Laços

Capítulo 2 x 11


Gustavo

Desde que Sr. Helio, havia se internado por problemas de saúde, Gustavo vinha trabalhando dobrado. Ele não estava reclamando, mas com Diogo na presidência temporariamente. Ele tinha que procurar ser o mais proativo possível dentro da empresa.

Ele estava dando uma olhada no balanço de produção da empresa e viu que, o rendimento havia caído 3%, coisa que não era comum de se acontecer. Mas as coisas naquele ano estavam diferentes. No início do ano, cerca de cinquenta funcionários foram demitidos, por ordem de Diogo. Aquilo havia levado Gustavo a criar certa antipatia por Diogo, porém essa antipatia tinha que ficar o menos visível possível.

Gustavo deu uma olhada no relógio e viu faltava 4min para ele poder sair pra almoçar, ele se espreguiçou bem sobre sua cadeira, no entanto foi arrastado de sua espreguiçada por três batidas à porta de sua sala.

– Pode entrar. – ele agora procurava se ajeitar sobre a cadeira de modo certo para poder ver quem era, ele então viu Emilia. – O que foi agora?

A mulher tinha em mãos um Tablet. E não tirava os olhos dele

– Sr. Diogo, quer vê-lo agora em sua sala. – ela tirou os olhos do aparelho e olhava em volta.

– Diga a ele que já estou indo. – Pegou seu celular e viu que havia uma mensagem de Konrad. Ele a leria mais tarde.

Emilia havia saído e deixado a porta aberta. Gustavo ficou tentando imaginar o que Diogo queria com ele. Mais desistiu ele teria que ir lá pra ver.

Mesmo sendo o Presidente temporário da empresa. Diogo preferiu ficar em sua sala, em vez de se mudar para a sala da presidência. E Gustavo achava isso admirável, pois se fosse qualquer outro diretor não pensaria duas vezes. Gustavo entrou sem bater e viu Diogo sentado sobre a mesa, como se já, aguarda-se sua chegada.

– Queria falar comigo? – perguntou Gustavo, indo até uma janela que dava para o setor de torno CNC da fábrica.

– Acabei de saber que o estado do Sr. Helio se agravou. – Diogo ainda continuava na mesma posição que estava. – Os médicos disseram que ele não passa de hoje.

Uma onda de pavor e remorso tomou canta de Gustavo naquele instante, porém ele não se deixou abalar. Tinha que continuar firme, manter o controle.

– E como vai ficar a empresa? – Gustavo sabia que aquela era uma pergunta inoportuna, contudo ele sabia que era aquela pergunta que Diogo queria ouvir.

– O testamento é irrevogável a Sra. Jessica Abrantes, tem por direito 50% da FHSM. – Diogo agora estava do lado de Gustavo –, mas há uma questão que me preocupa...

– Isabela! – Gustavo o interrompeu, ele sabia que a garota tinha apenas 17 anos de idade e que passaria por um momento conturbado nos próximos meses que se seguissem. – Sua madrasta está disposta a ficar com ela. E seus tios vão fazer de tudo para não deixar que isso aconteça. E você sabe que eles apenas querem tirar proveito dos outros 50% que a garota detém.

Gustavo tentava imaginar como o caos iria se alastrar sobre aquela família.

Enquanto estava deliberando sobre o que supostamente aconteceria, ele acabou não percebendo que Diogo estava agora bem a sua frente o fitando sem pestanejar.

– Quem você vai apoiar? – Diogo perguntou estalou os dedos perante os olhos de Gustavo o arrastando de seu emaranhado de pensamentos.

– Por favor, fale de novo eu estava... – Gustavo deu um passo atrás para se afastar um pouco da egocêntrica aura que Diogo emanava. – Você perguntou quem eu irei apoiar?

Diogo agora se encaminhava até um canto de sua sala e pegava um bombom que ficava dentro de uma vasilha de vidro sobre um criado mudo.

