A chuva que começara timidamente a cair aos poucos ganha força; Edgar não olha para trás nem tampouco ouve as advertências das pessoas desesperadas pela visão da escola envolta em fogo e fumaça... Adentra os escombros da construção, tentando desviar dos objetos já ardendo em chamas.. Procura por Laura aos gritos, sem obter resposta... À medida que avança em sua busca, começa ele também a sentir alguma dificuldade em respirar... mas não desiste... vai adiante... Andando um pouco mais avista o corpo da esposa estendido no chão... Corre... Não há tempo a perder.... O calor ali é quase insuportável... Tentando não machucar a moça, agacha-se e com cuidado a toma nos braços, envolvendo-a com o cobertor e logo fazendo o caminho de volta...

Fora dali, as pessoas ao redor continuam na luta para combater o incêndio, Zé Maria e Chico aplicam medidas de primeiros socorros nas crianças, enquanto os amigos da professora rezam para que tudo termine bem...

Isabel: Meu Deus... proteja esses dois! (enquanto lava o rosto do menino e oferece água para Daniel, que permanece em seu colo)

Zé: Gente... por favor, deem espaço!... A menina precisa de ar...(deitando comodamente a menina em um cobertor improvisado no chão, levantando o queixo de Melissa e afrouxando as roupas da pequena)

Nisto Edgar sai com Laura em seus braços... Tia Jurema o ajuda a coloca-la no chão...

Guerra (aproximando-se e verificando sinais vitais): Graças a Deus!.. (verificando que ainda há pulsação e que a moça ainda está respirando)... Edgar... está bem?

Edgar (ofegante): Estou... Como ela está?

Guerra (fazendo os mesmos procedimentos que Zé aplicara em Melissa): O pulso está rápido e fraco!.. Vamos soltar as roupas e abrir as vias áreas para que recobre os sentidos...

Nisto Melissa começa a voltar a si... Debate-se um pouco e logo tenta erguer o tronco...

Zé Maria (ajudando a menina a sentar-se): Calma mocinha... vai ficar tudo bem!... O teu papai já está aqui... Por enquanto toma um pouquinho de água... Ela está doce... Vai te fazer bem...

Edgar: Filhinha... não se preocupa... Tudo vai ficar bem...

Daniel (tossindo ainda): Papai... o que a mamãe tem?

Edgar: Não é nada Daniel... A mamãe já vai ficar boa...

Jurema: Melhor tirar os pequenos daqui... Vamos para minha casa...

Edgar: Guerra... e então?

Guerra: Edgar... é melhor chamar o pai da Laura...

Edgar: Ele está em Minas Gerais... mas disse que se precisasse era para procurar pela Dra. Evie...Tenho o endereço dela aqui...

Zé: Edgar... vou fazer uma papa de açúcar (colocando açúcar em uma copo com algumas gotas de água)... Vamos colocar embaixo da língua da sua esposa... Isso deve ajudar...

Guerra: Isso mesmo Zé!... Agora vamos fazer o seguinte... Edgar eu te ajudo a colocar a Laura no carro com cuidado e você a leva para o hospital... eu vou até esse endereço para procurar pela Dra... a esta hora não deve estar mais na Santa Casa.... e levo ela até lá...

Edgar: Certo... mas não é perigoso transporta-la?

Guerra: Ela não teve nenhuma lesão na coluna... pode remove-la daqui sim...

Isabel: E as crianças?

Edgar: Isabel.. aluga um coche e leva elas para minha casa....Elas parecem estar melhor... Mas mesmo assim vou pedir para Dra. dar uma olhada nelas também...

Nisto, Laura começa a recobrar os sentidos... Sente frio... Olha ao redor e tudo lhe parece turvo... tenta levantar-se mas é impedida por Guerra

Edgar: Graças a Deus...

Laura (levando a mão na cabeça, na altura da concussão que sofrera na testa): Ai... onde eu estou?

