A Berkeley Carroll fornecia diversas atividades extras, como teatro, beisebol, basquete, futebol, vôlei, natação, dança, música, artes e até recreativas com os alunos mais jovens. Haviam laboratórios, bibliotecas, um estúdio, salas de aula especializadas em temas diferentes, como culinária, uma sala de Ciências e uma biblioteca ampliada. No território da escola ainda cabia um ginásio e uma piscina de 75 pés.

Fiquei de companhia a Tony Hewson, um garoto de pele clara, cabelos ondulados e castanho-claros com uma parte coberta por um gorro vermelho, seus olhos eram azuis, ele usava calças jeans, tênis All Star, jaqueta jeans por cima de uma camisa polo cinza e muletas. Era bem bonito.

Estávamos na arquibancada, assistindo ao jogo de futebol.

Tyler Mitchell aproximou-se, um garoto que possuía cabelos lisos e castanhos cobertos por uma touca preta, olhos verdes e, assim como Tony, usava muletas.

Eram um dos poucos que não faziam a atividade, por conta do problema físico, Claire estava ali também, assistia ao jogo que no momento era só dos meninos.

Percebi que Tony parecia apreensivo.

— Tudo bem, Tony? – perguntei. Ele assentiu rapidamente.

— É só que... Acho que devíamos leva-los à enfermaria, não? – disse ele.

Percebi do que ele estava falando quando olhei para o ginásio e notei Max e Dylan caídos no chão.

Tony, Claire, Tyler e eu descemos da arquibancada às pressas. Eu e Tyler ajudamos Max a se levantar e o levamos até a enfermaria.

Claire jogou Dylan em uma maca, ele sentou-se e pressionava a têmpora, com uma careta no rosto.

Já Max tinha um corte na boca, que sangrava um pouco.

O que me espantou foi o fato de que a enfermeira era bem parecida com a professora Hannover, tinha um sorriso maldoso e sua touca de enfermeira cobria todo o cabelo.

Primeiro ela cuidou de Dylan, depois se dirigiu à Max, só notei o que ela fazia quando Max urrou de dor, a enfermeira havia colocado álcool puro em seu machucado, pressionava com tanta força que o lábio de Max passou a sangrar mais e inchar.

— Você ficou louca? – exclamei, a enfermeira me reparou.

— É questão de tempo até parar de sangrar e... – começou ela, até que Tony golpeou sua cabeça com uma de suas muletas, nocauteando-a.

— O que foi que você fez? – indagou Max, distorcidamente por conta da ferida no lábio. Todos, exceto por Tyler, o observavam assustados.

— Nada demais, agora continuem isso aí – disse ele, como se não tivesse feito nada errado, parado perto do batente, como se estivesse de guarda.

Olhei para a enfermeira, que estava esparramada no chão, com uma marca roxa na testa, dei de ombros, com o canto da boca se elevando involuntariamente, sim, ás vezes eu era um pouco sádica. Claire já cuidava dos machucados do irmão.

Respirei fundo e lavei as mãos em uma pia. Procurei por uma gaze ou pano nas gavetas da mesinha que tinha ao lado, mas não encontrei nada além de seringas e agulhas de injeção.

— Claire, tem alguma gaze por aí? – perguntei.

— Não sei. Pode dar uma olhada aí, Ty? – disse ela.

Tyler abriu um armário, pegou um pacote de gaze, apoiando-se em uma única muleta, e o estendeu para mim. Tirei uma gaze e a entreguei para Max, que a pressionou no corte do lábio.

O ajudei a lavar a ferida com água e sabão, depois ele pegou um cubo de gelo e tratou da ferida.

— Tudo bem aí? – perguntei à Dylan.

— Estou ótimo – disse ele.

— Então podemos ir. – disse Tony.

— E a enfermeira? – questionei.

— Vamos fazer o seguinte, Ty fica aqui esperando ela acordar, ok? – murmurou Tony.

— Eu? – berrou, literalmente, Tyler. – Foi você quem a nocauteou!

— Você faria o mesmo. – defendeu-se Tony – Vamos antes que ela acorde, vem você também, Tyler.

Saímos da enfermaria, sorrateiramente, e retornamos ao ginásio.

