A viagem chegou ao fim em um pequeno píer na margem do Brooklyn. À frente deles havia um terreno industrial ocupado por pilhas de restos de metal e por equipamento de construção abandonado. No centro disso tudo, bem perto da água, erguia-se um galpão imenso, uma fábrica coberta de pichações e com as janelas quebradas.

Leah sabia que estava justamente no leste do Brooklyn, pois podia ver a ponte Williamsburg por perto e o Empire State ao longe. Á apenas alguns quarteirões ficava sua casa, o sentimento de estar ali era tão bom que ela continha a ambição de correr para casa, mas se, na floresta, os magos estivessem falando sobre ela, já não era bom induzir perigo à Casa da Vida, muito menos ao restante da cidade.

— É aqui? — murmurou Leah, em desconfiança.

Peter sorriu.

— Olhe novamente. — disse ele, apontando para o topo do edifício.

Leah franziu a testa, desconfiada, e olhou na direção que Peter indicava.

— Como... como isso... — sua voz falhou.

Ela não sabia ao certo o porquê de não ter visto antes, mas já era óbvio: uma mansão de cinco andares em cima do galpão, como mais uma camada em um bolo.

— Não pode ter uma mansão lá em cima! — murmurou para si mesma, como se tentasse se convencer de que estava apenas inventando.

Peter apontou para uma escada de metal que subia em caracol pela lateral do galpão até a mansão no telhado.

Chegaram ao topo da escada. Leah olhou para a mansão e teve dificuldade de entender o que via. A casa tinha uns quinze metros de altura, pelo menos, e era feita de enormes blocos de calcário com janelas enquadradas em aço. Havia hieróglifos desenhados em torno das janelas, e as paredes eram iluminadas, o que dava à casa uma aparência que misturava museu moderno e templo antigo. Porém, o mais esquisito era que, se ela desviasse o olhar, todo o edifício parecia esvaecer. Tentou várias vezes, só para ter certeza. Se olhasse para a mansão pelo canto do olho, ela não estava ali. Tinha de se esforçar para seus olhos reencontrarem o foco e a casa, e ainda assim, precisava de muita força de vontade.

Peter parou diante da porta de entrada, que era do tamanho de uma porta de garagem: um denso e escuro quadrado de madeira sem maçaneta ou fechadura visível. Estendeu o braço. Lentamente, sem tocar a porta, ergueu a mão e ela escoltou seu movimento: deslizou para cima até desaparecer no teto.

Leah ficou chocada.

— Como...

— São os mistérios da magia. — disse Peter, dando de ombros.

— Ah, o Grande Salão. — murmurou Joe, olhando para cima, para o teto. Leah tinha quase certeza de que Joe já estivera ali, mas o rapaz ainda estivera encantado ao incluir a visão ampla do lugar novamente. Sarah já havia corrido para dentro do lugar, em direção à um grupo de crianças.

A origem do nome era evidente. O teto de vigas de cedro era muito alto, quatro andares, e amparado por pilares de pedra com hieróglifos entalhados. Uma estranha coleção de instrumentos musicais e armas do Egito Antigo decorava as paredes. Três níveis de balcões torneavam a sala, com fileiras de portas que se abriam para a área principal. A lareira era grande o bastante para estacionar nela um carro, com uma televisão de plasma sintonizada na ESPN acima do console e enormes sofás de couro dos dois lados. No chão, havia um tapete de pele de cobra, mas tinha uns doze metros de comprimento e uns cinco de largura – maior que qualquer cobra.

Do lado de fora, através das paredes de vidro, Leah podia ver a varanda que aprimorava toda a casa. Havia ainda uma piscina, uma sala de jantar e uma fogueira. E no final do Grande Salão, havia uma porta dupla marcada com o Olho de Hórus. Leah se perguntava o que poderia haver detrás dela.

Mas o verdadeiro espetáculo era a estátua no centro do Grande Salão. Tinha, provavelmente, uns nove metros de altura e era de mármore negro. Podia dizer que era de um deus egípcio, porque a figura tinha corpo humano e cabeça de animal – uma cegonha ou uma garça, com pescoço longo e bico bem comprido.