Guerra: Calma Laura.. não faz esforço... Deixa que eu te ajudo a sentar...

Laura (enquanto Guerra a envolve com um cobertor e limpa seu rosto): Meu filho... a Melissa.... o fogo...

Edgar(agachando-se e olhando com carinho para a esposa): Fica tranquila, amor... as crianças estão bem... estão com a dona Jurema...

Laura: A escola...

Isabel: Não pensa nisso agora...

Edgar: Eu vou te levar para casa... você e as crianças precisam de repouso... (olhando para o jornalista) Guerra... vai até a Dra. e pede a ela para ir lá....

Laura: Não precisa... eu já estou bem.. (tossindo)

Edgar: Amor... precisa sim... e não vou discutir...

Laura resigna-se diante da afirmativa de Edgar, que novamente toma a esposa nos braços... Desce o morro com Laura em seu colo... Guerra e Isabel o acompanham trazendo Melissa e Daniel.. Logo estão no automóvel do advogado, que embarca, junto com a dançarina, e ruma em direção a casa da família Vieira...Guerra, ao mesmo tempo vai até a residência da médica... Enquanto isto, na Rua dos Ipês, Catarina encontra-se sentada no sofá... cruza e descruza as pernas... A espera a aflige... Enfim ouve passos na varanda... vai até a porta... lá está quem tanto esperava...

Caniço: Boa noite dona

Catarina: E então? Como foi tudo?

Caniço: Tá feito... A essa hora não deve ter mais nada da escola... da moça e nem dos dois moleques...

Catarina: Dois moleques?

Caniço: Sim... um guri e uma menina...

Catarina (apavorada): Uma menina?

Caniço: Sim... chegou depois deles com a Isabel... parecia ser próxima da professora...Ouvi chamarem ela de.... abelhinha...florzinha... coisa assim...

Catarina: Seu estúpido! Minha filha! Você colocou fogo naquele muquifo com minha filhinha lá dentro!

Caniço: Dona... como eu ia saber? Fiz o que me pediu no bilhete!... Mas quando vim para cá estava juntando gente ao redor da escola... Talvez tenham conseguido tirar ela de lá...

Catarina: Era para estar só a mosca morta e o filho dela, seu energumino!... Minha Menina! Minha Princesinha! Se aconteceu alguma coisa com minha filha, eu mato você! E esqueça seu pagamento, seu estafermo... Saia daqui!

Nisto Fernando entra na sala... Caniço sai daquela casa acuado pelo semblante ameaçador do rapaz e os gritos da cantora... O irmão de Edgar olha para a noiva como que não acreditando no que ouvira minutos antes, quando se encontrava ao pé da escada no andar superior da residência... Catarina anda de um lado a outro na sala... Desespera-se com a possibilidade de ter dado fim a própria filha...

Fernando: Eu não creio que ouvi esse dialogo macabro!... Catarina... é isso mesmo que entendi? Pretendia matar a Laura e o menino no incêndio?

Catarina: Deu tudo errado! Esse incompetente colocou fogo com a minha menina lá dentro... Fernando se acontecer algo com Melissa eu não vou me perdoar nunca!

Fernando: Você é muito pior do que eu supunha! Espero que não ocorra nada com a menina... tampouco com os outros!... O que tens na cabeça? Também não caio de amores por Laura... mas jamais faria uma coisa dessas...

Catarina: Não se faça de inocente!... Você sabia do plano desde o início...

Fernando: Eu sabia que ia incendiar a escola!... Não que pessoas iam estar dentro dela!...

Catarina: Fernando... preciso saber o que aconteceu... Essa angustia está me corroendo!... Tenho que descobrir se minha abelhinha... vou até a casa do Edgar...

Fernando: E o que pretende fazer? Ir lá na casa do Edgar e dizer... Oi.. mandei por fogo na escola e a Melissa por engano estava lá dentro... Pode me informar se ela está viva? Por favor Catarina! Não seja ridícula!

