{Sigyn, the Goddess of Fidelity}

Eu estava lendo pela septingentésima trigésima quarta vez os relatórios dos Vingadores sobre o que havia acontecido no dia do desaparecimento de Katherine. Thor havia se forçado a imitar Odin e caíra no Sono de Thor por algum motivo desconhecido àqueles que não viam os sinais. Porém, como eu e Loki tínhamos sido treinados por Frigga e poderíamos descobrir o culpado, conseguimos acesso ao corpo adormecido de Thor, à muito custo. Depois de um ano, quatro meses e sete dias, percebi que Loki e eu não encontraríamos Kate por conta própria. Então, tive que revelar minha verdadeira identidade aos Vingadores e permitir que Wanda entrasse em minha mente para uma "verificação". Não permiti que ela visse minhas memórias atuais com Loki, apenas as antigas, para não levantar suspeitas. Afinal, ele ainda era um fugitivo tanto na Terra quanto em Asgard.

Franzi os lábios observando a foto do portal de sombras convocado por Lucas. Katherine havia deixado a bússola para trás, em uma esperança vã de que a encontrássemos através do objeto. Tentamos rastreá-la por todos os meios possíveis, sem sucesso. Cinco meses e seis dias depois do desaparecimento, Lucas reapareceu misteriosamente batendo na porta do apartamento onde morava, sem se lembrar de absolutamente nada do tempo em que fora possuído por Kitty. Ele estava fazendo terapia com Pandora desde então, enquanto seguia seu treinamento de agente na SHIELD. Em duas horas e quarenta e três minutos seriam completados oficialmente três anos do desaparecimento de Katherine. Ela ainda estava viva? Que tipo de coisas Kitty poderia estar fazendo a ela? Ou Luke havia sido libertado porque Kate finalmente havia derrotado quem a atormentava, sem conseguir sair viva no final? Engoli em seco só de pensar. Eu devia ter cuidado melhor dela.

Fechei as mãos em punhos e me levantei da mesa de metal do meu quarto provisório da SHIELD. Observei as paredes, havia colado fotos e descobertas pelo quarto, algumas delas eram ligadas uma à outra por pinos e fios coloridos. Eu havia descoberto muita coisa, porém, nada que de fato pudesse me levar à Katherine. Ela nem sequer sabia que Adam, seu professor, era o irmão gêmeo de Elise que desaparecera depois de Katherine nascer... E um cientista agente da HYDRA.

Respirei fundo, me recordando do olhar de Elise quando descobrira que sua única filha, que graças a um milagre havia acabado de escapar da morte sem sequelas graves, havia desaparecido. A palavra sequestro nunca fora dita a ela. Apenas Henry, os deuses nórdicos, os Vingadores e a SHIELD sabiam da verdade. E Adam, talvez. Folheei uma última vez a ficha que havia montado de Henry. Ele era o mais próximo de Katherine quando ela estava brigada com Luke. Se ela fosse recorrer à ajuda de alguém, ele seria a segunda opção mais provável, e eu; a primeira. Fechei a pasta após reler o relatório sobre o acidente de carro. O drama familiar de Henry antes disso tampouco me interessava.

— Ainda acordada? - Uma voz masculina perguntou às minhas costas. Eu não me permitia fechar a porta do quarto provisório, na maior parte do tempo. Eu queria que cada agente e Vingador que passasse visse a parede com as fotos de Katherine. Eu não permitiria que varressem seu nome para debaixo do tapete como mais um caso não solucionado qualquer.

— Obviamente. - Respondi, sem paciência. Me virei e percebi que estava falando com Bruce Banner, e não Tony Stark.- Boa noite, Doutor Banner. - Cumprimentei. O moreno usava uma calça social preta e uma camisa verde-escura com botões cinza. Ele se aproximou e analisou calmamente as fotos da parede, em seguida seus olhos pararam em uma com a imagem de Katherine sorrindo para a câmera ao lado de seu gato, Loki. Era uma foto de Halloween, com Kate vestida de bruxa e o gato com asinhas de morcego. Seu sorriso de diversão e alegria era genuíno.