– Exatamente. – falou ele ainda remexendo a vasilha numa tentativa árdua de conseguir pegar o bombom que estava no fundo. – Precisamos escolher um lado.

Gustavo já havia visto em alguns filmes e seriados, como o clima dentro de uma empresa mudava, quando se tratava de escolher um lado. E ele havia decidido não participar daquela guerrinha de poder que estava para se iniciar.

– Eu não vou apoiar ninguém. – Gustavo respondeu, ele pegou seu óculo e começou a limpar na borda de sua camisa. – Eu não vou me envolver em uma briga que não me diz respeito e se você for esperto como eu sei que é, também vai procurar ficar fora disso.

– Essa briga diz respeito a todos nós. – falou Diogo desembrulhando o chocolate.

– O que você vai ganhar com isso Diogo? – perguntou Gustavo, sabendo que aquela pergunta não era uma pergunta amistosa e sim uma pergunta de confronto.

– Aonde você quer chegar Gustavo? – rebateu Diogo com certo resquício de raiva por estar sendo encurralado.

– Não sejamos hipócritas. Pelo visto os irmãos do Sr. Helio lhe fizeram uma proposta muito boa. – Gustavo mantinha um sorriso desafiador. – Eu tenho um palpite muito bom.

– Que é? – Diogo perguntou querendo saber até onde iria a insolência de Gustavo

Gustavo percebeu o tom desafiador de Diogo. Se fosse a cinco meses atrás. Ele teria se retraído a sua insignificância interior. Com tudo ele agora estava mudado, muitas coisas haviam mudado. Principalmente a sua personalidade própria.

– Eles lhe prometeram a presidência da FHSM, pois você sabe que a Sra. Jessica é quem vai assumir a presidência. Você voltará a ser apenas um Diretor de qualidade. O meu conselho é que você se contente com o que você batalhou pra conquistar e não com promessas que são apenas palavras ditas em momento de interesses. – ele começou a imaginar se não havia passado dos limites.

Agora era Diogo quem sorria. E ele exibia um sorriso assustadoramente malicioso. Como se estudasse todo interior de Gustavo e soubesse que por dentro ele estivesse se borrando de medo.

Diogo estava com raiva por ter sido encurralado, questionado, minimamente esculachado, por um garoto que mal havia saído da faculdade e que, no entanto era Diretor Geral de Produção. Aquilo fez que seu respeito por Gustavo aumentasse ainda mais.

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa a Gustavo. Emília bateu na porta e a abriu lentamente.

– Diogo, seu irmão está aqui fora lhe esperando. – disse a secretaria.

– Diga a ele que já estou indo. – ele fez um sinal para que ela saísse.

A secretaria fechou a porta e restaram somente Gustavo e Diogo na sala novamente.

– Creio que a nossa conversa tenha terminado. – refletiu Gustavo.

– A nossa conversa está muito longe de terminar, porém você já deixou bem clara a sua posição e eu a respeito. – falou Diogo.

Gustavo se sentiu aliviado por ele ter respeitado sua decisão, porém o respeito naquele jogo de poderes industrial era preza fácil.

– Até qualquer hora Diogo. – se despediu ele e logo em seguida saindo da sala.

– Até. – falou Diogo.

Assim que Gustavo saiu da sala. Deparou-se com seu amigo Noah. Contudo Noah estava diferente, ele havia se desfeito dos cachos seu cabelo agora estava arrepiado, barba feita, mas o sorriso era o mesmo, acolhedor e cativante.

– Gostei do novo corte de cabelo. – o elogiou Gustavo indo até seu amigo.

– Tava na hora de mudar um pouco. – falou Noah dando um forte abraço em seu amigo.

– Fiquei sabendo do ocorrido. – comentou Gustavo. – E fiquei feliz. De verdade.

Uma expressão de quem diz que não sabe do que o outro está falando se instaurou sobre Noah.

– O beijo... Entre você e Lucas. – seu amigo não resistiu a dar uma bela gargalhada.