O deus usava as vestes do estilo antigo, com um chanti de linho branco, com uma manta presa por sobre, faixa e colar no pescoço. Ele segurava um estilo em uma das mãos e uma tábua de escriba na outra, como se tivesse acabado de escrever os hieróglifos que ali estavam: o ankh – a cruz egípcia – com um retângulo em torno do arco na parte superior.

A mansão era habitada por várias pessoas, inclusive jovens e adultos, espalhados desde os sofás de couro, assistindo a um jogo da NBA, outros rodeando a fogueira do lado de fora, crianças brincando na piscina e alguns jovens saindo e entrando pela porta dupla com o Olho de Hórus. Todos eles usavam roupas de linho que pareciam pijamas.

Leah sabia que suas íris estavam laranja por conta da ambição.

Uma menina que aparentava ter onze anos de idade levava seu sanduíche à boca, mas quando a viu, deixou o alimento cair no chão, boquiaberta.

As crianças olhavam e cochichavam, eufóricas, os adolescentes pareciam mais temerosos, mantendo-se distantes, e os adultos... Bom, alguns dos adultos, Walt, Carter, Sadie e Zia, não pareciam afetados por nada, as mãos de Zia e Carter estavam entrelaçadas, e Sadie recostava-se em Walt, ocasionalmente.

Uma mulher aproximou-se, ela tinha aos pés um babuíno com uma camisa 24 do ala-armador dos Lakers, Kobe Bryant, o babuíno limpava completamente uma banda de coco recheada com o que parecia ser geleia colorida.

— Agh! — berrou.

— Ei, sou Cleo, do Rio de Janeiro, e este é Khufu. Bem-vinda ao Vigésimo Primeiro Nomo! — disse a mulher, com um sorriso simpático. Leah sorriu.

— Onde está tio Amós? — perguntou Sadie, olhando por sobre o ombro de Cleo.

— Não sei bem, mas suponho que esteja no Primeiro Nomo, e também acho que possa ter algo a ver com os magos doentes — respondeu a brasileira.

— Porcaria — praguejou Carter — Sadie, o que acha de voltar à rotina? Tenho que instruir o treino com monstros da turma de Rá e Ísis.

— Peter, mostre a ela a casa. — disse Sadie — Vamos, mago pink.

E os dois sumiram num corredor atrás da estátua de Tot.

— Vou com vocês, quero ver como está Liz. — disse Zia à Leah, Joe e Peter.

Cleo andou até o lado de fora da casa, enquanto Khufu pulava num sofá, onde jovens assistiam a um jogo de basquete entre Chicago Bulls e Cleveland Cavaliers. Walt logo se juntou a eles também.

Começaram pela varanda, que também era usada como sala de jantar. Havia braseiros mágicos espalhados por todo o lugar, aquecendo. Ao fundo continha uma piscina quadrada, onde Leah notou um movimento. Algo extenso e alvo flutuava sob a superfície da água.

— Aquilo...

— É um crocodilo — completou Zia. Leah ainda considerava a ideia esquisita, mas ao mesmo tempo ficou aliviada por ser um crocodilo. — Amós diz que é para dar sorte. Ele é albino, mas não faça nenhum comentário sobre sua cor, esse é um assunto que o incomoda muito.

— Filipe da Macedônia é o nome dele. — disse Peter.

Joe pegou um bacon de um prato e jogou para Filipe, que pegou com um tremendo reflexo.

Leah quase sorriu com aquilo, imaginando se o crocodilo tivesse um filho, seria Alexandre, o Grande, o nome dele. Aproximaram-se da piscina, crocodilo era branco e tinha olhos cor-de-rosa. Sua boca era tão grande que Leah chegou a ter uma breve recordação do Leão de Nemeia que havia invadido o zoológico de Manhattan, procurou livrar-se da memória rapidamente. Tentou não estranhar o crocodilo na piscina, repetindo mentalmente “tradição egípcia”, embora a ideia de um crocodilo albino flutuando numa piscina com o nome de um antigo governante da Macedônia e da Grécia soasse mais como “esquisitice” do que tradição.