— Ela é forte. Muito forte mesmo. - Ele murmurou, mais para si mesmo do que para mim. - Vai sobreviver. Pelo que quer esteja passando agora, acredito de verdade que ela sobreviverá. - Ele me observou por um momento, em seguida, hesitantemente colocou uma mão sobre meu ombro. - Eu prometi que a protegeria, e falhei. Falhei com Kate, com sua família e com seus amigos também. Falhei com a senhorita, Lady Sigyn, e peço desculpas por isso.

— Me poupe dessa ladainha toda. - Tirei sua mão de meu ombro, irritada. - Você não foi o único que falhou aqui. Katherine era como uma irmã mais nova para mim, era minha responsabilidade cuidar dela e protegê-la. Ainda é. - Me corrigi rapidamente. Eu havia me referido à Kate como se ela não estivesse mais entre os vivos... Ela não podia estar morta, podia? Trinquei os dentes. Não, eu não me permitiria ter dúvidas quanto a isso. Katherine estava viva. Tinha que estar.

— Isto... Chegou pelo correio, endereçado à senhorita. - O cientista tirou um pequeno envelope negro do bolso, com letras elegantes escritas em tinta dourada. - Chequei a caligrafia e não bate com a de Katherine. Mas o endereço estava correto, era daqui. Alguém está ciente de sua atual localização.- Peguei o envelope de suas mãos, analisando-o cautelosamente. Até onde sabia, poderia ser uma armadilha.

À LADY SIGYN, DEUSA DA FIDELIDADE E PROTETORA DE TODAS AS COISAS VIVAS E DOS NOVE REINOS DE YGGDRASIL.

Franzi os lábios. Aquele título era... Antiquado. Raro, para dizer o mínimo. Pouquíssimas pessoas sabiam que um dia eu já o herdara, em uma cerimônia abençoada pelo Sol Dourado no templo oficial dos Quatro Astros Protetores, em Alfheim. Odin havia aceitado de bom grado na época... Até arrancá-lo de mim à força depois de tê-lo desapontado ao fugir de Asgard. Fosse quem fosse, tinha mais de cinquenta anos de idade.

Não havia um brasão no envelope selado, mas a cera era de um verde escuro brilhante muito bonito. Abri o envelope e puxei uma folha grossa cor de creme. Arregalei os olhos, chocada.

A SENHORITA KATHERINE ADAMS KOHLS TEM O PRAZER DE CONVIDAR SUA ESTIMADA AMIGA, PEQUENA SEREIA, PARA SUA FESTA DE ANIVERSÁRIO DE 21 ANOS.

Minhas mãos começaram a tremer, um suspiro de alívio que logo se transformou em um soluço gutural saiu pelos meus lábios. Meus joelhos fraquejaram; Banner foi rápido o suficiente para me amparar antes que eu caísse no chão e me guiou até a cama. Entreguei o convite a ele, com as mãos ainda trêmulas.

— É-É ela. É a Kate. - Bruce observou o papel cautelosamente.

— Como você tem tanta certeza?

— Esse é o apelido que ela mesma me deu. Ela não colocou "Sigyn" ou "Sage" porque sabia que eu consideraria uma armadilha. - Banner me observou por alguns instantes.

— Farei um exame de DNA no laboratório. Veremos se ela tocou nisso. - Ele ergueu o convite. Apenas assenti, incapaz de fazer mais do que isso. Quando Banner pegou o envelope aberto, algo caiu dele. O humano se agachou e pegou um pequeno objeto comprido. Quando ergueu, percebi que era uma pequena trança de cabelo preto com um pequeno bilhete na ponta. O doutor se aproximou e leu o bilhete em voz alta.- "Sinto muito pelo luto. Sinto muito por toda a comoção que causei. Sinto muito por não me sentir pronta para entrar em contato antes. Até mais tarde, Pequena Sereia. P.S.: Sem ressentimentos? Estou enviando uma pequena prova de que sou eu". - Os olhos de Bruce brilharam. - Pode ser o cabelo dela. E a caligrafia do bilhete é diferente da caligrafia do envelope. - Me levantei e enrolei a trança na palma de minha mão.

