Laços

Capítulo 1 x 4


Sophie

Sophie estava a caminho de seu consultório no Centro Médico de Nova Friburgo. Seu consultório ficava no terceiro andar, sala 308. Assim que chegou ao corredor da sala reparou que sua secretária Juliana, já estava a sua espera. Juliana era uma jovem de dezoito anos. Tinha cabelos longos e louros, olhos castanhos e usava aparelho era um pouco mais alta que Sophie. Estava trabalhando com ela fazia três meses.

_ Bom dia doutora. – disse a jovem com simpatia.

_ Bom dia minha flor! Pronta para mais um dia? – perguntou sarcasticamente Sophie.

Os pacientes começariam a chegar dentro de meia hora, isso as dava tempo o suficiente para dar uma varrida no consultório, ajeitar as revistas de entretenimento que elas deixavam ali para entreter os pacientes e para ajeitar as fichas de cada paciente que seria atendido naquele dia. O consultório era grande e consistia em três cômodos, um banheiro, uma pequena sala que era onde ficava a recepção e um grande quarto onde consistia o local onde Sophie atendia seus pacientes.

O primeiro paciente chegou com vinte minutos de antecedência. Seu nome era Antonio Carvalho, ele tinha dezessete anos e sofria de um pequeno conflito de personalidade o que lhe dificultava fazer amigos inclusive se relacionar. Ele era um menino bonito, tinha os cabelos cortados no estilo militar, tinha barba por fazer, seus olhos azuis passavam uma tristeza que penetrava a alma de quem o olhava.

– Bom dia Antonio! – cumprimentou Juliana.

Ele apenas assentiu com a cabeça dando-lhe um sorriso com o quanto da boca. Juliana não podia acreditar que estava ficando apaixonada pelo garoto. No entanto não sabia se conseguiria levar um relacionamento com uma pessoa como ele.

Ela bateu na porta do consultório antes de entrar. Sophie estava olhando alguma coisa na internet.

– Doutora, Antonio já está aqui posso manda-lo entrar? – perguntou Juliana.

– Sim, mande-o entrar. – pediu Sophie

O adolescente entrou no consultório, acanhado como sempre. Ele deu um beijo no rosto de Sophie. Ela o achava carinhoso demais para uma pessoa que se julgava ter dificuldade em se socializar. Porém ela sabia que ele apenas criara essa barreira, numa tentativa de tentar se proteger. No entanto ela estava intrigada em saber do que?

Dentro do consultório havia uma grande estante repleta de livros, certificados e fotos com alguns pacientes e lembranças que alguns deles levavam para ela às vezes, havia também sua mesa de trabalho, duas poltronas e entre essas duas poltronas ficava uma mesinha de centro com um tabuleiro de xadrez, feito de marfim.

– Sente-se! – disse ela para o garoto apontando para uma das poltronas.

Ele se sentou comportadamente, com as pernas cruzadas e os braços apoiados nos braços da poltrona. Ele estava usando uma calça jeans escura e uma camisa preta com o nome de uma banda chamada Avengers Seven Foud. Uma banda bem conhecida dentre os adolescentes. Até ela tinha algumas musicas dessa banda em seu celular.

– Doutora o que é paixão? – perguntou Antonio sem delongas sendo o mais objetivo possível.

Sophie não pode esconder a surpresa pela pergunta. Afinal ele nunca tocou num assunto tão doce por assim dizer dentro de um ano de tratamento. Geralmente falavam sobre morte, vida, demônios, até mesmo sobre sexualidade, mas aquele tema era novo pra ela.

_ A paixão é um sentimento de duas faces. – respondeu ela.

_ Duas faces? Como assim?

Sophie percebeu o interesse do garoto naquele assunto, talvez fosse aquilo que na qual ele se privava tanto, porém estava com vontade de descobrir o que é.

– Esse sentimento te leva às vezes a caminhos que você não pensava um dia trilhar. Leva-te a sucumbir a desejos que podem destruir sua alma ou até mesmo preenche-la de uma alegria que você nunca pensou em experimentar. – respondeu ela se ajeitando na poltrona.