O fundo da piscina possuía algumas decorações elaboradas. Peter esclareceu que a decoração tornava a piscina parecida com as da família de Filipe em “Crocodilópolis” — nome o qual Leah, mesmo depois da explicação de que era localizada em Fayum no Egito Antigo, ainda perguntava-se se era uma invenção de alta genialidade, ironicamente. — Provavelmente, para Filipe da Macedônia vê-las todo dia em Nova York diminuía sua saudade de casa.

Rumaram à Oficina de Shabtis, dos quais Leah já ouvira falar, com referência de um antigo mito de que os faraós eram enterrados com seus servos, quando, na verdade, apenas dois da primeira dinastia foram, disso surgiu a criação das estátuas, de acordo com o que ela sabia.

Dentro da oficina havia alguns jovens, estes modelavam bolos de cera, transformando-os em estatuetas no estilo egípcio. Leah viu uma garota apontar um objeto com formato de bumerangue para uma estátua em formato humano, mas com a cabeça grande, braços cruzados e pernas grudadas, pôde ouvi-la dizer:

— Acorde Jorgen. Eu sou Hilde, seguidora de Bastet, e você será obediente a mim a partir de agora. Desperte! — a estatueta tremulou, balançando-se ligeiramente para os dois lados, até que Hilde a pegou e colocou em uma caixa, junto do bumerangue.

Peter explicou à Leah que o bumerangue na mão da garota loura era uma varinha egípcia.

Depois da Oficina de Shabtis, foram na direção da Oficina de Amuletos.

— A oficina de amuletos é conhecida como “a toca dos sau”. — disse Peter.

Sau? — questionou Leah, entendendo perfeitamente que ele não dissera “sal”, e sim “sau”, mas do mesmo modo, não conseguira encontrar sentido na palavra.

— Isso. Os sau são produtores de amuletos. Walt, nosso tenente, é um deles.

A oficina tinha grandes armários e estantes, com aparentemente todo tipo de material necessário, também havia alguns rolos de papiro, provavelmente indicando símbolos e seus significados, possivelmente suas histórias também.
Leah sentiu-se estranha por saber o significado de cada um dos amuletos, mesmo sem conhecê-los.

— Ei, agora vamos à biblioteca — disse Peter.

Caminharam até as portas duplas marcadas com o Olho de Hórus.

— Recomendo que se mantenha afastada, pelo menos quando não for entrar, sabe, há três lances de escada atrás da porta. — disse Peter — W’peh — pronunciou ao encarar as grandes portas.

Como Peter havia informado, havia três lances de escadas descentes. A biblioteca era mágica — literalmente, pode-se dizer — As paredes, o piso e o teto abobadado eram adornados com imagens multicoloridas de pessoas, deuses e monstros. Um céu azul e estrelado brilhava no teto, mas não era uma área sólida de azul. O céu era trajado num estranho modelo giratório. A forma lembrava uma mulher. Ela estava deitada de lado, encolhida — o corpo todo de um azul salpicado de estrelas. Por baixo, o piso da biblioteca tinha um feitio parecido, a terra marrom e verde com a forma do corpo de um homem, pontilhado por florestas, colinas e cidades. Um rio sinuoso atravessava seu peito.

Leah reconhecia o que para os gregos eram Urano — à noite Nix, Éter o céu superior — e Gaia, para os egípcios eram Nut e Geb. Os gêmeos e casados que haviam nascido abraçados, mas por ordem de Rá, foram separados pela mãe, Shu, para que outras criaturas pudessem viver.

O que chamou a atenção de Leah era que a biblioteca não tinha livros, nem mesmo prateleiras. As paredes eram cobertas por compartimentos redondos, contendo o que Leah estimou que fosse um rolo de papiro em cada uma.