— É mais do que isso, e ela sabe. No meu Reino, quando alguém muito querido morre, os parentes, amantes e amigos podem trançar os próprios cabelos ao da pessoa que se foi como uma última forma de honrar sua memória e expressar o luto.- Respirei fundo, inconscientemente acariciando a trança de fios negros.- Se ela enviou isso, seu pedido de desculpas é genuíno e ela não quer que nos lembremos dela de uma maneira ruim.- Um pequeno sorriso surgiu em meus lábios. Me virei novamente para Bruce, entregando-lhe a trança.- Comece os testes, doutor. Temos que saber se foi Katherine que me enviou o convite.

Assim que Banner saiu do meu quarto, fechei a porta e me teletransportei para o apartamento de Lonyr e Hunne. Desde quando não conseguimos encontrá-la sozinhos, Loki passara a ficar cada vez mais volátil e deprimido. Como o deus da mentira gostava de extremos, deixá-lo sozinho estava totalmente fora de cogitação. No início, pensei que seria como o de costume, apenas com as festas extravagantes, as bebidas caras altamente alcoólicas e as maratonas de sexo ininterruptas. Porém, depois de encontrá-lo se drogando com uma erva mágica em seu quarto com uma seringa no aniversário do segundo ano do desaparecimento de Katherine, o forcei a ir morar com Lonyr e Hunne, por mais que Loki sofresse pelas semelhanças da elfa da luz com Katherine. Era para seu próprio bem, já que não poderia vigiá-lo o tempo todo.

Ao chegar no apartamento, encontrei Hunne pintando mais uma de suas telas no meio da sala de estar, com o tapete coberto por uma lona transparente para não manchar. Ela usava um vestido amarelo de mangas longas e um avental surrado azul-claro com bolsos grandes para seus instrumentos de pintura. Ela estava coberta por manchas aleatórias de tintas variadas, seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto no topo da cabeça. Seu cabelo rosa havia crescido, e a elfa prometera não cortá-lo até que Katherine fosse encontrada.

Lonyr havia se adaptado ao estilo de vida humano, e permitiu que eles o influenciassem um pouco. Ele havia cortado seu cabelo platinado de uma forma moderna, raspado até quase a metade da cabeça e então deixando os fios curtos para a esquerda, quase em um topete elegante. Usava um conjunto de camisa e calça jeans claro com alguns detalhes da costura em dourado. Lonyr estava na cozinha, preparando o que parecia ser um Sgarjent (prato típico de Alfheim) improvisado, substituindo o javali-cauda-de-escorpião por maminha.

Loki estava sentado em uma poltrona na sala de estar, virada de costas para a porta e de frente para a enorme janela de vidro blindado do apartamento, que ia do chão ao teto. Seus olhos estavam serenos, observando a noite pela janela enquanto ele acariciava os pelos negros do gato de Kate em seu colo. O observei por um momento, ciente de como ele se sentia. Loki não fazia promessas sérias para não se comprometer. Ele era o deus da trapaça e da mentira e, na maior parte do tempo, era como ele agia. Como uma máscara que colocava para todos ao redor dele. A promessa que ele fizera aos pais de Kate fora a única vez que eu o vira tirar essa máscara e tentar assumir uma responsabilidade séria. E, na única vez em que fizera isso, ele acabou falhando no final. Eu sabia que ele se culpava diariamente pelo que havia acontecido.

No segundo que olhei para Loki, me arrependi de ter me teletransportado para o apartamento. O que eu sabia, afinal? O convite poderia ser uma armadilha, eu não tinha provas de que era realmente Katherine e...

— Sigyn. - Chamou Lonyr, depois de estalar os dedos e a mesa se colocar sozinha, com o prato principal em uma travessa no centro. Seus olhos estavam determinados.- Podemos conversar?- Assenti, me dirigindo ao quarto do elfo da luz. Ele me seguiu e fechou a porta após entrar, acionando um feitiço antigo de Silêncio e Sigilo.