Catarina: Sei que não posso fazer isso... Mas você podia procurar o Edgar... Diga que precisa de algo para fábrica... e tente descobrir o que aconteceu...

Fernando: Não me peça para ser conivente com isso! E de mais a mais... se aconteceu algo... logo você irá saber...

Catarina: Fernando... você está metido nisto até o pescoço!... Preciso de sua ajuda... Tenho que saber que Melissa conseguiu sair daquela escola... O que a Isabel estava fazendo com minha filhinha? Se não fosse por culpa dela a esta hora estaria comemorando meu plano...A escola destruída e Laura e aquele menininho não me causariam mais problemas...

Fernando: Claro... Laura sempre foi um problema... desde os tempos de Portugal! Como pude ser tão cego? Somente hoje consigo ver o que te move... Laura é um estorvo para você por que meu irmão a ama e não a você.... ele te deixou para casar com ela! E não é o dinheiro do meu irmão que você quer, não... você quer o Edgar... você ama o Edgar...Vindo para cá, com um bebê que você alegava que era dele, você conseguiu separa-los... só que não esperavas que não conseguiria fazer com que Edgar olhasse novamente para você... Mas você não ia desistir, não é mesmo? Ia continuar tentando... Até que Laura voltou... A presença dela aqui seria uma ameaça..Ainda mais com um filho!.... E foi isso que te moveu a fazer de tudo para que ela voltasse para o lugar de onde veio... Mas não conseguiu...Ela e meu irmão voltaram... estavam felizes... e você... por despeito... resolveu dar fim a ela... e ao menino... Por Deus... você é um monstro!..

Catarina: Fernando... deixe de bobagens! Não estou com humor e muito menos interesse para ficar ouvindo suas confabulações fantasiosas...

Fernando: Você me usou... me enganou... acreditei que me amava!... Agora vejo que tinha apenas por fim enriquecer...Usou de meu ódio por meu pai para me motivar a dar um golpe em minha família... E ainda usou de meu amor e boa fé para contigo para tentar afetar o Edgar de alguma maneira com essa relação... Como fui imbecil!...

Catarina: Fernando...

Fernando: Você já não me engana mais!... Use de seus ardis com outra pessoa... (indo em direção a porta)

Catarina: Onde vai?

Fernando: Eu não fico mais nem um minuto aqui!... Não quero me contaminar mais com toda essa podridão...

Catarina: Vai...vai mesmo!..Você me acusa de ter te manipulado? Não... eu só agucei essa inveja e esse ódio que você sente pelo teu irmão!...Pois é isso Fernando.. você é um invejoso! E sabe o que mais? O Edgar é muito melhor do que você em tudo... e você sabe disso.!.. Você queria ser igual a ele...

Fernando: Pense o que quiser... Não vou mais compactuar com isto!.. E rezo a Deus que meus sobrinhos e minha cunhada estejam vivos!

Catarina: Ah claro!... Resolveu bancar o bom moço... E agora, está arrependido? Vai procurar teu irmãozinho querido e contar a ele tudo o que eu te obriguei a fazer? Só não esqueça que não fui eu quem mandou roubar a carga de tecidos... assim como não fui eu quem deu um golpe na fábrica...Que foi você quem me apresentou o Oswaldo...e foi você quem contratou e deu metade do valor pelo serviço mal feito por aquele cretino que saiu daqui... Realmente é uma podridão... Mas você está contaminado até os cabelos!...

Fernando: Eu tenho nojo de você!... Mas tenho mais nojo ainda de mim, por ter me deixado envolver por suas mentiras e esse seu jogo sujo... (saindo batendo a porta)

Enquanto Catarina esbraveja contra Fernando que deixa aquela casa sem olhar para trás, do outro lado da cidade, Edgar chega em sua residência... Com cuidado retira Laura do carro, entrando na casa com a moça em seu colo e assustando ainda mais as empregadas da casa, já temerosas de que algo havia acontecido...

