Leah Goldwyn: Entre dois Mundos

Não vai parar até que se renda


JOE

Joe estava muito feliz e aliviado por ter seus amigos curados, porém ele não parava de se perguntar sobre como aquilo havia se tornado realidade. Como era possível que de uma hora para outra eles houvessem simplesmente curado? Depois de semanas em que haviam estado muito doentes?

Ele receava que algo pior sobreviesse posteriormente. Também não podia deixar de vincular o que havia incidido com Leah ao “milagre” que salvara aos descendentes de Kaa. Não obstante de não encontrar qualquer conexão evidente, ele não podia ficar sem uma resposta.

Remexeu-se em sua cama, pensando em tudo o que havia acontecido naquele dia. A suposição de que Ryan abrigasse Set. O “surto” de Leah. A aparição surpresa de seus pais. O garoto que dizia chamar-se Sam Goldwyn. O casal de semideuses romanos na Starbucks. A criatura que havia o atacado no ônibus e o semideus que havia o salvado. Por fim os magos que haviam sido curados.

No jantar soubera que partilhava da preocupação com Sadie, Peter e Dean, mas não puderam conversar muito, sem esperar discorrer sobre o assunto na presença dos amigos.

Joe notara uma proximidade entre Sam e seus pais, concluindo, por fim, que Nina e Phill estiveram no Primeiro Nomo por todos aqueles anos. Ele não conversara muito com sua mãe e trocou algumas poucas palavras com o pai.

Não falara sobre o papiro que, com Dean, tentara patentear. Não se sentia confortável para conversar abertamente com seus progenitores.

Após longas horas que havia se deitado para dormir, se entregou ao sono, finalmente.

Acordar ás sete horas da manhã num domingo já não era tão agradável para Joe, com um balde de água fria virado por Sadie Kane era pior. Walt, o monitor do pessoal de Anúbis, costumava acordar aos outros todos os dias (inclusive era muito mais deleitoso que Sadie), sua ausência trouxe todo o teor de apreensão, embora mais ameno, à tona. Walt era o único entre Liz, Jared e Ben que não havia se recuperado.

Depois de alguns xingamentos dirigidos à Sadie, que fingiu não ouvir e seguiu para acordar ao restante dos aprendizes, Joe trocou suas roupas ensopadas por secas, enquanto os utensílios mágicos limpavam a bagunça.

O dormitório de Anúbis não era tão residido. Havia duas meninas, — Lilian e Arya —, e quatro rapazes além de Joe e Walt, — Mike, Renato, Christian e Joshua. Joe acompanhou Lily, Arya, Chris e Renato para fora, enquanto ouvia as exclamações nada simpáticas de Mike para Sadie.

Desceram para o Grande Salão, Renato e Lily sentaram-se no sofá com outros magos, para assistir a uma partida de futebol entre Brighton e Arsenal. Joe, Chris e Arya seguiram para a varanda, espalhando-se pelo local.

Joe, após servir-se de vistosas panquecas, sentou-se com Felix, Peter, Dean, Ben e Liz. Peter e Ben estavam disputando queda de braço enquanto Dean e Liz os incitavam.

— Vamos Ben, confio em você — articulou Liz, mas foi questão de segundos para que o punho de Ben tombasse na mesa.

Dean e Peter comemoraram com um toque. Enquanto Liz fechava a expressão para Ben, encarando Peter em seguida. Dobrou as mangas da camisa e posicionou-o braço esquerdo sobre a mesa.

— Minha vez. — desafiou-o.

Joe cumprimentou os amigos e assistiu a luta enquanto comia as panquecas.

— Não dê mole a ela, Pit — protestou Dean, batendo os punhos na mesa.

Liz encarava Peter com um olhar tão desafiador que era de dar medo. Com o braço cedendo, Peter fechou as pálpebras com força, mas não pôde resistir, com o punho ruindo ao lado do prato de Dean. Ben festejou com Liz.

— Como vão as coisas no dormitório de Anúbis? — ela perguntou a Joe — Digo, Sadie vai monitorar as coisas por lá até que Walt retorne.

Joe deu de ombros.

— As coisas à moda de Sadie são bem diferentes. Acordou-nos com baldes de água fria esta manhã. Ela é bem irritante, mas não é tão ruim.

Liz assentiu. Joe observou a ausência de Leah na varanda e sentiu-se inquieto. Ben notou sua inquietação e colocou a mão sobre seu ombro.

— Bastet me disse que ela está bem. Aparentemente, só teve uma convulsão, Jasmine está a acompanhando.

— Convulsão, é? — murmurou Joe, desanimado e pousando o rosto na mão.