Antonio pegou uma das peças do tabuleiro de xadrez e começou a revira-lo entre as mãos, dava a entender que ele iria proteger o pequeno peão.

– E porque as pessoas se machucam tanto nessa descoberta pela paixão? – perguntou ele esperando uma resposta satisfatória.

– Porque assim como uma criança começa a querer dar os primeiros passos e cai, assim é na paixão. Você se apaixona e algumas vezes aquela paixão vai lhe decepcionar é como jogar com a própria sorte. – respondeu Sophie. – Mas qual esse seu interesse por este sentimento?

Dessa vez foi o adolescente quem ficou sem graça com a pergunta de Sophie, ela viu as bochechas do garoto corar como se ele tivesse feito algo muito errado. Mas no fim ele respondeu o que para ela parecia ser o obvio.

– Estou apaixonado por uma garota doutora.

Ela ficou feliz em ouvir aquelas palavras, pois mostrava que ele estava começando a se deixar levar e baixar a guarda. Estava começando a querer descobrir novos sentimentos.

– Fico muito feliz por você Antonio, só peço para que tenha cuidado. – sugeriu Sophie

– Porque Doutora? – perguntou ele meio que confuso.

Antes de responder ela se levantou e foi até sua estante de livros e passou o dedo entre os livros e seguiu para frente de sua mesa e ficou de costas para ela apoiando suas mãos sobre ela.

– Porque foi como eu havia lhe dito no começo de nossa conversa. A paixão é um sentimento de duas faces. É uma faca de dois gumes. – respondeu ela severamente;

O adolescente havia entendido o que ela queria dizer. Isso a deixou mais confortável, pois ele retribuiu o conselho que ela havia lhe dado com um beijo no rosto e um sorriso carinhoso. Foi a primeira vez que ele tomara aquela atitude. Ela lhe deu um abraço apertado como quem abraça a um filho ou alguém que se ama muito.

– Acho que acabamos por hoje. – ela comentou.

Ele fez que sim com a cabeça e com um sorriso no rosto.

– Vamos! Eu levo você até a porta. – disse ela jogando um de seus braços por cima do ombro do garoto.

A pequena recepção estava vazia e Juliana estava terminando de atender um telefonema.

– Dra. Sophie, a senhora Carmélia acabou de ligar para cancelar a consulta, ela teve um imprevisto e pediu para remarcar assim que houvesse uma vaga. – relatou Juliana.

Sophie apenas deu de ombros, mas aquilo significava uma hora sem fazer nada até que o próximo paciente chegasse. Pelo menos ela poderia ir vendo algumas coisas na internet.

– Juliana marque uma nova consulta para Antonio, para daqui duas semanas nesse mesmo horário. – pediu Sophie. – Tudo bem para você Antonio?

– Sim doutora. – respondeu ele

Sophie reparou que ele não tirava os olhos de Juliana, era como se ele estivesse fascinado pelo que via. Ela logo entendeu tudo. Juliana é a garota por quem ele se apaixonara

– Juliana aproveite esse tempo apara ir tomar o seu café. Aproveite e leve Antonio junto. É por minha conta. – disse ela com um sorriso.

A garota e o garoto pareceram não entender. No entanto não recusaram. Quando iam saindo Antonio olhou para trás e viu a doutora piscando um dos olhos para ele. Foi ai que ele entendeu. Ela havia descoberto por quem ele estava apaixonado e estava tentando fazê-lo ter o primeiro contato. Ele ficou grato pela atitude dela e deixou que o muro que o impedia de se socializar até mesmo de se apaixonar. Desprendesse o seu primeiro tijolo;

***

Os dois últimos pacientes foram os mais exaustivos, uma era uma criança de dez anos com grau anormal de hiperatividade. A criança chegava a se sentir superior a ela mesma. A mãe tinha medo de onde aquilo podia chegar. Já a outro paciente era uma mulher com trinta e oito anos que sofria de uma síndrome obsessiva de comprar além do que podia. Eram casos que requeriam uma atenção maior. Já era meio dia, Sophie adorava a segunda feira de certo modo, pois o dia passava mais rápido. Era hora de ir almoçar. Ela estava pensando em passar na casa de seu amigo Noah e almoçar com ele, mas preferiu não ir.

