Leah Goldwyn: Entre dois Mundos

Minha professora de matemática é sinistra


— Leah, acorda! Vai se atrasar! – ouvi meu pai berrar no andar debaixo, o ignorei e me virei na cama, mas foi só questão de tempo até sentir cócegas em minhas costas.

— Saia daqui, Joseph! – berrei, estapeando-o.

Joseph Newton é meu primo, somente cinco meses mais velho que eu, portanto ele tinha dezessete anos, enquanto eu tinha dezesseis. Tinha cabelos castanho-escuros, pele azeitonada, olhos castanho-claros e era bonito, embora eu preferisse morrer a admitir isso à ele. Joe morava na mesma casa que eu, já que meus tios, Nina e Phill, tiveram que ir à Espanha à negócios e meu primo se recusou a ir.

Joe saiu do quarto.

Sentei-me e suspirei, era meu primeiro dia de aula em uma nova escola... no meio do primeiro semestre. Maravilha, não? A verdade era que eu já estava acostumada a estar sempre mudando de escola, já que eu era sempre expulsa por indisciplina e confusões ou tinha que mudar até por questões de aprendizagem, já que sofria com TDAH e dislexia. Já acabavam as opções de colégios que aceitavam pessoas tão “perfeitas” quanto eu, especialmente o Brooklyn, que não tinha tantos colégios de Ensino Médio. Portanto era essencial que eu durasse na nova escola.
Eu sempre fui bastante inteligente, chegava a durar mais em escolas por pena dos diretores, e os professores também tinham pena de mim, pena por eu ter um grande potencial, mas vários déficits, inclusive alguns ataques de raiva, que atrapalhavam meu desempenho.

Ah, já ia esquecendo de me apresentar. Meu nome é Leah Goldwyn, tenho quatorze anos e moro no leste do Brooklyn, Nova York, com meu pai Thomas e meu primo Joe. Não sou uma típica garota nova-iorquina, também porque nasci em Santa Monica, Califórnia. Preferia passar a tarde enfornada dentro de casa do que nas descoladas lojas de NY, até porque sempre que eu saía de casa sozinha, algo estranho acontecia. É, eu sou tipo o “carma” da cidade. Também tenho um pavor insano por aranhas, com frequência tenho pesadelos, se bem que conforme os anos passavam, os pesadelos iam sumindo.

Meu físico não é nada típico de uma californiana. Meus cabelos são de um castanho escurecido, em camadas misturadas a algumas mechas roxas, meus olhos eram azuis escuros, em contraste com minha pele muito pálida, como se eu passasse dias sem ver o sol.

Tomei banho, vesti uma calça jeans rasgada nos joelhos, moletom do Nirvana e calcei meus coturnos. Contornei meus olhos, que demonstravam puro tédio, com uma maquiagem preta e desci os degraus da escada, sem produzir sequer um ruído. Eu tinha uma habilidade estranha de ser silenciosa, mesmo calçando coturnos, daria até para ser contratada por uma agência de espionagem ou saquear um banco.

Assim que servi café numa xícara, finalmente fazendo um som, meu pai deu um pulo à minha frente, de costas para mim. Ele se virou, pálido.

— Garota... Como consegue ser tão silenciosa? – perguntou, dei de ombros.

Papai vestia uma bermuda de surf, camiseta cinza e chinelos, lia um jornal e com frequência ajeitava os óculos.

Ele era um homem extremamente inteligente, compreendia a maioria das ciências, especialmente egiptologia e história geral. Como trabalhava de historiador, muitas vezes viajava à trabalho para lugares como a França, Grécia, Inglaterra, Itália e principalmente o Egito. Meu tio Phillipp era arqueólogo, assim como papai, viajava sempre, muitas vezes meu pai completava o seu trabalho, fornecendo uma história estudada e comprovada aos artefatos que tio Phill encontrava.

Papai foi até seu quarto vestir a roupa de trabalho, desceu quando eu já havia terminado de tomar o café da manhã, vestindo calça preta, blusa cinza sob jaqueta de couro preto e calçando mocassins. Sua mochila já estava pendurada no ombro. Ele pegou a chave de seu Ford Kuga, beijou minha testa e saiu.