Edgar: Matilde... me ajude!... Vá na frente e arrume a cama para Laura deitar...

Gertrudes: Meu Deus do Céu! O que houve?

Laura (fracamente): Um incêndio...

Edgar: Depois eu explico para vocês...

Matilde: E as crianças?

Edgar: Ajude a Isabel a traze-las Gertrudes... E também encaminhe para o quarto delas... Logo o Guerra deve chegar com a Dra. Evie... Ela deve examina-los...

Algum tempo após o advogado levar a professora, ainda um tanto enjoada, para o quarto do casal e Gertrudes auxiliar Isabel a trazer as crianças para dentro de casa, Guerra chega a residência de Edgar. Traz consigo uma moça que como Laura, tem a aparência de uma mulher doce e forte... A Dra. Evie, apesar da pouca idade, já conta com muita experiência clínica, pela dedicação a profissão que escolhera... ...

Dra. Evie: Boa noite...

Edgar: Boa noite... desculpe pelo chamado... mas meu sogro não se encontra na cidade...

Dra. Evie: Não se preocupe... o Dr. Assunção me deixou a par e sabia que seria chamada caso precisassem... Onde está a moça? E o Sr. Guerra me informou que haviam crianças no sinistro também... Não podemos perder tempo!....Preciso avaliar sua condição clínica e adotar as medidas cabíveis...

Edgar: Por aqui...

Edgar encaminha a jovem médica ao andar superior... Enquanto a Dra. examina sua esposa e os filhos, volta à sala... Está apreensivo... Conta com a companhia de Isabel e Guerra, que calados observam o advogado vagando entre a sala de estar e o vestíbulo... Os minutos que se passam mais se parecem horas... No quarto do casal, Dra. Evie examina Laura... executa a anamnese de praxe nestes casos, analisando o estado físico geral da gestante... Após realizar testes de memória curta e longa e verificar os demais sentidos da professora, bem como avaliar possíveis lesões decorrentes da exposição ao calor, realiza um curativo na mão queimada da professora e vai ao quarto onde estão as crianças... Ali também realiza as análises comuns a este tipo de evento e logo vai ao encontro de Edgar para lhe passar orientações a respeito do quadro clínico de seus pacientes...

Dra. Evie: Dr. Vieira...

Edgar: Como eles estão doutora?

Dra. Evie: Bem... de um modo geral, as crianças estão desidratadas, mas não apresentam queimaduras graves... Pedi à babá para lava-los com água fria... Vai fazer com que as regiões sensibilizadas sejam resfriadas... Pode-se usar chá de camomila frio para aliviar a dor e restabelecer a integridade da pele ou então um unguento a base de calêndula.... Fiz uma avaliação do trato respiratório superior e não há presença de nenhuma lesão... Deve-se oferecer muito líquido aos dois... é preciso hidratação, repouso e boa alimentação... Logo estarão bem...

Edgar: E a Laura? E o bebê? Como eles estão? Correm algum risco?

Dra. Evie: Acalme-se Dr Vieira!... A princípio, pela avaliação que fiz, ela e o bebê estão bem.... Como a mãe não sofreu intoxicação pela fumaça, tampouco o bebê....A D. Laura se apresenta desidratada pelo calor...Os mesmos cuidados das crianças devem ser dados a Sra. Vieira... hidratação, boa alimentação e repouso... Ela também não apresenta lesões internas... apenas uma queimadura de pequena gravidade na mão... Apliquei iodo para não infeccionar e em seguida foi feito um cataplasma com babosa... Não estourem as bolhas e troquem o cataplasma todos os dias... Quanto à queda.. fiz testes para verificar algum dano a sua capacidade cognitiva, sensorial e motora, e a meu ver, ela tem essas funções preservadas... de qualquer forma, vamos mante-la em observação.... Amanhã venho verificar como ela passou essa noite... Agora preciso ir...

