Constância está na Rua do Ouvidor com Luzia, que a esta altura já está cheia de pacotes e sacolas de compras da baronesa.. Ao sairem de uma loja em frente a biblioteca, Constância fica indignada diante da cena que vê... sua filha está se despedindo de algumas pessoas... seus antigos alunos..

Constância: Não pode ser!!! A Laura perdeu totalmente o juizo!!! Como pode fazer isso? Ela sabia que depois de casada não poderia voltar a este lugar....

Constância pensa em falar com Laura ali mesmo... mas chamaria demais a atenção... conhece o gênio da filha e também sabe muito bem o temperamento que ela própria tem... uma baronesa discutindo no meio da rua seria tudo para um pasquim de quinta vender até a último exemplar... resolve ir para casa... mas Laura não fugirá dessa conversa

Laura vai caminnhando pela rua... passa em frente ao Correio da República... vê que Edgar saiu do prédio e está esperando por ela... já não há como desviar...

Edgar: Bom dia...

Laura: Bom dia

Edgar: Posso te acompanhar?

Laura: Eu já cheguei onde queria (estão em frente a Confeitaria Colonial)

Edgar: Interessante... também estava vindo para cá... aceita tomar um café?

Laura: Não... perdi a vontade... vou pra casa

Edgar: Ótimo... vou com você... é o mesmo caminho...

Eles seguem pela rua... Edgar tenta conversar com Laura, mas ela só responde com monossílabos Chegam em casa

Laura: Satisfeito? Com licença...

Edgar: Laura... o que você pretende? Viver assim? Feliz ou infelizmente nós vivemos sob o mesmo teto... não precisamos fazer com que isso se torne um inferno...você não precisa viver enclausurada no quarto quando estou em casa... podemos pelo menos ser cordiais um com o outro...

Laura olha para Edgar. Sente um misto de carinho e raiva por aquele homem a sua frente. Não responde nada ao esposo e sobe para o quarto. Senta-se em frente a penteadeira e pensa no que está acontecendo com sua vida.

Edgar está na sala com o semblante mais sombrio do que nunca. Nunca pensara que aquela discussão iria ter tamanha proporção... De um dia para outro seu relacionamento com Laura foi do céu ao inferno...

Edgar vai para a fábrica. Lá encontra seu sogro e seu pai conversando. Dr. Assunção foi agradecer a Bonifácio Vieira pela colocação que conseguiu como Delegado de Saúde Pública.. Edgar pensa que uma visita do pai de Laura a sua casa pode abrandar o coração da esposa...

Edgar: Bem... Dr. Assunção... o parabenizo por essa nova empreitada... A Laura certamente vai ficar muito feliz com a notícia... o que acha de irmos até lá em casa para lhe contarmos a novidade?

Assunção: Claro meu genro... será um prazer... quero muito falar com minha filha... estou com saudade dela...

Eles se despedem de Bonifácio e vão para casa de Edgar.

Enquanto isso, Laura está na sala conversando com sua amiga Isabel.

Laura: E, então, foi isso que aconteceu... ele acabou por confessar tudo.. ou pelo menos eu acho que tudo....

Isabel: Nossa Laura... que situação... mas, e agora... como vocês estão?

Laura: Dormindo em quartos separados... mal consigo olhar para a cara dele... mas, às vezes, sinto uma saudade de estar com o Edgar...ai Isabel, você não sabe o que é dormir sabendo que quem você ama tá ali, pertinho, mas ao mesmo tempo tão longe...

Isabel: E por quanto tempo você pretende levar isso adiante...tá na cara que vocês se adoram... eu já percebi o jeito que ele olha pra você

Laura: hoje ele me disse que a nossa vida está se tornando um inferno... que não precisamos agir assim... podemos conviver de uma forma cordial.... acho que tem razão... mas começo a pensar... me dá uma raiva... mas e você... me conte como andam as coisas...

Nisso batem a porta... Matilde vai atender... É Constância... A baronesa adentra o recinto com seu ar superior e fica estarrecida diante do que vê.