Juliana já havia saído para o almoço e voltaria daqui a duas horas. Sophie trancou o consultório e seguiu para o centro da cidade, o centro médico ficava em frente à Praça do Suspiro do outro lado da avenida, no entanto ela iria para o Central Shopping almoçar. No caminho para o shopping ela encontrou com Pierre, um amigo de muito tempo.

– Como vai Sophie? – perguntou ele enquanto se aproximava para lhe dar dois beijos no rosto.

– Eu vou bem e você? – perguntou ele numa pergunta retrograda.

Pierre era dono de uma das maiores academias de Nova Friburgo. Ele a comprara do antigo dono no meio do ano passado e estava fazendo lucro com ela. Ele havia comprado todo um arsenal de aparelhos novos para academia, o que chamou mais a atenção dos marombeiros e aqueles que adoram ficar em boa forma. Ela respondeu que sim com a cabeça.

Sophie percebeu que ele estava meio que desatento, parecia querer conversar, queria desabafar com alguém.

– Ta a fim de ir almoçar comigo Pierre? – perguntou ela na melhor das intenções.

Ele pareceu ficar meio que confuso com o convite, mas a vontade de desabafar e com uma amiga falou mais alto.

– Claro!

Os dois seguiram para o Shopping e foram direto para a praça de alimentação e decidiram pedir um prato feito. Enquanto esperavam Sophie não perdeu tempo e foi direto ao assunto.

– Como vai à adoção do Alex? – perguntou ela.

Alex era um amigo de todos no grupo. No entanto ele era menor de idade e havia perdido seus pais, não tinha parente disposto a cuidar dele. E como sempre mesmo antes de seus pais falecerem ele sempre dormia na casa de Pierre por ficar mais próximo da escola. Pierre decidiu entrar na justiça e pedir a custódia de Alex. No começo do ano Alex havia entrado para faculdade e estava cursando engenharia mecânica.

– Tudo esta indo bem, creio que em breve tudo estará resolvido. – disse ele com um sorriso.

– Você tomou uma atitude nobre Pierre e sabe que pode contar com todo o Grupo. – a comentou.

– O Grupo parece ter se desfeito com o tempo sabe Sophie, não somos como antes. – disse ele fazendo círculos com o dedo sobre a mesa.

Aquilo já vinha batendo em sua cabeça há muito tempo, se o Grupo havia se deteriorado ou não. Todos estavam seguindo com suas vidas e carreiras e o espaço de tempo era pequeno para reunir todo mundo novamente. Ela no fundo sabia que ele tinha razão, só não aceitava aquela verdade.

– Acho apenas que todo mundo, anda muito ocupado ultimamente. – disse ela

O prato dos dois havia chegado. No de Sophie havia arroz, salada. Filé de frango e batata frita. Já no de Pierre continha arroz, feijão, farofa, carré e molho a campanha. Os dois ficaram em silencio durante o almoço. Tudo estava bom para Sophie, à companhia do almoço foi a melhor. Fazia tempo que não almoçava com um amigo tão querido.

Pierre pagou a conta, como todo bom cavalheiro faria. Ele ganhou um beijo no rosto pela gentileza. Os dois decidiram relembrar um pouco dos velhos tempos e decidiram tomar sorvete e ficaram relembrando varias façanhas que haviam cometido com a galera toda. Bons tempos que não voltariam mais.

Ela olhou no relógio e viu que já era hora de voltar para o consultório.

– Pierre, eu tenho que voltar. Tenho um paciente daqui a vinte minutos

– Tudo bem. – disse ele.

– Obrigado pela companhia e qualquer coisa que você precisar. Pode contar comigo. – falou Sophie dando um abraço caloroso nele

Ele retribuiu o conforto do abraço e lhe deu um beijo na testa.

– Obrigado!

Sophie saiu andando as pressas e esbarrou em um estudante derrubando seus livros. Ela se virou e fez um aceno para o menino pedindo desculpa. O menino a olhou com um olhar furioso, mas ela não se deixou levar por aquilo. Continuou a manter seu caminho. Atravessou a avenida e correu para o Centro Medico.

