Legacy - Interativa

Capítulo 12 - Atlantic King


CAPÍTULO 12 – Atlantic King

“Homem livre, tu sempre gostarás do mar."

Charles Baudelaire

Afonso Lancaster

Afonso encarava com convicção os olhos verdes do rei Thomás. Já se faziam cinco longos e agitados anos desde a última vez que os dois não se viam, e aquele silêncio entre os dois carregava os segredos do que parecia ser uma vida. Os dois sabiam o que vinha acontecendo desde o último verão de Afonso na Corte portuguesa, no entanto, não conseguiam saber quem seria o primeiro a dar um passo. Thomás era cauteloso, refinado e reservado, tinha sempre aquela postura de superioridade que arrepiava a coluna de qualquer um, mas, diante do jovem Lancaster, algum brilho diferente cruzava seu rosto. Não era como um brilho paternal e acolhedor, mas algo que realmente lhe dizia: sei todos os teus segredos, e, apesar de não aceitá-los, o perdôo.

Afonso queria acreditar que seria assim tão fácil perdoar alguém que tenta lhe roubar tudo. Absolutamente tudo. Desde seu país e suas riquezas à sua integridade moral, sua palavra quanto homem e rei. Pelo menos, enquanto comandava aquelas embarcações até o Brasil, era isso que imaginava estar fazendo. Estaria ele imaginando derrubar Portugal em benefício a sua amada Inglaterra.

Thomás esticou-lhe o braço, oferecendo um cumprimento amigável e sutil. Os olhos de Afonso Lancaster caíram do rosto do rei para sua mão cansada e levemente trêmula. Ficou um tempo analisando aquela pele cansada sobre os dedos ossudos, dedos estes que já haviam segurado muitas canetas para assinar documentações, já haviam apertado mãos de vários homens importantes – incluindo o Papa – e segurado três belos filhos e um sobrinho bastardo. Afonso engoliu seu orgulho, forçando o sentimento descer como uma pedra pontiaguda pela garganta e colocou sua mão sobre a do tio e também rei. Mal pode sentir o toque e puxou o velho homem para si, dando-lhe um abraço forte.

–Ouvi dizer que decidiu não me matar – o jovem homem disse, distanciando-se do abraço do tio.

–Não posso fazer isso – o rei disse – e nem quero. Entendo você ter escolhido a Inglaterra como seu país, de fato, não aceito a idéia, mas entendo e respeito. Você nasceu lá, filho de Victoria Lancaster e recebeu acolhimento do rei inglês, que nem o seu sangue tem. Imagino que Portugal tenha te trazido muitas decepções, Afonso, mas não negue que tuas origens portuguesas estão bem presentes, principalmente no nome que carrega.

–Sim – ele concordou em voz baixa – como Afonso Henrique, o Conquistador. Fundador da nação.

–Exato. Agora, veja bem, seu nome e as coisas ruins que aprontou para Portugal nesse passado recente, não serão esquecidos e nem perdoados tão facilmente por todos daqui. Algumas pessoas levarão até a morte o ódio que sentirão por você. Não quero que reclame nem por uma fração de segundo. Se ouvir ofensas de outros, engula. Pelo menos temporariamente. O que te peço, meu sobrinho, é que reconheça que da mesma forma que se é difícil para você, imagine para mim, quanto rei de Portugal. Eventualmente as pessoas descobrirão sobre os prejuízos que estou tendo com o Brasil, e saberão logo que foi você que me causou este problema.

–Não vou aguentar ficar calado se me insultarem, Vossa Majestade sabe disso.

–Irá aguentar sim, garoto. Esta é uma ordem minha, pois lhe dei meu perdão, nada além disso.

Afonso sentiu as orelhas esquentarem, subitamente sendo atingido pelas palavras de força de Thomás. Ele recuou um passo, como se tentasse respirar melhor, talvez buscar uma luz para seus pensamentos. Colocou as mãos em volta da cintura e trincou o maximilar, sentido uma pequena dor bem atrás dos olhos, ao fazê-lo. Esse pequeno machucado seria mais uma consequencia dos últimos dias, onde viera praticamente enjaulado em uma pequena e mal-cheirosa cabine do navio. Suas vestes nunca eram trocadas e os marinheiros faziam rodízio de chacotas. Pareciam até marcar horário para saber qual era o próximo grupo a fazer graça do sobrinho bastardo do rei.

Estalou os lábios, sabendo que era hora de chegar a uma decisão definitiva:

–Então esta é a sua escolha? Está escolhendo o sobrinho bastardo ao invés de seu país?

–Afonso, você por acaso já leu a Bíblia?

–Algumas passagens, Vossa Majestade – ele confirmou.

–Pois vou lhe reforçar o que diz ela – nesse momento, Thomás apontou um dedo para Afonso, e ele pode ver os anéis que carregava. – Deus fala sobre família, amor e fé. Os homens dizem seguir Deus mas nunca estão praticando seus ensinamentos, e sabe porque? Porque nunca leram a Bíblia. Esses homens acreditam na palavra de alguma pessoa que se diz Santa e que prega pelo poder e o dinheiro, mas quando tiver a Bíblia em mãos, leia uma passagem e a interprete. E lembre-se: A interprete de maneira correta, sabendo que o que Deus ensina nunca é material. Ele nunca dá forças para aquele que só pensa em negócios.

