, eu juro! – Não estava convencido, e na verdade já havia decidido que era seu fim. Aproximou-se da garota uma outra vez, se teria que acabar com aquilo, então que ao menos fosse da forma mais divertida. Em poucos instantes suas presas estavam à amostra e seus sentidos latejando pelo desejo de rasgar sua pele. – Não, por favor! – Gritou apavorada, tentando se proteger com mãos frágeis. – Tudo que lembro é de acordar um dia, com o único objetivo de te encontrar.... Não é como se eu pudesse explicar, o conhecimento simplesmente estava lá! Onde ir, o que fazer, o que dizer... Orihime Inoue, o nome dela é esse, não é? – Ainda estava assustada e as palavras atropelavam-se. – Do mesmo jeito que eu sabia como te encontrar, eu sei que ela está em perigo. – Aquilo não soava bem. Se de alguma maneira aquilo que dizia era verdade... – Eu também sei de coisas antigas! – Seu desespero continuava evidente, enquanto tentava se manter afastada dele. – Sei coisas que fez aqui! Sei sobre Neliel, sobre Grimmjow... – Parecia confusa por um instante, como se seus pensamentos tivessem vontade própria. – Sei o que houve naquele inverno na Alemanha, há algumas centenas de anos! – As lágrimas em seus olhos começavam a derramar-se, e parecia tentar pensar em algo mais que o convencesse. Mas não era necessário. Ulquiorra afastou-se lentamente, sentando-se, perplexo. Aquelas coisas.... Não era possível que uma humana como ela viesse a saber sobre nada daquilo! Mas de alguma forma, ela sabia, o que apenas confirmou sua desconfiança: A garota nada mais era que um fantoche para alguém muito maior, e sem dúvidas, poderoso.

***

O mundo era um completo e denso breu ao seu redor, o som dos próprios passos era a única coisa ecoando em seus ouvidos. Mas seus instintos estavam mais aflorados do que jamais se lembrara. Continuou em frente, coração apertado como se pesando uma tonelada. Havia algo ali. Não sabia onde estava, mas algo dentro de si lhe dizia que não estava perdida. Um passo após o outro. Não podia parar. Apertou o cabo da katana, talvez só para garantir que estava lá. “Não olhe para trás. “ Uma voz lhe sussurrava. “Não olhe para os lados. “ Sabia de alguma forma que a voz tinha razão. Não arriscou.

Logo aquela voz não era a única. Pouco a pouco conseguia ouvi-las conversando entre si, não conseguia entender, mas sabia que falavam sobre ela. Estavam por todos os lados. Vozes calmas como a que lhe aconselhara, vozes amedrontadas e vozes malignas, aproximando-se. Precisava continuar, mesmo que o medo começasse a aprofundar-se. Queria correr, fugir para longe da escuridão, longe das vozes, mas seus pés não pareciam querer lhe obedecer.

Então veio o frio. Começou por seus dedos, cresceu por seus membros, e logo já tinha dominado todo seu corpo e sequer andar parecia algo que seus pés estavam dispostos a fazer. Caiu e encolheu-se, tremia, fosse pelo frio ou pelo medo que a àquela altura já a havia subjugado. “Não pode ter medo. “ A primeira voz voltou a sussurrar, “Precisa ser corajosa, precisa lutar. ”. Abriu os olhos, que não se lembrava de ter fechado, e alcançou uma outra vez sua katana, ou ao menos o que deveria ser. Desembainhara uma lamina sem fio, e antes que a pudesse examinar, ergueu o olhar para aquele sorriso selvagem e olhos azuis gélidos, à sua frente.

—Achou mesmo que tinha se livrado de mim? – Sua voz soava ainda mais bestial do que se lembrava. Ele gargalhou, exibindo presas muito brancas e afiadas, agarrando-lhe pelo pescoço, e arrancando do chão. Enquanto se debatia, na luta para se libertar, não pode evitar olhar ao seu redor, e um segundo depois, desejar nunca o ter feito.