Peguei minha mochila, pendurando-a no ombro, e caminhei até a sala de estar onde Joe estava, sentado no sofá, concentrado em seu celular enquanto a TV reproduzia uma reportagem sobre vida rural.

— Vamos? – disse, empurrando seu ombro.

Joe ergueu o olhar e assentiu, jogando o telefone no bolso. Levantou-se, pegou sua mochila e me acompanhou até o lado de fora da casa, tranquei a porta, levando a chave comigo. Caminhamos até nossas escolas, a de Joe ficava à quatro quarteirões da minha, já que eu, mais uma vez, havia mudado de escola.

Parei em frente à um prédio vermelho de aparência simpática, no mínimo vinte metros de altura, janelas compridas, com um ar um tanto executivo, tinha uma placa escrita "Berkeley Carroll".

Subi os degraus e entrei na escola, ignorando os olhares que se dirigiam à mim nos corredores.

Peguei o papel que meu pai havia me dito para entregar ao diretor e comecei à vagar pelos corredores, à procura da diretoria. Eu estava distraída, até que me esbarrei em um garoto que andava olhando para trás, ele parecia nervoso.
Tinha cabelo cor de areia e olhos verde-mar, sua pele era levemente bronzeada e ele era bem bonito.

— Hã, desculpe. – murmurou.

— Tudo bem... Você estava distraído e eu também.

— É que, hã, você vai achar que sou paranoico, mas parece que a professora de matemática está me perseguindo. – disse ele, com um sorriso torto e nervoso.

— Normal. – eu disse, dando de ombros. Na verdade, dependendo do sentido, aquilo só era normal para mim, o que de fato me deixou curiosa à respeito do garoto e arrependida de ter dito aquilo

— Ei, sou Dylan. Dylan Bulfinch – disse ele, estendendo a mão, eu a peguei em um cumprimento.

— Leah Goldwyn – eu disse.

— Você é nova aqui? – perguntou ele, eu assenti.

Ele deve ter percebido meu tédio ao responder, porque se apressou em dizer:

— Também não tem muito tempo que estudo aqui, mudo muito de escolas – disse ele, eu sorri de canto.

Eu geralmente não fazia amizades, mas sabia que quando as pessoas apareciam “do nada”, sendo tão esquisitas quanto eu, assim como era Dylan, poderia funcionar.

— Ei, Dylan, pode me ajudar à levar isto aqui para a sala de Artes e... – começou uma garota, aproximando-se de Dylan com caixas em mãos. Ela era bem bonita, e extremamente parecida com Dylan, com seus olhos verdes e cabelos louros. Usava uma blusa preta de manga longa, short jeans azul e botas de montaria. – Quem é a garota? – perguntou, abrindo um sorriso simpático.

— Leah Goldwyn – eu disse.

— Sou Claire Bulfinch – disse ela – Irmã de Dylan.

— Onde fica a diretoria? – perguntei.

— Daqui a dois corredores, virando a esquerda no último – disse Claire.

— Obrigada – disse, e caminhei até a diretoria, enquanto Claire e Dylan se dirigiam à sala de Artes.

Quando cheguei tive de esperar, porque o diretor conversava com um garoto, cuja estatura era alto, pálido, cabelos negros e olhos azuis celestes e intensos.
Ele tinha cabelos negros, vestia uma camiseta dos Sex Pistols, bermuda com alguns desfiados e coturnos. No estilo de um típico roqueiro rebelde.

— Se quiser ficar nesta escola, Sr. Stone, vai ter de parar de se meter em confusões e mostrar que vale a pena continuar aqui. – disse o diretor, o garoto cerrou um punho.

— Tanto faz – disse ele, com um evidente sotaque britânico.

— Está liberado – disse o diretor.

O garoto saiu da sala, com um papel em mãos.

Entrei logo depois e entreguei o papel ao diretor.

— Srta. Goldwyn, aqui estão os seus horários. Seja bem-vinda. – disse Denis Stuttgart, parecia ter apenas vinte anos de idade, o que era estranho para um diretor.

— Obrigada – pronunciei, educadamente.