–Desculpe meu tio, mas creio não entender seu ponto de vista

–Portugal é tudo para mim, sou o rei. Amo ser o que sou e sei que nesse país não há força maior que a minha, mas eu não sou um animal e espero que os outros saibam disso. Espero que você, como um homem que se tornou, veja que seu tio é um rei e, que no entanto, isso não o impede de ter compaixão.

–Trata-se de compaixão? Tem compaixão por mim?

–E até mesmo um pouco de admiração. Eu, em seu lugar, não teria tanto peito para ir contra meu próprio pai e meu próprio tio. Você o fez mesmo assim e conquistou o título de Rei do Atlântico.

–Não foi fácil conseguir esse título. Passei por muitos desafios.

–E, no final, seu próprio pai conseguiu puxá-lo pela cauda.

Afonso riu sem humor nenhum:

–Parece que mesmo tentando se livrar de mim, ele nunca consegue.

Foi a vez de Thomás rir, mas ele riu de verdade. Uma risada pesada e baixa. Ele virou o corpo em direção a janela por um curto segundo. Estavam no escritório do rei, e Afonso imaginou que poucos homens eram julgados naquela sala. Talvez nenhum. No entanto, ele estava ali, parado diante do tio, sem nenhum segurança por perto. Se quisesse ferir o monarca, não seria difícil e poderia acabar matando-o em menos de um minuto. Provavelmente ele mesmo não escaparia vivo dessa e se caso o fizesse, seria caçado até o fim de suas vidas. Mas Thomás não pareceu pensar em nada disso quando ordenou que o sobrinho fosse enviado até seu escritório e teve confiança o suficiente para ser deixado a sós com ele. Talvez estivesse superestimando as atitudes de Afonso ou talvez conhecesse realmente bem o sobrinho, talvez o conhecesse tão bem a ponto de saber que ele jamais se tornaria contra Thomás para matá-lo ou feri-lo. Não era esse seu objetivo e nem nunca fora.

–Seu pai, o Pedro, nunca honrou com suas palavras e sempre foi um péssimo pai. Tanto que ao meu primeiro comando para capturá-lo, ele aceitou automaticamente. Pedro acredita que o seu nascimento tenha sido um erro, e ele nunca foi de admitir erros.

–Já notei esses traços na personalidade dele – admitiu Afonso, lembrando que a muito tempo ele não sentia o gosto da palavra pai sair dos seus lábios.

–É um homem que se encaixa perfeitamente em qualquer estereotipo desses por aí. E isso não incomoda Pedro. Mas vou falar para você algo que nunca admiti nem para o meu primogênito. – Thomás caminhou até Afonso perto o suficiente para que o jovem se sentisse engolido pela sombra dele – Eu nunca gostei de ser o que os outros eram. Sempre quis ser diferente e não para ser o destaque, mas para me sentir melhor. Consegue compreender meu ponto de vista?

–Perfeitamente, Vossa Majestade.

–Pedro e eu nunca fomos melhores amigos, mas também nunca fomos inimigos. Ele sempre gostou do mar e por isso deixei com que se tornasse o Comandante Naval. Deixe que ele ande pelo mar com todas as putas que puder recolher dos outros países, o que me interessa é que minhas ordens sejam cumpridas. Meu irmão não tem destaque, nem para mim, nem para você, que claramente demonstra desgosto, e nem mesmo para as várias prostitutas. Quer que eu tenha essa perspectiva sobre você daqui alguns anos?

–Não, senhor. Não quero que nem você e nem ninguém pense isso sobre mim.

–É o que imaginava. Então vou exigir muito de você, meu rapaz, pois quero que apague o mal que me prejudicou, e quero fazer de você um jovem do qual eu, rei de Portugal, terei orgulho de me lembrar. Um homem que minha mulher colocará na boca de outras mulheres e então você conseguirá uma esposa linda, atenciosa e compreensiva. Se eu o acolher, todo o país fará o mesmo e você não será lembrado como esse homem que se virou contra o país da própria família ou esse homem que é igual a todos os outros, que acha sua palavra é mais importante, quando na verdade não tem significado nenhum. Vou dar a chance de reparar seus erros.

–Qualquer coisa.

–Jure lealdade a minha coroa.

Afonso arqueou as costas, sentindo a frase como uma chibatada na pele. Numa altura dessas a Inglaterra já imaginava que estava morto, mas se não jurasse lealdade a coroa Portuguesa, iria morrer como um Zé-ninguém, ou, pior ainda, seria decepado em praça publica, diante da risada dos súditos e amantes amadores do rei Thomás. Sim, pois tinha certeza que Thomás não teria outra opção se não arrancar-lhe a vida.

–Juro que serei fiel a coroa de Portugal – Afonso disse com convicção – Eu juro, meu rei.

