Laura e Edgar saem da casa e vão em direção ao Cosme Velho... no caminho conversam mais a respeito do ocorrido nas últimas horas...

Laura: Edgar... estava pensando...

Edgar: Isso já não é nenhuma novidade...

Laura (sorrindo): é sério... sobre tudo que aconteceu de ontem para cá... se o Daniel estiver acordado... o que vamos dizer a ele? Com certeza ele vai pedir como você se machucou... e como eu rasguei a blusa...

Edgar: Acho bom pensarmos em alguma coisa... bem... você pode dizer que sua blusa rasgou por ter enganchado em um arame... um prego .... e meu corte..

Laura: e o supercílio você cortou ao levantar a cabeça e bater na quina de uma prateleira...

Edgar: Certo... e... quanto a você não ter dormido em casa...

Laura: Eu precisei cuidar de você por ter se machucado...

Edgar (rindo): E cuidou muito bem, por sinal... (ficando sério) só você para me fazer rir...

Laura: Ainda pensando no que o teu colega disse?

Edgar: Não tem como não pensar...

Laura: Edgar... não entendo como você pode se envolver com aquela mulher... e principalmente... como não pensou que a menina podia ser filha de outro...

Edgar: Eu agi por impulso... sei que devia ter pensando melhor... mas aquela carta me deixou sem chão... eu só conseguia pensar que tinha uma filha em Portugal, que estava doente e precisando de mim...

Laura: Edgar... você foi muito ingênuo...mas o pior de tudo... não ouvia ninguém... tomou todas as decisões sozinho..

Edgar: Amor... não vamos começar tudo outra vez... a gente estava tão bem... achei que depois dos últimos acontecimentos você tivesse me perdoado...

Laura: E eu perdoei... mas não esqueci... nunca vou conseguir esquecer... eu sofri muito com tudo isso...

Edgar: eu também sofri... e ainda estou sofrendo... essa dúvida está me matando... não sei nem como vou encarar a menina depois de tudo isso...

Laura: A Melissa não tem culpa de nada... e... detesto dizer isso, mas... tente ser o mais natural possível com a mãe dela... ela pode desconfiar do que iremos fazer e dar um jeito de atrapalhar...

Edgar: Chegamos...

O casal desembarca do carro e entra em casa... Daniel despertara a pouco e vem correndo receber os pais assim que ouve a porta abrir...

Daniel (abrindo os braços e pedindo colo a Laura): Mamãe! Que bom que você chegou... Senti saudade...

Laura (pegando o menino no colo): Oh meu amorzinho! A mamãe também está morrendo de saudade de você...

Daniel: Oi Edgar! A Matilde me disse que você fez um dodói e a mamãe foi cuidar de você....

Edgar: Oi Daniel! Sim... eu me machuquei ontem..

Daniel: A mamãe é batuta em cuidar disso... quando eu me machuco ela sempre cuida de mim e me enche de beijinhos...

Edgar: Que bom isso, né? As mamães sempre cuidam dos filhos com muito carinho... a minha mãe também cuidava assim de mim quando eu era pequeno...

Laura (pondo Daniel no chão): Eu vou me trocar.... não demoro...

Daniel: Você também tem mãe?

Edgar: Tenho... um dia você vai conhecer ela...

Daniel: Ela deve ser tão supimpa quanto a minha.... como é o nome dela?

Edgar: Margarida... e eu acho que ela vai gostar muito de te conhecer...

Laura volta para sala... está trajando uma blusa vermelha e uma saia clara

Laura: Vamos?

Daniel: Vocês vão sair? Posso ir junto?

Laura: Meu anjo... onde o Edgar e eu vamos, criança não pode ir...

Daniel: Mas, mamãe... eu já estou cansado de ficar em casa...

Edgar: Então eu prometo que amanhã à tarde eu te levo para brincar na pracinha... hoje não vou conseguir te levar... pode ser?

Daniel: Claro... adoro ir brincar lá!

Laura: Então está certo... e enquanto vocês vão na pracinha eu vou trabalhar e depois a gente se encontra... agora vamos, Edgar?

Edgar: Vamos...