— Do que se trata?- Questionei, após me sentar em sua poltrona de leitura. Três envelopes pretos apareceram em sua mão direita, ele os entregou à mim. Analisei cautelosamente.

À LONYR KALANDUR, CRIADOR DA MAGIA ILUSIONISTA DE ALFHEIM, FEITICEIRO NÍVEL ALFA E ATUAL SACERDOTE DO SOL DOURADO.

À LADY HUNNE VELIRAN, EXPLORADORA DE REINOS DESERTOS E COLECIONADORA DE ITENS MÁGICOS HISTÓRICOS.

À LOKI ODINSON, PRÍNCIPE DE ASGARD, SEGUNDO NA LINHA DE SUCESSÃO DO TRONO E DEUS DA MENTIRA E DA TRAPAÇA.

— Eu as abri, havia um convite dentro de cada uma.- Lonyr me entregou os convites e os li.

A SENHORITA KATHERINE ADAMS KOHLS TEM O PRAZER DE CONVIDAR SEU ESTIMADO AMIGO, ORELHUDO, PARA SUA FESTA DE ANIVERSÁRIO DE 21 ANOS.

A SENHORITA KATHERINE ADAMS KOHLS TEM O PRAZER DE CONVIDAR SUA ESTIMADA AMIGA, ELFA DAS ORELHAS DE ABANO, PARA SUA FESTA DE ANIVERSÁRIO DE 21 ANOS.

A SENHORITA KATHERINE ADAMS KOHLS TEM O PRAZER DE CONVIDAR SEU ESTIMADO AMIGO, HOMEM-MURALHA, PARA SUA FESTA DE ANIVERSÁRIO DE 21 ANOS.

— Também recebi um desses. Banner está analisando o DNA para tentar descobrir alguma coisa. No meu, veio uma trança de cabelos negros com um bilhete de desculpas. Eu tenho a esperança de que seja mesmo ela. - Lonyr franziu os lábios. O encarei com um olhar penetrante. Ele suspirou, revelando seus pensamentos:

— Não quero que se assuste, mas... Há muitas formas de conseguir os apelidos das pessoas próximas de alguém, assim como há muitas formas de conseguir que um certo bilhete seja escrito. Até mesmo sobre a trança de cabelo...

— PARE.— O cortei, ciente do que ele estava sugerindo. Katherine ainda poderia estar morta, mesmo com a confirmação de sua identidade. Ela poderia ter sido obrigada a entregar tudo aquilo e... Ela teria sido torturada? Me senti enjoada com o pensamento. Lágrimas passaram a descer pelos meus olhos.- P-Por favor, apenas pare.- O elfo da luz suspirou e se ajoelhou perto da poltrona, pacientemente secando minhas lágrimas com seus polegares. Seu olhar brilhou com gentileza ao me fitar.

— Estou apenas supondo, querida amiga.- Lonyr me puxou para um abraço e acariciou minhas costas de leve enquanto eu soluçava em seu ombro.- Ela sobreviveu à nêmesis de Thor. Sobreviveu ao príncipe Loki. Ela é inteligente e sabe se virar, sabemos disso.- Assenti e me afastei dele. Lonyr se deteve por um momento me analisando, como sempre fez desde a primeira vez em que me viu, na casa de Hunne. Nossa amizade havia se fortalecido e ele me respeitava o suficiente para nunca dizer nada que fosse estragar isso; mas eu sabia o que jazia em seu coração. Seus olhos brilhavam quando eu entrava no recinto, às vezes suas orelhas pontudas enrubesciam de vergonha quando eu o flagrava me admirando de longe, ele sempre estava disposto a me escutar e me confortar quando era necessário. Não queria magoá-lo, assim como ele não queria me magoar. Ele preferia continuar guardando seus sentimentos para si do que se declarar e arriscar que eu desaparecesse de sua vida para sempre.

Meu celular vibrou no bolso da calça jeans, engoli o choro rapidamente, limpei a garganta e atendi, sem olhar no identificador de chamadas.