Penduradas como carne num açougue, estavam Orihime e suas amigas. A ruiva, apesar de ainda respirar e olhar a sua volta, não parecia que continuaria por muito mais tempo, estava pendurada por seus pés, com seus braços cruzados sobre o peito, amarrados, enquanto seu sangue se derramava por centenas de mordidas por seu corpo, haviam tantas sombras ao seu redor, que Rukia surpreendia-se de conseguir enxerga-la. O mundo parecia mover-se muito lentamente, e as próximas coisas que vira, não foram de maneira alguma, melhores. Vira o corpo de sua irmã, ao chão, ensanguentado como no dia em que violaram sua casa. Não precisava estar mais perto para saber que não havia nenhuma vida ali. Seus grandes olhos violeta abertos, olhando em sua direção, pareciam acusa-la. Não era algo que pudesse continuar olhando, então desviou os olhos em outra direção, que provara-se ser ainda pior, de uma forma que não sabia que era possível. Ichigo estava tão mais perto, não sabia como não o tinha visto antes. Havia muito sangue no canto em que estava jogado e seus braços e pernas estavam dobrados de formas que não deveria ser possível. Queria virar-se numa outra direção, queria fechar os olhos, mas não conseguia. Aquele monstro parecia decidido a fazê-la contemplar aquela imagem por toda a eternidade. Não sabia se a eternidade já havia passado, mas as coisas acharam uma forma de ficarem ainda piores. O corpo antes inerte do ruivo, começara a sofrer leves espasmos que não demoraram a transformarem-se em movimento propriamente dito, seus braços e pernas não pareciam se importar com o quão a lógica lhe dissesse que era impossível estar naquela posição, se desdobravam como um brinquedo sendo reconstruído e em seguida, estava de pé.

No segundo seguinte, aquela besta de olhos azuis não parecia mais tão terrível, não tanto quanto ver os passos incertos de Ichigo, ou daquilo que se parecia com ele, aproximando-se, olhos vazios e presas sobressaindo-se daqueles lábios bonitos os quais ela guardava tanto fascínio. Precisava fugir, aquilo era mais do que podia suportar. Lutou com mais força, tentando escapar das mãos do outro, que apertou sua garganta com tanta força, que podia jurar que a quebraria como uma boneca, e então a atirou, longe, nos braços que deveriam lhe ser um abrigo numa outra situação. Ichigo lhe apertou com muita força, lhe deixando incapaz de lutar. Não sabia quando começara a chorar, mas era incapaz de controlar agora.

—Ichigo... – Tentou, com a pouca voz que lhe sobrara. – Por favor, não! – Mas não houve resposta. Não ouviu aquela voz calorosa ao seu ouvido, até mesmo o calor de seu corpo parecia ter deixado de existir. Estava imobilizada, pescoço a amostra, e sem mais forças para lutar. Tudo estava perdido, quando voltara a sentir a dor de sua pele se rasgando sob presas afiadas. Desespero já não era o suficiente para descrever. Gritaria se pudesse, mas suas forças pareciam ter sido finalmente vencidas. Não a impediu de tentar.

—Rukia... Rukia... – Podia ouvir ao longe. Não sabia de onde vinha aquela voz, mas queria alcança-la. – Rukia! – Aos poucos parecia estar mais perto e o calor lhe cercar. – Ei! Rukia! – Era uma voz conhecida, tão confortável quanto os primeiros raios do sol na manhã. – Rukia, acorda! Tá tendo um pesadelo! Ei! – E assim, estava de volta aos braços, desta vez quentes, de Ichigo. Ainda temorosa, abriu os olhos cuidadosamente para um rosto preocupado ao seu lado. – Você tá bem? Teve um pesadelo. – Sua voz era pouco mais que um sussurro de alguém que acabara de acordar. Rukia olhou ao seu redor, para reconhecer sua sala de estar escura, com a TV ainda ligada, exibindo um filme qualquer. Voltou-se outra vez para Ichigo e suspirou aliviada. Era mesmo ele. Estava tudo bem. Sorriu e aconchegou-se ao seu lado outra vez.

—Desculpa... tá tudo bem. – Sabia que ele queria lhe perguntar mais alguma coisa, mas que parecia ter desistido. Desligou a TV e a acolheu em seus braços, voltando a dormir.