Edgar: Eu a acompanho até a porta....Desculpe pelo inconveniente... a senhora deve ter marido e filhos lhe esperando...

Dra. Evie: Não é inconveniente... de forma alguma!... Faz parte da profissão que abracei... e meu marido e minhas filhas graças a Deus compreendem que em situações como essa preciso me ausentar do convívio deles para atender quem de mim necessita...

Edgar: Mais uma vez obrigado

Dra. Evie: Disponha... e qualquer coisa me avisem... boa noite...

Nisto toca o telefone... Do outro lado da linha, Catarina aguarda impaciente pela chamada ainda não completada... A discussão com Fernando e todas as palavras que ali foram ditas no momento não tem a menor importância para a cantora lírica...Não sabe ao certo o que dizer... mas precisa ter informações sobre sua filha...

Guerra: Edgar... o telefone!... Atenda que eu acompanho a Dra. até a porta...

Isabel: E eu vou dar uma olhada na Laura e nas crianças...(já nas escadas indo em direção ao segundo pavimento da residência)

No quarto onde Laura se encontra, Matilde ajuda a professora a trocar-se... Após a consulta, tomara um banho e agora prepara-se para deitar...

Isabel: E aí minha amiga? Como você está?

Laura: Ai Isabel... a sensação que tenho é que ainda continuo no meio de uma cortina de fumaça!... Meu corpo inteiro está ardendo!... Mas a Dra. tinha razão... o banho frio aliviou bem... antes estava pior... Ai Isabel... foi horrível... todo aquele fogo... as crianças assustadas...

Isabel: Dei uma olhada nelas... a Gertrudes acabou de lava-las... Estava servindo uma canjinha... Logo devem dormir...

Laura: Eu também vou comer alguma coisa... mesmo não tendo fome... Preciso pensar no bebê... a médica me disse que está tudo bem...

Isabel: Estou admirada por ser uma médica, mulher... Outra corajosa!

Laura: Sim... e gostei muito dela... competente e bastante prática!... Uma mulher realizada profissionalmente... que conseguiu seguir seu sonho.. Enquanto o nosso... acabou de virar cinzas... E agora... o que vai ser da escola, Isabel?

Isabel: Laura... não pensa nisso agora! Você acabou de sair do meio do fogo... Tem apenas que descansar... A gente vai reerguer a escola... você vai ver...

Laura: Mas como?

Isabel: Amiga... tem gente que nos ajuda que você nem imagina...

Laura: Se não imagino, então me explique...

Isabel (vendo que quase entrega Edgar e tentando mudar de assunto): O pessoal do morro... você vai ver como o meu povo vai ajudar a reconstruirmos a escola... Mas agora... mocinha... descanse... (sentando-se na beira da cama onde Laura acaba de deitar-se)

Enquanto Isabel permanece com a amiga até a moça adormecer, na sala Edgar atende o telefone...

Edgar: Alô? Edgar Vieira..

Catarina: Edgar... é a Catarina...

Edgar: Catarina? O que foi? Algum problema?

Catarina: Não... não...só tive um mau pressentimento... Só queria saber como está minha abelhinha...

Edgar: Ela está bem.. Já está dormindo... Por que essa preocupação agora?

Catarina: Oras Edgar... eu sou uma mãe zelosa... só isso... Não me esconda nada!... Está realmente tudo bem? Não aconteceu nada... nenhuma tragédia...catástrofe...

Edgar: O que por exemplo?

Catarina: Não sei... um desastre... um acidente...

Edgar: Catarina...do que você está sabendo?

Catarina: De nada! Mas então houve alguma coisa!... Anda... me diz o que aconteceu...

Edgar: Um contratempo... só isso... E não se preocupe com Melissa... ela está bem... E se era só isso... Boa noite

O advogado desliga o telefone... Desconfia da ligação tão intempestiva da mãe de Melissa.... Nisto Isabel e Guerra voltam a sala...