— POR QUE VOCÊ NÃO ME CONTOU, PORRA?! FUI ENTREGAR A MERDA DO MEU ENVELOPE PRO BANNER E ELE DISSE QUE VOCÊ JÁ TINHA FEITO ISSO!

— Não sabemos se é realmente ela, Lucas. Pode ser uma armadilha, e você sabe disso.

— VAI SE FODER, SAGE, SIGYN OU QUALQUER QUE SEJA SEU NOME, SUA VADIA MENTIROSA!— Respirei fundo. Eu sabia que havia magoado Lucas desde quando me revelei para os Vingadores. Ele ficou sem me dirigir a palavra por três meses, até levar uma bronca do Steve e ser obrigado a me ajudar na investigação sobre o desaparecimento de Katherine. Basicamente, estávamos trabalhando juntos na SHIELD, mas seu desapontamento por eu ter omitido minha verdadeira identidade o machucara de verdade. Toda aquela paixonite adolescente por mim havia sumido.

— Logo os resultados ficarão prontos. Me mantenha informada, Lucas. Boa noite.- Encerrei a chamada e suspirei, passando a mão no rosto para me livrar de qualquer indício de que eu havia chorado. Lonyr tinha seus olhos fixos em mim.- Por favor, não diga nada ao Loki ou à Hunne. Ainda não temos certeza se...

— Não direi. Mas... Acho que devo dizer a ti que consultei um Oráculo na última noite e...- Arregalei os olhos. Oráculos haviam sido proibidos para os Sacerdotes e Sacerdotisas dos Astros Protetores após um enorme escândalo sobre o antigo Sacerdote do Sol Rubro. Para Lonyr recorrer a um Oráculo clandestinamente se arriscando a perder seu título... Ele estava disposto a ajudar de verdade.- Não houve uma previsão da morte de Katherine. Contudo, um novo nome surgiu, alguém de muito poder que cruzou o caminho dela. Kahn.- Ele me observou.- Este nome significa algo para você?- Balancei a cabeça em negativa.

— Não, não significa nada para mim.- Hunne bateu na porta e entrou no quarto.

— Vamos comer? Tem bastante comida e é lua crescente. Logo teremos que escrever nossos desejos em folhas de louro, queimá-las e soprar ao vento.- Hunne tinha um pequeno sorriso no rosto, suas sardas cor de caramelo eram adoráveis em sua pele negra. Seus olhos azuis-gelo estavam sempre bem abertos, como uma criança assustada esperando que o pior acontecesse. A elfa da luz estava em alerta desde quando Loki se mudara para seu apartamento, como se temesse pela saúde do deus da mentira. Ela mencionara que, quando era mais jovem e estava desistindo do treino de magia por não conseguir acompanhar os demais, antes de sua mãe contratar Lonyr como seu professor particular, Loki a havia ensinado um pequeno truque, lançando minúsculos fogos de artifício da palma de sua mão. Desde então, Hunne havia decidido que seria tão talentosa quanto o deus da mentira.

— Vamos?- Olhei para Lonyr, que assentiu.

{Loki, God of Mischief}

Era profundamente irritante a forma como Sigyn passara a me tratar. Eu não era uma bomba-relógio prestes a explodir, jamais faria algo tão estúpido quanto...

Quanto tentar se viciar em uma erva mágica capaz de causar alucinações que afetam o senso de realidade e a memória e sensibilizam os cinco sentidos, talvez até para sempre?- Completou meu subconsciente de forma sarcástica.- O que pode ser tão estúpido quanto isso, não?— Eu conseguia imaginá-lo claramente com um sorriso zombeteiro em seu rosto.

Respirei fundo. Eu só queria experimentar algo novo, já que tudo o que fazia parecia muito... Irreal. Não, não irreal, mas... Superficial, talvez? Atender a todos os meus desejos e caprichos geralmente me satisfazia, mas aquilo era diferente. Não era uma questão de desejo, então. Seria necessidade? Tédio? A rotina que estava me enlouquecendo aos poucos?

