Life Of Kamijou

Como um anjo estrangeiro


Eu consigo me lembrar até hoje do dia em que o vi pela primeira vez. Eu estava com tanta raiva de minha mãe, porque ela sempre me ocupava tanto com inúmeros cursos, sem nem se importar para o que eu queria fazer. Mas na verdade, sendo sincero, ela não tinha culpa de nada. Talvez ela tenha me perguntado uma vez ou outra se eu queria desistir, fora eu quem recusou. Eu estava realmente cansado de tantos cursos, mas à medida que eu ia avançando e me aprimorando naquelas tarefas, eu só queria continuar, porque via o quão bom eu poderia ser naquilo. Mas o cansaço me frustrava. Frustrava-me ainda mais ver que, mesmo depois de tanto tempo me esforçando, ainda tinha mais mil obstáculos pela frente. Não queria parar para não passar como um fraco fracassado. E então eu corri, corri depois de discutir com minha mãe, e fui para o meu esconderijo, no meio da floresta. Corri tão depressa, que minhas pernas quase já não aguentavam, estavam fraquejando, e os meus olhos não paravam de lacrimejar – não sei se por causa do vento que batia forte em minha face, ou por causa da fúria que sentia naquele momento – mas cheguei a tempo, antes que eu tropeçasse e caísse, de tanto cansaço. Parei logo ali, e apoiei minhas mãos sobre os joelhos, ainda com os olhos fechados, e ofegando bastante. Abri os olhos, e ao olhar de relance, percebi que não estava sozinho. Foi então que o vi. Ele era tão belo, os olhos azuis combinavam com a pele branquinha, que por sinal, destacavam-se tanto justamente por esse detalhe. O cabelo cinza, e o cachecol amarelo afrouxado em seu pescoço, tudo se complementava tão bem, eu poderia compará-lo como um anjo. Tinha uma expressão calma, porém vazia. Na verdade, ele não era um desconhecido. Já havia ouvido falar dele, era filho dos Usami, da rua ao lado. Ele havia ficado um bocado de tempo na Inglaterra, e só agora voltara para o Japão. Usami Akihiko. Observava tão atentamente a seu caderno, que nem fora capaz de perceber minha presença.

– Como você descobriu esse lugar!? É meu esconderijo! – perguntei, parado na entrada do círculo aberto no meio da floresta, ainda ofegante pela corrida até o local.

– Eu vi um gato na rua, e então o segui. Não tinha nada nele, nem um dono sequer, e parecia bem sozinho. O perdi de vista durante a corrida, e então me dei conta que havia me perdido, e já estava aqui. Achei tão bonito, porque a luz entra diretamente aqui dentro, fazendo uma mistura da luz branca e forte, com o verde das árvores, e o azul do céu. – Nem ao menos tirara os olhos do caderno de capa azul, apenas respondia.

– Tudo bem, mas, você devia pedir antes de sair entrando assim, no esconderijo dos outros! – eu estava surpreso, pensava que ninguém nunca descreveria o lugar daquela forma, que eu era o único que perceberia aquilo.

– Por favor. – Pediu ele, se levantando, e agora, finalmente, olhando diretamente para mim.

– M-mas, assim, e, ugh... – hesitei, pois era tão direto, e acho que não estava bem acostumado com isso.

Por favor. – Pediu mais uma vez.

– Argh, tudo bem! Pode ficar! – resmunguei, virando o rosto para o lado. Droga, por que raios estou sentindo meu coração bater mais rápido? Qual o meu problema?

De fato, era muito difícil permanecer na presença de Akihiko. Não sabia explicar bem o por quê, mas também não passava muito tempo pensando naquilo, porque de alguma forma, ele parecia fazer tudo se passar como natural para mim, e então, eu me despreocupava logo. Às vezes eu pensava que deveria me afastar dele, por me fazer sentir coisas esquisitas no estômago, sempre que o via, ou quando ele se aproximava demais de mim. O meu coração também, parecia que só acelerava, e não conseguia me conter. Era tudo tão confuso, eu só tinha sete anos, não tinha ideia de como definir todas aquelas sensações, me invadindo tão intensamente, minha vontade era de fugir pra bem longe, sempre que ocorriam. Mas era em vão. Era como se o destino conspirasse contra mim, porque Akihiko ingressou no mesmo colégio que eu, próximo as nossas casas (apesar de eu não saber bem onde ficava a casa dele). E o pior, na mesma classe.

– Hiroki, está errado aqui. – sussurrou, com o dedo indicador apontando para o segundo passo do problema de matemática.

– O quê? Hã? Não está errado coisa nenhuma! Está certo! – reclamei, arqueando as sobrancelhas. Como podia ser tão esperto!?