— Foi o que Bastet me disse. — confirmou Ben — Leah já tomou café da manhã, se sentou perto da piscina, estava muito diferente e pensativa, mas não a julgo por isso.

— Sobre o que aconteceu ontem. Foi estranho, quero dizer... A sua prima é uma iniciada e está na enfermaria agora. Eu, Jared e Ben estamos curados, mas Walt continua lá. E... Bom, é muito suspeito. Ontem acordei me sentindo completamente revigorada. — proferiu Liz.

— Tenho pensado muito nisso. Algo mudou e pode não ser muito bom. Minha mãe me informou que Leah acordou ontem à tarde e foi um pouco estúpida. Vou tentar conversar com ela depois. — murmurou Joe.

— Coisas estranhas não faltam hoje. — disse Ben, colocando um par de óculos no rosto e fixando o olhar na tela de seu tablet. — “Invasão na tumba Ou em necrópole de Ábidos causa alerta na polícia egípcia”.

Os outros tornaram-se eufóricos e admirados.

— Abra o artigo! — exclamou Dean.

— “Na manhã deste domingo, a tumba Ou, do faraó Semempsés da primeira dinastia egípcia, foi encontrada com resquícios de invasão”. “De acordo com o policial Yousef Gamal, as construções de pedra que separavam e selavam as tumbas parecem ter sido explodidas, mas não foram encontrados sinais de explosivos”. Yousef disse: “Há uma abertura para o subsolo que indica que os ladrões teriam descido à tumba, não sei quem seria tão louco a ponto de fazer uma coisa dessas, certamente quem desceu lá já está morto”.

— A não ser que quem desceu lá não fosse um mortal comum. — rematou Liz.

— “Os policiais estão analisando cuidadosamente os arredores de Umm El-Qaab e buscando uma forma de combater a radiatividade da tumba de quase cinco mil anos para investigá-la melhor”. “Será uma missão que poderá comprometer a vida dos policiais, e por não ter mostrado tanta urgência, poderá não ocorrer”. “A atividade de vigia da necrópole estará dobrada a partir de hoje”.

— Mais alguma coisa? — perguntou Joe. Ben balançou a cabeça negativamente.

— Que tal nos reunirmos após o treino de Artes Marciais para conversarmos melhor? — sugeriu Peter, os outros concordaram.

Após tomarem café, levantaram-se e entraram na mansão, cada um seguindo à sua tarefa.

Ω

Joe vagava no corredor dos dormitórios, dirigindo-se ao treino de Artes Marciais, que era o único treino obrigatório daquele dia. Como eram muitos aprendizes, Carter ficava com dois sextos deles na Quadra de Basquete, e Sadie e Zia dividiam os restantes entre a Sala de Treinamentos com Monstros e o Terraço.

Os seguidores de Anúbis estavam incluídos na turma de Sadie e deveriam seguir para a sala de treinamentos.

Joe avistou Leah deixando seu dormitório, suas mechas, antes roxas, agora tinham cor azul escura, seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo e ela vestia roupas de linho preto e coturnos. Seus olhos, que no dia anterior trocavam de cor várias vezes, voltaram à sua cor original.

— Ei! — a chamou, porém ela não havia escutado. Joe aproximou-se e agarrou seu braço, assustando-a.

Sentira uma sensação diferente ao tocá-la, e quase a soltou, como se ela irradiasse uma força sobre ele. Sentia que poderia até engatinhar se ela exigisse. Ao mesmo tempo, sentia-se fortemente conectado a ela, quase como se pudesse ouvir sua alma.

— O que está fazendo? — perguntou ela, alarmada.

— Segurando seu braço para que não fuja de mim, como imagino que faria. — respondeu ele, seu tom de voz era mais abatido que arrogante. — O que aconteceu com você? De verdade?

— Não sei — respondeu ela, evitando olhar nos olhos dele, como se temesse que ele visse seus olhos.

— Então por que não olha para mim?

Leah levantou seu olhar para ele, encarando-o com peso. Seu olhar era tão profundo que parecia trazer uma sabedoria inimaginável e discernir seu ba. Era como encarar uma galáxia, sentia-se pequeno e medíocre enquanto a encarava, tinha medo e um turbilhão de sentimentos desconexos. Sentia, principalmente, como se sua mente estivesse tentando mostrar-lhe algo que estava diante dele.

Joe desviou o olhar, não conseguira sustentar o olhar de Leah por mais de dois segundos.

— Por que está evitando a todos?

— Tenho medo que algo em mim possa ferir vocês... Portanto, até que eu saiba o que acontece, tentarei permanecer distante. — murmurou ela, seu tom de voz degradando-se de modo repentino. — Preciso ir, Joe. Solte-me.