— Loki, vamos ao shopping no domingo?- Perguntou Hunne. A encarei, ela me dirigiu um pequeno sorriso.- Queria comprar macacões novos para customizar com bordados e estampas.- Eu já não me incomodava mais com pequenos sorrisos ou demonstrações de bondade e gentileza. Eu estava hospedado no apartamento deles, afinal. Escutei um latido e olhei para meus pés, onde havia um lulu-da-Pomerânia me encarando. Sorri para Damien e lhe dei um pedaço de carne do meu prato. Olhei em volta, notando a ausência de Loki. Ele havia seguido para o quarto de Hunne, então.

— Podemos sim. Depois das 14 horas?

— Perfeito.- Hunne afirmou com a cabeça, satisfeita.- Olhei fixamente para Sigyn por um instante, já que ela parecia mais agitada do que o normal. Não precisava olhar em sua mente para saber que ela estava escondendo alguma coisa de mim, alguma coisa que a perturbava.- Como foi hoje, com os Vingadores? Steve continua te chamando para sair?

— É casual e você sabe disso.- O tom de voz da deusa era cortante. Ela suspirou.- Estou esperando o resultado de uma amostra de DNA. Pode nos levar a algum lugar, com sorte.

— Não é sorte, são as artimanhas do Destino.- Respondi quase que automaticamente. Aquele era o mantra que repetia para mim mesmo havia séculos. Não consegui evitar de lhe dirigir um pequeno sorriso de canto. Lonyr me observou por um instante, avaliando minhas reações. Ele estava ciente da verdade, então.- E a galeria?- Lonyr havia passado a trabalhar em uma galeria de arte depois de fazer um curso renomado de arte por um ano, depois de estudar sobre a história da arte midgardiana. Desnecessário acrescentar que Hunne o apoiou desde o começo e era uma frequentadora assídua da galeria, já que procurava inspiração para seus próprios quadros.

— Teremos uma exposição de um artista australiano em uma semana. Allan Kurtis. Ele tem um estilo interessante, mistura sempre fotografias com pinturas de um modo refinado. Relativamente pouco conhecido, conheci seu trabalho através do Instagram. Quarenta milhões de seguidores.

— Que bom que está dando certo.- Ouvi Loki passar a rosnar e sibilar muito alto no quarto. Ficamos em silêncio por um momento, nos encarando. O barulho piorou, agora o gato estava grunhindo e produzindo ruídos cada vez mais agressivos. No momento seguinte, Sigyn e eu estávamos em pé usando nossas armaduras asgardianas e Lonyr tinha uma esfera de luz em sua mão enquanto Hunne havia pegado a faca grande que estávamos usando para cortar a carne. Seguimos até o quarto, eu atacaria primeiro, depois Lonyr me daria suporte, Hunne tentaria fazer mais algum estrago e Sigyn estaria concentrada em escudos de energia e, na pior das hipóteses, em cura. Uma aura azulada rodeou a todos nós.

Só conseguia ver o gato pela fresta da porta, seu comportamento estava muito mais agitado do que o normal. Adagas afiadas surgiram em minhas mãos. Abri a porta de uma vez, vendo nada além de uma janela aberta e das cortinas amarelas pastel sendo sopradas pela brisa noturna. Aquilo era um mau sinal. Observei em volta, bem a tempo de...

Sombras como fitas largas de cetim nos cercaram e nos espremeram uns contra os outros em nossa formação, acabei enfiando uma adaga no torso do sacerdote acidentalmente enquanto sua magia de luz queimou meu peito, através da armadura. Trinquei os dentes e virei a cabeça, procurando por nosso inimigo em comum. Arregalei os olhos, espantado.

Ela estava belíssima. Seu longo cabelo preto estava preso em uma trança longa, suas curvas estavam mais acentuadas e suas feições pareciam mais anguladas, maduras. Seus olhos verdes brilhavam forte enquanto ela erguia um pulso fechado à sua frente - o comando silencioso para as sombras para que nos prendessem juntos. Seus lábios estavam mais rosados, sua pele estava mais corada, sem sua aparência branca quase translúcida. Suas unhas estavam compridas e pintadas de preto. Ela estava cerca de quinze centímetros mais alta, porém, era difícil estipular em razão de suas botas de salto.