Gustavo interrompeu a gargalhada no exato momento em que reparou que Noah não estava sorrindo, ele continuava sério.

– Ele foi equivocado em fazer o que ele fez. – falou Noah com a voz firme e severa.

– Espera ai cara, você está dizendo que Lucas foi equivocado por fazer o que você não teve coragem de fazer? É isso mesmo que estou ouvindo? – perguntou Gustavo olhando por cima dos ombros de seu amigo para ver se não havia ninguém prestando atenção. Por sorte Emília já havia saído para o almoço.

Gustavo sabia que estava pegando pesado. Com tudo ele sabia que o seu amigo só reagia bem quando estava sobre pressão. Aquilo era o que às vezes fazia seu amigo acordar pra vida e enxergar que aquele não era o momento de ter medo.

– Você mais do que ninguém, sabe que um beijo pode dizer muita coisa. – argumentou Noah, numa tentativa estúpida de tentar se defender do que era claro.

– E o que esse beijo lhe disse? – indagou Gustavo

Noah tentou encontrar forças para pronunciar o as palavras que estavam presas. Mas ele sabia que no momento em que as pronunciasse. Ele estaria sendo a pessoa mais covarde que um dia já existiu.

– Me disse que ele me ama de uma maneira que eu não sei se posso retribuir, pois tenho medo de me entregar a um amor desconhecido e que pode acabar me ferindo de uma forma onde eu não consiga cicatrizar sozinho.

Gustavo sabia que a explicação de seu amigo era plausível, porém quem nunca se entregou a um gesto de amor desconhecido de sua forma de amar habitual?

O amor desconhecido é algo que te leva ter coragem de seguir caminhos que somente quem está disposto a correr o risco trilha, pois este é o caminho do descobrir, do aceitar, do saber ser paciente, do respeito... É o caminho para se conhecer um ao outro. É um caminho árduo.

– Deixa de ser idiota cara. – ele se enfureceu. – Pela primeira vez nessa sua droga de vida. Você encontra um cara que realmente quer ficar com você. E você está com medo de investir por medo de se machucar? Vamos nos machucar por algo que chegue a valer a pena. E pelo amor sempre vale a pena.

– Eu vou tentar. – disse Noah.

A porta da sala de Diogo se abriu e ele saiu.

Gustavo apertou a mão de seu amigo para se despedir. Ele viu que havia mexido com psicológico do amigo coma breve conversa que os dois haviam tido.

– Noah? – gritou ele,

Seu amigo já estava dentro do elevador junto de seu irmão.

– Pare de dizer vou tentar. Diga vou arriscar. – Gustavo o aconselhou.

Noah esboçou um sorriso de contentamento com o conselho.

Gustavo viu que Diogo estava sem entender. Mas o importante era que seu melhor amigo havia entendido.

***

Depois de um dia de trabalho, Gustavo se sentia aliviado em poder chegar a sua casa.

Quando chegou em casa viu que o carro de Konrad já estava na garagem, porém havia um outro carro parado ao lado da garagem. Ele não afazia ideia de quem poderia ser o carro.

Chegando a sala, Gustavo ouviu vozes vindas do banheiro. Ele concluiu que seu amigo Konrad estava transando.

– KONRAD SUA PIRANHA. EU JÁ ESTOU EM CASA... ENTÃO CUIDADO AO SAIR DO BANHEIRO. – informou Gustavo gritando.

Gustavo ficou parado durante uns 30seg esperando alguma resposta. Mas a única coisa que ouviu foi o som do chuveiro sendo desligado.

Ele jogou sua mochila no sofá e foi até a cozinha, pois estava com muita fome. Abrindo a geladeira ele viu algumas fatias de peito de peru e requeijão. Era a combinação perfeita para um sanduba (sanduiche). Quando fechou a geladeira e se virou deu de cara com Konrad e um homem alto, loiro de corpo bem definido e com uma tatuagem da rosa dos ventos sobre o ombro direito.