–Se suas palavras se provarem sinceras e você se tornar alguém que não seja igual a tantos outros, tenha certeza que será recompensado.

–Recompensado?

–Farei de você o novo Comandante Naval. – o rei cruzou os braços – Não quero conversar por hoje. Alguém o levará até seus aposentos. Tem uma festa ocorrendo no Salão, com vários integrantes para a Corte. Muitos deles querem muito conhecer Kai e a futura esposa, mas não quero que você apareça por lá hoje, tome seus aposentos. Agora.

Afonso fez que sim com a cabeça e em seguida, fez uma grande e demorada reverencia ao seu verdadeiro rei. Depois, deixou a sala em silêncio, sabendo que teria muito tempo para tentar encaixar seus pensamentos.

X

–Segure a respiração, Vossa Alteza, vou desfazer as amarras do corslet. – a empregada pediu em voz baixa.

Kuanna fez que sim com a cabeça, e colocando as mãos no espelho a sua frente, prendeu a respiração. Logo, sentiu o peito inflar e um amortecimento nas costelas se manifestar. Os dedos da empregada roçaram em uma parte exposta de sua pele, e a princesa se arrepiou levemente com o toque frio. Em menos de um segundo, um puxão rápido mas delicado nos fios fez com que os ombros de Kuanna caíssem, e sua respiração voltou ao ritmo normal.

A empregada, que era pequenina e tinha cabelos bem ruivos, retirou a peça de roupa do corpo da princesa e ela observou seus peitos nus. Ainda usava a saia maravilhosa que escolhera, mas sem o corselet, ela conseguia ver claramente a perfeição do seu busto, os braços um pouco mais cheios do que o normal, mas que casavam perfeitamente com o belo par de peitos. Notou também a marca avermelhada em baixo dos ombros, devido ao uso do seu corselet muito bem apertado. Colocou um dedo por ali e sentiu uma pequena dor, como um beliscão rápido.

–Não se preocupe Alteza, os óleos para sua massagem estão prontos. Sei fazer uma massagem que aliviará a dor – ela sorriu amigavelmente – Primeiro, vamos tirar a saia.

Kuanna fez que sim com a cabeça e voltou a observar seu reflexo no espelho. No último mês, havia perdido alguns quilos, pois conseguia notar que a barriguinha que tinha, já não existia mais. Agora, quando tocava em sua cintura, sentia os ossos por debaixo da pele, e se abraçasse a si mesma enquanto se movimentasse, era capaz de sentir, sem nenhum esforço, todos seu esqueleto se movimentando. Até seus ombros pareciam mais magricelos. A Rainha Bella sempre incentivou a beleza da filha, até havia adorado a idéia de a menina ter emagrecido tão rápido em tão pouco tempo.

–Estou bem cansada – a princesa revelou ao reprimir um bocejo – A festa ainda demorará?

–Ah, provavelmente – a empregada disse – As pessoas daqui gostam de festa.

–Estou acostumada com outros tipos de festa. – A empregada não falou nada, pois sabia que não tinha direito de ser curiosa, mas Kuanna viu que ela queria saber, estava em seu rosto, e, por isso, continuou – Em Mônaco, as festas são mais luxuosas. E acontecem mais... Espetáculos eróticos, porque aqui são todos tão certinhos?

–Rainha Marie é conservadora. Acredito que seja esse o motivo, Alteza.

–Certo. E, quanto ao príncipe Kai?

–O que há com ele?

–Bem, ele não se parece como o meu irmão. É mais jovem, certamente está descobrindo sobre as melhores coisas da vida. O que sabe sobre ele?

–Pouco, muito pouco – a empregada disse – Trabalho aqui a pouco tempo.

–Ora, querida. Confie em mim, sou Kuanna, de Mônaco. Além do mais, não querendo ser uma chantagista, mas já sendo, eu tive confiança de entregar meu corpo a uma desconhecida. Poderia matar minha curiosidade, não poderia?

A empregada puxou a saia de camadas que Kuanna usava. Auxiliou a princesa a desviar do monte de panos e começou a puxar sua meia-calça branca para baixo. Respirou fundo:

–Não temos olhos, nem boca e nem ouvidos quando estamos com um membro da família real, sei que a senhorita sabe disso. Kai não é um mal garoto, muito pelo o contrário, e afirmo isso com toda minha crença na Igreja Católica. Mas certamente tem pouca cabeça. – ela engoliu em seco e então deu um salto que até mesmo Kuanna se assustou.

–O que houve criatura? – pediu, colocando a mão sobre o peito, sentindo o coração acelerar.

–Devo morder minha língua. Estou falando dos meus superiores – seus olhos verdes claros estavam arregalados, ela começou a tremer. Kuanna pensou em se aproximar, mas não o fez quando viu a empregada se virar diante do espelho e morder a língua com força. A princesa prendeu a respiração – Desculpe Alteza. Não posso falar deles.

–Está tudo bem. Se acalme, por favor. Está me assustando.

–Desculpe Alteza. Mil desculpas. Estou sendo inconsequente. Nunca fui assim. – ela balançou a cabeça. – Venha Alteza, me acompanhe até seu banho.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.