Eles saem da casa e vão ao cartório... chegando lá, Edgar apresenta a documentação necessária para averbação de reconhecimento de filiação no registro de nascimento de Daniel

Edgar: Bem, Dr., aqui tenho a certidão de nascimento do menino, mais a certidão de divórcio, que comprovam que ele nasceu antes de nove meses da assinatura desse documento e mais o instrumento particular com minha firma reconhecendo sua filiação...

Oficial (olhando os documentos): Muito bem... todos os documentos estão em ordem... vou lavrar um escritura pública para reconhecimento de filiação e faremos a averbação... vejo que a criança foi registrada em Petropolis... portanto vamos ter de enviar posteriormente essa documentação para aquela cidade, para que as alterações constem no documento original... dentro de alguns dias o documento definitivo ficará pronto...

Laura e Edgar saem satisfeitos do cartório... agora Daniel é legalmente filho do casal Vieira...

Edgar (emocionado): Agora sim... sou oficialmente pai de Daniel Assunção Vieira!

Laura: Bem... agora o Daniel é legalmente seu filho... ele é considerado seu filho legítimo ou ilegítimo? Afinal nós não somos mais casados..

Edgar: O Daniel é meu filho legítimo, Laura... nós estávamos divorciados no momento do nascimento, mas éramos casados quando ele foi concebido... por isso levei a duas certidões para comprovar que ele nasceu antes de completar nove meses do divórcio... ele goza de todos os direitos que um filho legitimo tem... diferente da Melissa... que por lei não tem direito nem a herança quando eu falecer...

Laura: Eu sei... mas imagino que você não vai desamparar a menina... acho isso injusto, sabe... filhos legítimos... ilegítimos... naturais... adulterinos... espúrios... todos deveriam ter os mesmos direitos... os filhos não têm de pagar pelos erros dos pais..

Edgar: Concordo... e espero que um dia neste país todas as pessoas sejam tratadas da mesma maneira... sem diferenças de cor... credo... sexo... filiação...

Laura: Estado civil...

Edgar: Sim... estado civil também... Laura... mudando de assunto... para onde quer ir agora? Te deixo e vou ver a Melissa...

Laura (amuada): Vou para casa... mas não precisa me levar...

Edgar: O que foi?

Laura: Ai Edgar... só de pensar que você vai ver aquela mulherzinha...

Edgar: Amor... pensei que você já tivesse entendido... e te juro... vou ter de me segurar para não falar umas boas verdades para aquela mulher...

Laura: Segure-se se quiser saber a verdade... ou vai por tudo a perder.. Se eu fosse com você, ela não iria escapar de me ouvir e levar uma boa surra...acho que não conseguiria me controlar...

Edgar: Ainda bem que você tem o bom senso de não querer ir junto comigo...

Laura: Na verdade eu gostaria que você também não precisasse mais ir a casa daquela lambisgoia...mas já que não tem outro jeito, que você precisa ir ver a sua filha, me leva pra casa, então... você volta para o jantar, não é?

Edgar: Não perderia por nada... (dando um beijinho em Laura)

Edgar deixa Laura em casa e se dirige até a residência da filha... Enquanto Edgar vai visitar Melissa, Laura resolve enviar o artigo que escrevera a alguns dias sobre a situação das mulheres divorciadas no Brasil para o Correio da República.. cheia de coragem, enfrenta a rua e os olhares ainda escandalizados das pessoas e vai até o correio postar a reportagem... apesar de assinar com um pseudônimo masculino, Paulo Lima, sente-se orgulhosa por poder expor seus pensamentos... tem esperança que Guerra goste de seu texto e encomende outros...

Edgar chega à casa de Melissa... bate à porta e é recebido por Catarina

Catarina: Bom dia Edgar!

Edgar (tentando disfarçar a irritação ao vê la): Bom dia... onde está Melissa?

Catarina: Está no quarto...

Edgar: Vou vê-la... com licença

Catarina: Toda... (Edgar entra e está subindo as escadas... Catarina o chama) Edgar... vi a nota que publicaram no jornal... sinto muito... se você vir a Laura diga-lhe que estou penalizada por essa situação tão delicada...

Edgar: Não se penalize... Laura é uma mulher excepcional... forte..não precisa da piedade de ninguém.. muito menos da sua... e não são meia dúzia de palavras tipografadas em um jornaleco sensacionalista que vão fazer com que se abale...

Catarina: Mas não diz nada que não seja verdade.... é um escândalo... e mesmo Laura sendo tão forte deve ter sentido o impacto da notícia...