– Dá 27, não 23. Você somou com esse 4, mas era para subtrair.

– Hunf... – Apaguei o resultado, modifiquei o resultado final como ele havia corrigido, e larguei a lapiseira de lado. – Não aguento mais isso!

– Se está tão cansado por causa dos cursos que faz, deveria parar com eles, ou parte deles. Não percebeu que está “cavando sua própria cova”?

– Mas não dá! – falar daquele assunto sempre me deixava muito sensível, e eu não conseguia me manter. Havia me esquecido um pouco daquilo, porque a presença dele modificava todo meu estado. Porém, assim que Akihiko citou sobre os inúmeros cursos, comecei a me lembrar de minha mãe, e meu pai, tão orgulhosos, mas eu estava tão exausto! – Eu... Eu sempre venho ganhando campeonatos, progredindo de níveis em cursos, batendo recordes de outros garotos, e isso me faz feliz, claro! E meus pais ficam orgulhosos, só que o meu cansaço é muito maior! Eu queria mais tempo pra mim, pra ficar junto de meus pais, queria sair com eles, ir para o parque, ir ver o mar... Mas nunca acontece! Porque sempre estou preso nessas obrigações! – Antes que eu pudesse perceber, meus olhos estavam lacrimejando, assim como a primeira vez em que o vi, ali, em meu esconderijo.

– Eu não entendo, se está tão cansado, por que continua progredindo?

– Você nunca entenderia nada! Porque você não passa por nada que estou passando, então não entende mesmo! Eu não consigo parar nenhum dos cursos assim que vejo que estou indo bem em todos eles! Seria como uma derrota desistir assim, todos pensariam que sou um fracassado! Até você, até mesmo você, porque como eu já disse, você não me enten......!

As borboletas atingiram em cheio meu estômago indefeso. Com tanta força, mas com tanta... Afinal, não era para menos, porque estava sendo beijado. Estava totalmente imóvel, ali, parado em frente a Akihiko, com os lábios entreabertos, porém duros, e tão imóveis quanto o meu corpo. Meu rosto queimava tanto, o coração estava tão descompassado, como nunca esteve antes. Foram os dois segundos mais longos de minha vida, eu juro.

– M-mas o quê...!? – Foi a única coisa que pude dizer após o afastamento de Akihiko.

– Você estava tão nervoso, foi a forma que achei de chegar até você, e fazer você se acalmar e parar de falar tão rapidamente. – Chegava a ser irônico a forma calma de como ele conseguia agir, após me beijar, tão calmo.

– Claro que havia outras formas de me parar. – Não conseguia nem olhar para ele, só queria sair dali logo. – Está ficando tarde, acho que, bom... Vou embora.

– Eu vou com você até sua casa. – Se ofereceu, pegando seu caderno e sua lapiseira.

– Não, não precisa! Melhor ir para sua casa, seus pais devem estar muito preocupados, assim como os meus! Já passou da hora do jantar, ficamos tempo demais estudando Matemática... De qualquer forma, agradeço. – Meu rosto ainda estava quente, eu só queria ir embora, antes que Akihiko percebesse. Não perceba, por favor! Não perceba!

– Hiroki...

– Q-que foi!? Sério, vá para sua casa, seus pais devem est... Hm? - Akihiko estava tão próximo de novo. Iria me beijar de novo!? Mas não era possível, que atrevimento, só tinham sete anos! Observou-o com os olhos arregalados, e deu um passo para trás. Ele aproximava a mão de meu rosto, e eu não sabia dizer bem para o quê... Seria para puxá-lo a força pelo pescoço? Não, não! Que perigoso! Não podia permitir aquilo. Hiroki! Você é homem! – Akihiko! Pare, eu não quero mais te beijar! – falei alto, apertando meus olhos fechados, e fazendo sinal com os braços de *“muri”. Nesse momento, Akihiko apenas pousou os dedos finos e pálidos no topo de minha cabeça, e dali, retirou uma folha, que provavelmente havia caído há pouco, e eu, tão apressado para ir embora (e o tão grande nervosismo!), não deixaram com que eu percebesse.

– Como pôde pensar isso de mim, Hiroki? Pronto, olhe, era uma folha. – Pegou em minha mão, e colocou a folha sobre ela.

– Tchau! – me virei, jogando a folha em qualquer canto, segurando minha mochila, e dando passos rápidos para a saída. Eu era mesmo tão idiota, como pude pensar que ele queria me beijar de novo? Droga! O que vai pensar de mim agora? Hiroki! Você é um homem! Você é homem! VOCÊ É HOMEM! O Akihiko só... Bom, ele... EU SOU HOMEM!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.