Isabel: As crianças já foram banhadas e estão dormindo agora... a Gertrudes está cuidando delas... e a Laura também... a Matilde ajudou a Laura a tomar um banho e trocar de roupa... conversei um pouco com ela e acabou adormecendo...

Edgar: É bom que tenham conseguido dormir... vou cuidar deles essa noite toda...

Isabel: Se precisar de mim... pode contar...

Edgar: Não Isabel... obrigado!... Você também deve estar cansada...

Isabel: Bem... neste caso.. vou indo...Aproveito que a chuva estiou... Edgar... me perdoe por favor... a Melissa estava comigo... Era minha responsabilidade cuidar dela...

Edgar: Isabel... não diga isso!... Você não poderia prever o que iria acontecer...

Guerra: Claro... foi uma fatalidade!... (olhando para a expressão aturdida de Edgar) o que foi?

Edgar: Guerra... esse telefonema... foi muito suspeito... A Catarina ligou para cá pedindo como a Melissa estava... parecia que sabia o que havia acontecido... disse que teve uma premonição... Eu simplesmente não creio nisto... Ou ela tem algum informante... ou...

Guerra: Você não está achando que a Catarina...

Isabel: Guerra.... conhecendo a Catarina como conheço... Eu não duvido de mais nada...

Edgar: Eu não sei... só sei que preciso investigar... e se ela tiver algo a ver com isto.. ela vai pagar...

O jornalista e Isabel se despedem do amigo prometendo voltar no dia seguinte e pondo-se a disposição para o que a família necessitar... Edgar então toma a direção do andar superior... Passa pelo quarto onde os filhos se encontram... olha para Daniel e Melissa dormindo serenamente... conversa um pouco com Gertrudes, que lhe conta que as crianças custaram a dormir... o corpo ainda devia estar dolorido e ambas estavam abaladas com o acontecido...Após pedir para a babá pernoitar no comodo dos pequenos, vai em direção a seu quarto... lá encontra Matilde ao pé da cama, vigiando o sono de Laura...

Matilde: Ela dormiu tem mais ou menos meia hora... Está tão debilitada Dr!.... E estava muito abatida... Veja... o sono dela é agitado...

Edgar: Eu sei Matilde... ela acabou de passar por algo terrível.. Vá descansar... eu cuido dela..

Matilde: Eu vou revezar com a Gertrudes para cuidar das crianças...Boa noite

Edgar: Boa noite... e obrigado...

A empregada sai do aposento... Edgar aproxima-se e senta-se a beira da cama... contempla a esposa dormindo... Acaricia os cabelos de Laura e uma lágrima corre por seu rosto.. de repente se dá conta que por pouco teria perdido tudo o que mais ama... sua esposa e seus filhos... Pensa se aquilo foi realmente uma fatalidade ou um caso premeditado... A cada dia as pessoas lhe decepcionam mais... De Catarina não podia esperar muita coisa... sabia muito bem que espécie de mulher ela era... mas Fernando... por mais que soubesse que seu irmão nutria ódio por seu pai e por ele, Edgar, jamais pensara que o irmão chegaria a algo tão baixo...

Pensando sobre tudo o que acontecera nos últimos tempos e observando o comportamento da esposa enquanto dorme, Edgar mantem-se acordado até o raiar do outro dia.. É cedo ainda... aos poucos o sol vai iluminando e aquecendo o quarto do casal Vieira... Laura, após uma noite de sono agitada, sendo muitas vezes apaziguada pelas mãos e a voz terna do esposo, agora repousa serenamente... Edgar, sentado na poltrona próxima à cama continua refletindo...Nisto, ouve batidas à porta...

Edgar: Entre...

Matilde: Com licença, Dr. Vieira... vim trazer-lhe o desjejum... e o jornal... Sei que o senhor aprecia lê-lo logo pela manhã...

Edgar: Obrigado Matilde... Não tenho fome... mas aceito o café.. Deve ajudar a manter-me alerta....Como estão as crianças?

