Arthur...

Mais uma vez, Francis mexia nos lençóis. Há mais ou menos duas horas, eu havia parado de contar. Quando a contagem ultrapassou a quantidade de dedos, percebi que não existia sentido algum. E analisando de forma sincera, era só uma maneira de me distrair. Na realidade, “distrair” não era a palavra ideal. Eu só queria encontrar uma maneira de não focar no sofrimento de Francis, pois aquilo me atingia. E ainda que eu tentasse me esquivar, era impossível. Cada murmúrio de Francis me doía. Pior que simplesmente ouvir, era saber que não havia nada ao meu alcance. Francis sofria e tudo que eu podia fazer era observar, tentando fugir do peso de sua dor. De qualquer forma, ela me alcançava, preenchendo todo meu ser da angústia mais profunda.

Eu não passava de um inválido.

Um mero espectador.

E por mais que tentasse, eu não conseguia sumir.

― Arthur... Mon Arthur...

Um dos lençóis havia parado no chão. Por puro reflexo, me prontifiquei para buscá-lo, colocar no devido lugar, cobrindo o corpo de Francis. Contudo, havia dois poréns. O primeiro deles era que Francis estava suado e inquieto, nada iria parar sobre si. Ele estava tentando se livrar de tudo. E o segundo é que, de qualquer forma, minhas mãos iriam atravessar o lençol.

Há 3 semanas e 2 dias, tudo me é intangível. Há 3 semanas e 2 dias, desencarnei. E ainda que o assunto possa parecer instigante, peço desculpas, mas, neste momento, não consigo dar detalhes de como aconteceu. Mas não, não foi doloroso. Na verdade, nunca em vida terrena senti tamanha leveza. Quando meu espírito se desprendeu de meu corpo, algo em mim queria gritar, mas algo muito maior me impediu. E esse algo muito maior era reconfortante, como uma mãe ou um pai que socorre seu filho após o mesmo cair de bicicleta e ralar o joelho.

Quando desencarnei, vi minha mãe. Foi algo rápido. Ela e meus parentes que já haviam deixado a Terra me receberam, juntos, como se já estivessem esperando por mim. Não tive tempo de abraçá-los, pois, quando corri em sua direção, tudo se tornou momentaneamente branco e desapareceu.

E me vi sozinho.

Sem nada fazer, voltei ao local onde havia desencarnado. Na verdade, o local que voltou para mim. Eu não havia me mexido ou tentado qualquer coisa. E foi quando olhei para meu corpo, aquilo que um dia foi minha casca, que, finalmente, tudo se tornou mais real. Nele, não havia vida.

― Não... Não vá!

Em seu grito, Francis despertou. Erguendo o tronco rapidamente, sentou-se, respirando fundo. O ar parecia fugir. Estava terrivelmente quente. Céus, ele estava muito suado. Os cabelos grudavam em sua testa e parcialmente pelo rosto, e, em questão de segundos, a expressão assustada em sua face foi cedendo espaço à angústia.

Devagar, ele virou o corpo, olhando para o outro lado da cama, onde eu costumava dormir. E vendo o vazio, Francis comprimiu os lábios, não sendo capaz de conter o choro.

― Eu estou aqui.

Era inútil, mas, afinal, era cabível cobrar alguma razão de minha parte?

A pessoa que eu mais amava estava bem na minha frente, chorando com tudo que tinha, sofrendo justamente por minha causa.

― Eu estou aqui, Francis.

Chegava a ser estúpido. Porque não bastava se deixar levar uma vez, eu tinha de cometer o erro novamente. Não exatamente um erro; simplesmente algo escusado.

Porque, afinal, Francis não me ouvia, assim como não me via ou sentia.

Eu não pertencia mais àquele plano. De personagem, havia me tornado um mero espectador. E se no teatro o silêncio em meio à plateia deve ser mantido, ali, na vida real, o silêncio me era simplesmente imposto. Não era uma recomendação.

E em meio à peça real que eu era obrigado a assistir, aquele que chorava por minha causa era o protagonista.

Seu nome é Francis Bonnefoy. Ele tem 35 anos, mas prefere arredondar para 34 ou 36. Ele nunca gostou de números ímpares. Nasceu em um 14 de julho, em Toulouse. Os pais se separaram quando ele tinha 7 anos, a mãe foi morar na capital de Andorra e o pai permaneceu na França. Francis passou então a ficar com o pai de segunda a sexta, e os finais de semana, com a mãe. Devido a isso, aprendeu catalão como se fosse sua segunda língua. Todos pensavam que, quando crescesse, ele se tornaria um grande arquiteto, mas se formou em Francês. E em meio a encontros e desencontros, em certo momento de sua vida, veio lecionar na Inglaterra.

Nós nos conhecemos porque ele estacionou na vaga que eu sempre ocupava no estacionamento da universidade. Com um inglês carregado pelo inevitável sotaque francês, ele se defendeu dos meus ataques verbais. Definitivamente, não foi amor à primeira vista. Nem ao menos paixão. Foi apenas raiva e desentendimento.

Por dentro, Francis era mais sensível do que qualquer outra pessoa.

Pequenas coisas conseguiam lhe emocionar. O canto de um pássaro, o latido de filhotes, o choque entre as águas e as rochas. E por falar em água, o mar.

Quando os pais se separaram, tudo aconteceu de maneira turbulenta. E em meio a brigas e mais brigas, Francis encontrou refúgio no mar. Observava-o de longe, pois não havia aprendido a nadar. E de tal forma sendo aquilo uma possível ameaça, ele resolveu ignorar. Nada lhe tranquilizava mais do que o infinito azul da água salgada.

Mais uma vez, juntos, observamos o mar. E com o tempo, sentindo tamanha paz que a simples vista transmitia a Francis, a paz passou a ser transmitida também a mim. Com o início de suas lágrimas, eu lhe empurrava, alegando que era bobagem demais uma pessoa se emocionar tão fácil.

De alegria ou de tristeza. Em todos os choros de Francis, eu estava ao seu lado e podia lhe consolar ou lhe mandar parar de ser idiota.

No entanto, naquele momento, eu não podia.

Seu nome é Francis Bonnefoy.

E eu já não consigo lhe fazer parar de chorar.