Em cada um dos quatro pontos cardeais havia uma estátua de cerâmica em um pedestal. Tinham metade do tamanho de um humano e usavam saiotes — também chamados de chanti — e sandálias, os cabelos eram homem negro e brilhantes, com corte arredondado, e os olhos eram contornados por delineador preto, o kohl.

Uma estátua apanhava um buril e um pergaminho. Outra segurava uma caixa. Outra tinha um cajado curto e adunco. A última estava de mãos vazias.

Havia poucas pessoas ali, por conta das atividades de cada turma. Só havia no máximo sete jovens.

No centro havia uma mesa comprida de pedra, onde um rapaz, de cabelos castanhos e olhos de mesma cor, desembrulhava dezenas de pergaminhos, como se procurasse desesperadamente por algo.

— Dean? O que está fazendo aqui? — perguntou Peter, descendo os degraus e caminhando até a mesa, com Leah, Joe e Zia no encalço.

— Procurando uma resposta para todos os magos doentes. — disse ele, ao erguer o olhar — Droga. Se fosse Ben aqui, muito provavelmente já teria encontrado algo que ajudasse.

— E por que Ben não veio te ajudar? — questionou Joe.

— Ben também ficou doente. — esclareceu Dean.Uma estampa de preocupação passou pelo rosto de Peter.

— Ah, esta é Leah — proferiu, ainda parecendo um pouco aturdido.

Os olhos de Dean pararam em Leah, com intensa curiosidade. Como se a ideia de um semideus grego com descendência sanguínea de um faraó fosse algo para ser estudado, ou talvez o fato dos olhos dela terem passado de violeta para azul. Leah até consideraria, se o objeto de estudo não fosse ela.

— Sou Dean Murray, elementalista da terra. Filha de Atena, não é?

— Acho que sim. — respondeu ela, com sinceridade. Àquela altura já não tinha tanta certeza.

Dean sorriu.

— Estão procurando por algo? — perguntou ele.

— Não. Estamos mostrando a casa a ela e logo vamos ver como está Liz, e depois Ben. — disse Peter.

— Ah, claro. Então até breve. — articulou Dean.

Quando saíram da biblioteca, Leah murmurou:

— Elementalista, interessante.

— Não é? — disse Peter — Há magos que estudam o caminho de um deus, extraindo poder de seu patrono, como a Hilde, que segue Bastet, e eu, que estudo Ptah. Mais adiante de nós, também há Carter, que segue Hórus, e Sadie, Ísis, além de muitos outros de nós. Tem os sau, como Walt, produtores de amuletos, anéis e outros objetos de proteção. Os elementalistas podem dominar um dos elementos. Há Dean que domina a terra, Zia e Ben que dominam o fogo, outros dominam trovão, ou magia do Caos, e até queijo! Muitas vezes esses poderes estão relacionados ao deus patrono, por exemplo, Dean segue Geb, Zia e Ben seguem Rá. Além desses, há os curadores, ou sunu, na maioria são seguidores de Sekhmet ou outro deus que seja patrono da cura. Os sunu ultimamente estão bem ocupados, já que alguns magos têm estado muito doentes, sem explicação clara.

— Como Ben e Liz, certo?

— Sim. Existem os necromantes, esses podem invocar espíritos para responder perguntas, realizar tarefas ou assombrar os sonhos das pessoas, portanto, não irrite um necromante. Têm também os magos de combate, como Carter, que não entra em batalha utilizando o próprio corpo, mas utilizando um avatar assustador que envolve o usuário em uma armadura mágica e permite ao mago esmagar e destruir seu oponente. Além destes, há os encantadores de animais, também de acordo com o deus patrono. Como Carter pode encantar grifos, por seguir Hórus, Sadie encanta inúmeros animais, a maioria felinos de todos os portes, por seguir Ísis, Cleo com os babuínos, por seguir Tot, e Jerrod, que encanta lagartos, por estudar o caminho de Tot. Há os adivinhos também, mas não acho que seja uma especialidade muito agradável, pois nem todas as visões são suportáveis, tenho uma amiga adivinha. Esses sabem o que o futuro reserva aos magos.