Matilde: Dormiram bem... na medida do possível... E dona Laura?

Edgar: O sono dela foi um tanto agitado... Só agora está dormindo melhor...

Matilde pede licença e sai do quarto. Edgar volta a fitar Laura.. A professora continua a dormir..O advogado sorve seu café, enquanto olha as manchetes do jornal de seu amigo Guerra... Lembra-se que precisa terminar de uma vez seu artigo e entrega-lo ao jornalista... Folheia a publicação até se deparar com algo que lhe chama atenção... Paulo Lima voltara a escrever uma matéria... Enquanto o marido lê o artigo sobre Cultura Negra, impresso no Correio da Republica, Laura desperta... Abre os olhos e logo em seguida comprime as pálpebras pela sensação incômoda que a luz lhe provoca... Lentamente volta a abri-los... gira a cabeça para o lado e vê Edgar... Mesmo sentindo alguma dor não consegue deixar de dar um sorriso ao perceber a presença do marido ali...

Laura: O que tem de tão interessante aí para meu marido estar tão compenetrado?

Edgar (dobrando o jornal e sorrindo): Meu amor... que bom que acordou!... Como se sente?

Laura: Dolorida.... mas melhor... E as crianças? Vou dar uma olhada nelas

Laura tenta levantar-se.. Repentinamente sente uma tontura e é amparada pelo esposo, que a faz voltar a deitar-se...

Edgar: Laura... melhor você não se levantar... (enquanto a esposa senta-se na cama, acomodando-se nos travesseiros às suas costas)... As crianças estão bem... A Gertrudes e a Matilde passaram a noite cuidando deles....

Laura: Tive tanto medo de que acontecesse alguma coisa com eles...Não pensava em mais nada!... Cheguei a pensar que a gente não ia conseguir...

Edgar: Prefiro nem pensar nisso... Perder vocês todos... ao mesmo tempo... eu simplesmente não ia suportar!... Mas o pior já passou... você e as crianças estão bem...

Laura: É... isso é o que importa!... Mas o senhor não me disse o que havia de tão interessante no jornal...

Edgar: Ah... um artigo do Paulo Lima... sobre Cultura Negra... Se puder leia depois.. É muito interessante!... Gosto das opiniões desse senhor... Ele escreve muito bem...

Laura (tentando esconder o contentamento que essas palavras lhe causam): Bem.. vou ler mais tarde então.. Mas duvido que seja melhor que o Antonio Ferreira...

Edgar: Pois eu acho melhor sim!... E agora Sra. Vieira, esqueçamos esses dois... Vou te deixar um momento sozinha... Vou buscar seu café da manhã...

Laura (manhosa): Não estou com fome...

Edgar: Amor... você precisa se alimentar!... Por você e pelo bebê... Eu já volto (dando um beijinho leve nos lábios da esposa)

Laura acaba tomando o desjejum com gosto... Aos primeiros goles do suco de laranja feito por Matilde, percebe que boa parte de seu enjoo era por fome e não pela falta dela...Pouco tempo depois da refeição, batem à porta do quarto do casal... É a Dra. Evie...

Dra. Evie: Bom dia

Edgar e Laura: Bom dia

Dra. Evie: E então? Como a senhora passou a noite? Sentiu muita dor? Ardência? Algum incômodo?

Laura: Sinto um pouco de dor no local da queimadura... mas a cabeça já não dói... e a ardência no corpo aos poucos está cedendo...

Dra. Evie: Em poucos dias a senhora já estará bem...Acabei de examinar as crianças... agora deixe-me examina-la...