Constância: Mas o que é isso? O que essa mulher faz aqui? Menina... você já me atrapalhou demais... e agora veio atrapalhar também a vida da minha filha...

Laura: Mãe... se é pra senhora ofender minhas visitas e ofender a mim mesma, pode sair por onde entrou..

Isabel: Deixa Laura... está na minha hora de ir... sabe, não consigo entender como alguém como você pode ser filha dessa mulher... um poço de orgulho e preconceito...

Laura: Isabel... não vá..

Isabel: Eu volto outra hora... adeus

Constância: Vá... e nunca mais volte...

Isabel sai.

Laura: Dessa vez a senhora perdeu completamente os limites... como ousa vir a minha casa e ainda expulsar minha amiga?

Constância: Amiga? Laura por favor... quem perdeu os limites é você... estou seriamente preocupada... tinha vindo aqui por outro motivo... e o que vejo? Você... recebendo uma escurinha desclassificada... tomando chá com uma filha de escravos...

Laura:

sim

... uma filha de escravos... negra.. e que me entende... coisa que a senhora nunca conseguiu...

Nisto Edgar e Assunção chegam em casa e acabam por ouvir a conversa. Mãe e filha não percebem a chegada deles.

Cosntância: Filha... o que o Edgar vai dizer? Ou você acha que ele vai aprovar essa sua "amizade"? E mais... desde quando voltou a dar aulas? Te vi saindo da biblioteca... Laura... isso não fica bem para uma moça da sua estirpe... para uma mulher casada... você devia estar se dedicando ao seu lar... o Edgar...

Laura: me entende!!!! Ele pensa como eu! O Edgar não tem pensamentos retrógrados como a senhora... nunca conheci nenhum homem com o Edgar!

Nisto Laura vira-se e percebe que o marido está ali e ouviu o que ela dissera.. Edgar está visivelmente feliz com o que escutou...

Assunção: filha... vim te dar uma boa notícia... mas vejo que não é o momento... venha... vamos conversar um momento..

O pai conduz Laura ao escritório... Laura porém não deixa de ouvir a seguinte conversa

Constância: Edgar... perdoe minha filha... ela é muito jovem e não sabe o que faz... esses arroubos juvenis não a deixam perceber o quanto está agindo errado...

Edgar: Ao que a senhora se refere?

Constância: Quando cheguei aqui ela estava conversando com uma mulher de cor...

Edgar: Isabel? Ela sempre vem aqui... Laura e ela são boas amigas... e todas as amigas de minha esposa sempre serão muito bem recebidas nesta casa.. E, D. Constância, quanto às aulas, eu não só aprovo como tenho muito orgulho da Laura por estar se dedicando a algo tão digno... e ela vai continuar pelo tempo que achar melhor...

Constância: Você diz isso agora... deixe vocês terem um filho...

Edgar: Obrigado por sua preocupação... mas quando isso acontecer tenho certeza que Laura e eu encontraremos a melhor solução para conciliar as coisas.. agora com licença... tenho coisas importantes a fazer.

Assunção percebe o clima que se instaurou na sala e leva Constância embora... Enfim Laura e Edgar estão sozinhos naquela sala

Edgar: eu ouvi o que você disse.

Laura: Eu também ouvi... obrigada...

Edgar: Não fiz nada... apenas disse o que realmente penso... eu realmente tenho muito orgulho e admiração por você... Boa noite...

Laura: Edgar....

Edgar: O que foi?

Laura vai ao encontro dele e lhe dá um selinho: mais uma vez... obrigada... boa noite... (vai subindo as escadas e dizendo baixinho).. meu amor...


Edgar sorri enquanto vê Laura subindo as escadas... Tinha conseguido amolecer um pouco o coração de sua amada... sua vontade era subir correndo e toma-la em seus braços... mas... pensa um pouco.. preciso ir com calma, aos poucos... qualquer passo em falso seria um retrocesso...

Sobe as escadas e vai em direção ao quarto de hospedes... mas não deixa de reparar na porta do quarto de Laura... está entreaberta.... Para e sente a tentação de entrar naquele quarto... mas controla seus instintos e segue...