Já passava do horário de saída na escola, eu, Dylan, Claire e Max ficamos na sala de história até mais tarde, pois não havíamos conseguido terminar a lição, muito provavelmente por termos chegado atrasados e ter casos de TDAH e dislexia.

Dylan e Max saíram primeiro que eu e Claire.

Quando saímos da sala, Max agarrou meu braço e começou a andar rapidamente pelo corredor.

Eu já ia protestar e lhe dar uns tapas, mas ouvi Dylan ponderar atrás de mim:

— Continue andando.

Ele estava com Claire, e praticamente a arrastava, tenso.

— O que foi que deu em vocês? – questionei.

— Hannover – disse Max.

— Vão dizer que estão com medo da Srta. Hannover? – indagou Claire – No máximo ela vai nos dar uma detenção...

— Realmente não creio que ela queira apenas nos dar uma detenção – articulou Dylan.

Ouvi um som de saltos no corredor. Olhei pelo canto do olho e vi que era a própria, Srta. Hannover. Apenas alguns segundos depois, aproximaram-se Tony e Tyler, ofegantes, como se tivessem corrido muito até chegarem ali.

Cursamos em silencio, Max havia afrouxado o aperto em meu braço, mas pude perceber seu nervosismo, e eu não estava muito diferente.

— Srta. Goldwyn? – chamou a professora. Eu ofeguei baixo e parei, todos pararam.

— Sim?

— Não está se esquecendo de algo? – sugeriu, sua voz não era nada amigável. Ela estendeu a mão em punho, acima de sua cabeça. Segurava um amuleto com formato de serpente.

O amuleto meu pai me dera de presente em meu primeiro aniversário, ele considerava um símbolo de poder soberano e proteção, apesar de, em suas crenças, existirem duas formas: Uadite, a boa, e Apófis, a má.

Estendi a mão para pegá-lo, mas a Srta. Hannover desviou a mão.

— Tsc tsc. Antes terão de passar por um sacrifício, jovens como vocês deveriam saber que, para tirar algo como isto de mulheres como eu, precisam de um sacrifício.

— Jovens como nós? Mulheres como você? O que tem o amuleto? – disse Claire, tudo muito rapidamente.

A Srta. Hannover sorriu de forma sombria, ainda mais feio do que na aula de cálculos.

— Esqueça isso – murmurou Tony.

Em sincronia, começamos a correr pelos corredores, em busca da saída da escola. Ouvia o mesmo som de saltos tamborilando o chão, a Srta. Hannover não corria, mas de alguma forma sempre conseguia estar no mesmo lugar que nós, com toda a tranquilidade do mundo.

Senti me tropeçar em algo, especificamente no pé da Srta. Hannover, fui de encontro ao chão, sentei-me e me arrastei até prensar as costas na parede.

— Leah! – ouvi Tyler gritar.

A professora aproximou-se de mim e tocou meu rosto com seus dedos frios, arranhando minha bochecha que automaticamente tornou a sangrar.

Ela inspirou o ar com expressão de deleite, suspirou depois disso.

— Nunca encontrei um que cheirasse tão bem. – e lambeu os beiços. Estava tão perto que eu havia praticamente colado as costas na parede.

Ela tomou uma mecha de meu cabelo por entre os dedos. Olhei feio para ela, me contendo para não lhe dar uns bons pontapés, se eu a irritasse, sabe-se lá o que ela faria comigo.

— Tão bonita, seria uma pena se...

Tony bateu uma de suas muletas na cabeça dela, com tanta força que o barulho foi alto, fazendo-a desmaiar.

— Não vai durar muito tempo, vamos – disse Tyler.

Dylan me ajudou a me levantar e corremos para a saída da escola.

Quando chegamos à rua, as pessoas nos encaravam como se fôssemos loucos.

— Hã... Eu vou... Pra casa. – murmurei e comecei a andar rapidamente. Ouvi um som de muletas me seguindo, notei que era Tony. – Porque está me seguindo?

— Não vou deixar você voltar para casa sozinha. – proferiu ele, casualmente.

— Eu conheço o caminho e sei muito bem como chegar lá. Além disso, você não sabe onde fica minha casa. – eu disse. Tony ficou quieto. – Você sabe? – perguntei, parando de andar. Tony deu de ombros.