***

Neliel sentia sua mente flutuar distante, enquanto a garota a sua frente discorria sobre seus planos, duvidas e transbordava ansiedade, mas mal podia prestar alguma atenção no que dizia. Havia tanto com o que se preocupar! Toda a situação com o Ulquiorra e a tal garota peculiar, a desesperança que sentia todas as vezes em que Grimmjow desviava o olhar do seu, além de – é claro – o mistério que os rodeava em relação aos desaparecimentos daqueles de sua espécie. Deslizou os dedos por entre as madeixas esverdeadas e suspirou, tentando concentrar-se na ruiva empolgada, que continuava a falar sobre a tal festa que planejava para Ulquiorra. Neliel se perguntava de onde poderia ter vindo tal ideia. Afinal, o moreno podia até mesmo ter mudado um pouco, mas Neliel duvidava muito que tivesse mudado a ponto de passar a ideia de que é alguém que gosta de festas. O que lhe dava ainda mais uma coisa para com a qual se preocupar: Quem teria dado essa ideia à Orihime? Na verdade, tinha um bom palpite, apenas não sabia se estava pronta para aceitá-lo ainda, mas sabia que cedo ou tarde, precisaria.

Precisava saber o que Grimmjow planejava, se realmente estivesse certa em sua suspeita. Olhou com compaixão nos olhos de Orihime. Precisava protegê-la. Era apenas uma garota, inocente e tão jovem, que não merecia ser envolvida em nenhum desses assuntos antigos… tampouco nos novos, na verdade. Havia tanta escuridão, tantos perigos, tantas verdades ainda por serem ditas…

—.... Então eu estava pensando em fazer a festa na minha casa…- Ouviu Orihime dizer, quando sua atenção voltou-se uma outra vez para o presente. Aquela era uma péssima ideia. Era importante manter sua casa segura e sem permissões. Bastaria um “Seja bem-vindo! ” Ou “Pode entrar! ”, para a pessoa errada e sua casa não mais lhe serviria de proteção contra eles.

—Acho melhor não, Orihime-chan… - Disse, finalmente, retomando seus pensamentos.

—É, foi o que o Ulquiorra disse também… - Comentou num tom cansado. - Então, acho que o único jeito é fazer na casa dele, mas ele não quer também! - Disse chateada. - Não entendo… - A ruiva parecia triste por um momento, com o olhar distante. - Só queria fazê-lo feliz… - Neliel sentiu uma enorme simpatia por Orihime.

—E você faz, não duvide disso! - Lhe assegurou. - É só que, o Ulqui-kun é um cara complicado, em muitos aspectos, mas pode ter certeza que você faz muito bem a ele, okay? - Sorriu, mas o sorriso que recebeu de volta não foi tão feliz quanto esperava.

—O problema é que… não importa o quanto eu tente, parece sempre haver uma enorme muralha entre nós…. Eu sequer sabia do aniversário dele, até o Grimmjow-san me contar! - Comentou numa voz baixa e triste. A confirmação de suas suspeitas lhe caiu como um banho de gelo. Então Grimmjow realmente estava por trás daquilo. Sentiu-se nervosa de repente. O que ele poderia estar planejando? Nada daquilo parecia bom, qualquer que fosse o plano dele, Neliel precisava encontrar uma forma de impedi-lo. Voltou um olhar preocupado para a garota a sua frente. -Eu sinto como se sequer o conhecesse… - Disse por fim. Neliel podia dizer-lhe que tinha razão na verdade, mas não parecia certo. Invés disso, apenas continuou lhe observando, apiedando-se do azar de Orihime ao acabar se envolvendo em algo tão obscuro, quanto a história que os cercava, de muito tempo atrás.

Nas horas seguintes, enquanto fazia uma de suas caminhadas diárias pelas ruas da cidade, Neliel não pôde se impedir de lembrar aquela história que parecia ter acontecido numa outra vida, enquanto ainda descobria sobre sua nova realidade.