– Gustavo este é Enzo. – Konrad o apresentou.

– Você tem uma bela casa. – disse Enzo tomando a iniciativa de estender uma das mãos a fim de cumprimentar Gustavo.

– Obrigado. – falou Gustavo o cumprimentando. – Vocês estão com fome? – perguntou ele colocando o requeijão e o peito de peru em cima da mesa.

– Eu tenho que ir. – falou Enzo olhando rapidamente para Konrad que estava se servindo de um copo d’água. – Fica pra próxima.

– Tudo bem... Então até a próxima. – Gustavo agora estava revirando o armário atrás de uma sacola de pão de forma.

Alguns minutos de silencio se instauraram sobre a cozinha enquanto Gustavo procurava a sacola de pão. Konrad terminava de lavar seu copo e Enzo olhava para um pequeno quadro onde havia uma pintura de uma fazenda simples.

– Vamos Enzo. Eu o levo até a porta. – Konrad cortou o silencio arrastando Enzo contigo.

Gustavo conseguiu achara a sacola de pão. Ele estava para começar a passar o requeijão em uma das fatias quando escutou o telefone tocar. No mesmo instante ele foi até a sala atender ao telefone, pois poderia ser sua mãe ou até mesmo notícias sobre o Sr. Helio.

– Alô? – perguntou ele.

– Boa tarde! Gustavo? – perguntou a voz.

Gustavo notou que era uma voz feminina, porém a voz trazia um cansaço e uma doçura ao mesmo tempo. Parecia quase que com a voz de sua tia Fátima.

– Ele mesmo. – Gustavo notou que a mulher começou a tossir, era uma tosse seca que o fez sentir pena da mulher.

– Quem está falando é Tereza. Mãe de Konrad. – se identificou a mulher e com identificação veio outra leva de tossi seca. – Meu filho por acaso está em casa? – perguntou Tereza assim que a tossi lhe deu alguns minutos de folga.

Antes de responder ele olhou para o lado e mal havia dado conta de que Konrad já estava de volta. Seu amigo estava deitado no sofá já com o controle da TV em mãos; Seu amigo olhava com um olhar de quem pergunta: o que foi?

– Tia Tereza, ele... – Gustavo teve de interromper o que ia dizer, pois Konrad havia se levantado do sofá rapidamente e balançava a cabeça negativamente para o seu amigo. – Ele ainda não chegou do trabalho.

– Assim que ele chegar peça pra ele me ligar? – pediu a mãe de Konrad.

– Peço sim tia. – respondeu Gustavo com o coração cortado por estar mentindo para uma mãe e com raiva de seu amigo por estar torturando aquela mulher daquela maneira.

– Fique com Deus meu filho. – Tereza de despediu.

– A senhora também. – falou Gustavo e logo em seguida desligando o telefone.

Konrad se jogou sobre o sofá e levou suas são mãos até o rosto e tentou futilmente esconder sua vergonha.

– Até quando você vai fugir? Até quando você vai torturar sua mãe dessa forma? – perguntou Gustavo.

– Ela não é a minha mãe. – falou Konrad sem tirar suas mãos do rosto.

– Foi ela quem o educou, o vestiu, o alimentou e mostrou como ser um homem. Ela fez o papel que sua mãe biológica não teve coragem pra fazer. Aceite isso. Não ignore a mulher que tem 50% de mérito por ter lhe tornado o homem que você é hoje. – Gustavo não viu reação nenhuma no amigo, pois ele continuava com o rosto enterrado nas mãos. – Você só precisa de tempo, porém a pergunta que fica é. Será que o tempo vai ser seu amigo ou inimigo? Pois na sua situação eu creio que você vai lamentar todo o tempo que você perdeu por puro egoísmo e falta de maturidade.

Ele deixou o amigo sozinho na sala e voltou para cozinha no intuito de finalmente conseguir fazer seu sanduiche.