Observei seu traje - uma espécie de macacão de couro com mangas e pernas longas, com uma textura parecida com as de escamas negras de quatro centímetros cada. Por cima, calçava botas longas de couro preto que chegavam até as coxas. Uma cota de malha dourada enferrujada ia desde seu busto até um palmo abaixo da bunda, simulando um vestido. De toda aquela visão, me encontrei sem fôlego perante seu olhar de ferocidade e por um detalhe: uma pintura de guerra que eu não entendia o significado. Era uma faixa vertical que seguia desde seu olho direito até seu pescoço. Em seu olho esquerdo, a tinta da outra faixa era dourada.

— Kath...!- Quando Hunne fora gritar seu nome, ela abriu a mão e as sombras sumiram, nos libertando. Lonyr grunhiu e colocou a mão sobre seu ferimento. Eu estava surpreso demais para sequer me lembrar da queimadura em meu peito. Katherine mantinha seu olhar predatório em mim, me analisando discretamente. Não era o tipo de olhar que se dirige a um antigo conhecido, tampouco era um olhar de flerte. Ela estava apenas medindo seu próximo oponente, sua próxima luta. Ela abaixou a mão e desviou o olhar, analisando Sigyn, Lonyr e Hunne. Loki continuava sibilando para ela, como se não a reconhecesse. Como se ela fosse um predador legítimo, uma ameaça. Ela colocou a mão em sua orelha.

- Estão seguros.- Ela disse, sem emoção. Hunne se adiantou e avançou sobre ela, a puxando para um abraço enquanto gritinhos de felicidade escapavam de sua boca. Sigyn estava curando o ferimento de Lonyr.

— Kate, por onde você esteve?! Nós te procuramos por toda parte!— Katherine se deixou ser abraçada, apesar de, a julgar pelo modo que permaneceu em pé, quase totalmente ereta e em posição de sentido, ela não fazia aquilo com frequência ou não se lembrava de como abraçar alguém. Lágrimas rolaram pelo rosto de Veliran durante o abraço. As feições de Katherine eram como uma página em branco. Quando Hunne a soltou, ela fixou seu olhar em Sigyn.

— Ainda sou eu.- Disse ela. Havia um pouco mais de emoção em sua voz, como se as duas compartilhassem um segredo. Sigyn apenas sorriu, desconfiada. As orbes verdes brilhantes de Katherine se voltaram para mim e ela respirou fundo, provavelmente considerando o que deveria fazer em seguida.

— O que aconteceu?- A pergunta escorreu pelos meus lábios antes que pudesse me conter.

Ela andou até mim, deixou que ficássemos próximos, ignorando a todos os que no cercavam. Katherine esticou sua mão e tocou meu peito, onde estava a marca de queimadura. A sensação era fria e quente ao mesmo tempo, muito para o corpo suportar de uma só vez. Ao retirar a mão, percebi que ela havia me curado usando uma técnica similar a qual eu a curara, na noite do nosso primeiro beijo. Como se ela se lembrasse da mesma coisa, seus olhos esquadrinharam meu rosto. A morena deu um passo à frente.

Estávamos tão próximos que eu conseguia sentir seu aroma...

Tão próximos que seus lábios quase tocavam os meus...

Engoli em seco, esperando. Depois de tanto tempo, não queria afugentá-la. Não agora que poderíamos ficar juntos, fugir para onde ela quisesse, sumir e simplesmente deixar tudo para trás... Um outro Universo, talvez? Ou outra Realidade? Um lugar afastado ou esquecido, onde ninguém saberia nossos nomes e jamais ouviram falar de Asgard ou dos Vingadores...

Alguém já te disse que você pensa demais?

Congelei. Sua voz estava na minha mente.

Meu olhar encontrou o seu. Ela não me deixou fazer perguntas; tampouco me permitiu me afastar.

Em um movimento rápido, Katherine me puxou pelo colarinho e chocou seus lábios contra os meus.

Depois disso, tudo o que me lembro é de ser engolido pelas sombras.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.