Edgar: Sim... mas Laura tem amigos verdadeiros que a apoiam... e tem a mim... e... falando em impacto... li sobre o seu recital... pelo que vi a desordem da estréia serviu para aumentar o público...

Catarina: Sim! E estou exultante com isso! Por sinal... preciso ir ensaiar agora... Se precisarem de alguma coisa, a babá está na cozinha...

Catarina sai... pensa no que Edgar lhe disse... Laura não se deixou abater pela nota... e não sabe ao certo, mas pelo que entendeu Edgar e Laura estão juntos... nada poderia ser pior... logo ele saberá da criança... isso se já não sabe... e isso pode por o futuro de Melissa e o obviamente o seu próprio a perder... precisa agir...

Edgar para em frente a porta aberta do quarto de sua filha... a menina desenha em uma escrivaninha... ele olha para aquela menina como que a procura de alguma característica em comum... ela lhe lembra alguém... parece ter traços seus, mas ao mesmo tempo parecem de outra pessoa, que não a mãe e nem ele... olha para a criança confuso... ela é sua filha... dedicou carinho... amor... cuidou dela... ele é seu pai.... Melissa para subitamente ao perceber a presença de Edgar....levanta-se e corre em sua direção, esperando seu abraço...

Melissa: Papai! Que bom te ver!

Edgar (agachando-se e abraçando forte a menina, como se com aquele abraço quisesse protege-la): Minha menina!

Melissa: O que foi pai?

Edgar: Nada meu amor... só estou com saudade de você... o que estava fazendo?

Melissa: Desenhando... você quer ver?

Edgar: Quero...

Edgar passa algum tempo com sua suposta filha... conversam.... Edgar lhe conta uma história.. mas continua atordoado... pensando.... olhando para o rosto de Melissa e tentando decifrar com quem se parece... Ele sai dali e vai até sua casa... entra no escritório... tem algo importante a fazer...

Edgar senta-se e toma papel e caneta... molha a mesma no tinteiro e começa a escrever...

Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 1909

Prezada Colega Dra. Filipa Borges

Em primeiro lugar, gostaria de saudá la cordialmente e espero que esta carta lhe encontre bem. Apesar da distância e dos anos passados, tenho plena convicção de que nossa amizade feita durante os anos em que juntos frequentamos a Faculdade de Direito permanece firme e sincera. Com este pressuposto venho através dessa carta pedir-te um grande favor, que espero que possa prestar-me. Filipa, não sei como começar a descrever-te isso, pois para mim é um assunto um tanto embaraçoso... Durante minha estadia em Portugal, tive um curto envolvimento amoroso com a cantora lírica Catarina Ribeiro, e, deste meu caso supostamente nasceu uma criança, que eu assumi e a tenho por filha. Ocorre que, apesar de saber da conduta duvidosa da mãe da criança, nunca pensei que a menina não pudesse ser de fato minha filha, até o dia em que tive uma discussão acalorada com um de nossos colegas, que se encontra aqui no país, e que me disse que também esteve envolvido com Catarina no mesmo período, bem como outros colegas. Minha cara amiga, não tenho outra pessoa a quem recorrer... neste momento tu és a única com quem posso contar e em nome de nossa amizade peço que me ajude a descobrir a verdadeira paternidade de Melissa (se é que isso é possível). Por favor, investigue acerca deste assunto e com prazer te pagarei por todo esse incômodo e ainda te serei eternamente grato. Para dar andamento a investigação, segue os dados que te posso informar... o nome da criança é Melissa Ribeiro Vieira, nascida em 04/11/1903, na cidade de Coimbra... preciso que descubra com quem mais sua mãe, Catarina Ribeiro, envolveu-se no início deste mesmo ano e se puderes tente descobrir quem foi a parteira que a atendeu; se o conseguir preciso que ela nos preste esclarecimentos a respeito do parto.. Fico no aguardo de tua resposta. Na oportunidade reitero votos de estima e elevada consideração.

Grato.

Dr. Edgar Lemos Vieira

Edgar lê a carta que escrevera e lhe parecendo de acordo, coloca-a em um envelope e endereça o mesmo. Sai apressadamente e posta a carta no correio...

Edgar: Está feito... espero que Filipa aceite me ajudar.. e que consiga as informações para desvendar tudo isso...