Ele soltou o braço da prima, aborrecido. Ela seguiu até o fim do corredor, em direção à escadaria.

LEAH

Jaz movimentava-se de um lado para o outro na enfermaria, de modo que chegava a incomodar Leah. Ela desviou o olhar para a parede.

— Jasmine... O que aconteceu depois que eu desmaiei? — perguntou, percebendo que todos a encaravam com pavor e que alguns móveis haviam sido retirados da enfermaria. A região atrás das de suas unhas estavam muito vermelhas e calejadas, suas unhas estavam quebradas e seu corpo tinha alguns ferimentos.

A sunu colocou uma caixa de pílulas do lado da mesa e colocou o medidor de pressão no braço de Leah, programou-o e tocou os cabelos da garota.

— Pergunta por que você está um pouco ferida? Você estava convulsionando, em convulsões podem acontecer atos masoquistas e foi o que houve, você perdeu a consciência, mas seu corpo continuou ativo, é por isso que não se lembra de nada.

Leah não sentiu convicção sobre o que Jaz havia dito, porém estava atordoada demais para insistir. Apenas esperou que ela medisse sua pressão, debilitada.

— 8,9. Aumentou um pouco de ontem para hoje, mas ainda está muito baixa. Como se sente?

— Minha cabeça dói e minha visão está turva na maior parte das vezes. Também tenho sentido dores no peito e falta de ar.

Jasmine retirou o medidor do braço de Leah.

— São sintomas de pressão baixa. Tem sentido mais alguma coisa?

— Ontem... Fiquei fora do ar. Sabe? Estava em um lugar, uma hora, e em outra hora estava em outro lugar, de repente.

Jaz colocou-se na frente de Leah, examinando seu rosto.

— Considerando tudo pelo que a Casa da Vida tem passado e suas características muito diferenciadas de um mortal comum ou de um mago comum, não posso colocar certeza em todas as conclusões médicas. Algo sobrenatural pode estar acontecendo com você. “Ficar fora do ar” pode sim ser um sintoma de epilepsia, mas não posso ter certeza quanto à causa dela.

Leah assentiu, descontente. Jaz colocou uma caixa de comprimidos em sua mão.

— Tome-os sempre que sentir estes sintomas novamente.

Ω

— Ainda não entendi o propósito de tudo isso. — disse Leah, enquanto Alex fechava-lhe os dedos sobre um amuleto Ankh.

— Estamos tentando identificar se você é uma hospedeira de Anúbis, um teste simples é saber se você pode encontrar a verdadeira saída nesse labirinto ilusório com a ajuda do Ankh.

Ele se afastou dela, incentivando-a a prosseguir.

Leah olhou para os quatro corredores o seu redor, apreensiva.

— Deixe-se guiar pelo amuleto. — instruiu Alex.

Ela fechou os olhos, tensa. Sentiu o Ankh aquecer-se, subitamente, sob seus dedos. Seguiu pelo segundo corredor, virando duas vezes à direita, três à esquerda e uma à direita, perspectivamente. Parou diante de uma porta vermelha e girou a maçaneta, insegura. Encontrou-se diante da mesma sala azul de antes.

— Muito bom! — proferiu Alex, logo atrás dela. — Restam mais dois testes.

— O que devo fazer agora? — perguntou Leah.

Alex ofereceu a ela um rolo de atadura, pegando o amuleto.

— Divirta-se.

Ela ergueu as sobrancelhas, então ergueu a mão para pegar o rolo, mas Alex a interrompeu.

— Sem usar as mãos. — notificou.

Leah o encarou, incrédula, então voltou a atenção às ataduras novamente. Ergueu a mão, sem fazer menção de tocar no rolo. Encarou-o, tentando realizar a telecinese. Era, sem dúvidas, uma das coisas mais estranhas que tentara realizar.

Vamos rolinho, venha cá.

Depois de três tentativas, colocou que aquela seria a última tentativa. Seu coração se acelerou quando o rolo levitou em sua direção, se desenrolando na vertical.

Ergueu a mão e tocou o indicador, muito levemente, na fita. A atadura brilhou intensamente, então tornou-se inteiramente de bronze. Olhou para Alex, ele sorriu, então estalou os dedos. Leah percebeu um brilho estranho ao lado dele, olhou bem para a figura e percebeu que era um cadáver. Arregalou os olhos e ouviu a atadura de bronze cair no chão. Alex caminhou até ela e afagou seus ombros.

— Está morto. Já sabe o que fazer com ele e a atadura, certo?