Caminhei até a sala de Matemática, onde teria minhas duas primeiras aulas. A maioria dos alunos já havia chegado, dentre eles estavam os Bulfinch e o garoto que conversara com o diretor Stuttgart.
Claire acenou, indicando para que eu me sentasse à carteira atrás dela, caminhei até lá e me sentei.

A Srta. Hannover entrou na sala.

Era uma senhora esquisita, usava um chapéu preto que tinha um véu por baixo, parecia vestida para um funeral, com um vestido longo também preto.

Só dava para ver metade de seu rosto, o que a tornava misteriosamente assustadora.

Olhei para Dylan, que estava na fileira ao lado, na última mesa. Ele batia os dedos freneticamente sobre a mesa e olhava para os lados.

— Max Stone – chamou a professora, o garoto de olhos azuis e cabelos negros voltou-se para ela. – Sente-se aqui. – disse ela, indicando uma carteira vazia da primeira fileira, Max revirou os olhos e fez o que a professora disse. – Você ali, Sr. Bulfinch.

Dylan arrastou-se até a primeira mesa.

A Srta. Hannover olhou para mim e pude jurar que lambeu os beiços, como se me visse como uma saborosa refeição. Tentei não demonstrar desconforto e desviei o olhar.

— Srta. Goldwyn – chamou. Como, diabos, essa mulher sabe quem eu sou? – Seja bem-vinda.

Seu sorriso era maldoso e cheio de malícia, um sorriso que eu tinha quase certeza de que me atormentaria por noites.

Fiquei quieta.

— Essa mulher é sinistra – resmungou Claire, à minha frente.

A aula passou rápido... À quem estou querendo enganar? Estou falando de duas aulas de cálculos com uma professora sombria, cada minuto parecia uma eternidade.

Eu havia saído da sala, estava andando no corredor, tomando um suco de uva, quando três garotas se aproximaram.

Uma tinha cabelos curtos, cacheados e ruivos, tinha olhos castanhos e usava uma saia jeans azul, blusa do "One Direction" e sapatilhas vermelhas.

A outra tinha pele morena, olhos castanhos e cabelos lisos. Usava calça vermelho-escuro, camisa azul e botas de cano-curto pretas.

A última era tinha ondas louras e olhos azuis, usava um short rosa, camiseta preta e saltos também pretos. Todas eram tão bonitas e pálidas que pareciam bonecas de porcelana.

— Leah Goldwyn, não é? – quem se pronunciou foi a ruiva que estava entre a loura e a morena. – Sou Haley Downy, estas são Kathleen Frey e Hannah Gerrard.

Kathleen era a morena, a loura era Hannah.

— Ouvi falar muito dos Goldwyn. São aquela família esquisita de Santa Monica, né?

Fiquei quieta, olhando para meu suco.

— Bem que meus pais disseram... São o carma desse lugar. Não deviam deixar criaturas como você junto de outros jovens, sabe, prezo muito minha religião. Então, eu queria deixar um recado para você.

Olhei para a garota, com uma clara estampa de tédio em minha expressão, como se não tivesse ouvido nada do que falou.

— Não pense que não percebi o Max olhando para você a aula inteira, e isto não vai ficar assim. O Max é meu, está me entendendo? Não vai ser uma coisa como você que vai mudar minha imagem neste colégio.

Por que ela não diz isso pra ele? pensei.

Olhei para meu suco novamente. Uma pena, ele estava tão bom. Virei o copo sobre a cabeça de Haley, que deu um gritinho de indignação. Já haviam várias pessoas observando a cena, o que era uma droga, considerando que eu não era muito boa em lidar com pessoas.

— Minha blusa favorita! – choramingou. Permaneci com uma expressão de total tédio.

— Sobrou um pouco aqui, querem experimentar também? – eu perguntei à Hannah e Kathleen, minha voz também soou inexpressiva, demonstrando pura indiferença. As duas negaram rapidamente e correram em direção ao banheiro feminino, seguindo Haley.

Saí da rodinha de pessoas e encontrei Claire com um sorriso de aprovação no rosto.

Dylan apareceu logo depois, com um sorriso divertido no rosto.

— O que foi que ela te disse? – perguntou. Dei de ombros.

— Nada importante.

Caminhamos até o pátio, na hora do intervalo.