Chegaram a um grande auditório com um belo palco. Havia cortinas vermelhas pesadas caindo do teto da sala. Assentos estendiam-se por todo o cômodo.

— Aqui é o Teatro de Artes Cênicas. Os magos ensaiam e apresentam peças — sussurrou Zia.

No palco havia um grupo de magos ensaiando uma peça que Leah julgou ser relacionada à queda do Império Egípcio, pois pôde reconhecer personagens como Cleópatra XVII, Ptolomeu XIV, e o imperador romano Júlio César. O cenário ao fundo era tão realista que muito provavelmente os magos haviam utilizado magia para construí-lo.

— Ah, agora meu lugar favorito. A forja, reservada para os magos artesãos. — disse Peter.

A forja era uma sala, composta por fornalhas, bigornas, martelos, tenazes e diversos metais. O clima era de calor, com sons de metal contra metal e outros do tipo, até alguns magos exclamando para os outros ao pedir favores ou materiais. Leah não via nada de demais ali, mas entendeu que Peter gostava do lugar, muito provavelmente, por seguir Ptah, um deus artesão.

Seguiram logo depois à sala de treinamento, que ocupava a maior parte do segundo andar. Tinha mais ou menos o tamanho de uma quadra de basquete, o piso era de tábua corrida, havia estátuas de deuses junto às paredes, e o teto era abobadado e pintado com imagens de antigos egípcios andando de lado, como na maioria das pinturas antigas eram retratados. Nas duas paredes opostas mais distantes, havia estátuas de Rá, com sua cabeça de falcão perpendicular ao chão, com uns três metros de altura e sua coroa em forma de disco solar esvaziada, exatamente como uma quadra de basquete.

Lá estava Carter, próximo à estátua de Rá no sentido leste da sala. Ele exclamava frases de incentivo e instrução, enquanto magos lutavam contra criaturas com corpo de leão e cabeças humanas, esfinges. Alguns dos magos tinham armas curtas em mãos, como adagas e punhais, outros utilizavam diferentes lâminas ou cajados, transformando-os em tigres e outros animais de grande porte.

— A’max! — exclamou um rapaz.

Após os hieróglifos esvaecerem, a esfinge que estava em sua frente queimou até sobrar apenas pó.

Uma menina ruiva, de provavelmente onze anos, corria de uma esfinge, até que gritou:

— Hah-ri!

A esfinge que a perseguia ficava cada vez mais lenta, como se estivesse entorpecendo, até que tombou no chão, ofegando de cansaço. A menina conjurou correntes, feitas de luz dourada, que envolveram a esfinge, prendendo-a e queimando.

— Muito bom, Cassie. — elogiou Carter. Cassie sorriu.

Carter estalou os dedos e a esfinge dissipou, evocou um grifo para lutar contra a ruiva, que reagiu prontamente.

— Usamos essa sala para os treinos, de dia, como luta contra monstros, combates com shabtis, treinos com lâminas e diversos outros, a noite usamos como quadra de basquete, onde Khufu é quem dá as aulas. — disse Peter.

— O babuíno? — perguntou Leah. Peter assentiu, sorrindo de canto.

— Essas são as turmas de Rá e Ísis. Carter é quem dá as aulas de combate e história, geralmente. Sadie nos ajuda com escrita em hieróglifos, invocação de animais, metamorfose, magia ditada e outras coisas da especialidade de Ísis — disse ele.

Em seguida, foram à enfermaria. Já na primeira ala, encontrava-se uma garota deitada em uma cama. Tinha cabelos curtos, encostando levemente nos ombros, num tom claro de castanho. As maçãs do rosto e o nariz eram salpicados de sardas, suas pálpebras fechadas estavam arroxeadas e o rosto era mais branco que o normal.

Ao lado da cama, estava uma mulher loura, de olhos azuis. Ela passou um pano úmido na testa da garota adormecida.

— Jaz — disse Zia — Como ela está?

— Incrivelmente mal. Contraiu a doença de uma hora pra outra, nem os poderes de Sekhmet podem ajudá-la, nem identificar o que ela tem.