Leah assentiu, embora não tivesse certeza. Fechou os olhos e respirou fundo. Abriu os olhos e ergueu a mão para o cadáver.

— Sadewx!

A atadura de bronze embalsamou o esqueleto em uma velocidade surpreendente.

— Hora do último teste. — Alex tocou os ombros da múmia. Leah parou diante do defunto. — Se você estiver com Anúbis, poderá dar vida a este corpo.

Ela colocou a mão direita sobre o coração da múmia, fechou os olhos e imaginou batimentos cardíacos. Nada aconteceu.

Leah continuou imaginando os batimentos cardíacos, então, em seus pensamentos, deu vida ao corpo, idealizando um objetivo. Sentiu uma pulsação forte sob sua mão, então mais uma, e outra...

Abriu os olhos e assistiu enquanto o cadáver ligava um rádio e procurava por uma estação. Parou em uma que tocava “What a Wonderful World”, Joey Ramone. Leah, ainda com o braço erguido, encarou Alexander, atônita.

Ele retribuiu seu olhar de espanto. Aproximou-se dela.

— Não deve contar a ninguém, entende? Ninguém mesmo.

— E se alguém descobrir? — ela perguntou.

— Se chegar aos ouvidos de quem estiver perseguindo Anúbis...

Leah se sentou numa cadeira ao lado da múmia, que escrevia muito distorcidamente num papiro. Ela franziu a testa, pois não havia feito comando para aquilo.

Olhou para o papiro e leu a inscrição em letras gregas. Alex inclinou-se e leu também. Ele e Leah se olharam.

“Eu a escolhi porque preciso de sua ajuda”.

Anúbis havia acabado de responder ao seu pensamento.
A múmia continuou a escrever.

“Não é esta a questão principal. Você está prometida para mim há doze anos, por isso estão tentando me tirar do caminho. Sabem que posso ajudá-la”.

— Quem está tentando? — perguntou ela.

“Você já sabe sobre quem age na dianteira, porém há alguém que está no controle de tudo, alguém extremamente furioso e muito mais forte que eu e você juntos. Receio não poder lhe contar muito mais que isso. Desculpe pelas tentativas dolorosas de entrar em contato, sua parte grega é extremamente poderosa e conservadora”.

Anúbis, por que alguém quer me atingir? Eu fiz algo errado?

“Não se trata do que você fez, mas de quem você é e o que vai fazer”.

O quê?

A múmia ergueu o braço para voltar a escrever, mas seu corpo tombou na mesa. Leah olhou para Alex.

— A vida que deu a ele tem limites. — disse ele.

Leah assentiu. Alex transformou-se em coruja e pousou em seu ombro. Ela se levantou e saiu da sala.

Sem nenhuma razão, foi até o terraço, que, surpreendentemente, estava vazio. As aulas de Artes Marciais haviam acontecido de manhã, e já deveriam ser três horas da tarde.

Sentiu a presença de alguém ali e gritou de susto ao perceber que havia uma pessoa de baixa estatura de pé sobre o cercado. No mesmo instante o corpo inclinou-se para frente e desabou de cima do muro em direção ao piso do beco.

Leah gritou novamente, levando as mãos à boca. Alex voou atrás da pessoa que caíra. Leah novamente agiu sem o próprio controle, pegou a adaga em seu bolso e abriu um corte em seu próprio pulso, gemendo de dor.

Seu sangue fez uma poça quase negra no chão, dela cresceram três monstros alados, com metade do tamanho de Leah e feições de ninfa. Os três voaram na mesma direção que Alex. Leah debruçou-se sobre o muro. Quase pulou para trás, assustada com a própria visão. Era extraordinária, podia enxergar mesmo uma barata à quase vinte e cinco metros de distância.

Duas das criaturas aladas agarraram o garoto pela perna, voando de volta ao terraço. Alex e a outra criatura as seguiram. Os monstros colocaram o menino no chão, desfazendo-se em poças de sangue em seguida. Alex voltou à forma humana e abaixou-se ao lado de Leah. Ela envolveu o corpo do menino que deveria ter dez anos de idade. Ele estava desperto, encarando Leah com seus olhos cinzentos, suas pupilas estavam dilatadas.

— Isso não vai parar até que se renda. — disse ele, rouco, então perdeu a consciência nos braços da garota.

Ela não pretendia levá-lo à enfermaria, nem mesmo contar a alguém o que havia acontecido. Entendia que aquilo afetaria o garoto. Com a ajuda de Alex, levou-o, sem que alguém percebesse, ao dormitório. Colocou-o sobre a cama que ocupava e sentou-se ao lado dele.

— Alex, ele não está respirando.

— Dê néctar a ele.