Assim que chegou ao consultório Juliana estava sentada por detrás da sua mesa na recepção. A menina pareceu levar um susto com a chegada da doutora.

– Doutora, todos os pacientes da tarde ligaram cancelando a consulta. – informou Juliana.

Sophie não deixou transparecer o seu desapontamento. Ela simplesmente relaxou os ombros e seguiu para dentro de sua sala. Ela colocou sua bolsa sobre sua mesa e pegou seu estojo com os seus produtos de higiene. Ela retirou dali sua escova de dente e o creme dental e foi para o banheiro.

Logo que saiu do banheiro foi surpreendida por Juliana que segurava um envelope de papel pardo.

– Acabaram de deixar esse envelope para a senhora. – falou a menina lhe entregando o envelope.

Sophie ainda estava com a escova na boca, era um costume que muitas pessoas tinham. Um costume meio que incomum, mais tinham.

– Quem deixou o envelope? – perguntou ela intrigada.

– Um motoboy doutora. – respondeu Juliana voltando para o seu lugar.

Sophie viu que não havia remetente, chegou a pensar que fosse uma das brincadeiras de Noáh. Ele adorava fazer aquilo, uma vez ele mandou entregar a ela uma caixa cheia de produtos e brinquedos eróticos. Talvez agora ele tenha decido inovar e mandou uma coleção de revistas de homens pelados.

– Juliana, já que não teremos pacientes, agora à tarde você está livre pra ir para casa. Eu fecho o consultório. – disse ela enquanto seguia para sua sala de novo.

– Obrigado doutora! – disse a menina.

Sophie apenas deu um sorriso para a menina. Ela sentou na sua cadeira e guardou seus produtos de higiene dentro da bolsa novamente e ficou olhando para o envelope. Juliana apareceu na porta para se despedir.

– Até quarta feira doutora. – disse a menina.

– Até Juliana.

Sophie abriu o envelope e tirou o conteúdo que havia ali dentro. Era uma poção de fotos de Gustavo com outra mulher. Uma mulher alta bonita esguia de cabelos longos e negros. As fotos o mostravam com um dos braços envolta dos ombros dela. Eles seguiam para dentro de um condomínio. Era ali perto do Centro Médico era ali no bairro Vale Dos Pinheiros. Ainda tinha um bilhete dentro do envelope que dizia

Acho que você não tem sido mulher o suficiente para ele. E ele tem percebido isso só não sabe como te contar ainda. Mas fique tranquila só estou tentando amenizar a sua dor. Beijos alguém que lhe quer bem.

O bilhete havia sido digitado, então não dava para reconhecer a letra, mais o que Sophie podia fazer em relação aquilo naquele momento a não ser chorar como sempre fazia e confrontar Gustavo de uma maneira sucinta e perspicaz. Ela colocou as fotos de volta no envelope e pegou seu celular. Discou o numero foi direto para discagem rápida o número de Gustavo já estava salvo. Chamou três vezes e então ele atendeu.

– Oi Sophie. – disse ele

– Amor, teria como você me buscar aqui no consultório hoje? – perguntou ela normalmente como se nada tivesse acontecido.

Ele deu um suspiro antes de responder. O suspiro a deixou mais furiosa. Ele parecia estar cansado dela.

– Ta.

Ele respondeu apenas aquilo e desligou o celular. A sua ira foi tanta que ela jogou o celular contra a parede. Por milagre o celular não havia quebrado, apenas arranhou e a tela trincou. Ela sabia que era perda total. Mas o celular não era o que a incomodava naquele momento o que a incomodava. Era descobrir quem havia mandado as fotos. Quem era o monstro que estava fazendo aquilo.

A lista de pessoas que eram contra o relacionamento dela e de Gustavo nunca fora pequena. Havia muitas pessoas, porém ela iria descobrir quem era e quando descobrisse a velha Sophie que sabe jogar aquele jogo iria retornar e fazer a pessoa sofrer de maneira desigual. Ela sempre se considerou uma pessoa boa, até que pisassem no seu calo. Ela olhou para o tabuleiro e viu que as peças já estavam em seus lugares só faltava começar a maneja-las, a sua maneira e vontade.