Pouco depois de sua ascensão como um ser da noite, viu-se perdida numa floresta e então num vilarejo, não qualquer vilarejo, mas aquele que viu e viveu em seus primeiros anos de vida, antes que tudo mudasse. Conhecia aquelas casas, aqueles becos e caminhos estreitos, mesmo no breu da noite. Mas agora as coisas eram diferentes… ou talvez ela fosse. Agora podia ouvir os pequenos ruídos noturnos dentro das casas, eram conversas, sussurros e gemidos de amor. Sentia também os cheiros, lhe cercando, lhe confundindo… eram frutas podres e peixe onde ficavam os mercadores pela manhã, eram os dejetos arremessados das janelas nas primeiras horas do dia, a bebida fermentada nas proximidades das tavernas e bordéis, e também… o sangue. Estava em todos os lados, se se concentrasse o suficiente, ouvia até mesmo os batimentos individuais de todos. Seus pés já não lhe pertenciam. Seguia caminhando, mais monstro que mulher, farejando, seguindo o rastro até a essência doce, que a levou até uma casa modesta, a única que refletia alguma luz de uma das janelas. Ao aproximar-se, já não conseguia pensar. Tudo o que queria era entrar, ou trazer a casa ao chão… qualquer coisa que lhe permitisse chegar ao que tanto queria. Mas não conseguia, mesmo depois da janela aberta, não conseguia atravessá-la, como se algo lhe reprimisse e mantivesse fora. Sentiu os olhos arderem e as presas expostas perfurarem seu lábio inferior. Precisava entrar. Um som, vindo de dentro do quarto, lhe silenciou a mente por um instante. Ouvia passos suaves aproximando-se até finalmente poder enxergar a figura jovem e delicada surgir a sua frente. Seu rosto era redondo, seus olhos, grandes esferas azuis e seus lábios pequenos e rosados, entreabertos em surpresa ao vê-la, mas sua surpresa de alguma forma, não lhe impediu de continuar seus passos em sua direção. Quando chegou a janela, a brisa fria da madrugada atravessou Neliel como um choque térmico e a tocou com gentileza, levemente brincando com as madeixas negras como breu e seu modesto vestido branco de dormir.

—Quem é você? - Perguntou num quase sussurro. Neliel quase esquecera-se como falar. Talvez tivesse passado tempo demais como monstro e esquecera como era ser uma mulher. Tentou se forçar a dizer algo, mas as palavras pareciam ter desaparecido de sua mente. Só conseguia pensar no quanto queria entrar, no som daquele coração batendo e o sangue que corria em suas veias. O vento frio do inverno soprou uma outra vez, cortante, por Neliel. - Não está com frio? - A jovem perguntou, havia preocupação em sua voz. Olhou para Neliel por mais um instante e suspirou quando notou que não receberia resposta. - Venha, entre. Não posso deixá-la nesse frio. - Neliel pensou em entrar, mas então lhe veio a lembrança da sensação sufocante de antes, de não poder atravessar a janela, então recuou, abraçou-se e encolheu-se como um animal ferido. - Vamos, venha! Não te machucarei. - Ela chamou outra vez e Neliel sentiu-se levemente estremecer quando fora tocada pelas suaves mãos quentes, lhe ajudando a entrar.

Tudo ao seu redor parecia se tornar escuridão, não tão somente por que a vela de mais cedo havia se apagado, mas também, por que seus instintos pareciam somente querer se focar na figura a sua frente, de alguma forma fantasmagórica e angelical, iluminada pela luz da lua cheia que entrava através da janela. O sangue pulsando em suas veias e a vida transbordando do seu ser era mais que hipnotizante e foi tudo no que se focou nos próximos instantes. Suas presas lhe rasgaram a pele e carne macia da garganta, lhe enchendo a boca com o sangue que tanto desejara. Não demorou muito para que entrasse em frenesi, como um verdadeiro animal selvagem e violento, destruindo tudo e todos ao seu redor.

Pouco antes do amanhecer, o vilarejo em que crescera, aqueles becos e ruas conhecidas, estavam entregues a completa destruição, e ela, a imobilidade…. Talvez por conta do que quer que ainda houvesse de humana nela, ou talvez apenas tivesse se exaurido pela loucura animal. De qualquer forma, estava sem forças, caída nas ruínas da destruição que causara, quando os primeiros raios do sol encontraram sua pele, absorvendo o que quer que restara de sua energia. “É o fim…” Pensou consigo mesma, quando notou que outra vez podia raciocinar.

Ainda se lembrava do quão grata se sentira por aquela mão estendida que a salvara, mais uma de muitas vezes. Mas tudo isso agora já parecia ser história de uma outra pessoa qualquer. Seguiu seu caminho, tinha coisas a providenciar e interrogatórios a fazer.