Leah o encarou.

— Isso vai matá-lo. — disse.

— Confie em mim.

Ela suspirou, pegou o cantil de néctar e despejou entre os lábios do menino, apreensiva. Depois de três segundos, o garoto arfou, abrindo os olhos arregalados. Ele se sentou, olhando de Alex para Leah.

— O que aconteceu? Quem são vocês?

— Ele é Alexander e eu sou Leah. Qual é a ultima coisa de que se lembra?

— Eu estava na biblioteca.

— Havia alguém lá?

O menino balançou a cabeça negativamente.

— A propósito, sou Sam. — disse ele — Por que estou aqui? O que houve?

Alex sentou-se ao lado de Sam.

— Sam, você pulou do terraço.

— Nós o salvamos — continuou Leah — Acho que você pode ter sido enfeitiçado.

— Por que alguém faria isso?

— Gostaria de saber o porquê. — mentiu a garota, afinal ela sabia que aquilo era para alcançar Anúbis.

Ouviram passos agitados do lado de fora e exclamações aterrorizadas. Leah levantou-se abruptamente e saiu do dormitório.

— O que está havendo? — perguntou a Hilde, que caminhava ali.

— Não entendi direito, mas parece que tem um aprendiz morto.

Leah arregalou os olhos e sentiu sua boca se escancarar. Acompanhou Hilde ao Grande Salão. Desceram as escadas com pressa, acompanhadas de muitos outros aprendizes.

Misturaram-se ao aglomerado de pessoas e chegaram a um círculo, onde Carter envolvia o corpo inerte de um rapaz, que aparentemente sofrera uma hemorragia. Leah olhou para o rosto do rapaz e viu que era Jared, um dos aprendizes que antes estava na enfermaria. Havia sangue saindo de uma de suas orelhas e sua face, congelada, expressava choque.

Hilde pareceu, ao mesmo tempo, chocada, enjoada e melancólica. Leah olhou para Dean, que estava abaixado ao lado de Carter.

— Precisamos conversar... Todos nós. — sussurrou ele.

Leah assentiu, ainda perturbada com a aparência de Jared.

Ele estava muito pálido, seus lábios ressecados e os cabelos flamejantes tinham um rastro de sangue. Jared tinha doze anos e era um dos magos mais produtivos entre os jovens. Mais tarde, quando Carter e Jaz haviam levado o corpo para a enfermaria, os magos espalharam-se novamente, porém muito tensos e silenciosos. A maioria havia desabado em lágrimas, outros ainda estavam atônitos com a cena.

Leah juntou-se à Dean, Liz e Peter, que estavam no sofá de frente para a TV.

— O que aconteceu com Jared? — perguntou.

— Hemorragia intracerebral. — murmurou Peter, debilitado — Não há dúvidas de que foi um ataque.

— As últimas palavras dele foram “Não vai parar até que se renda”. — disse Liz, abatida, e olhou para Leah.

Leah sentiu seu coração martelar fortemente, sua boca ficou seca, e sua visão turva. O garoto havia morrido por causa dela.

Sua respiração tornou-se entrecortada, por isso ela ficou em silêncio por um tempo.

— Vi um garoto tentar se matar. — desabafou — Eu o contive, e suas últimas palavras antes de desmaiar em meus braços foram “Não vai parar até que se renda”.

Os três a encararam, atônitos.

— Quem? Como? Quando?

— Há alguns minutos. Um garoto chamado Sam ia pular da sacada.

Dean franziu a testa.

— Nunca ouvi falar de nenhum Sam no Vigésimo Primeiro Nomo.

— Faz sentido, se for o Sam que estou pensando, o garoto é do Primeiro Nomo. — informou Peter. — O conheci na minha última viagem ao Luxor. Ele é um aprendiz de Kalil. É uma criança extraordinária, sua inteligência é quase surreal. Os Newton o trouxeram com eles ontem.

— Ele descende de Kaa? — perguntou Leah.

Peter balançou a cabeça negativamente.

— Ramsés II e Djoser. Acho que Semempsés, ou quem quer que seja atingirá quem estiver pela frente, e isso é grave. Temos de fazer algo, e rápido.

— Mas o quê? — indagou Liz. — Não sabemos quem está fazendo isso, não temos certeza se é um faraó do mal. E então? Queimaríamos seus ossos e todos os outros objetos em que ele poderia se hospedar?

— Não vamos ter certeza de nada até irmos à Umm El Qaab. — afirmou Leah. Ela sabia que a teoria de Dean estava correta.

— Tem razão. — concordou Liz — Então vamos nos preparar, talvez os Kane nos deixem partir amanhã.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.