— Talvez.

Cheguei em casa bem rápido, à constar pelos sons do videogame, Joe já havia chegado.

— Tchau Tony – eu disse.

— Tchau Leah.

Entrei em casa e atirei minha mochila num canto. Joe estava esparramado no sofá, dormindo com o videogame ligado. Arranquei o controle do jogo de sua mão e o coloquei no lugar. Desliguei o videogame e a TV e fui até o andar de cima, mas antes tive de passar na frente da cozinha, onde minha avó estava, ela ficava lá quando meu pai estava trabalhando.

— Quem era o garoto? – perguntou, curiosa.

— Um colega da escola, só isso. – respondi.

— Você parece assustada, e está pálida. – eu sempre estava pálida. – E o que é isso em sua bochecha? Ele te machucou?

Toquei minha bochecha e vi sangue na ponta dos dedos. Franzi o nariz.

— Hã... Não, não! Eu vou para... o meu quarto. – murmurei rapidamente e subi para meu quarto.

Atirei-me na cama e respirei fundo. Eu já havia tido muitos dias estranhos na minha vida, mas aquele excedera todos.

Minha mão foi instintivamente ao meu colo, em busca do amuleto, mas ele não estava lá. O que encontrei foi um talismã de pentagrama.

De acordo com meu pai, o talismã minha mãe deixara para mim antes de me abandonar.

Alisei o pingente com a ponta dos dedos e suspirei. A verdade é que eu tinha grande rancor de minha mãe, seja ela quem for, por abandonar a mim e meu pai sem mais nem menos. Eu não trazia nenhuma memória de seu rosto ou sua voz... Nada. Nenhum indício.

Ouvi batidas no batente da porta.

Era Joe.

— Entra aí. – eu disse.

Joe entrou e deitou ao meu lado.

— Está pensando em sua mãe, não está? – perguntou, observando meu talismã.

— Talvez... Eu nem sei quem ela é, fica difícil pensar nela.

— Deve ser terrível. – disse ele.

— Muito. – contrapus.

— Eu só queria que eles parassem de esconder as coisas de nós. Nossos pais... Eu não fui para a Espanha porque sabia que meus pais não teriam um propósito claro e...

Sarah, irmã de Joe que morava com vovó, entrou como um furacão no quarto.

— Vovó está chamando para almoçar. – pronunciou.

Descemos as escadas e almoçamos enquanto Sarah falava sobre seu dia e nós fazíamos comentários.

Meu pai chegou à noite por volta das 21h30, que era até um horário mais cedo para o horário que costumava chegar.

Ele olhou para mim e a primeira coisa que disse foi:

— O que é isso em seu rosto?

— Nada. – respondi ligeiramente, papai franziu a testa enquanto bebia um gole de café.

— Quer me dizer algo? – perguntou, colocando sua xícara na mesa.

— Eu... – toquei meu amuleto.

— Quer que eu fale sobre sua mãe. – adivinhou papai, eu assenti. Eu só havia perguntado sobre ela duas vezes. Se ela não tinha interesse em mim, eu não tinha nela. Era assim que eu pensava. Papai suspirou. – Ela era uma mulher incrível, e você é tão parecida com ela, mas nós nunca deveríamos ter nos unido, era uma combinação errada.

— Então eu não deveria ter nascido. – concluí – Por quê?

— É complicado, como se não falássemos o mesmo idioma, mas você, sem dúvidas, foi a melhor coisa que me aconteceu.

— Minha, hã, mãe... Por que ela nunca veio nos ver? – indaguei, amargurada.

— Porque você tinha que aprender a viver sem ela, pois ela não seria presente, tinha muitas preocupações em mente. – disse papai.

— Eu e você não éramos uma dessas... – findei. – Como é o nome dela?

— Eu... não lembro – mentiu papai – Acredite, ela sempre esteve mais presente em você do que imagina.

— Você vai continuar escondendo as coisas de mim – afirmei, inexpressiva, e subi para meu quarto à passos pesados.

Vesti um pijama e apanhei um livro na estante, "Os Portões de Roma".

Li por algumas horas e adormeci.