— Parece fruto de magia. — disse Joe.

— Exatamente — proferiu Jaz — Mas algo me diz que é uma magia muito mais poderosa do que a de um descendente de faraó.

— Quer dizer que é a de um deus, então? — indagou Peter.

— Não acho que seja, mas é possível. Veja, apenas os descendentes de Kaa estão enfermos, estive investigando, e inclusive os de outros nomos, como os do Egito, outros da Europa, Ásia e até a América do Sul, estão todos muito doentes.

— Nunca ouvi nenhuma menção de que Kaa teve muitos filhos, então não são tantos assim, não é? — perguntou Zia.

— Não são, mas as causas sobrenaturais são o motivo que mais preocupa. Se não conseguirmos algo realmente poderoso para curá-los, vão morrer brevemente.

Peter engoliu em seco.

— Já são quantos aqui? — perguntou ele.

— Três. Liz, Ben e Jared. Ben está acordado, querem vê-lo?

Peter assentiu.

Caminharam até a ala ao lado.

Lá um rapaz de cabelos castanhos e olhos tão verdes quanto esmeraldas repousava. Estava sentado, lendo um livro de mitos egípcios, Greco-romanos e nórdicos.

— Cara, até caindo de doente você não desgruda de livros. — debochou Peter.

Ben sorriu.

— Eu estou caindo de doente. Tenho que encontrar respostas, de uma forma de outra, não é? — disse.

— Você não parece tão mal — comentou Joe.

— Eu também não pareço um mago. — disse Ben, ainda sorrindo — Vim para cá há pouco tempo, não estou mesmo tão mal. Só não posso dizer o mesmo de Liz, infelizmente...

O sorriso se desfez de seu rosto ligeiramente, mas ele logo recuperou seu ânimo.

— Enfim, só estou aqui porque Jaz acha que posso piorar a qualquer momento, e sinto que ela tem razão. — disse ele, seu olhar foi para Leah — Ei, você é Leah, não é?

— Sim.

— Sou Ben Kleiser. Seus olhos são... interessantes. — disse ele.

De alguma forma ela sabia que haviam mudado do verde para o azul.

Os olhares voltaram-se a ela. Joe era o que parecia mais confuso, muito provavelmente porque a conhecia desde sempre, e os olhos dela sempre tiveram um tom índigo.

— Desde quando estão assim? — perguntou ele.

— Desde... hoje. Começaram por vermelho, depois laranja, azul-gelo, rosa, verde, azul...

— Isso é estranho. — comentou Peter.

— Sou a mais estranha filha de Atena, e também a mais estranha maga e semideusa. Por que tenho a sensação de que vocês sabem de alguma coisa? — perguntou a Peter e Zia, que automaticamente encolheram-se perante a pergunta.

— Não sei por que acha isso. — disse Peter.

— Talvez porque hoje de manhã vi vocês dois, Sadie e Carter, falando sobre algo.

Foram interrompidos por uma maca entrando na enfermaria. Reconheceram o homem que lá estava como Walt Stone.

Foram junto de Ben, que andava curvado como um idoso, e Jaz em direção à ala de Walt. Ele estava inconsciente, não havia sinal de ferida, mas parecia muito mal.

— Walt é descendente de Kaa? — perguntou Joe.

Zia negou com a cabeça.

— Akhenaton.

— Se ele descende de Akhenaton, quer dizer que também é parente de Tutancâmon... — raciocinou Leah — Sinistro.

— Felix, o que aconteceu com ele? — perguntou Ben, a um homem de prováveis dezenove anos, que acompanhava Walt e o curandeiro de cabelos louros. Felix balançou a cabeça negativamente, ele não tinha ideia.

— Tínhamos acabado de assistir ao jogo, estávamos na varanda e ele simplesmente caiu inconsciente.

Distraíram-se com sons de passos correndo até eles. Era Dean, ele vinha com extrema afobação. Quando chegou, apoiou-se nos joelhos, ofegante.

— Acho que já... sei o que pode estar acontecendo — disse ele.