Edgar sai do quarto para que a médica examine sua esposa. Enquanto aguarda vai ao quarto dos filhos...Conversa um pouco com as crianças e depois vai ao escritório.. percebe que Heloísa já chegara... Dá orientações à secretária... Sai de seu local de trabalho... Ao voltar para a sala de estar depara-se com a presença de Isabel..ambos ficam ali conversando e já confabulando sobre as ações a serem tomadas quanto a reconstrução da escola... Enquanto isto, na Rua dos Ipês, Catarina está sentada em frente a penteadeira... escova os cabelos enquanto pensa... sente o impulso de ir a casa de Edgar... mas acaba raciocinando... se for podem desconfiar...

Na casa do advogado, Dra. Evie terminara seus procedimentos... Edgar e Isabel vão até o quarto onde se encontra a professora...

Dra. Evie: Está evoluindo bem.... mantenha a hidratação... e procure descansar hoje... O mesmo vale para as crianças... A capacidade de recuperação delas é impressionante!... Estão muito bem!...

Laura: Mas eu não posso fazer nada?

Dra. Evie: Claro que pode... mas nada muito cansativo!... Assim como os pequenos... se quiserem brincar, podem... mas nenhum jogo muito agitado!..(olhando para o relógio na mesa de cabeceira de Laura)..Bem.... está na minha hora... Preciso ir para o hospital...

Edgar: Isabel... Você vai ficar um tempo com Laura?

Isabel: Se ela não se incomodar...

Laura: Sua boba! Sabe que adoro sua companhia...

Edgar: Ótimo!... Amor.. eu preciso dar uma saída... tenho umas coisas para resolver...

Laura: Tudo bem... Só antes de sair... pede para Heloísa trazer meus materiais da escola... Já que posso fazer alguma coisa... vou planejar algumas aulas...

Edgar: Está bem... Eu acompanho a Dra. até a porta...

Dra. Evie: Siga as minhas orientações... e qualquer coisa me procurem... Bom dia

Edgar e a Dra. saem do quarto... Edgar dá ordens para Heloísa levar as coisas de Laura para cima... diz que estão em uma caixa, na última prateleira da estante... Heloísa assim que o advogado sai, procura pelo volume... O Dr. não especificou em qual das colunas da estante estava... encontra uma caixa com várias pastas dentro... Pensa que deve ser aquela... Enquanto isto, Laura e Isabel conversam...

Laura (abatida): Ai Isabel... será que sobrou alguma coisa lá no morro?

Isabel: O fogo estava sendo combatido, Laura... E com a chuva que caiu durante a noite... deve ter extinguido de vez...

Laura: Mas vamos ter de começar do zero... Amiga... se quiser desistir, eu entendo... Vai ser muito dispendioso...

Isabel: Laura... a gente não conta só com o meu dinheiro... Na verdade... a gente tem um sócio investidor... muito rico... e que se encantou com a ideia assim que soube dela!...

Laura: Um sócio?

Isabel: Sim... que acabou de sair daqui...

Laura (sorrindo encantada): O Edgar está ajudando com o projeto? Por que não vocês não me contaram?

Isabel: O Edgar me pediu para não te dizer... pensou que você ia ficar zangada... que ia achar que ele estava se metendo na sua vida... Laura... quando ele soube da escola... ele ficou muito empolgado.. disse que queria ajudar a realizar o teu sonho...

Laura: Como posso me zangar??? Ele está sendo maravilhoso.. em tudo!... Eu só tenho que agradecer Isabel... Sabe... a cada dia me surpreendo mais com meu marido!... Vou ralhar com ele... por que tem tantos mistérios?

Nisto batem a porta... Heloísa entra carregando a caixa...

Heloísa: Bom dia... com licença... o Dr. Vieira me pediu para trazer isto... (colocando a caixa sobre a mesa próxima à poltrona)

Laura: Ah sim... os meus materiais...

Heloísa: Soube o que aconteceu... Espero seu pronto restabelecimento...Com licença

Laura: Obrigada Heloísa...

A professora senta-se na poltrona... Abre a caixa revestida com um papel azul...Ao abrir percebe que aquelas coisas não são suas... Não resiste e abre uma das pastas...admirando-se diante do que vê...