Laura está em frente à penteadeira, escovando os cabelos... deita-se... pensa em Edgar e nas palavras que proferiu a seu favor perante a baronesa. Aos poucos sua raiva pela traição está abrandando... ainda doi pensar que Edgar esteve com outra mulher... mas ao mesmo tempo lembra de todos os bons momentos que passaram juntos... e do olhar triste do esposo e do quanto ambos estão sofrendo... deseja que ele entre por aquela porta.. precisa dele... mas ele não vem...

Amanhece outro dia... Edgar levanta-se mais cedo que o habitual...vai até o quarto de Laura e a observa dormir... busca um ramo de alecrim , escreve algo rapidamente e sai. Laura logo desperta.... sente aquele cheiro que para ela lhe traz tão boas lembranças... e vê junto a planta sobre o travesseiro ao lado do seu, o papel com a seguinte inscrição:

Quero ser o teu amor amigo. Nem demais e nem de menos.

Nem tão longe e nem tão perto.

Na medida mais precisa que eu puder.

Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,

Da maneira mais discreta que eu souber.

Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.

Sem forçar tua vontade.

Sem falar, quando for hora de calar.

E sem calar, quando for hora de falar.

Nem ausente, nem presente por demais.

Simplesmente, calmamente, ser-te paz.

É bonito ser amor amigo, mas confesso é tão difícil aprender!

E por isso eu te suplico paciência.

Vou encher este teu rosto de lembranças,

Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..."

Laura sorri ao ler o poema. Veste-se e prepara-se para mais um dia na biblioteca. Desce para a sala encontra mais um pequeno agrado de Edgar... junto a mais um ramo de alecrim e uma rosa branca, um livro... Poesias Completas.. do seu autor predileto... Machado de Assis... com o seguinte bilhete: "Tinha a intenção de presentear esse livro no dia em que brigamos... sei que ainda está muito magoada comigo... aceite-o como mais um entre tantos pedidos de perdão. Edgar"

Laura vai para sua aula. Durante o dia pensa em Edgar. Ao chegar em casa, senta-se na sala e resolve ler um pouco. Edgar chega, mas diferente dos outros dias, Laura permanece onde está

Edgar: Boa noite

Laura: Boa noite

Edgar (tentando puxar assunto, sem muita esperança de que Laura lhe responda): E então, como foi seu dia?

Laura: Bem... foi um pouco cansativo... tive que dar duas aulas hoje e depois ainda preparei mais uma terceira para amanhã... e o seu, como foi?

Edgar (surpreso): Bem... um pouco confuso pela correria na produção da tecelagem... estamos com o prazo de entrega de um pedido quase vencendo e ainda não temos boa parte dos tecidos.. estamos correndo contra o tempo...

Laura: Bem... vou pedir para Matilde servir o jantar...

Edgar e Laura jantam juntos depois de tantos dias... conversam... ainda com certa formalidade e distanciamento...

Eles vão para a sala e Edgar serve um calice de vinho do porto. Laura acaba se perdendo com o olhar sedutor do marido e vira o cálice que tem em suas mãos sobre o casaco dele

Edgar: Laura... olha o que aconteceu!

Laura: Desculpa... eu já vou limpar isso!!! Espero que essa mancha saia... deixa eu ver... (tentando tirar a mancha com um guardanapo) não quer sair... vai ficar essa marca...

Edgar (detendo a mão de Laura com a sua mão): A marca no casaco não é nada... pior são as marcas que ficam no coração... (olhando fixamente para Laura) você deixou marcas muito profundas no meu...está muito difícil ficar sem você...

Laura: Edgar... eu também já não aguento mais... por mais raiva que eu sinta... eu te amo (eles se beijam)

Edgar puxa Laura mais para si... As bocas não se deixam... os beijos vão ficando cada vez mais vorazes... as mãos de Edgar percorrem todo o corpo de Laura... vão indo para o quarto... as roupas vão ficando pelo caminho... e entre beijos, abraços, gemidos e palavras murmuradas se amam até exaustos adormecerem..... um nos braços do outro